quarta-feira, 2 de julho de 2014

BAGÉ

Por Gerson Mendes Corrêa

Bagé, Terra que nasci,
Terra que DEUS  me deu por chão.
Terra  onde dei os primeiros passos, corri, cresci, amei.
Por teus campos e coxilhas cavalguei, de cara contra o vento.
Terra que me fez  homem forte e firme.
Terra do  primeiro amor.

Bagé, Terra do Minuano assobiando nas campinas,
Muitas vezes o enfrentei de frente, por força de um ideal.
Pois não é teu filho Bagé,
Quem nunca enfrentou um minuano assobiador.
Assim é a minha Terra Bagé,
Uma Terra que entrega ao mundo
Homens e mulheres de valor.

Bagé, tu fazes parte de mim, e estás no meu coração.
Quando por  aí estou, caminho lentamente
Nas batidas da emoção, lembrando de tudo que aí passei.
Bagé,  espero um dia voltar a ti, mesmo que seja
Para a última reação química,  a de
Transformar-me em pó no seio do teu chão.



                                                                                                                        

                                                                                                                                     (19/11/2013)

terça-feira, 1 de julho de 2014

CAMINHADA

Por Paccelli José Maracci Zahler

Tanto sonho sonhado,
Estraçalhado e desfeito,
Deixando nosso peito
Bastante amargurado.

Sonho não realizado,
Há pouco latente
Dentro da gente,
Morto e enterrado.

Recomeçar outra vez?
Uma nova caminhada?
Dúvidas atrozes

Ao longo da estrada. 

MEU SER EVAPOREI NA LIDA INSANA

Por Manuel Maria de Barbosa  l'Hedois du Bocage (Setúbal, 1765 - Lisboa, 1805, Portugal)

Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua orgia dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,

Saiba morrer o que viver não soube.

SOBRE ESTAS DURAS, CAVERNOSAS FRAGAS

Por Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (Setúbal, 1765 - Lisboa, 1805, Portugal)

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas;

Razão feroz, o coração me indagas.
De meus erros a sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co'a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;

Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.

AMOR É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER

Por Luis Vaz de Camões (Lisboa 1524-1590, Portugal)

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

DESLUMBRAMENTOS

Por Cesário Verde (Lisboa, 1855 - Lumiar, 1886, Portugal)

Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!...

Em si tudo me atrai como um tesouro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de ouro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,

E arrastando farrapos - as rainhas!

CONTRARIEDADES

Por Cesário Verde (Lisboa, 1855 - Lumiar, 1866, Portugal)

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras exceções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convêm, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe umedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...

Que mundo! Coitadinha!

EU E ELA

Por Cesário Verde (Lisboa, 1855 - Lumiar, 1866, Portugal)

Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;

Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.

Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más idéias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.

Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.

Outras vezes buscando distração,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiro,
Formando unicamente um coração.

Beatos ou apagãos, via à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto

E o laxo Cavaleiro de Faublas...

AVES DE RAPINA

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Quando faleceu minha mãe, após meses de tremendo sofrimento, que a levou à cegueira – abandonada pelos médicos, ao verificarem que não havia cura, - meu pai foi recomendado, pela funerária, que pertencia a amigo de meu avô, a retirar objectos pequenos, das salas, que familiares e amigos teriam acesso.
Ajudei-o nessa ingrata tarefa, segurando com fino arame e fio do norte, pinturas e gravuras que se encontravam ao longo da escadaria.
O velho e íntimo amigo de meu avô, era católico e monárquico, de sete costados, em época que era crime grave, ser cristão e adepto do rei deposto. Atrevimento que, algumas vezes, pagava-se com a vida.
Foi igualmente aconselhado a depositar o corpo em capela. Era mais seguro - informaram, - livre de aves de rapina que habitualmente frequentam velórios.
Conselho que recusou. Faltou-lhe coragem de abandonar a mulher, em capela pública, cujas portas encerravam às primeiras horas da madrugada.
Deixou-a no leito, coberta com lençóis do enxoval; sem velas, sem flores, de janelas escancaradas, por onde luminoso sol entrava a rodos.
Amigos, conhecidos e curiosos, subiam as escadas. Penetravam, a medo, no quarto, e ficavam chocados ao verem-na “ dormindo”.
Decorridos minutos, espantados, declaravam: “ Assim não impressiona tanto!….”
Agora devo dizer que não gosto de ir a funerais. Não gosto, porque neles encontra-se o pior que existe nos humanos: hipocrisia, bajulação, ganância, à mistura de frases feitas; e ainda que digam que sentem muito, a maioria não sente nada.
São aves de rapina que rondam carne morta, em busca de interesses.
Familiares existem, que recebem a morte com alívio: ou porque o doente era um estorvo, ou porque finalmente vão receber bens, que muitas vezes, não conseguiram obter com procurações e doações….

É a vida! Melhor: é a morte! …

RESPONSÁVEL

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

A expectativa
do futuro – igual
                  aos outros –

                  gera responsabilidade

carregada na (des)culpa

                 dos atos passados.

TRAJETÓRIA OPOSTA

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Reescrevo a raiva em papel
de seda. Encarto a ira
              no final do quadro.

Enquadro a tristeza em soslaio.
Remeto a visão ao desatino.

Depois
recebo as honras e a gala.


Engalano a morte em suspiros.

PANO

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Desfaço o pano
(a nudez do corpo)
em linha enrolada
ao fuso (a ilusão da hora).

Desenlaço a corda como reinício
(a sofreguidão do beijo) e me vejo
recoberto (a condução do corpo)

no pano remanescente.

MÚSICA

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Enquanto escuto a música
danço o corpo ao espaço.

Livre quanto a liberdade
permite ao congestionado
corpo meço distâncias
em tons e pautas: maneiras
simplificadas do gosto.

A música recria o final
do passo. A disparidade

finalizada em nada.