sexta-feira, 6 de maio de 2011

HOMENAGEM À MINHA MÃE: MINHA MÃE MORREU?

Por Vânia Moreira Diniz

Minha mãe, Luiza Alice Arraes Moreira, morreu quarta-feira, dia 30, e esta data passou a marcar definitivamente minha vida. Nunca deixarei de sentir o aperto no peito, a sensação do chão fugindo sob meus pés e minha raiz verdadeira que foi arrancada brutalmente. A vida parecia negar-me o oxigênio que um dia propiciara quando cheguei ao mundo, depois de abrigada durante 9 meses no útero materno. Senti-me asfixiada, sem ar.

Alguma coisa arrastou-me para o velho fundo do poço, onde meu pai dizia que às vezes era preciso permanecer durante uma fase para que se desse a renovação interior e pudéssemos retornar mais amadurecidos pelo sofrimento. E nele estou nesse momento para que possa sair intacta.

Pensei que minha mãe não morreria jamais. É claro que sabia que isso era impossível. Mas ela sempre se manteve tão segura, com uma coragem inquebrantável, força ilimitada e vigor admirável que era quase impossível imaginá-la inerte.

Uma das lembranças mais remotas que surgem no meu pensamento como se fosse um filme de curta metragem foi constante nesses dias difíceis. Eu era muito pequenina e estava chegando do colégio no ônibus escolar quando minha mãe veio ajudar-me a descer.

Seus cabelos naturalmente lisos e negros encaracolavam-se num permanente temporário e estava tão bonita que desejei cobri-la de beijos e abraçá-la. Os lábios pintados discretamente contrastavam com a cor clara de sua pele e refletiam um brilho imenso em seus grandes e expressivos olhos. Ainda bem que nossas reminiscências são nítidas e jamais ficam amareladas como as fotos.

Mamãe era culta, consciente de sua própria segurança, e gostava imensamente de arte. Assídua freqüentadora de teatro ao lado de meu pai não se eximia de dizer que prefiria o teatro ao cinema. Suas opiniões eram declaradas com imensa transparência. Fora criada num ambiente propício à música e literatura. Minha avó era uma exímia pianista e meu avô um literato, escritor brilhante e tudo isso ficara marcado dentro de sua alma.

Ao lado disso eu sentia sua autoridade, jamais falando alto, mesmo quando extremamente zangada e ainda assim suas opiniões eram acatadas pelo carisma que ela exercia em todos os níveis. E a certeza que sua condição de mulher era extremamente admirada, pois fora criada por um homem que se posicionava a favor do matriacardo e casada com outro que respeitava a mulher de uma maneira que até hoje eu aprecio profundamente.

Sentava-se sempre ereta, como jamais consegui, a coluna perfeita e nunca a vi deitando-se à tarde, mesmo em dias de domingo. Sua postura fazia-me lembrar alguém em visita de cerimônia, porém eu sabia que mesmo estando sozinha era esse o modo como ela convivia consigo mesma.

Era sensível sem ser exagerada e o lado racional conduzia sua vida com mais eficácia, por isso pergunto-me sempre como a sensibilidade pode me dominar a ponto de várias vezes ela ter chamado minha atenção quanto ao sofrimento que isso podia me causar.

Teve oito filhos, cinco homens e três mulheres e todos nós sabíamos que apesar de meu pai ser um intelectual notoriamente admirado e conhecido, envolvente e de grande inteligência só uma pessoa conseguia dominá-lo ou fazê-lo mudar de opinião: Minha mãe.

Não é que cedesse ou o fizesse para ficar mais tranqüilo, ele realmente se convencia do que ela dizia e sempre me interroguei como mamãe conseguia essa proeza, mas até hoje não consegui entender. Meu pai não só era persuadido como passava a ser o grande defensor daquela idéia, talvez mais do que a mulher e ficávamos boquiabertos diante daquela proeza.

Durante sua vida teve grandes sofrimentos como a morte de meu irmãozinho aos cinco anos e mais tarde nos últimos anos, de meu pai e mais dois irmãos todos prematuramente levando em conta a média de vida atual. Sofreu demasiado, e eu me perguntava onde tirava forças para seguir com coragem apesar da saudade que expressava em lágrimas constantes, da dor imensa que transparecia em seus olhos e da obstinação em continuar vigorosa, conservando intacto cada um de seus conceitos.

Nunca deixava de dizer a verdade e não era amável apenas para agradar. Era amada por todos, principalmente pela família mesmo nos momentos mais críticos e esse fascínio que ela exercia em relação às pessoas era um mistério sedutor não só para os filhos como para todas as pessoas que convivessem com ela. Uma mulher especial!

Tivemos vários conflitos, mas isso nada tem a ver com o amor que sempre sentimos uma pela outra. Sempre a conservei no coração, embora procurasse evitar na intimidade tocar nas divergências de nossos pontos de vista. Sabíamos que acima de tudo o amor que sentíamos era a sensação que realmente importava.

Teria muito conteúdo para descrevê-la com extrema minúcia, mas a emoção faz-me parar num ponto indefinido e passar a sentir suas palavras, os momentos que passamos juntas e refletir na força de seu caráter em todas as situações.

E agora, seis dias após sua morte, com uma profunda saudade, desejando desesperadamente vê-la e senti-la eu me pergunto em aflição imensa e não acreditando na realidade dura e cruel: Mamãe morreu? Eu não acreditava por mais que pensasse nisso e que soubesse que todos nós vamos embora um dia e por essa razão volto a perguntar com o vazio no coração: Mamãe morreu? E agora, meu Deus?

Somos cinco irmãos agora, perdidos em tristeza profunda, comentando nossas vidas, falando sobre nossa mãe e pai, sobre a infância e adolescência, as ruas de Copacabana testemunhas de nossos passos ou do tempo que nos faz reconhecer perdas intoleráveis. Fixamos um os olhos dos outros e perguntamos perdidos em realidade inacreditável: Mamãe morreu?

(Nota da autora: Texto escrito seis dias após a morte de minha mãe em 2007. Uma homenagem à minha mãe nas vésperas do dia das mães.Vânia Moreira Diniz,
06-06-2007)

14 comentários:

  1. Mana, seu texto descreve muito bem nossa mãe. Posso sentir como foi duro e ao mesmo tempo uma catarse escrever naquele dia tão triste de nossas vidas. Também me fiz a mesma pergunta, mamãe morreu, e agora? Até hoje é difícil imaginar o mundo sem ela. Parece que ela está em algum lugar e que logo vai chegar. Maio ficou triste, um mês tão lindo, temperatura amena, céu de um azul inigualável. E ela se foi neste mês. Mas maio chorou. Lembro bem como chovia no dia de sua morte. Resta-nos a saudade e a comunhão que acreditamos em Jesus. Nele estamos sempre unidos e esta é uma parte da religião católica que me atrai sobremaneira. Embora não a vejamos, estamos juntas. Não conheço também outra família que fale tanto em seus pais como a nossa. Eles estão sempre presentes em nossos pensamentos, em nossos corações. Resta-nos a saudade, é verdade, sempre saudade.
    Mana, beijo grande e fique com Deus, na certeza que ela está entre nós.
    Sua irmã Cristina Arraes

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  2. Vania,m teu texto está maravilhoso!! Lembrar-se da mãe com nitidez é fruto de um amor que transcende a compreensão humana!! Sua Mãe está agora, em oração por ti e por teus irmãos!!

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  3. Querida Poetisa Vania,
    sempre que leio seu texto, fico
    muito emocionada, é um momento elevado de sua alma tão querida, onde passa ao leitor tamanho sentimento de uma Mãe para a outra Mãe.
    FELIZ DIA DAS MÃES
    Com meu afeto e carinho,
    Efigenia

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  4. Minha amiga Vânia, sinto na alma a luta da sua mãe, do quanto foi guerreira e forte lutando por seus filhos e o quanto seu amor incondicional transcorre seu coração de orgulho.
    Maravilhosamente descreve um perfeito " Amor de Mãe"
    Parabéns sempre....

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  5. Vânia querida !

    Tanto tua Mãe quanto tu amiga compreenderam que valorizar o melhor de cada um é a única maneira de conviver e estar aberto as relações; enfim o amor vence obstáculos, distâncias geográficas, intelectuais, culturais, transpõe obstáculos, controe pontes !
    Bravos querida manamiga Vanininha!
    A ti meu abraço de verdadeira admiração e agradecimentos, nesta e por todas eras.
    tua virgínia fulber além mar

    "..."Tivemos vários conflitos, mas isso nada tem a ver com o amor que sempre sentimos uma pela outra. Sempre a conservei no coração, embora procurasse evitar na intimidade tocar nas divergências de nossos pontos de vista. Sabíamos que acima de tudo o amor que sentíamos era a sensação que realmente importava... " Escritora Vânia M. Diniz

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  6. Vâninha minha querida Amiga...tua homenagem transcende em sensibilidade amorosa, e nos toca com uma ternura emocionante...momentos como estes são de uma riqueza incalculável...através de lembranças tão nítidas, tua amada mamãe fez com que sentisse sua presença...
    É gratificante para nossa alma ler sobre tão belo e eterno sentimento!
    Parabéns pela mãe e filha que é Vâninha!
    Feliz dia das mães!

    Beijinhos te envolvendo com carinho...da Li que te quer um bem enorme

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  7. COMENTÁRIO do Escritor Désio Cafiero
    Vânia Que bom tornar a "vê-la", exibindo essa crônica, com a peculiar maestria; que me acostumei a apreciar. Por momentos, introjetei-me no seio familiar, sentindo um "aperto" semelhante - pelo menos imaginado como tal - ao que sentiu naquela oportunidade. Texto muito rico e, principalmente, vibrante. Parabéns!!!
    Desio Cafiero Filho
    Fiscal e Consultor Ambiental
    (31)9618-9054 / 9398-8803 e 3541-8830
    desiocaf@yahoo.com.br

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  8. Comentário da Maestrina Ana Boccucci
    FELIZ DIA DAS MÃES!
    AMIGA VÂNIA, DEUS LHE DEU O PODER DE DIZER O QUE SENTIMOS PELA NOSSAS MÃES.....
    PODE SER DIFERENTE NA APARÊNCIA, NO NÍVEL INTELECTUAL, NA COR, NO TAMANHO, NA RELAÇÃO COM A ARTE....MAS É MÃE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    MÃE, AO LER SEU TEXTO...NÃO TEM COMO NÃO SE REPORTAR A MINHA MÃE!!!!!!!!!!!
    E SENTIR TUDO QUE VOCÊ SENTIU.....
    O VAZIO......
    O CHÃO INDO EMBORA......
    VI MINHA MÃE NA ÍNTEGRA FORÇA, CORAGEM, DESTEMIDA!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    O MOTOR DE MINHA CASA......NÃO DORMIA TAMBÉM A TARDE......ESTAVA SEMPRE PRONTA PARA AJUDAR, PARA ALEGRAR,
    MESMO NO LEITO ENFERMO, BRINCAVA COMIGO:
    "ANA, PODE FICAR SOSSEGADA, JÁ FUI PRO FIM DA FILA DE NOVO..."
    ERA COMO ELA TRATAVA A SUA VEZ DE NOS DEIXAR......
    LÁGRIMAS ROLAM EM MEU ROSTO NESTE MOMENTO....
    MINHA BENEDICTA MÃEZINHA.....
    SAUDADE!!!!!!!!!

    BEIJOS

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  9. Comentário da Poeta Ridamar Batista

    Lembro-me como se fosse hoje o dia triste em que sua mãe se foi.
    Lembro-me muito bem a emoção com que você nos enviou o texto pelo Jornal Ecos.
    Sempre atual, sempre repleto de sua ternura imensa.
    Um abraço amiga Vânia.
    Ridamar Batista

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  10. Comentário da Escritora Meireluce Fernandes

    Querida amiga,

    Sem comentários!!! Belíssima peça literária.

    Grande abraço e feliz dia das mães para você!

    Da amiga, Meire

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  11. Comentário de Gezeuda Arrais

    Vânia,querida, muito obrigada por ter -me enviado o lindo texto sobre sua mãe, realmente percebemos quão importante ela foi na vida dos filhos e também como pessoa neste mundo .Sei que tudo que voce
    fala ainda é pouco diante da magnitude do AMOR DE SUA MÃE!! que tão bem soube desempenhar seu papel de cidadã, de esposa, de mãe, de filha,de irmã,enfim de tudo a que era solicitada. Que Deus a tenha sempre com muitas bençãos ! FELIZ DIA DAS MÃES ! para você e todos seus familiares .
    beijos Gezeuda

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  12. Vânia, grata pelo texto que tão bem reflete o berço em que sua mãe acalentou vocês, ou seja como diz o provérbio:"Essa família teve berço"
    O nome de todas as mães deveria ser CORAGEM. Segue uma estrofe de um poema que escrevi:

    "A coragem de que se nutre,
    Seu incomensurável amor,
    Todas as mães buscam
    Nas promessas do Cristo-Senhor".

    Bjs.
    Armonia Gimenes

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  13. Comentário do Poeta André Prado

    Estimada Vânia, bom dia
    Uma justa e bela homenagem!
    Parabéns,
    André

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  14. Mãe, muito lindo. Vi a minha avó em cada palavra.
    Bj
    Cláudia

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