sábado, 29 de outubro de 2011

A FESTA DAS BRUXAS

Por Ridamar Batista

O outono chega, trazendo a beleza de seu colorido, forrando o chão das estradas com tons multicolores, de folhas que se desprendem de seus galhos, com a majestade de quem sabe já ter cumprido sua missão é que a hora é mesmo de partir, deixando atrás de si o encanto de seu reinado.
Como é sábia a natureza! Para morrer, faz uma festa alegre e colorida, chamada outono.
E nesta época, quando os caminhos se vestem de mil cores, os homens criam as suas histórias, contam seus casos que serão repetidos ao longo do inverno, sentados em alguma salinha aquecida pela lareira num canto de seus lares.
Assim foi que eu ouvi este conto, contado aqui por estas bandas, num destes dias de começo de outono, quando o frio já começa entrar pela janela, assim meio sem graça, com medo de ser rejeitado... Quando as pessoas já se reúnem nas salas, aquecida, onde se bebe um bom vinho, se come um bom queijo, fundido aqui mesmo na mesinha acolhedora e onde se conta muitos casos.
Contaram-me que os camponeses lhe contaram.
Aqui, a maioria das pessoas em algum momento de suas vidas, já foi camponês.
Vive-se uma relação muito íntima com o tempo, com suas mudanças, com a mudança das estações, festas de igreja e datas pagãs, introduzidas no calendário cristão com o nome de um santo qualquer, ou de vários como é o caso do dia de todos os santos, 1º de novembro. Na verdade esta data festeja uma tradição de origem celta, dedicada ao mundo mágico das fadas, duendes, elfos, ninfas e silfos, salamandras e ondinas. Um dia consagrado aos seres que permeiam o espaço etéreo entre o mundo objetivo e o subjetivo.
Pois então, contaram-me que neste dia, todas as bruxas teem a permissão de fazer o que quiserem com os infelizes mortais, não crentes nelas.
Costumam festejar seu dia, junto com os humanos, que elas muito apreciam. Isso só é permitido neste dia. Claro que a grande maioria deste humanos não acreditam nesta conversa, mas um deles, este sim, jura que isso é verdade.
Por quê? Veja lá.
Numa tardinha, meio nublada, assim querendo chover, o dito homem saiu de sua casa para pastorear seu rebanho de ovelhas, como era fim de verão, o pasto escasso, teve que se afastar um pouco de casa, porem andou ali mesmo, por volta de sua propriedade.
Existe ali perto, uma gruta, uma fenda aberta entre umas pedreiras, creio eu, restos do leito do velho e querido Guadiana, fenda esta muito usada para abrigar andarilhos e nômades ciganos, que passam por estas terras, desde toda a sua história.
Tal abrigo muito usado já é de propriedade comum, pois aqui a intempérie é sempre uma realidade que nunca se sabe quando chega, temos até um adágio popular “ de Espana, nem bons tempos e nem bons casamentos”, realmente são muito temperamentais.
Assim que o justo homem, distraído pelo caminho de sua costumeira andança, recolhendo seu rebanho que buscava um ramo verde aqui, um cardo espinhento ali, um resto de gira sol tardio acolá. Senta-se para descansar sobre uma pedra, na entrada da tal gruta, justo no dia 1º de novembro à tardinha.
A tarde era bonita o céu desenhado em tons divinos, fazia uma coreografia maravilhosa. Olhando aquela imensidão a sua volta, se perdeu em divagações. Mal havia entrado o sol, do outro lado surgia uma linda lua cheia, trazendo consigo todo seu feitiço. Encantado, e vale toda a ambigüidade da palavra, o homem começou a ouvir sons de mil violinos que tocavam em harmonia uma linda ária cigana. Olhou para os lados e não podia ver de onde vinha aquele som tão belo cada vez mais perto de si.
Até que pode ver pela fresta da pedra onde estava deitado, que dentro da caverna havia uma festa, e que festa! Tudo estava arrumado com luxo e beleza. Mulheres maravilhosas, jovens e velhas, todas lindíssimas, dançavam felizes, seminuas, envolta de véus multicoloridos e vibrantes, uma dança que ele jamais havia visto.
Os homens dançavam felizes em carícias lascivas e obscenas, em beijos apaixonados. Bebiam, comiam e dançavam, e a música que vinha lá de dentro era um êxtase total. E ele ali, do lado de fora da gruta, abobalhado, porque nunca houvera visto alguém dizer que isso pudesse acontecer ali, perto de sua casa, uma festa tão luxuosa, com tanta gente bonita e rica. Mas o encantamento era tão grande que o nosso camponês nem ousou questionar nada. Parado, admirando pela brecha, as mulheres dançando e retirando aqueles véus, se desnudando aos seus olhos, dançando tão leves que mais pareciam estar fora da terra, levitando, assim um pouquinho acima do chão, de tal forma que seus pés não tocavam os belíssimos tapetes que forravam o chão da gruta.
Encontrava-se totalmente embevecido, se assustou quando uma voz lhe falou mansamente aos ouvidos, como se fora uma voz angelical, sinfônica:
- Vem dançar comigo?
Imaginem só como ficou nosso amigo camponês, todo sujo, cheirando a ovelhas, mal vestido, e sendo convidado para uma festa daquelas?
Quando se olhou, em uma fração de segundos, para avaliar as possibilidades de aceitar o convite, se viu vestido como um príncipe! Estava lindo! Muito bem posto, o traje lhe caía bem como se fora seu por toda vida, se sentia a vontade dentro daquela roupa, sem pensar muito aceitou o convite e entrou gruta a dentro e dançou e bailou e comeu e bebeu, como se fora em sonho.
As mulheres vinham a cada momento trazer-lhe vinho, comida e carinho. O homem estava atônito, mas seguia adiante, aproveitando a festa. Num determinado momento, de lucidez talvez, guardou um daqueles bocados deliciosos, que lhe ofereciam, no bolso, para levar e mostrar para sua mulher, porque era algo incrível.
A gruta era toda enfeitada de fitas, caiam do teto, como estalactites, gotas de ouro cintilantes como se fossem estrelas, moviam-se no ar, luas, sóis, cometas, tudo em dourado, tudo como se estivessem soltos, bailando também. No chão, os tapetes tinham a maciez de algodão recém colhido, por várias vezes quis ir embora, mas a embriagues e os carinhos daquelas mulheres iam prendendo-o ali, cada vez mais.
O interessante é que ele não conhecia ninguém e todos lhe pareciam conhecer de muitos anos. Mal seu copo se esvaziava e estava a bebida, cada vez mais saborosa, descia por sua garganta como se fosse mel.
Sentia certa embriaguês, porém nada que lhe causasse dano. Um sentimento luxurioso lhe invadia a alma, um que de culpa, mas que nada! Logo o sentimento ia embora. Era tudo tão insólito que continuava, para ver no que dava. Olhava de soslaio lá fora, para ver se tudo corria bem, para certificar-se de que realmente aquilo estava acontecendo.
Enfiou a mão no bolso, sim, o doce estava lá. Para não ter dúvidas, colocou um pouco mais daqueles bons bocados no outro bolso. Queria muito mostrar aquilo para sua mulher. E neste estado de felicidade total, acabou por dormir nos braços daquela com quem bailava a ultima música. Era uma jovem bonita, cabelos longos e negros, caídos displicentes por sobre os ombros nus, alvos e perfumados de uma fragrância inesquecível, daquelas que ficam em nossa alma para sempre.
Dormiu acariciado pelas mãos de fada daquela que o havia cuidado com tanto zelo.
Manhã seguinte, sol a pino, ovelhas berrando a sua volta, solavancos de sua mulher aos gritos, ele totalmente embriagado e todo sujo de merda humana, com uma dor de cabeça de matar, trôpego acorda desentendido. Fedia mais que tudo, sua mulher esbravejava e lhe dava empurrões, querendo uma explicação para tamanha imundice.
O pobre homem, em sua total ingenuidade contou-lhe o ocorrido e enfiou de novo a mão no bolso para lhe provar que não era mentira, cadê os bons bocados? Era pura merda que tinha no bolso. Enquanto tudo ia acontecendo o povo foi juntando e se fartando de rir da história do bêbado.
Ele jurava porque jurava que havia participado de uma festa ali, bem dentro da gruta, que qualquer um podia ir certificar, porque a gruta estava toda enfeitada! Que nada! Nem sinal de vida. É que o homem tinha participado da festa das bruxas, que acontece naquele lugar, e naquele dia, sempre que é lua cheia.
Você não acredita? Pois pode crer, elas existem e fazem sua festa com os humanos, sempre que eles dão oportunidade a elas entrarem em nosso mundo.


Sobre a autora: Ridamar Batista é escritora, poetisa e Presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Anápolis, GO (ALBA).

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