terça-feira, 1 de maio de 2012

PERFIL: VON STEISLOFF

 
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Por Paccelli José Maracci Zahler
Ele é autor de mais de vinte livros e acaba de lançar EL EXPERTO com pompa e circunstância, sinônimo de sucesso entre seus admiradores e cativos leitores .Neste mês de maio de 2012, o convidado da coluna PERFIL é Von Steisloff, cronista, memorialista e colaborador da Revista Cerrado Cultural. A entrevista foi concedida por correio eletrônico e registramos o nosso agradecimento pela gentileza.

RCC. Qual a ascendência de Von Steisloff?

VS. O meu trisavô, Heinrich Steisloff aportou no Rio Janeiro em 1858 vindo da Pomerânia às frígidas margens do  distante Mar Báltico. O trisavô já chegou junto com a jovem esposa, Anna Magdalena Kemp e um bebê (meu bisavô) Christoph Steisloff. Trabalhavam para a Cia. União Indústria, empresa encarregada de fazer as picadas na Serra do Mar para a futura estrada ligando Petrópolis-RJ a Juiz de Fora-MG. Depois, fixaram residência naquela cidade mineira e deixaram gerações seguidas pela região de Minas Gerais. De princípio a colônia de alemães era muito fechada em si. Tanto é que os Steisloff se uniram em matrimônio com as famílias  Knopp e  Limpp, também imigrantes. Mas minha avó, Maria Steisloff resolveu, por amor, romper o circulo vicioso de casamentos intergermânicos. Seu escolhido foi o meu avô, Alípio José Rodrigues, filho de imigrantes portugueses.  

RCC. Qual a relação de Amauri  Rodrigues com Von Steisloff?
 
VS. Ora, Von Steisloff vem a  ser uma justa homenagem aos meus antepassados no distante século XIX. Eles, que tanto contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais. Acho que o prosaico sobrenome Rodrigues não chamaria atenção para a minha literatura já tão modesta. Dizem  – os que entendem –, que Von Steisloff é um bom pseudônimo literário para começar.

RCC. A trajetória existencial de Amauri Rodrigues tem sido a inspiração para as histórias de Von Steisloff?

VS. Sim, sem dúvida! Minha vida, desde bem pequeno, com as andanças de família de militar, foi sempre de observação das coisas, dos acontecimentos  e das pessoas. Sempre foquei minhas tendências curiosas no bicho-homem; sua alma,  valores e qualidades boas ou más.  

RCC. Von Steisloff costuma mesclar personagens reais com ficção literária, entretanto, predominam as memórias de Amauri Rodrigues. Von Steisloff é o alter-ego de Amauri Rodrigues?

VS. E não poderia ser diferente. Curioso que, às vezes, não consigo segregar do meu Eu, se sou Von Steisloff ou Amaurí Rodrigues.  Na realidade pensadores assim do meu tipo ficam submersos nas profundezas psicológicas, inexplicáveis ao leigo. O escritor quando opta por um pseudônimo está firmando uma espécie de “parceria” com um ser imaginável. Só existe para ele mesmo. A ele,  alter-ego, recorre, na solidão pensativa, para registrar em letra de forma as fantasias, as quimeras e a realidade ambiental de qualquer época.  Para mim (Amauri) é difícil abandonar ao vento, sem destino  a  personna que tanto me apoia e colabora. Me dá determinação, coragem ousada para dissecar a alma dos outros e a minha própria; por quê não?

RCC. Chegou a hora de conhecermos Amauri Rodrigues. Onde nasceu Amauri Rodrigues?

VS. Tive a ventura histórica de nascer no mesmo berço do Mártir da Inconfidência Mineira. Ali, na tradicional, piedosa e gloriosa São João Del-Rey, Minas Gerais.

RCC. Como foi a sua infância? 

VS. Ah! Nunca me afastei da infância! A infância “não foi”. Considero-me imerso na infância que não me abandona. As  mais remotas lembranças, vamos dizer, dos 5-6 anos tenho-as registradas de forma indelével. Por serem fantásticas, talvez, nunca se apagam. Me “perseguem” no bom sentido. Cada sabor, cor, som, cheiros e pessoas puderam marcar para sempre a minha memória que insiste, até hoje, nas minhas manifestações gostosas de infantilidade. Consigo, com  facilidade e sinceridade emocionar-me com pequenas coisas que só criança entende. Raramente passam despercebidos para minha pessoa as palavras e os gestos dos meus interlocutores. Nada me escapa. Estou sempre no processo-aprendizado e entusiasmado, como  se criança ainda fosse, a “registrar” tudo que acontece. Acho que nasci, mesmo para memorialista da bela vivência dos tempos idos. Desde a meninice, até os dias de hoje, fui destinado às mudanças de lugar de cidade em cidade. Dezenas de lugares sejam aqui, ali e  acolá, mesmo  fora do Brasil. Não tive tempo para esquecer a minha infância. Além das lembranças felizes de São João Del-Rey e Ouro Fino, uma aventura me esperava aos dez anos de idade! A 2ª Guerra já tinha espocado na Europa e os militares brasileiros foram ocupar as praias nordestinas. Qual não foi a minha emoção de menino ao chegar no Armazém nº 18 do Cais do Porto na cidade do Rio de janeiro! Lá estava um enorme navio, o Raul Soares, do Lloyd Brasileiro, para embarcar toda a tropa. As tralhas do quartel de Ouro Fino, incluindo os cavalos e as mulas! As famílias juntas para um destino não revelado. Era segredo militar. Só o Estado Maior do Exército sabia! Para nós, crianças era o máximo! Estávamos indo para a guerra! Depois de onze dias de viagem, escapando dos submarinos alemães, chegamos para desembarcar no porto de Natal, Rio Grande do Norte. Por lá ficamos por toda a 2ª Guerra. E por lá entrei na mocidade, mas nunca a ingenuidade da infância  era esquecida.  Ah, para o menino do interior aquela primeira viagem por mar! Os golfinhos saltando na proa do Raul Soares que avançava! Aquelas cenas retratadas no filme Titanic ficam pobres diante da realidade desfrutada pelo menino Amauri, no distante ano de 1941. Então, naquela viagem, sem destino, desabrocharia a alma inquieta e sonhadora do futuro Von Steisloff? Quem sabe?

RCC. O gosto pelas letras foi cultivado ainda na infância? Alguém o influenciou?

VS. Não, na minha infância não tive quem me “influenciasse” no gosto pelas letras. Ao contrário: minhas relações familiares eram todas com pessoas de poucos recursos intelectuais. Tecelões e soldadescas.  Gente das baixas ambições além dos ambientes  castrenses e fábricas de tecidos e assemelhados.  Mas, algum gene ancestral , quem sabe, me fez romper o marasmo natural do ambiente. Sabem o que é o pejorativo “Rato de Biblioteca”? Pois eu assim era apelidado. Durante minha formação de humanidades, sobremaneira, em Lavras-MG. Naquela cidade  onde fui interno do centenário Instituto Gammon, descobri a emoção das bibliotecas! Em São João Del-Rey, quando ia de férias, me fascinavam as obras raras da velha Biblioteca Municipal. Tornei-me amigo de muitas bibliotecárias pelos caminhos da vida. Aproveitando viagens de trabalho, fui fazer pesquisas para um romance meu em uma das mais prestigiadas bibliotecas do Planeta. A famosa Biblioteca do Congresso, em Washington, DC. De lá trouxe  para minhas amigas bibliotecárias do Brasil, uma foto em pose diante do primeiro livro impresso pelo sistema de tipos móveis. A Bíblia de Mogúncia de Guttenberg! Quando adentrei no imenso edifício da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América, me senti como se fosse o modesto e anônimo padreco de humilde paróquia do interior, chegando ao Vaticano, em Roma! Emoção indescritível só desfrutada por quem mantém as inocências de sentimentos infantis, a criança que não se afasta deste aprendiz de escritor de 80 inversos! Por essa e por outras, sempre até gostei do apelido de Rato de Biblioteca. Que pena que as bibliotecas tradicionais estão desaparecendo. Por razão do avanço impiedoso e mercenário da tecnologia de informação, os templos depositários de livros estão perdendo o glamour e fascínio. Como  recordo – saudoso –, do olor misterioso que rescendia dos livros nas estantes! Os e-books estão chegando! Não se poderá sentir no tato o texto das páginas ásperas, mas acariciantes; sedutoras do velho livro. E as telas de cristal não têm o cheiro fascinante e atrativo. Saudade? Sim!

RCC. Sua vida foi marcada por mudanças de cidades, estados e países: São João Del Rei, Pouso Alegre, Ouro Fino, Natal, Lavras, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiânia, Brasília, Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do Chile, La Paz, Washington. Alguma explicação para esse jeito cigano de ser?

VS. Eu acrescentaria nessa lista, o Estado da Paraíba e a capital do Paraguai, Assunção.  Como já disse, minha família era de milicos. As Revoluções provocavam deslocamentos pelo Brasil conforme as frentes de batalhas.  Depois de graduado em  1957, pela Escola Nacional de Agronomia, passei peregrinar da mesma maneira como fazem os militares. Onde surgisse oportunidade de ascensão profissional ou desafios complexos lá ia eu,  minha esposa e filhos. Por isso, passei por cerca dos 46 anos de vida profissional fazendo mudanças  para muitos lugares. Falam, com razão, que, a cada três mudanças equivale um incêndio. É verdade. Muitas perdas, recomeços e esperanças de recuperação de tudo que foi destruído pelo caminhar desatinado. Interessante que, na  realidade, hoje não tenho bens materiais, mas experiências  preciosas de valores incalculáveis. São as recordações, dos lugares distantes, das pessoas com as quais  intercambiei minha vida de “jeito cigano”. Arrependimento? Nenhum! Tornei-me “milionário” de amigos e recordações. Sou, como se poderia dizer, um “menino irresponsável” que não toma jeito e deseja descobrir o mundo, sempre e sempre.   

RCC. O que o fez decidir pela Engenharia Agronômica?

VS. A bem da verdade foi um acidente de percurso.  Minha cultura sempre foi urbana; nada rural. Meus antepassados, que eu saiba, nada tinham  a ver com o campo. Mas o Destino interferiu:  um restrito grupo de colegas no último ano do Curso Científico decidiu organizar um cursinho preparatório para o vestibular. Contratamos alguns conhecidos especialistas em Química, outros em Física e Matemática. As aulas eram oferecidas pela noite e o grupo já estava “tinindo” para um vestibular. Então alguém questionou. Vestibular para quê? Acho que um colega maluco, sem saber bem o que dizer, gritou, do fundo sala: “Para Agronomia! Para Agronomia!”. Gritamos todos apoiando – uníssonos –, a ideia sem saber o que era e para que servia a tal Agronomia. E olha que na cidade de Natal, no ano de 1952, não tinha nenhum curso de Agronomia. Só uma faculdade de Farmácia e Odontologia.  Alguns tiveram sucesso no primeiro vestibular e seguiram os estudos. Eu fui para a Paraíba. Depois de alguns meses notei  que a Escola de Agronomia daquele Estado era das piores. Estava em crise financeira. Me mandei para o Rio de Janeiro e  recomecei o curso pelo  top do ensino e pesquisa agronômica: Escola Nacional de Agronomia! Em 1957 com meu título de engenheiro agrônomo, parti para aventura dos vários empregos e ocupações, sempre dentro daquilo que estudei para ter uma profissão. Comecei pelo Rio Grande do Sul, passando pelo Rio de Janeiro, Brasília, países do Cone Sul etc  etc. Nesses anos todos da minha vida, às vezes, ouço do fundo da memória e do fundo daquela sala em Natal, Rio Grande do Norte um grito: “Para Agronomia! Para Agronomia”. Confesso, que ainda não entendi porque fiz-me engenheiro agrônomo.

RCC. O curso foi interrompido para a prestação do serviço militar?

VS. Não. O serviço militar obrigatório foi atendido de 1950 a 1951, antes de fazer vestibular para Agronomia. Nessa época, aos 19 anos, retornei do internato de Lavras-MG onde concluí o Curso Ginasial. Fui para Natal-RN a fim de me incorporar no Exército Brasileiro. Escolhi a Infantaria,  mesma Arma do meu pai, no 16º Regimento de Infantaria.

RCC. Como foi a sua vida na caserna?

VS. Foi um desastre, mas ao mesmo tempo uma bênção dos céus!  Eu poderia, por interferência do meu pai, livrar-me do serviço militar      aproveitando de um recurso muito usual,  comum e legal: ser privilegiado no que era chamado de “excesso de contingente”. Preferi  optar por servir na tropa e ver como mesmo ser militar. Minha  família tinha esperança que eu seguisse a carreira militar. Fui ver e sentir como era a vida da caserna. Coitados dos que lá estavam! Uma vida estúpida, sem sentido. A hierarquia e a disciplina a inspirar obediência cega para obliterar os corações e mentes. Milico não pensa. Obedece. Tive os piores momentos da minha juventude dentro de quartéis. Servi  o Exército por   dezoito meses dos quais passei  algum tempo atrás das grades. Meu crime?  Ser apanhado em trajes civis pelas noites de minhas folgas. Da última vez que uma patrulha me encontrou sem fardamento e saindo do local onde eu estudava pela noite, fui preso e reagi fisicamente!  Resultou minha reação em um IPM (Inquérito Policial Militar) e fui condenado a seis meses de prisão que a cumpri em Recife, no Forte de Cinco Pontas. Não me deixaram cumprir a pena em Natal, porque sendo meu pai um oficial do 16º Regimento de Infantaria, era contra o RDE-Regulamento Disciplinar do Exército  ficar preso no mesmo quartel. Aqueles episódios me fizeram ver que vida de milico não era para meu espírito livre e que gostava de pensar. Milico não pensa. Então, a vivência na caserna foi, também, uma bênção dos céus. Escapei de uma infeliz vida  embrutecida  como foi a de meu pai, irmão, sogro, primos, cunhados etc etc  

RCC. O Prof. Antonio Pinto teve grande influência na sua formação literária. Como foi?

VS. Frequentava o Curso Científico no mesmo período de prestação do Serviço Militar. Por isso era dispensado da presença às aulas. Estudava por minha conta e passava pelo Atheneu Norte-Riograndense para as provas mensais. Em uma daquelas provas (de Português) produzi, por encomenda do professor da matéria, Antônio Bosco Pinto, uma crônica sobre um tema de ficção. Foi uma baita invenção sobre um jovem – era personagem no roteiro que escolhi – filho de um comandante de marinha mercante, viúvo, que tinha o filho em sua guarda. Por muitos anos o jovem foi criado em viagens maravilhosas sem nenhum contato com a realidade e maldades do mundo fora do navio. Um dia o pai morre e o jovem tem de desembarcar e sente a falsidade de sua criação...  Pois em um dia de verificação das notas da prova de Português, cheguei no Atheneu e o professor Bosco Pinto estava falando que gostaria de conhecer  o aluno que produziu o tal texto do rapaz embarcado em navio. Único que obtivera  a nota 10! Os elogios do mestre para o soldado que nunca aparecia às aulas me fizeram corar diante das manifestações de aplausos e pontinhas indiscretas de inveja pela única nota 10. O professor Bosco Pinto, diante de todos sentenciou: “Vá em frente, não pare, mas cuide de umas vírgulas aqui e alí...”. Acreditei  naquilo dito pelo professor como um vaticínio e continuarei, enquanto puder,  dar asas ao meu pensamento criador .

RCC. Seu contato com o radialista, escritor e contador de causos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Paulo Roberto, foi por essa  época ?

VS. Sempre fui muito fissurado em ouvir rádio. Nas vezes que podia eu tinha rádios  ligados no quarto, no banheiro, na cozinha, na sala. Sempre sintonizados na mesma estação. Passava de um cômodo para o outro e não perdia o programa do meu interesse. Esta é uma mania muito antiga desde os tempos  em que na casa dos meus pais só dispúnhamos de rádio galena. Ouvia com constância religiosa os programas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ouvia todos. Mas os do doutor Paulo Roberto eram os meus preferidos. “Obrigado Doutor”, e  “A  Lyra de Xopotó” me encantavam. Pareciam mentira as coisas narradas pelo famoso radialista e médico. Estimulavam a minha imaginação, me faziam um enorme bem à alma de jovem que aproveitava para “viajar” pelo Brasil interior nas asas das narrativas em voz do Paulo Roberto e das marchinhas da Lyra de Xopotó. Tive a felicidade de conhecer e conversar com Paulo Roberto e sentir dele  crença  entusiasmo pelo meu papo de interesse pela literatura. No curso de Agronomia eu tive  um colega turma, Roberto Marques Gomes, filho do doutor Paulo Roberto. Daí minha chance de conhecer pessoalmente a ilustre figura que tanto me influenciou.   Por recordar do Dr. Paulo Roberto não posso deixar de citar  um episódio interessante  em relação aquele distinguido radialista: em 1957, visitou o Brasil o presidente de Portugual, o militar    e político, Craveiro Lopes. A nossa turma de engenheiros agrônomos queria fazer uma viagem de final de curso àquele país europeu. Mas sem recursos, óbvio que a sonhada viagem seria tentada  às custas do governo português. “Vamos fazer uma homenagem ao ilustre visitante e pedir que ele, Craveiro Lopes, nos dê apoio?”. Pensaram alguns componentes mais ousados. Queríamos preparar um belo diploma com uma mensagem de louvação ao presidente herói da República de Portugal! Quem redigiria em belas palavras de bajulação? Foi o doutor Paulo Roberto que nos fez o favor. A mensagem escrita e grafada em letras douradas  foi entregue ao famoso presidente que nunca nos deu resposta. Que se saiba, nenhum de nossa turma dos bisonhos   engenheiros agrônomos, foi até Portugal por conta do Erário  dos nossos colonizadores. Mas este, então estudante em 1957, ficou impressionado com a elegância  dos termos na mensagem preparada por Paulo Roberto  para ofertar o diploma ao  festejado presidente de Portugal.   Valeu, Paulo Roberto! 

RCC. Como foram seus primeiros trabalhos como engenheiro agrônomo?

 VS. Ao tempo que estudei na Escola Nacional de Agronomia coincidia o surto de desenvolvimento do nosso  País. Diziam, até que Agronomia era a profissão do futuro! As empresas   e os dirigentes mais altos de instituições vinham até as universidades em caça dos talentos. Mesmo alunos sem grandes destaques eram entrevistado e obtinham promessas de emprego garantido.  Acho que foi nessa época que começaram essa coisa inventada de headhunter. Recordo que durante o  meu 4º ano de Agronomia, apareceram pela nossa sala uns dois ou três palestrantes a nos seduzir com promessa de emprego, Cada um com ofertas as mais atraentes em condições salariais. Eu optei por aceitar uma oferta de trabalho no Rio Grande do Sul. Queria conhecer aquele “País Amigo”.  Logo que recebi o diploma passei um telegrama para a ASCAR-Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural, com sede em Porto Alegre, pedindo instruções para me incorporar na instituição. Fui informado que eu deveria me submeter a uma capacitação inicial especializada, com bolsa de estudos garantida. Fui para Fazenda Ipanema, perto de Sorocaba, São Paulo, e por lá fiquei por três meses me preparando , sobretudo, em metodologias, de ensino e transmissão de conhecimento  de tecnologias para  o agricultor. Minha primeira área de trabalho foi em Veranópolis, na Serra Gaúcha,  de colonização  italiana.  Vejam que mudança radial: do Rio 40 graus, mudei-me para a Serra Gaúcha dos rigorosos invernos de 6 graus negativos!

RCC. Em 1968, o senhor fez um curso de especialização em levantamento de solos com o uso da fotointerpretação. Era o auge do regime militar e das manifestações estudantis, não só no Brasil como na Europa. O senhor chegou a presenciar ou a participar de algum evento na ocasião?

VS.  1968 foi ano daquele instrumento AI5- Ato Institucional nº 5. Foi mais um susto; um recado violento da  ditadura deslavada. Toda  a Imprensa (algumas menos) manifestou estranheza. Mas era linha dura exigindo do bonachão e malandro presidente Costa e Silva alguma atitude para barrar a contra-revolução nas ruas. Os intelectuais não deram bola para o AI5. Gozavam com a cara dos milicos. De muitos, foram cassados os direitos políticos e alguns mais para as prisões. Os socialistas de mesa de bar esses, sim lhes tinham medo. Quem podia, viajava sem volta para o exterior;  as delícias do exílio seja em Paris, Santiago do Chile, ou eternos veraneios na ensolarada Havana. De minha parte pessoal, meu papo com os milicos era duro. Nunca lhes manifestei  respeito. Nunca me impressionaram com o baixo jargão castrense. Comunista não era e nem seria tão babaca para adotar a doutrina. Meu desempenho profissional  no  Serviço Público e dedicação à família eram as garantias e imunidades que não lhe pedia para desfrutar. Era comum alguns coronéis se deslumbrarem com os tapetes, ar-condicionado, mas, sobretudo, com as cheirosa secretarias de Gabinete. Por que lhes deveria respeitar? Fui, por acaso, selecionado para frequentar um Curso de Levantamento de Recursos Naturais. Curso de um ano letivo (1968) no Rio de janeiro oferecido pelo Instituto Pan-americano de Geografia e História da OEA. Habilitei-me tecnicamente naquela ciência indutiva e dedutiva paro  uso da foto-interpretação e fotogrametria destinados ao levantamento  de solos e cobertura vegetal.  Curso de muito trabalho de prancheta com uso do estereoscópio sobre os pares de fotos aéreas, trabalhos de campo  todo sábado pelo interior do Estado do Rio e um período nas faixas de Terra Roxa na área da Holambra, perto de campinas-SP. Dedicação integral. Aprendi muito.

RCC. Como foi seu ingresso no Ministério da Agricultura?

VS. Primeiramente por um Decreto do marechal-presidente da República, Humberto de Alencar Castelo Branco.  O Ministério da Agricultura necessitava,  urgente para o seu quadro, de 300 engenheiros agrônomos e 300 médicos veterinários. O Castelo  Branco, de uma só canetada, os nomeou. O Estatuto do Servidor Público, Lei 1.711, permitia a nomeação em caráter interino. Depois, no primeiro Concurso Público, os interinos eram obrigados a submeter às provas para admissão em caráter efetivo. Foi o que ocorreu: me submetí ao Concurso Público pelo Dasp, em 1965 e fui efetivado nas vagas disponíveis para o Ministério da Agricultura no Estado da Guanabara.  

RCC. O senhor já estava no Ministério da Agricultura quando estagiou na Escola Superior de Guerra?

VS. Sim. Fui admitido no Ministério da Agricultura  em 1964, como interino e efetivado somente em 1967 após o concurso público de 1965. Como fui parar na ESG-Escola  Superior de Guerra? Recorde-se que nos  anos de 1970-1973 a lavoura cafeeira passou por um grave problema sanitário tendo em conta os ataque de um fungo chegado ao Brasil, vindo do Continente Africano pelas correntes aéreas.  Um colega  Arnaldo Medeiros, da Escola Nacional de Agronomia, já  graduado e em viagem pelo interior da Bahia, tinha diagnosticado  a doença em cafezais. Era o terrível fungo Hemilea vastatrix. A nossa economia cafeeira poderia entrar em crise! Milhares de quilômetros quadrados de cafezais foram erradicados e queimados. Entre a Bahia e Espírito Santo foram passados os tratores para criar os corredores de 50 quilômetros de largura livres de pés de café. O mal não poderia ultrapassar as barreiras físicas em direção à Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Os finais de 60 e meados 1970 eram o mais evidentes “anos de chumbo”. Muitas mortes de lado a lado. Eu estava no Hotel Nacional de Brasília, no Salão Azul, assistindo uma homenagem póstuma ao industrial Henning Boilensen, presidente do Grupo Ultragás. O citado presidente da multinacional, um norueguês naturalizado brasileiro, tinha sido assassinado por terroristas em São Paulo. O que tinha eu, Amaurí Rodrigues, a ver com aquela homenagem? Nada! Ocorre, que o escritório da Ultragás de Brasília convidou a mim e ao presidente da FAEAB-Federação das Associações de  Engenheiros Agrônomos do Brasil, para outra homenagem. No mesmo local e hora a homenagem ao engenheiro agrônomo, ainda vivo, Alcides Carvalho, do Instituto Agronômico de Campinas. Por que da homenagem ao colega Alcides Carvalho? O Alcides já vinha, desde  os anos 40, desenvolvendo pesquisas no campo de genética e melhoramento na busca de linhagens de cafeeiro resistentes ao fungo Hemilea vastratrix. Quando a infestação surgiu no Brasil, a variedade encontrada pelo agrônomo cientista Alcides Carvalho foi, como se disse: “A salvação da Lavoura”. Bastava erradicar os velhos cafezais e fazer reposição com mudas das variedades resistentes à ferrugem do café provocada pelo Hemilea vastatrix.   O Salão Azul do Hotel Nacional de Brasília estava lotado. Eu e João Mendes Olimpio de Mello, o presidente da FAEAB, sentamos nos últimos lugares bem atrás esperando a solenidade começar. Ao meu lado, à minha esquerda uma cara meio parrudo, de óculos Ray-Ban que eu não conhecia. As autoridades vão sendo chamadas para compor a mesa. Primeiro a senhora viúva do Boilensen.Já subiu ao palco chorosa. Depois o engenheiro agrônomo, cientista pesquisador do Instituto Agronômico de campinas, Alcides Carvalho. O locutor, fazendo-se mestre de cerimônias ia chamando para completar a mesa antes da leitura do perfil e valor de cada homenageado. O primeiro – falou com ar solene o locutor: “ Coronel Jarbas Passarinho, Sua Excelência ministro da Educação! Coronel Higino Caetano Corsetti, Sua Excelência, ministro das Comunicações! Virei-me para o meu lado esquerdo e disse em tom gaiato para o desconhecido que me olhou curioso: “Mas, como tem milico!!”. E o locutor continuou. “Convido  Sua Excelência o coronel Danilo Venturini, para nos prestigiar”. E por aí foi convidando mais e mais militares citando os seus postos. Eu, querendo, talvez, demonstrar meu desagrado com  demora em completar-se a mesa dos trabalhos, vez por outra cutucava o João Mendes e o vizinho do assento à minha esquerda e dizia-lhes a mesma frase: “Mas, como tem milico!!”. Quase completada a mesa, o mestre de cerimônias convocou: “Sua Excelência, chefe da Casa Militar da Presidência da República, general-de-divisão, João Batista de Oliveira Figueiredo”. O cara, ao meu lado deu um tapa, quase murro, da minha coxa e disse, sorrindo: “Agora, lá vou eu, mais um milico!”. O João Mendes olhou o homem que subia o palco depois de sair de perto de nós e virou-se para mim e disse: “Bicho, viu com quem estavas gozando  os milicos?!”. Logo depois da loa ao cientista, aquele agrônomo do IAC que salvou a cafeicultura nacional do desastre, foi servido, ali mesmo no Hotel Nacional, um formidável coquetel. João Mendes, presidente da FAEAB, insistiu em falar com o general Figueiredo para sondar a opinião dele em relação ao discurso elogioso ao cientista Alcides Carvalho. Não deu outra: o Figueiredo naquela sua franqueza típica e grossura de cavalariano, disse que muitas profissões não valiam nada, mas depois de conhecer o que “aquele cientista-agrônomo” fez pelo Brasil, ele  (Figueiredo) achava que até os milico poderia ser descartados. E – ato contínuo, olhou para mim, sorrindo zombeteiro  – e perguntou: “Não é mesmo?!”. Fiquei bastante sem graça com a surpresa da pergunta-afirmação do general, e o João Mendes, ali ao lado apresentou a ele a mim como integrantes da Diretoria da FAEAB. Estendemos nossos cartões que  o Figueiredo lia enquanto tomava seus goles de uísque. O colega João Mendes, um cara do Piauí era muito do esperto. Filho de um político de prestígio,  sabia aproveitar as oportunidades. Tanto é que fora prefeito nomeado de  Teresina, e assumira, por diversas vezes, o cargo de senador da República por suplente do pai, senador Mathias Olimpio de Mello. Naqueles  poucos segundos nos quais parecia que o rude general de Cavalaria baixou a guarda  em relação à defesa da categoria militar, o João Mendes emendou o pedido para que fosse cedida uma vaga no Curso Superior  de Guerra específico para um indicado pela FAEAB. O então chefe  da Casa Militar da Presidência da República respondeu, na bucha: “Podem me procurar no Palácio do Planalto, segunda-feira com o pedido”. Levei pessoalmente  o ofício da FAEAB ao Palácio do Planalto. Entreguei para a secretária o envelope  com ofício assinado pelo presidente da FAEAB indicando o meu nome para o próximo curso na ESG. Não pude nem ser recebido pelo chefe da Casa Militar; “...muito agendado..., disse-me, sem ao menos olhar em minha cara, a secretaria secamente. Não acreditei muito naquele papo de vaga especial para a FAEAB! Isso era lá pelo mês de setembro de 1973. Aquela história de vaga na ESG era coisa tratada, com segredo, por poucas pessoas dos trancados Gabinetes ministeriais de Brasília. Quem era eu, um  simples engenheiro agrônomo que, alías, não tinha papas na língua para esculhambar qualquer autoridade do Ministério da  Agricultura. Nas reuniões, eu estufava o peito e desafiava quem ousasse abrir processo administrativo contra minha pessoa. Era concursado, efetivo e os meus eventuais detratores todos de rabo preso ficavam sem poder fazer nada.  Era na gestão do ministro Luiz Fernando Cirne Lima; gente do presidente Garrastazu Médici. Será que os áulicos do Gabinete do ministro conseguirão “melar” minha matrícula na ESG? Com esse desânimo e descrença  fui de férias para o Rio de janeiro. Mudou o governo e entrou outro general, Ernesto Geisel. Lá pelo mês fim de mês de janeiro recebo, ainda no Rio, uma ligação do João Mendes que me comunica ter lido no  Diário Oficial da União o Decreto do presidente da República com a lista  dos nomes aprovados para matrícula no Curso Superior de Guerra a iniciar em fevereiro de 1974. Como eu estava de férias ali na Praia Vermelha, casa do meu sogro, muito próxima da Urca onde se localiza a ESG, tratei de providenciar um primeiro, urgente, contato com o estabelecimento para ver como seria recebido, após o Decreto do Geisel. O João Mendes tinha me advertido que já estavam fuxicando contra meu nome para ser substituído por alguém mais grado do gabinete do próximo ministro da Agricultura o, também, engenheiro agrônomo, Alysson Paulinelli, vindo de Minas Gerais. Os  mineiros são muito espertos, pensei  rápido, como mineiro que sou. Na ESG, compareci. Fui lá,  assim me fazendo de bobo, e perguntei o que deveria fazer para cumprir o Decreto do presidente da República  e me matricular na Escola fechadíssima.  Eram férias, tudo paralisado na ESG. Fui recebido pelo secretário, um coronel da Arma de Cavalaria  de nome Diogo de Oliveira Figueiredo. Por coincidência, irmão do João Batista de Oliveira Figueiredo. O tal coronel Diogo não mostrou qualquer interesse em atender aquele paisano que vinha perturbar o silêncio da ESG vazia ali na isolada Fortaleza de São João.  O coronel nem se dignou retirar as pernas da mesa. Ele parecia cansado de nada estar fazendo naquele momento. Apenas pediu minha identidade, conferiu na listagem do Diário Oficial. E disse: “Tudo bem,  o curso só começa em primeiro de fevereiro, o que deseja agora, aqui da ESG? . Informei que eu estava de férias no Rio e não poderia ir para Brasília, onde eu era servidor federal, e depois retornar em fevereiro. Fui direto.  Pedi que me considerasse apresentado segundo o Decreto do presidente da República e mandasse Ofício da ESG, comunicando ao Ministério da Agricultura  qual o período e duração do Curso que eu deveria cumprir. E assim Foi feito na hora. Permaneci na ESG durante um ano letivo e nunca dei muita confiança para as autoridades do Ministério da  Agricultura; elas que tinham tentado me esbulhar da vaga em um curso de altos estudos e  estratégias de desenvolvimento na concorrida Escola Superior de Guerra. 
                           
RCC. Como foi a sua requisição para a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE?

VS. Durante o Curso Superior de Guerra, cada estagiário  teria por incumbência desenvolver os mais variados   estudos individuais e outros em grupo. Eram tarefas semanais. Para o preparo do estagiário eram oferecidas as conferências na própria ESG, pelo Brasil e no exterior. Os estagiários  viajavam, anotavam, questionavam os   conferencistas e produziam os respectivos relatórios. De minha parte, viajando pelo Brasil e por diversos países, sempre me mantinha atento à problemática da explotação dos recursos marítimos. Daí o meu interesse pessoal em manter constantes visitas à sede da  Sudepe, então na Praça XV de Novembro, no Rio  de Janeiro. Terminado o Curso na ESG aos 31 de dezembro de 1974, eu não desejava mais retornar para Brasília, muito menos para o Ministério da Agricultura. Eu desfrutava  de considerável relacionamento pessoal com o superintendente da  Autarquia, o médico-veterinário Josias Luiz Guimarães, antigo professor, como eu na Universidade Federal de Goiás. Fui  requisitado  do Ministério da  Agricultura para ocupar uma função de confiança, e dar início aos estudos para implantar a Política Pesqueira no Brasil. Achava que, por estar na Sudepe, nunca mais voltaria para Brasília.   Sonhava  em  conseguir transferência  do meu cargo do Serviço Público para a  Autarquia! Liquidei o meu apartamento que  possuía em Brasília e pensava: “ Adeus, Brasília!  Adeus, Ministério da Agricultura!”.    

RCC. Foi o trabalho na SUDEPE que o trouxe a Brasília, DF? 

VS. Parece que o general-presidente Geisel estava mesmo disposto a arrumar a bagunça da tão decantada mudança para Brasília. Muitos faziam corpo mole; eu também. Brasília já era a terra da sacanagem em todos os setores. Só o Alto Escalão do Governo não sabia, ou fingia não saber. Foi apenas por conta da generalíssima-presidencial penada, publicada no Diário Oficial da União em meados de 1975, que veio a notícia e ordem dos milicos: todos os órgãos de elevado escalão federal tinham de se instalar no Planalto Central, no coração do Brasil, na capital! Isso incluía os intocáveis diplomatas refestelados no Rio de janeiro na antiga sede do Palácio Itamaraty.  E mais.  As representações, de todas a nações  estrangeiras  acreditadas, tinham prazo para, também, se instalarem em Brasília, sob pena de perderem o status, franquias diplomáticas e os meios de proteção e segurança contra  terroristas. Essas benesses por parte do governo brasileiro só em Brasília. Por isso voltei sem chiar para Brasília. Tendo por obrigação irônica de estimular os velhos servidores da Sudepe que “colaborassem”, de maneira ordeira e patriótica naquela nova faze da pesca para o Brasil!

RCC. Como foram os seus primeiros anos na Capital Federal?

VS.  Minha primeira experiência  de Brasília, se deu em junho de 1967. Ajudei na mudança do Ministério da Agricultura para a capital. Fomos instados para trazer  tudo para Brasília. Foi no governo Costa e Silva. Mudava o Ministério que se dispusesse de motu proprio. Uma coisa assim lenga lenga, sem muita ordem. Seduziam os servidores com as famigeradas “dobradinhas” muito queridas dos antigos e famosos pioneiros. Ofereciam, também, apartamentos financiados a preço de banana  a perder de vista. Na realidade, por ter mudando para Brasília em junho de 1967, sete anos depois da inauguração, eu não poderia ser considerado um pioneiro; não  teria direito àquelas benesses e mordomias. Não tive nenhuma vantagem. Fiquei, sim em hotel pago pelo Governo até que me virasse e encontrasse um local para morar e trazer a minha família. Esse hotel pago pelo Governo era dos mais modestos.  Desfrutei apenas por um mês da mordomia. Fui morar com a esposa e filhos, em uma casa de madeira na Fazenda Sucupira de propriedade do Ministério da Agricultura. A tal casa ficava meio do cerrado e um dia  o mato pegou fogo e tive de abandonar a casa, indo morar, de favor, em apartamento de amigo. Os primeiros dias e  meses de  Brasília  eram assim,    eu tinha de passar  essas coisas. Ora, eu não era pioneiro, mas considerado, apenas “piotário” como nos apelidavam à época. Talvez por essas coisas, eu sempre arranjava um jeito de voltar para  o Rio de Janeiro para cursos os mais variados.

RCC. Como o senhor ingressou na EMBRATER?

VS. Depois da ESG, eu não desejava nem passar  por perto do Ministério da Agricultura.  Estava desenvolvendo os trabalhos de implantação da Sudepe aqui na capital. Fiquei encarregado, entre outras tarefas, de promover o recrutamento e seleção do pessoal  para a “nova Sudepe”. Dezenas de entrevistas, aplicação de testes etc., etc.  Admissão era para contrato no regime CLT. O pessoal técnico da Sudepe no Rio Janeiro não queria vir e conseguiam ser alocados em outros órgãos de governo por lá. O pessoal  administrativo não tinha condição de sobreviver na vida cara de Brasília. Por isso era urgente compor um quadro inteiramente novo para a Sudepe recrutando em Brasília, mesmo. E isso eu estava fazendo. Um dia, me encontro com um velho amigo que me consulta se eu estaria interessado e disponível para tratar da implantação de uma empresa pública que seria denominada Embrater-Empresa Brasíleira de Assistência Técnica e Extensão Rural. Propôs-me o amigo que eu seria contratado pelo regime celetista com salário o dobro do que percebia como engenheiro agrônomo do Ministério da Agricultura. A ideia do amigo era  ter como seu braço direito e substituto em um projeto de desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Informação e Documentação Rural. A meta do projeto, encomendado à Embrater era culminar com criação da Biblioteca Nacional de Agricultura. Um ente autônomo com independência da burocracia do Ministério da Agricultura. Eu seria o diretor técnico e científico do projeto. Depois, disse-me o amigo, entregaríamos tudo bem arrumado para o Governo e cada um voltasse às suas origens ou se fixasse na Embrater.  Para isso eu teria de retornar aos bancos universitários para me preparar em nível de mestrado, pelo menos. Topei na hora. Da Sudepe, fui para Embrater, contratado no regime CLT.  Pedi demissão do Serviço Público e entrei de corpo e alma na montagem do SNIR- Sistema Nacional de Informação Rural. Um projeto fascinante com duas área  em destaque para a futura Biblioteca Nacional de Agricultura: subsistema dados conjunturais e subsistema dados documentários. Fui tocando o trabalho na Embrater até que o projeto da BINAGRI-Biblioteca Nacional de Agricultura amadurecesse e ficasse pronto para as decisões políticas necessárias de apoio.

RCC. Naquele órgão o senhor realizava trabalhos na área de levantamento de solos?

VS. Não e nem fazia parte dos objetivos daquela Empresa Pública. A Embrater era a “cabeça” do imenso  Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rura, o SIBRATER. Nosso trabalho por lá era na base de coordenação  orientação da “doutrina extensionista”    e programação dos recursos financeiros federais destinados às Empresas Estaduais que tinham a seus cargos a assistência direta com o produtor rural.
    
RCC. Foi durante o período na EMBRATER que o senhor fez mestrado na Universidade de Brasília – UnB? Em que área?

VS. Em determinado momento de planejamento e idealização da estrutura orgânica da Biblioteca Nacional de Agricultura nos moldes teóricos recomendados, foi necessária  a minha volta aos bancos universitários para melhor instrumentar-me em Teoria da Informação Científica.  Afinal, uma biblioteca do porte da Biblioteca Nacional de Agricultura teria que estar habilitada para conectar-se aos centros internacionais de excelência em produção científica. A  futura BINAGRI teria de ser ágil para ser a depositária e veiculadora de  tudo que se produzisse em matéria de informação científica e técnica e disponível no Brasil e em ,ilhares de Bancos de Dados pelo planeta. Para isso, me preparei na UnB-Universidade de Brasília  (de 1976 a 1979).Meu campo de pesquisa serviu de um relatório com o status de Tese que defendi  para obtenção do grau de Mestre. Não foi uma simples Dissertação tradicional de fim de Mestrado. Foi uma Tese com a avaliação de diversas hipóteses, tratamento estatístico com o teste do Qui quadrado para verificar  o relacionamento entre os índices de participação  e as variáveis independentes.  Então pode-se dizer que a área de estudo na UnB foi no campo da Informação Científica.      
                                                   
RCC. Em 1980, o senhor se licenciou da EMBRATER para trabalhar no IICA, indo residir em Montevidéu, com viagens frequentes para Buenos Aires, Santiago do Chile, La Paz, Brasília. Posteriormente, foi residir em Washington, D.C. Poderia nos contar essa história? 

VS.Quando concluí o Mestrado (junho de 1979) retornei ao meu posto de técnico na Embrater. Nos três anos que estive afastado, muita água passou por baixo da ponte do Projeto Binagri. O citado Projeto para estudo idealização e implantação da Biblioteca Nacional de Agricultura era muito visado pelos burocratas  e arrivistas do Ministério da Agricultura, pois tinha apoio de vários organismos internacionais  com aporte de recursos financeiros tentadores. Era um Projeto – como diziam os espertalhões – uma boa “boca” para se ganhar dinheiro fácil, em dólares, quem sabe? Por essa e outras razões das intrincadas maneiras de decidir no Serviço Público, a sonhada BINAGRI foi retirada do âmbito  e responsabilidade da Embrater para a gestão na  Administração Direta. O Ministério da  Agricultura! Foi levando o polpudo orçamento, claro. Mesmo sem o  Projeto  BINAGRI estar maduro e concluso  passou a contratar, com avidez,  apaniguados sem qualquer critério. Foi o começo do fim do Projeto BINAGRI. Hoje é apenas mais um órgão na cristalizada estrutura da  Administração Direta na Esplanada dos Ministérios  de Brasília. Para mim foi o fim  de um sonho  profissional e o começo de outro bem mais avançado e glamouroso. Por conta da minha especialização na UnB-Universidade  de Brasília, fui convidado a desenvolver um projeto semelhante da BINAGRI, para os países do Cone  Sul da  América Latina. Fui contratado pelo IICA-Instituto Interamericano de Ciências  Agrícolas. Era um projeto regional  envolvendo-o com integração nos  em seis países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Minha sede era Montevidéu e para aquela cidade uruguaia me mudei com a esposa. Dos meus três filhos, um tinha falecido há cerca de meio ano e outros dois, um morava em Rio Grande-RS como estudante de Oceanografia e uma filha casada tinha emigrado para os Estados Unidos da América. Por conta de desenvolver o projeto para o IICA, vivia pelos aeroportos, hotéis e sede dos organismos de pesquisa agropecuária dos países do Cone Sul. Ademais, era de minhas funções as constantes viagens  para Washington, DC ou New York-USA para contatos com centros de excelência da investigação científica. Meu crescimento profissional se tornou evidente e as “coisinhas”; as futricas do serviço público  me fizeram ver que seria muito difícil  sobreviver no ambiente.    
        
RCC. Terminado o contrato com o IICA, o senhor retornou à EMBRATER. Entretanto, a sua experiência internacional já não coincidia com os métodos e práticas da instituição. Como o senhor administrou esse conflito? 

VS. Foi mesmo muito sofrida minha volta ao Brasil, sobretudo, para a Embrater.  Foram nos períodos de um  Zé e de um João.  José Sarney, mas antes   João Figueiredo.  Naqueles anos todos da longa noite  de escuridão e mediocridade, fui aceitando qualquer desafio que se  me  apresentasse. Veja que absurdo: tendo em  conta minha experiência internacional nos países do Cone Sul, além de minha passagem pela ESG, fui requisitado da Embrater para a Presidência da República. Mesmo muito a contragosto assumi a função gratificada de analista de informação. Naquela posição durei apenas 90 dias! Tive que bater de frente com muitos coronéis; numa espécie de reação aos tipos alergênicos muito próximos.  Voltei para Embrater sem ao menos esperar que me apresentassem, por Ofício. Retornei para o meu ganha-pão amargurado e sem qualquer função significativa ou desafio profissional. Com a instabilidade tomando conta de todo o meu  ser, ficava imaginando aceitar qualquer desafio profissional fora da Embrater. Que viesse como milagre dos céus ou tentação dos infernos.

RCC. Em 1986, o senhor foi convidado para dirigir a Sexta Superintendência da FUNAI, em Goiânia, GO, por indicação do então governador do Amapá, Jorge Nova da Costa. Como isso se deu?  

VS. O meu colega e amigo ex-aluno da  Escola Nacional de Agronomia, Jorge Nova da Costa, era o governador do Amapá. Foi ele que Indicou meu nome para o ministro do Interior. Fez isso sem consultar-me. Ocorre que um dos órgãos vinculados ao Ministério do Interior, a Funai estava passando por uma crise. Muita corrupção, sucessivas trocas de dirigentes e revolta da população indígena nas insistentes invasões de prédios publico principalmente em Brasília. Diziam, até, que o presidente Sarney, que tinha horror a índio, queria acabar com a farra na Funai. De início, fora efetuada uma profunda reforma administrativa e estrutural na Funai. A   reforma da Funai logo após a saída dos militares que tinham ocupado aquela instituição por longos anos desde o tal Regime Militar inaugurado em 31 de março de 1964.  Desde o SPI, diga-s e por justiça histórica O novo  presidente da Funai-Fundação Nacional do Índio, encarregado de botar ordem na casa foi o jovem político pernambucano, Romero Jucá Filho. Mas o esperto Romero Jucá, logo ao assumir, em maio de 1986, tratou de solicitar as nomeações, rápidas, para  o Costa Couto, ministro do Interior. Nomear urgente os seus iguais em costumes políticos viciados. Na nova estrutura da Funai constavam seis SUERs-Superintendências Regionais. Quase todas superintendências já tinham as chefias escolhidas pelo Romero Jucá. Menos uma, a  6ª Superintendência Regional que por ter sob jurisdição áreas indígenas e problemas fundiários complexos, precisava ter como superintendente um técnico sem vínculo político-partidário. Antes que Romero levasse ao Costa Couto qualquer outro nome daquele mesmo calibre dos já escolhidos para as cinco Superintendências, era urgente nomear  um outro indicado, sem fazer consulta ao presidente da Funai. Por isso, o Nova da Costa lembrou meu nome ao ministro sem consultar-me! Tive de assumir, “na marra”, mesmo a contragosto e com a má vontade do Romero Jucá. Meu primeiro encontro com Romero, praticamente no dia da minha posse diante do ministro, não foi de festa nem tapinhas nas costas como se faz em solenidades de jaez. Foram instantes constrangedores –  mais para Romero –, que para mim. Minha passagem e permanência na Funai por menos de um ano (300 dias) se revestiu de intensas oportunidades de um trabalho insano, de muitos sacrifícios, mas gratificante pelo que pude observar com mais profundidade as motivações  nem tanto misteriosas que impulsionam os comportamentos do bicho-homem.    

RCC. Fale-nos sobre a cerimônia de posse como Superintendente da FUNAI.

VS. O presidente da  Fundação, Romero Jucá Filho parecia muito desconfortável. Estava diante de  três mineiros  que, sem cerimônia, lhe tinha passado a perna. O ministro Costa Couto, o respectivo chefe de Gabinete, Deusdedith  e este entrevistado que tomava posse de um cargo em uma instituição com um crédito orçamentário de fazer inveja àquele político pernambucano. Mesmo com as benções do seu padrinho Marco Maciel, minis                                                                                                                      tro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, o Romero Jucá não tinha conseguido “emplacar” como desejava,  superintendente da 6ª SUER. Coitado do seu orgulho de político iniciante nas coisas da  Esplanada dos Ministérios. Teve de me engolir...   
                                                                     
RCC. Como foram os seus primeiros meses na Sexta Superintendência da FUNAI, em Goiânia, GO? Quais as dificuldades encontradas?

VS. Com muita desconfiança  com as pessoas; os antigos servidores. Não foi  surpresa constatar que tudo de mal que diziam sobre a Funai era verdade. Afinal, a Funai era a sucessora do famigerado SPI-Serviço de Proteção ao Índio. Passei  dirigir, como a pisar em ovos, nos primeiros contatos com uma herança das mais viciadas do velho Serviço Público Federal. Refiro-me ao  pessoal que migrou do SPI e aos conceitos  arcaicos e filosofia de tratamento com os índios e aplicação de uma Política Indigenista. Foram poucas e raras a exceções de pessoas que encontrei na Funai que honravam a si própria, mas, sobretudo  as instituição; e sabiam exercitar uma postura  de dignidade profissional diante da  difícil missão. Os primeiros meses foi de uma “montagem de uma arena” onde e com quem seriam travadas as batalhas. Foram centenas de entrevistas, sondagens com antigos servidores para arregimentar e colocar tanto na sede da 6º Superintendência, como nos pontos avançados de minha jurisdição.  Ao final, tinha sob minha única responsabilidade cerca de mil servidores entre antigos e novos contratados. Desses mil, apenas um era meu antigo amigo, colega de universidade. Foi escolhido para chefiar, por exclusiva competência e marcas de honradez, a Divisão de Assuntos Fundiários. Área sujeita à muitas falcatruas e conflitos  de interesse entre índios, mineradoras, madeireiras.  Sobre a minha passagem naquela instituição tão problemática escrevi um livro  fartamente documentado, que chamei 300  DIAS NA FUNAI.  Ali, no modesto livro, em dois tomos conto o drama. Aliás, para esse “Relatório da Verdade”, os 300 DIAS NA FUNAI, tive a honra de ser prefaciado pelo ilustre confrade, escritor, e colega do Ministério da Agricultura, Engº Agrº Pacceli José Maracci Zähler.   
   
RCC. Como foi o encontro com o cacique Raoni e sua inseparável e temida borduna?

VS. Apenas conhecia o cacique Raoni pelas suas aprontações divulgadas pela televisão. Assim,  o primeiro encontro com ele foi quando eu estava  aprisionado no Parque Nacional do Xingu. Exatamente, às margens daquele rio na  confluência com o outro rio,o Suiá-Miçú. Na aldeia Diauarun, no médio Xingu.  Raoni perto de  minha pessoa era um gigante com sua borduna ameaçadora. Com aquele instrumento primitivo  tinha matado – ele mesmo dizia –, uns  70 inimigos. Diauarun é uma área dos kayabí; tradicionais guerreiros e inimigos dos txucarramãe-kaiapó. Talvez, por isso, Raoni estivesse presente sobraçando a sinistra borduna. Foi Raoni que se aproximou dizendo que eu ia permanecer por muitos dias até decisão dos 33 caciques xinguanos,  liderados por ele. Num sentimento besta de “autoridade” resolvi não dar  muita importância àquela ameaça do maior dos caciques xinguanos. Afinal – imaginei em lógica de homem branco –, sou ou não sou, também, “autoridade?”. No meu raciocínio, a responsabilidade de zelar por cerca dos 11 mil índios espalhados pelas tribos do Xingu, Araguaia e Tocantins exigiam-se de minha parte uma postura e arrogância para colocar-me à mesma altura do famoso cacique Raoni Txucarramãe. “Mas que besteira!”. Penso hoje. Depois de muitos dias e noites ao lado do Raoni, nos tornamos até amigos se posso  assim considerar.

RCC. O senhor teve contato com o cacique-deputado Mário Juruna? Qual a sua opinião sobre a atuação dele?

VS. Sim, tive rápido contato com  cacique Mário Juruna. Todo o País tinha conhecimento das atitudes daquele índio do Mato Grosso. Durante muitos anos o cacique foi motivo de ridículo generalizado para seu povo da mata. Até hoje, confesso, não sei o Mário Juruna era um bobalhão, ou um espertalhão. Como deputado federal tentou me envolver  e cobrar coisas,  para pedir providências e quem sabe dinheiro. Isso foi em uma sexta-feira em dia que eu despachava com o presidente da Funai, Romero Jucá.  O deputado-cacique invadiu a sala interrompendo minha conversa com Romero.  Como as tribos daquele cacique estavam fora de minha área de jurisdição, apenas disse-lhe que me procurasse em Goiânia quando ele  detalharia os pleitos para  minha avaliação e decisão. Nunca me procurou e nunca mais vi o tal cacique-deputado.  

RCC. Durante sua gestão na Superintendência da FUNAI, o senhor foi sequestrado pelos índios. Poderia nos contar as razões? Qual foi o tratamento dispensado na aldeia? Como se deu a libertação?

VS.  Esse episódio  do  meu sequestro, em 1986,  seria tema para  um nutrido tratado de Antropologia. Ah o ser humano! Único bicho que faz    a guerra e a estuda como arte nas academias militares. Mata seu amor por paixão! Esconde,  dissimula, mas cultiva  a inveja dos sucessos dos seus assemelhados. E ainda se vangloria de “...ser  criado à Sua imagem e semelhança...”  (sic) quando se refere a Deus! Tive oportunidade de relatar minha experiência e razões do sequestro no livro 300 DIAS NA FUNAI, assim:  a cobiça de velhos servidores pelas posições de mando e poder na instituição. Manipulação em favor de interesses  estrangeiros em contraposição aos Objetivos Nacionais Permanentes. Omissão proposital ou ingênua  das autoridades brasileiras  para elaborar a Política Indigenista com justiça aos nossos  primeiros ocupantes da Terra de  Santa  Cruz.  Incompetência e corrupção; não se nesta ordem de precedência, mas a fome pelo dinheiro fácil.  Por incrível que possa parecer, devo ao meu sequestro no médio Xingu, as mais valiosas oportunidades de crescimento como pessoa. Diante de situações tidas como  perigosas tive o amparo e amizade de servidores e indígenas que me entendiam os propósitos profundos de lutar pelo respeito à causa indígena. Raoni me testou, eu sabia, para ver se suportava as emoções mais incríveis para um homem branco “civilizado”. No dia da minha libertação do cativeiro nas selvas perigosas (24/Set/1986) pude constatar a frieza dos dirigentes mais altos do País com relação ao drama pessoal deste memorialista, mas, sobretudo, do desprezo pelo grave e complexo caminhar futuro da comunidade indígena em direção do apagar cultural e físico.  
   
RCC. O sequestro foi o motivo que o fez deixar a instituição?

VS. Sem dúvida. Mas foi como a gota d´água que faltava para transbordar a represa das decepções com os procedimentos dos meus superiores.

RCC. Qual a sua opinião sobre os contumazes conflitos indígenas pelo país e o que poderia ser feito para minimizá-los?

VS. Não sou perito em Política Indigenista. Posso até contrariar os teóricos ou práticos que dedicaram suas vidas para encaminhar soluções. Cito alguns muito conhecidos que viveram deitando falação sobre isso. Cândido Mariano Rondon (criador do SPI), os irmãos Villas Boas idealizadores aceitos e festejados dos Parques Nacionais do Araguaia e Xingu. Me assustava toda vez que baixava de monomotor sobrevoando as selvas para chegar à Ilha do Bananal  – Parque Nacional do Araguaia –  ou mais adiante pousar pelas margens mais distantes – Parque Nacional do Xingu. Por que? -  questionava no meu silêncio – confinaram nessas áreas tão remotas etnias fortemente diferenciadas em dialetos, culturas e tradicionais  beligerantes  até?  Seria um Plano de  Estado Maior idealizado   fora de nosso País com finalidade de desestabilizar nossa ocupação dos territórios que têm guardados os minerais estratégicos e uma biodiversidade ímpar? Coisa mesmo bem bolada pela International Intelligentzia. Veja  a infeliz e escabrosa decisão do STF-Supremo Tribunal Federal em relação às terras Ianomami!  As fricções interétnicas vão  assoberbando na mesma medida da crescente integração dos povos indígenas. Integração  dos povos indígenas à sociedade envolvente imposta pela Carta Constitucional de 1988.  Integração que foi reforçada, com modelo de desenvolvimento do homem  branco “civilizado”  e presente no próprio Estatuto do Índio! O momento que culminou com a minha saída da Funai pode ser materializado quando chegamos de retorno do sequestro do Xingu. Naquela tarde de 24/Set/1986,  viemos em revoada com todos os 33 caciques do Xingu com a multidão de mulheres, crianças para ser recebidos pelo ministro  Cosa Couto, do Ministério do Interior. Depois que todos os caciques falaram, fizeram os seus pediram e as crianças fizeram o que quiseram bagunçando, me foi dada a palavra pelo cacique Aritana Yualapity.  Queria o cacique que eu dissesse se eu tinha sido bem tratado nos dias que estive prisioneiro no Xingu. No momento muito tenso no Gabinete do 6º andar do Ministério do Interior, o ministro e Romero tentaram evitar que eu falasse, mas Aritana insistiu. E tive que falar, muito emocionado, mas sem dar muita bola para as duas máximas autoridades que ali estavam. Eles nada mais significavam para mim. Só os índios  tinha os como amigos ali me olhando. As câmeras de uma emissora de televisão focadas no meu rosto, em close, e eu disse, mais ou menos o meu pensamento de “experto” em assuntos indígenas para pacificá-los e com o fim de minimizar os conflitos índios x brancos: “Depois  desses breves dias que passei no Xingu aprendi   que o melhor que o homem braço deve fazer para salvar a vida e a cultura dos povos  indígenas  é manter-se cada vez mais distantes, deixado-os em paz”.   Achava que sairia dali já ex-superintendente. Por pedido de Romero Jucá, aguentei até passarem as eleições. Não queria deserções e que a Funai voltasse à mídia com mais uma saída. Mesmo assim, protocolei meu pedido de exoneração e a Portaria concedendo-me o que solicitei só foi publicada aos 15 de abril de 1987.   

RCC. A atuação política e social da FUNAI ainda deixa a desejar ou são as ingerências políticas?

VS. Depois que deixei a Funai, ainda fiquei monitorando por uns tempos as coisas. De inicio, com o governo seguinte ao Sarney, conseguiram piorar ainda mais o ambiente. Toda a estrutura organizacional retornou ao que era considerada obsoleta. Acabaram-se as  seis Superintendências Regionais com a centralização de coordenação e mão de ferro na execução dos recursos orçamentários. Era solução para travar a farra dos sindicalistas que tomaram a direção da Fundação. Ficou tudo travado. Nunca mais conseguiram afastar os sindicalistas e foi piorando mais e mais  o ambiente desanimador e social dos servidores que tentavam resistir ao avanço dos políticos nos cargos e comissões. A Fundação Nacional de Saúde assumiu a assistência aos índios e foi um fracasso. Hoje não se encontram mais servidores que façam parte de um grupo ainda crente na causa indígena. Vez por outra encontro  pelas ruas de Brasília,  servidores da Funai que me relatam, com tristeza, a situação de desmoralização e descrédito do ambiente da  trabalho. Falam que, depois que os empregados da Fundação foram enquadrados, por força da Lei 8.112, no status de Servidor Público estável foi tudo para o brejo.  Pena, tanto esforço e dinheiro jogado no ralo da cloaca   da politicagem... 

RCC. Da FUNAI, o senhor retornou ao Ministério da Agricultura, indo trabalhar na área de Defesa Sanitária Vegetal, uma vez que a EMBRATER havia sido extinta pelo governo Collor. Como se deu essa transição e qual o sabor desse regresso ao Serviço Público Federal?

VS. Resisti retornar ao Serviço Público o mais que pude. A  minha formação em Engenharia  Agronômica me fora extramente traumatizante. Minha mente não era para aquilo que estudei com afinco para me formar. Cálculo diferencial e integral! Os mundos das  Químicas! Fisiologia vegetal, o mundo mesmo fascinante dos insetos não era a minha praia. Os fungos, as bactérias, os vírus!  A dinâmica dos corretivos e fertilizantes no solo! Coisas para mentes exatas. Desde pequeno  eu “viajava” nas fantasias e imaginava como poderia concretizar meus sonhos de uma profissão humanitária; de sentido social? As profissões na minha juventude de dúvidas eram as mesmas de sempre. Engenharia, Direito ou Medicina. Por que fui cair exatamente na Agronomia? Só Deus sabe. De começo, nos primeiros anos, adorava servir junto ao produtor rural. Mas fui  ascendendo profissionalmente e me afastei do campo; contato com gente humilde. O Destino incontrolável, cada vez mais estreitando minha aproximação com  a “selva” das grandes cidades e das pessoas ditas importantes e “civilizadas”. Quando perdi meu único emprego por extinção da Embrater, imaginei que estava livre das complexidades Agronomia. Para sustentar os custos fixos familiares tinha de partir para outros desafios. Com o dinheiro do Seguro Desemprego instalei a primeira  Agência franquiada dos Correios em Brasília. Como a própria ECT-Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não tinha experiência naquele tipo de relacionamento terceirizado, o meu negócio com ela saiu mal. Fui contratado como especialista em Desenvolvimento de Sistemas pela Organização Pan-Americana de Saúde. Minha missão era organizar estruturamente um Departamento de DST-Aids. Depois fui ser consultor do PNUD-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Ministério da Cultura cujo produto esperado era um plano de acompanhamento, avaliação e controle dos  recursos financeiros captados para projetos culturais via renúncia fiscal previstos na Lei Rouanet. Nada, que fiz para esses projetos foi aproveitado. Estávamos na Era Collor. Assim, fui obrigado a atender convocação do Ministério da Agricultura para assumir o antigo cargo de engenheiro agrônomo. Fui designado para incorporar na área de Defesa Sanitária Vegetal e por lá fiquei mais uns dez anos até ser aposentado por invalidez. Uma cardiopatia grave  coincidiu com a idade máxima para permanecer no serviço ativo.     
                                                                                                                                                                                 
RCC. Hoje, o senhor é vice-presidente da Fundação Universa. Que tipo de projetos o senhor desenvolve lá?

VS. Na Fundação Universa sou apenas o vice-presidente. Não exerço nenhuma posição executiva. Nem eu nem o presidente podemos, por lei, receber qualquer remuneração. Meu papel é voluntário e respondo, eu e  presidente, oficialmente, perante o Ministério Público do Distrito Federal e  Territórios. A Fundação Universa entidade com autonomia e de apoio à Universidade Católica de Brasília tem seus objetivos centrados na educação e cultura. Opera uma Escola de gestão do mais alto nível de MBA no Brasil, tem uma área de desenvolvimento de projetos técnico-científicos e dá apoio aos órgãos públicos/privados na aplicação provas em concursos públicos. A sede da Fundação Universa é instalada em um edifício inteligente e próprio à L2 Norte Quadra 609, em Brasília, Distrito Federal. O site www.universa.org.br pode melhor descrever e informar a importância da Fundação à qual presto serviço voluntário com mandato de quatro anos, escolhido  por eleição do seu Conselho Curador. 

RCC. Depois de tantas idas, vindas e recomeços, o que a vida lhe ensinou ao longo desses bem vividos 80 anos?

VS. Ah! Ensinou-me que “navegar” é preciso. Se não sonhas já nasceste póstumo. Se o homem não ousa, mesmo árduos caminhos, resta esperar, lamentando, a sepultura ou crematório. Sempre fui muito observador das coisas e das pessoas. Não perdia oportunidades de “faturar” os fenômenos sociais que se me apresentassem. Os piores exemplos da espécie humana me serviram par desviar meus comportamentos e posturas para ser diferente. Não tenho grupos ou patotas. Nem para a literatura que me fascina, deixo-me envolver em associações, clubes ou academias. Sou muito solitário nos pensamentos palavras e obras. As reuniões do bicho-homem são plenas de armadilhas! Quando ainda jovem (1951) , entrei no Forte de Cinco Pontas, em Recife-PE,  para cumprir condenado, seis meses de prisão. Olhei, atento, para a imensa parede de pedra do portão: lá estava escrita uma  frase profunda que, talvez por raiva teimosa e ódio dos milicos, marcou e me guia até hoje. “NÃO ESMORECER PARA DESMERECER”.  Isso que a vida me ensinou.

RCC. Amauri Rodrigues já encontrou o seu lugar?

VS. Embora de dificílimo entendimento  essa questão, acho que já “encontrei o meu lugar”. Minha bússola, às vezes, endoidecia  perdida na direção certa ao  bater de frente com os escolhos da vida. Os desajustes e os imbróglios naturais ao ser humano me serviram de lições. Sempre “faturei” os meus erros. Embora minhas lições estivem sendo oferecidas do lado de fora, as internalize (lições) para dentro. “Vivo” muito internamente. Ali é meu lugar solitário, mas povoado de recordações, personagens  e multidões de fantasmas que pedem para resurgir nos meus escritos inéditos. Escrever, vê-los (personagens vivos ou mortos) voltar à cena é um prazer só entendido por quem ousa destas  aventuras. Este é o meu lugar de conquista vespertina. 

RCC. Onde nossos leitores podem adquirir seus livros?

VS. A grande maioria dos meus livros estão  irremediavelmente esgotados. Foram somente  pré-lançamentos de  edições restritas para presentear aos amigos. O livro mais atual EL EXPERTO (ficção) foi editado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pode ser  adquirido através de pedido  à  ANAPEC-Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas da Ceres que tem os direitos autorais. anapec@anapec.org.br     Outro livro, MEMÓRIAS ANDINAS, já teve o pré-lançamento em dezembro de 2011 na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pode ser adquirido, em breve, através de pedido à SANDRA MARCHIORI editora. edur@ufrrj.br

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