quinta-feira, 2 de agosto de 2012

AFORRAR VALE A PENA?



Por Humberto Pinho da Silva (V.N. de Gaia, Portugal)



São quatro da tarde. Entro em casa de chá da baixa. O salão está quase despovoado. Junto ao balcão magote de adolescentes soltam gargalhadas escandalosas, sob o olhar reprovador da empregada.
Ao meu lado, na mesa vizinha, dois roliços sujeitos, entrados em idade, dialogam a meia voz. No passeio, rente à parede, casal de namorados grudam furiosamente os beiços, e senhora, de imenso chapéu cor-de-rosa, que acaba de sair de viatura, lança-lhes gesto de indignação, arregalando os olhos.
A conversa, que desenrola-se ao meu lado, anima-se. Um deles, estendendo a mão, a jeito de orador de comício, e de olhinhos fuzilantes, reclama: - “Trabalhei como um burro. Privei-me de tudo, e agora…”
Pus as orelhas à escuta: - “ Via colegas tomar cervejitas, beber cafezinhos, em alegres farras… e eu nem férias. Tudo era aforrado.”
- “ Comprei apartamento e pus um dinheirinho a render. Agora… é o que se vê! O caseiro ausentou-se com a chave. O imposto sobre imóveis, subiu assustadoramente, e os descontos que o banco faz, são tais, que o juro é uma mirreca.
Depois… eu, que era chefe, recebo de pensão menos que o salário mínimo de muitos países.”
Ergui-me. Pousei duas moedas sobre a mesa, e acenei ao garçon.
Já na rua, entre a multidão que afluia para a Praça, indiferente, meditava no que ouvira, recordando as sábias palavras de Alexis Carrel, que havia lido na juventude, em “O Homem Esse Desconhecido”. “ Se um homem economiza algum dinheiro para sua mulher e para educação dos filhos, esse dinheiro é-lhe roubado por financeiros audaciosos. Ou, então, é-lhe tirado pelo governo, e distribuído àqueles cuja imprevidência, aliada à imprevidência dos industriais, banqueiros e economistas, os reduziu à miséria.”
E de regresso a casa, após o jantar, ainda ecoavam dentro de mim, as desoladoras palavras do velho senhor: “ Trabalhei como burro. Privei-me de tudo… e agora é o que se vê! …”


Nenhum comentário:

Postar um comentário