sábado, 1 de fevereiro de 2014

ALECRIM

Por Sandra Fayad

Amuleto, eliminas mal olhado;
Loção, curas dores musculares;
Em pães, dás sabor acentuado. 
Combates dores, proteges lares,
Regeneras os lábios trincados,
Intensificas o brilho dos cabelos.

Multiutilitário, dás conta dos recados.

LOBO GUARÁ

Por Sandra Fayad

Longe dos humanos queres estar,
Optas pelos campos de cerrado aberto,
Basta que não venham te molestar,
Ou arrancar a lobeira que tens por perto.

Graças a ela sobrevives muito bem.
Um pouco de proteínas, frutas e cereais,
Acabam provocando inveja no homem,
Rancoroso por seres elegante demais,

Avisa que, na floresta, és ser perigoso.

BEIJA-FLOR

Por Sandra Fayad

Belíssimo, veloz, genioso,
És mesmo um pássaro diferente.
Invisível, geralmente vaidoso,
Junta-te a nós, que chamam gente,
A mostrar-nos como és habilidoso.

Flores doces: vermelhas, amarelas
Lambes e trituras tanto quanto insetos
Ou aranhas, de cujas teias selas

Resistente lar para filhotes e netos.

RENASCIMENTO

Por Vânia Moreira Diniz

Caminho sem entender meus passos,
Premida pela distância da estrada,
Envolvida nos segredos que guardei,
E mesmo assim tão exultante sempre!

Ao redor o mar a comentar mistérios
Que deixei entre suas águas profundas,
Quando emergi plena e exuberante,
E experimentei sua verde profundidade.

No chão as pedrinhas que contei,
Extasiada pelo brilho que despontava,
Fascinada, deixei-as onde estavam,
Na esperança que me guiassem na estrada.

O vapor que da calçada se desprendia,
Lembrava-me os dias quentes do verão,
O colorido vibrante que salpicava as ruas,
as lojas multicores e o eco de uma canção.
.
Minhas pernas nuas ao sol tão ardente,
Que fora sempre calmante e amigo,
Luminosidade de doce efeito térmico,
Tocando e acalmando minha pele.

O céu que eu admirava em noites de beleza,
As estrelas ainda escondidas na claridade,
A lua oculta esperando horas de amor,
E o crepúsculo que ainda não aparecia.

E assim exaurida pela poesia dessa hora,
Buscava em mim o encanto enclausurado,
Que expandia em momentos de paixão,

E que agora esplendoroso renascia.

CHORAR E SORRIR

Por Vânia Moreira Diniz

Quero chorar
Quando sentir tristeza,
Sofrer desilusão,
Quando errar,
Presenciar a miséria,
Quando eu for egoísta,
Quando sentir saudade
Sem esperanças,
Quero chorar...

Quero sorrir
Quando admirar a natureza,
Observar o trabalho dos artistas,
Olhar uma criança,
Entender o mistério da vida
Ajudar o meu semelhante,
Conseguir realizar uma obra,
Quero sorrir...

Quero chorar...
Nas angústias aflitivas,
Na presença da ingratidão,
No ódio irreversível,
Na ira incalculável,
No egoísmo desmedido,
No sofrimento tormentoso,
Nas grandes tragédias,
Quero chorar...

Quero sorrir.
Nos afetos desinteressados,
Na simplicidade dos humildes,
No perdão espontâneo,
No regresso dos que partiram,
Na cura inesperada,
No gesto de carinho,
Na ternura da amizade,
Quero sorrir...

Quero chorar...
Na miséria desdenhada,
Nas grandes catástrofes,
Na pobreza irremediável,
Na maldade voluntária,
No luto desesperado,
Nas indiferenças calculadas
Nos terremotos dos países atingidos.
Quero chorar...

Quando um gesto de carinho prevalecer,
Quando a humanidade for generosa,
Quando for exterminada a violência,
Quando a AIDS ou o câncer forem curáveis,
Quando as pessoas puderem ser livres,
Quando não houver classes em minoria,
Quando todos nós formos bondosos,
E não existir a desconfiança nem as doenças,
Quero sorrir, Quero sorrir. ...

Mas deixe-me chorar
Quando as guerras são cogitadas,
Quando as pessoas se maltratarem,
Quando não compreendermos o próximo
Enquanto houver preconceito,
Quando a brutalidade imperar,
Enquanto as pessoas passarem fome,
As crianças não forem confortadas,
Enquanto houver o desemprego,
Nas soluções apenas simuladas,
Quando me separar de pessoas tão queridas

Deixe-me chorar, Deixe-me chorar, por favor.

ISAURA CORREIA SANTOS, UMA ALENTEJANA DE ALEGRETE

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Em Março de 1914, em plena planície alentejana, nascia a escritora Isaura Correia Santos.
Muito jovem, casou-se com o pintor Abel Santos. Tinha dezassete anos. Era uma menina bonita, moderna e muito determinada.
Publicou trinta e três obras, entre livros e opúsculos. Notável conferencista, trabalhou em Londres, como jornalista da BBC.
O governador do Texas, concedeu-lhe, em reconhecimento da actividade como jornalista e cronista, de grande mérito, o título de cidadã honorária do Estado do Texas.
Suas crónicas apareceram na “ República”, “ O Comércio do Porto”, “ O Primeiro de Janeiro” e em numerosos periódicos locais. Eram, em norma, incisivas e mordazes, todavia nada irreverentes.
Aos sábados, reunia em sua casa, na Praça da Galiza, no Porto, pequena tertúlia. Abordava-se, então, temas: políticos, económicos e mormente literários.
À hora do “ chá”, a Filó – a empregada – colocava sobre a alva toalha adamascada, chávenas de fina porcelana, todas diferentes, mas de grande beleza.
Lembro-me que uma das assíduas frequentadoras, era Dora Correia da Silva, da “ Crónica Feminina”, e o poeta, muito espirituoso e excelente conversador, Jorge Condeixa.
Tinha, a escritora, em Soutelinho, casa de férias, onde, de longe a longe, repousava. No pino do Verão, ia a banhos, para o Estoril.
Certa vez, ao entrar no carro, que estava estacionado na estrada Povoa – Vila do Conde, foi colhida por viatura, e teve que ser hospitalizada, gravemente ferida.
Fui visita-la à Ordem da Trindade. Certa ocasião, ao entardecer, confidenciou-me: “ Os olhos agora começam a ver melhor o interior, a compreender a Vida e seus segredos…” E prosseguiu, em voz dolente: “ Apesar da pouca fé que tenho, confio Nele, e espero na Sua misericórdia.”
E mais adiante:
“ Tenho rezado muito. Este acidente fez-me compreender o que nunca tinha conseguido alcançar.” - E concluiu: - “Não se esqueça de mim, nas suas orações.”
Já convalescente, numa visita que lhe fiz a sua casa, revelou-me que andava preocupadíssima com a saúde da Filó (Filomena).
Telefonou-me uma tarde de Julho, de 1988, muito aflita, dizendo-me que a Filó havia falecido e que se sentia muito só e muito triste.
A escritora, que recebeu o prémio “ Maria Amália Vaz de Carvalho”, era autora da conhecidíssima colecção de livros para crianças: “ O Senhor Sabe Tudo Contou…”
Pouco depois do telefonema, foi internada no Hospital do Carmo. Confessou, durante o internamento, a amiga: “ Não receio morrer - até desejo, - visto acreditar numa outra Vida e principalmente na misericórdia de Deus.”
Em fresca, mas luminosa manhã de Fevereiro, do ano de 1989, fui visitar Frei Martinho Manta, aos Padres Franciscanos, na Rua dos Bragas.
Ao entrar na salinha de visitas, este, de rosto contornado disse-me:
- Morreu uma grande Senhora do meu Alentejo: a escritora Isaura Correia Santos.

Cumpria-se a “profecia” da Filó, proferida dias antes de morrer: “ A minha senhora não vai durar mais de seis meses, após a minha morte!”

O QUARTO "F" DE D. PEDRO

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Após o Imperador do Brasil haver abdicado a favor do filho, reuniu na ilha de S. Miguel, sete mil e quinhentos homens. Obtido o apoio da Inglaterra e da França, rumou às amenas areias de Mindelo - povoaçãozinha do concelho de Vila do Conde, - no intuito de destronar o irmão, D. Miguel, e seus correligionários.
Sentindo fome, deambulou pela localidade, e avistou modesta locanda. Entrou, e perguntou ao taberneiro, se havia coisa que se coma.
Prontamente, este, esclarecendo-o; disse que tinha: peixe de três “Fs”.
Admirado com o que ouvira D. Pedro, interroga-o.
- Que quer você dizer com os três “Fs”?
O vendeiro, que não conhecia o Imperador, apressou-se a esclarece-lo:
- Há: faneca, fresca e frita.
Veio a faneca e veio o pão, e também o bom e saboroso vinho verde.
Abancou-se o Imperador diante de larga e sólida mesa de pinho, escrupulosamente esfregada, e comeu com sofreguidão.
Ao terminar o frugal, repasto, que lhe soube divinamente, o Imperador, para sua desdita, verifica que não trazia dinheiro.
Volta-se, então, para o taberneiro, e sorrindo:
-Estava bom!; estava ótimo!; mas agora a faneca fica com mais um “F”.
- Como assim!? - Interroga, atónito, o vendeiro.
De lábios a transbordar de risos, D. Pedro dispara:
- Faneca, fresca, frita e … fiada!
Não posso asseverar se o taberneiro perdoou a divida, ao reconhecer o Imperador, mas creio que sim, ao saber que na praia havia sete mil e quinhentos homens armados.
Também não sei esclarecer se D. Pedro liquidou o que devia. Sei que os liberais chegaram a Lisboa, após diversas escaramuças, e Mouzinho implantou as reformas que considerou necessárias; mas com tantas nomeações políticas, que o funcionalismo público cresceu exageradamente.

Então, como agora, os oportunistas e os desonestos, são, quase sempre, os únicos que beneficiam das revoluções, que se fazem em nome do povo., e da liberdade.

INTERMITENTE

Por Maria Felix Fontele

Não sei voar
Mas tenho asas nas mãos
Por isso navego no mar da escrita
Até onde a memória alcança!

Já explorei tantas águas
De oceanos de palavras
De riachos perenes e cálidos
Mesmo assim não posso parar!


CAPAZ

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Capaz de irradiar
o fato no sacrilégio
do acontecimento em lance
rápido de ataque. A sistematização
da defesa no entorno da praça. O contorno
do pássaro em ares enjaulado. Imprimir
no verso o movimento lento das parábolas.
Imprimir no selo a marca da passagem.

Ter na capacidade adjetivada

do referendo o dogma não acontecido.

NASCER

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Conhece do mar a correnteza
a força a cor e as ondas
restabelece com o ar relação de força
ao planar o objeto e contar o espaço
em velocidade no desfazer a terra
em pedaços loteados nos alicerces
das casas altas: reanima o corpo
sob o estupor da música
e se deixa ficar: a vida é a mesma
                    desde quando gerado.

PROVÍNCIAS

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Pensou ser histeria
a província. Estava
olhando o espaço
errado. A província
incógnita contém
ideias indigestas
trazidas de fora. O cosmo
fechado em buracos atrai
a sede da permanência:

bom dia boa tarde boa noite.

VIDRAÇAS

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

A vidraça transcende defesas: mostra
aos olhos educados a graça da visão.

Determina a transparência e alucina
o corpo visto. Desconta as sombras
e alisa o rosto. Encontra o espaço
e se projeta no vazio da imagem.

Revista em séries inconcebíveis
a vidraça alonga a visão da casa
e a integra ao lado de fora.

Nada pretende além de ligar
o exposto e o imposto

ao silêncio.

A VOLTA DO MENINO

Por Ernesto Wayne (poeta bajeense, patrono da cadeira nº 9 da ALB/DF, 1929-1997)

Mas meu Deus, por que mundos se meteu,
Tomou talvez por que caminhos tortos,
Certo menino meigo que fui eu?
Por que mares singrou, de tantos portos?

E as imagens de si, tão altas, seu
Cismar de olhos de então, no céu absortos,
Tudo foi para sempre e se perdeu?
E os sonhos que ele tinha, estarão mortos?

Buscando esse menino me procuro,
Pois penso ser de novo o que já fui,
Mas tudo para trás é tão escuro:

Porém vai o menino renascer
Depois em mim no tempo que deflui:

Somos aquilo que pensamos ser.

DIDÁTICA GERAL DA CRIAÇÃO

Por Ernesto Wayne (poeta bajeense, patrono da cadeira nº 9 da ALB/DF, 1929-1997)

E Deus foi o primeiro professor:
Fez o dia com giz de cor
E, no alto quadro-negro da noite de breu,
Com giz de prata estrelas escreveu.

Para ensinar os anjos,
Na matéria fez arranjos:
Fez o mundo com Didática.
Primeiro, foi Matemática:
Dividiu o tempo e deu
Todo o Curso em sete dias.

Para gravar na memória,
A sequência desses dias,
O Senhor criou a História.

Eis que no segundo dia
Em que resolveu criar
Já lecionou Geografia:
Mundo, monte, mato e mar,
E nela nada lhe escapa,
Tudo estava em seu lugar,
Já bem antes de haver mapa.

Então, no terceiro dia,
Em aula de Astronomia,
Deus tomando dum compasso,
Riscou a Lua no espaço.
Brandindo na mão a vareta
Bateu no céu, saiu cometa.

Logo depois do recreio,
Deu Ciências Naturais,
Pois que foi pondo no meio
De vegetais, animais.

E assim foi nos outros dias,
Inventou substantivos
Ao dar nome a seres vivos.

Quando foi no sexto dia,
Deu lição de Anatomia,
Pois que, encerrando seu Plano,
Deus criou o ser humano,
Para não ficar sozinho;
E iluminando o caminho
Pôs luz na escuridão,
Fogo no meio da treva:
Ao homem chamou Adão
E à mulher deu nome de Eva.

E depois que fez o mundo,
Que o fez com o próprio punho,
Num minuto, num momento,
Deus desmanchou o rascunho,
O rascunho desse mundo,
Com o apagador do vento.

E, por fim, cansado da lida,
Soltou o mundo na amplidão
Como pandorga colorida
Ou como azulado balão
Com enormes gomos dourados

Faiscando na imensidão.