segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

LEMBRANÇAS DE GURI

Por Antonio Francisco de Paula (Brasília, DF)

Numa dessas madrugadas
De céu escuro enferruscado
Acordei meio assustado
De um medonho pesadelo
De badalo de cincerro
E mugido de boiada
E relincho da potrada
Ecoando no potreiro

E o sono teatino
Já sacudiu os baixeiros
E me deixou no travesseiro
Remoendo minhas lembranças
E no lombo da esperança
Sai batendo esporas
Na culatra da memória
Da minha querida infância

Num upa voltei no tempo
De piazito carreteiro
Correndo pelo terreiro
Entre a casa e o galpão
De calça curta , pés no chão
Com o calcanhar rachado
Comendo pinhão assado
Na grimpa com meus irmãos

Brincando lá no quintal
Na sombra da pitangueira
Na mangueirita de tronqueira
Fechada com varejão
Onde eu menino peão
No meio do alvoroço
Reunia o gado de osso
Nos dias de marcação

Uma garra de pelego
Numa vara de marmelo
Era meu baio amarelo
Que eu gostava de encilhar
E saía a camperiar
Laçando touro e novilha
Com um lacito de embira
Que o vovô ensinou a trançar




Num relance também vejo
De avental lá na cozinha
A minha querida mãezinha
Em roda do fogão
Preparando a refeição
Um arroz de carreteiro
Salada e feijão tropeiro
E paçoca de pilão

Pedalando na varanda
Na máquina de costura
Apurando a rapadura
No tacho de melado
Na fornalha de assado
Atiçando o braseiro
Cuidando do pão caseiro
Alimento abençoado

O papai lá na mangueira
De alpargatas e bombacha
Secando o leite das guachas
Entreverado com os terneiros
Encangando os carreiros
O pachola e o chitado
O pimpão e o colorado
Pintassilgo e o letreiro

Atrelando dois a dois
Na carreta carregada
Para mais uma jornada
Na sagrada profissão
Transportando a produção
Pelas serras e canhadas
Serpenteando nas estradas
Empoeiradas do rincão

Ainda ouço o rangido
De cangalhas e bruacas
Latidos e bate patas
E o era era dos tropeiros
Dos gaudérios cavaleiros
Repontando a boiada
Em direção à charqueada
Pra diante do vilarejo

E no meu gauderiar andejo
Nos verdes campos dos anos
Guardo em mala de pano
A minha maior herança
Os recuerdos de criança
Do meu mundo de guri
Do torrão onde eu vivi
A minha feliz infância

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