segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

COTIDIANO BRASÍLIA

Por Paccelli José Maracci Zahler

Não dá para descrever a sensação de estar chegando em Brasília pela primeira vez. Meus olhos interioranos pareciam estar a ponto de saltar das órbitas de tanta vontade de ver e sentir tudo de uma vez só. Porém, Brasília é uma cidade diferente. Para conhecê-la, só vivendo nela.
Fiquei me sentindo minúsculo ante a largura das avenidas e a imponência do prédio do Congresso Nacional. Que dizer, então, do Palácio do Planalto, da Igreja Dom Bosco e da Catedral Metropolitana? Era como entrar em um cartão postal!
E lá se foram dezoito anos! Período no qual acredito já ter devassado todos os segredos da capital do meu país.
Preso às tradições do meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, jamais me imaginei entrando em contato com "hare krishnas", tarólogos, astrólogos, naturalistas, iridiologistas, radiestesistas, espíritas, médiuns, pais-de-santo, com pessoas que buscam a energia das pirâmides e dos cristais, sem falar naquelas que têm contatos imediatos com seres extraterrestres.
Em toda essa diversidade de religiões e crenças, evoluí espiritualmente. Muito mais do que esperava. Penetrei nos meandros do misticismo, busquei o equilíbrio mental e emocional através da prática do "tai-chi-chuan". Coisas desta cidade magnífica que exerce poderes mágicos sobre seus habitantes.
Brasília desperta curiosidade de quem a visita pela primeira vez; ódio em quem se estabelece, devido às grandes distâncias; e amor em quem permanece. É uma terra de contrastes. Em um mesmo local podem ser faladas todas as línguas e ouvir-se todos os sotaques. Ela mesma já começa a desenvolver o próprio sotaque.
A beleza das mansões convive com os barracos dos migrantes. As crianças abandonadas e famintas aguardam ansiosamente os pães que são jogados fora nas padarias por não terem sido vendidos. Alguns homens são vistos buscando comidas nos latões de lixo dos restaurantes luxuosos.
Tais coisas não maculam a imagem de Brasília. São reflexos de uma cidade que cresceu além de sua capacidade e da crise social e econômica pela qual o país vem passando. Brasília não tem culpa, assim como nenhuma outra terra tem culpa da ambição, dos desmandos e das mazelas dos homens.
O céu continua lindo, provavelmente, o mais belo do país tanto na estação chuvosa como na estação seca.
A vegetação do cerrado, com suas árvores tortuosas que assustam o visitante casual, ao mesmo tempo encanta os olhos com a beleza rústica de suas flores.
As águas cristalinas brotadas da rocha do Parque Nacional de Brasília, em meio às árvores do cerrado, as quais exalam um perfume característico, formam um verdadeiro templo ao ar livre. Lá, as pessoas vão buscar as energias para restabelecer aquelas perdidas nos momentos de tensão e estresse do trabalho.
Seriam estas as razões de Brasília ser uma cidade mística? Só quem aceita viver nela sabe a resposta. Eu sei, mas não conto pra ninguém!


(publicado no primeiro número da Revista Cerrado Cultural, em 27.jul.2008).

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