sábado, 1 de março de 2014

RECEITA PARA TER SEMPRE RAZÃO

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Entre os poucos amigos de meu pai, havia o Mário Macedo. O Mário, era um jovem de vinte e poucos anos, magro, alto, bem-falante, e de resposta pronta.
Certa ocasião veio a nossa casa, e como amigo que era, foi recebido na pequena salinha, contigua à cozinha, onde tomávamos as refeições. As cerimoniosas eram sempre encaminhadas para ampla sala, que ficava no segundo andar, onde havia pesados reposteiros, móveis sisudos e bustos de gesso, pousados em altas colunas, que primavam pela robustez.
Ora, dessa vez, o Mário, que era de conversa fácil, deslumbrou pela erudição.
Meu pai, estupefacto com tanta sabedoria, não se conteve e louvou o conhecimento, mormente a extraordinária memória:
- Não conhecia essa faceta. Você é jovem, mas demonstra cultura invulgar, e capacidade de citar, a propósito, pensamentos oportunos. Dou-lhe os parabéns, e gabo-lhe a memória. A minha é de papel, e vejo-me, muitas vezes, atrapalhado para encontrar fichas e recortes de jornais, em desalinho.
Sorriu-se o maroto do Mário. Piscou os olhos gaiatos e a grandes gestos, encarou meu pai, após circunvagar a vista pelos presentes, que permaneciam de boca escancarada, perante novo Salomão. Exclamou a risadas:
- O Senhor Pinho também pode fazer o que eu faço! …
- Como assim?! Explique-se?!
- É muito simples! Dantes, ao ter uma ideia, uma opinião, diziam: “ Estás a filosofar!”, “ Ainda não conheces a vida!”, “És muito novo! …”; ou então: “Nem parece teu! É uma criancice! Um disparate! …” Lembrei-me, então, recorrer a autoridades incontestáveis…”
- E decorou reflexões de homens célebres para empregá-las no momento exacto. - Acrescentou meu Pai.
- Nada disso! - Retorquiu o jovem. - Quando surge a ideia, não digo que é minha, mas de conhecido economista, famoso político ou intelectual de renome, e o parecer é acatado e até louvado.
Como meu pai ficasse admirado com o atrevimento, o Mário, acrescentou, soltando larga risada:
- A semana passada estive com o abade de*** Tinha lido, em publicação religiosa, referências a Encíclicas e a teólogos famosos. Colhi nomes e atirei opiniões minhas como fossem deles. O bom sacerdote, entrado em anos, engolia em seco e assarapantado, dizia:” Está bem! …Está bem! …; mas não se pode acreditar em tudo que os teólogos dizem…”
E rematou, com sonora e alegre gargalhada:

- Sabe, Senhor Pinho! Poucos são os que conhecem mais que nomes e lombadas de livros…Depois ninguém gosta de parecer ignorante! …

A IGREJA PRECISA DOS IDOSOS

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Eu tenho um amigo, daqueles que sempre estão presente nas horas amargas, que era catequista.
Semanalmente, nos fins-de-semana, abalava para o “ interior”, deixando a família, para participar na preparação da catequese.
Certa vez confessou-me: “ Quando for aposentado vou-me dedicar às atividades da Igreja da minha terra e à agricultura. Tenho um campinho na retaguarda da casa que ergui na aldeia e vou cuidar das árvores de fruta e da hortinha.
O tempo passou e ele sempre a sonhar com a reforma que lhe permitiria organizar melhor a catequese da paróquia, já que era o coordenador.
Um dia atingiu a idade necessária para se retirar. Despediu-se de olhos marejados dos colegas; pela derradeira vez visitou a banca de trabalho, testemunha de horas alegres e de muitas e muitas angústias; e definitivamente partiu para a terra natal.
Não deixou, porém, de passar pela livraria católica em busca de material para as aulas da catequese. Como as verbas para a evangelização dos jovens eram escassas, despendeu muito de seu bolso.
Era um sonho há muito idealizado.
Mal chegou foi prestes à reunião da catequese. Admirou-se, porém, que o abade, velho companheiro nas lidas religiosas, estivesse presente.
Aberta a reunião, o padre urdiu eloquente palestra entremeada de rasgados elogios ao meu amigo. Apoiavam enternecidos os presentes as palavras do sacerdote. Ao concluir ofertaram bonita bíblia, de folhas doiradas, encadernada a pele.
No ato da entrega, disse o abade:” Chegou o momento de descansar. É justo que o libertem das árduas canseiras que lhe roubaram horas de recreação. É mister sangue novo. Já indigitei novo coordenador, e faço votos que ao aposentar-se, tenha finalmente o merecido repouso, junto dos que lhe querem bem.”
Escusado será descrever a desilusão que sofreu o meu amigo. Mesmo assim teve ânimo para agradecer, lembrando que não se sentia velho, e muito podia dar à Igreja.
Este caso verídico faz-me refletir na perda que a Igreja tem ao desprezar o trabalho dos idosos.
Há muito que lembro – mas poucos escutam, – que muitos professores, homens de valor, ilustres catedráticos, após aposentação, podem ser excelentes sacerdotes (diáconos e padres), consoante os casos, com reduzido estudo no Seminário Maior.
O aposentado, em regra, tem tempo disponível; não carece de trabalhar para sobreviver; e pode perfeitamente dispor, graciosamente. ainda de vinte anos ou mais, ao serviço de Deus.
Desaproveitar conhecimentos e disponibilidades é erro crasso, mormente em época em que a falta de sacerdotes é notória.

Bom era que as dioceses incentivassem os crentes idosos a participarem nas atividades das paróquias, de harmonia com os conhecimentos e saúde de cada um.

PADRE ROBERTO GERMANO

Por Paccelli José Maracci Zahler

Quando entrei no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em março de 1969, no curso de Admissão ao Ginásio, já tinha ouvido falar do Padre Roberto Germano, o fundador daquele educandário. Lembro-me de vê-lo atravessar o pátio do colégio em direção à porta da sacristia, velhinho, encurvado, passos lentos.

O único contato que tive com o Padre Germano foi no dia 3 fevereiro de 1970, por ocasião do dia de São Braz. Embora fosse coroinha (sacristão), nunca ajudei uma missa rezada por ele.

Como desde criança eu sofria com crises de garganta, minha mãe sugeriu que eu fosse benzê-la no dia 3 de fevereiro, dia de São Braz, o santo que tirou uma espinha de peixe da garganta de uma criança que estava engasgada, salvando-lhe a vida. Desde então, é tradição benzer a garganta no dia desse santo.

Por uma dessas circunstâncias inesperadas da vida, o oficiante da missa das 18 horas da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora era o Padre Germano. Após a cerimônia, ele pediu àqueles que quisessem benzer a garganta, que se aproximassem da mureta que cercava o altar. Assim o fiz. Ele colocou duas velas acesas cruzadas encostadas à minha garganta e a abençoou. Daquele dia em diante, continuei com crises na garganta, porém, com menor intensidade. Minha febre chegava a 40 ºC, eu delirava e tinha que ficar de cama e tomar injeções a semana inteira. Após a bênção, tais crises foram bastante reduzidas.

Eu sempre quis saber um pouco mais sobre a vida do fundador do Colégio N. S. Auxiliadora. Por sorte, lá pela década de 1970, o Lions Clube Bagé-Centro publicou um livreto intitulado “Vida e obra d Padre Roberto Germano”, sem indicação de autor e data de publicação, nem mesmo editora. Dele, consegui extrair boa parte da cronologia elencada abaixo, somadas às consultas pela internet.

Cronologia da vida do Padre Germano
- 8.maio.1880 – Nasce o Padre Roberto Maria Germano, filho de Felix Germano e Maria Bássio Germano, naturais da Itália, em Rincón de Francia, Departamento de Paysandu, Uruguai.
- 1888 a 1891 – Freqüentou o Colégio N. S. do Rosário, colégio salesiano de Paysandu.
- 1892 – Faz o noviciado no “Colegio y Liceo San Isidro”, em Las Piedras, Departamento de Canelones, Uruguai, que havia iniciado uma Casa de Formação (Seminário Salesiano) em 1887.
-5.jan.1895 – Recebeu a batina das mãos do Monsenhor Juan Cagliero, que estabeleceu a primeira comunidade missionária salesiana no Uruguai, sob as ordens de Dom Bosco.
- 1897 – Ingressou na Congregação Salesiana.
- 1897 a 1898 – Fez seus estudos teológicos em Las Piedras.
-1900- Ingressou definitivamente na Ordem dos Salesianos de Dom Bosco.
- 1897 a 1901 – Realizou Tirocínio Prático ( Assistência) em Las Piedras.
- 1902 a 1903 – Trabalhou nos Talleres Dom Bosco.
-1899 a 1903 – Continuou seus estudos teológicos em Las Piedras.
- 8.maio.1903 – Foi ordenado Sacerdote por Dom Ricardo Issasa, nos Talleres(Oficinas) Don Bosco, em Montevidéu, Uruguai, que ministra cursos profissionalizantes para jovens.
- 15.fev.1904 – Chegou a Bagé, RS,acompanhado de mais sete salesianos uruguaios com a missão de fundar o primeiro ginásio da fronteira; e, por 15 dias, foram hóspedes do Cônego José Inácio Bitencourt na Casa Paroquial da Catedral de São Sebastião.
-2.mar.1904 – Foi aberto o Colégio Salesiano de Bagé, no prédio onde funciona hoje o Ginásio “Professora Melanie Granier”. Naquele prédio, o Padre Germano dormia no porão. Ali permaneceu por dois anos, enquanto era construído o Ginásio Nossa Senhora Auxiliadora, na parte norte da cidade, onde existiam duas casas, pertencentes a um carpinteiro e a um comerciante, ambos espanhóis, ao redor de uma lagoa.
Além do Colégio Salesiano de Bagé, havia um outro colégio que funcionava na parte superior do prédio do Jornal “Correio do Sul”.
- 1918 a 1936 – Foi Vice-Diretor do Colégio N. S. Auxiliadora.
-24.maio.1953 – Dia de Nossa Senhora Auxiliadora, completou 50 anos de vida sacerdotal e recebeu o título de “Cidadão Bageense”.
-22.maio. 1964 – Recebeu o título honorífico de “Benemérito Municipal”.
- 20.out.1970 – Recebeu a comenda de Grande Oficial da “Ordem Nacional do Mérito Educativo” pelo Presidente da República, entregue pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Euclides Triches; e a “Medalha do Pacificador”, pelo Ministro do Exército, no Colégio N. S. Auxliadora.
-19.mar.1972 – O Padre Germano ficou enfermo.
-29.jan.1973 – Faleceu. Seu corpo foi velado na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora e sepultado às 10 horas do dia 30 no cemitério de Bagé.


O Padre Germano lecionava Geografia, História e Espanhol. Segundo relatos, durante o recreio brincava com seus alunos e se confundia com eles nas atividades esportivas. Foi Capelão da Santa Casa de Misericórdia durante 43 anos, e vigário de São Martim. Com 92 anos, atendia todos os dias o ministério sacerdotal e se dedicava aos pobres da Vila Vicentina.

DECLARACIÓN

Por Mireya Piñeiro Ortigosa (Guantánamo, Cuba)

Temeroso, el tacto rozó la madrugada:
frontera de todas tus sorpresas;
hubo canto en silencio
- pesar al margen.

Me quedaré contigo;
definitivamente engulles mis espadas
mientras la carpa ondula
y el sollozo, fundido al aserrín,
bailotea los aires
celebrando la magia
de este charco incendiado.

(Do livro "En lo callado de la hoguera", 1994)

A CADA ROCE DE LA SUERTE

Por Mireya Piñeiro Ortigosa (Guantánamo, Cuba)

La raíz del deseo, no la encuentro,
lo que soñe algún día, no me alcanza;
es el vivir una perenne lanza
suspendida y en busca de algún centro.

Quiero rendir el sitio en que me adentro,
convertir lo casual en agua mansa
para gozar así de la templanza
cuando en lo oscuro y asombroso entro.

Y en esta paradoja que debato
se vislumbra sin duda una respuesta:
a cada roce de la suerte me ato

sabiendo que el misterio valor presta.
No valdría la vida cual mandato,
se juício es el silencio y la propuesta.

(Do livro "En lo callado de la hoguera", 1994)

Sobre a autora: Mireya Piñeiro Ortigosa é professora do Instituto Superior Pedagógico de Guantánamo, Cuba. Publica seus textos em jornais e revistas nacionais de Cuba.

OBVIEDADE

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Procuro a obviedade
do ato na insanidade do fato
recontado na versão amedrontada
da verdade. Minto a certeza
na repetição do gesto. Gasto a vida
em desafios estéreis e me debruço
ao acaso. Com medo entrego
a visão ao fito olho descoberto.
Meu início ciente da contenda
despreza ao largo o objeto
navegado em mares ressacados.
A obviedade se faz porto preso
em armadilhas. A complexidade
reduz os sentimentos ao sentido
do devoluto território aramado
em diversões e festas.


INCIDENTAL

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

  A mulher cruza a peça
                    em direção ao corredor interno.
                    Sua perna falseia a verdade
                    da caminhada. Os pés
                    desistem da cena. A mulher
                    desaparece no vão da escada.

Espada em punho o homem
acompanha a cena. A lâmina
trespassa seu braço. As mãos
tremem o aço oxidado. O sangue
inunda o vão da escada.

Outra mulher leva nas mãos o pano
de limpeza e o balde. Ajoelhada
passa o pano no vão da escada.
Espreme o pano dentro do balde.
O balde transborda na mulher
desaparecida e no braço
do homem oxidado

na temperada espada.

CONVIVER

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Convivo na desconfiança
de ser espionado
sem motivo aparente

ser vigiado diariamente
sem motivo aparente
ser preso diariamente
sem qualquer motivo

na ideia de ser denunciado
pronunciado
tipificado
sentenciado
(todos os dias)
sem aparentar motivos

convivo na prestação da pena
aparente em que desconfio

de cada dia atípico.

FAUNO

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

A derradeira pincelada
cobre o desenho na geração
encarcerada sob a tinta. A honrada
família protege os filhos
da insanidade na cena sexual.
A moral preservada na parede
lisa de obscenidades. O estertor
nos olhos divisa o desenho
em lembrança. A mudez do corpo
coberto em finas luzes na opacidade
dos olhos da modelo. O fauno
perambula a casa em busca

de ser recebido em outros traços.