sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O TEMPO PASSA... (microconto)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Nos anos de 1980, saía eu da minha casa quando me deparei com uma senhora com uma criança no colo. Assim que me viu, a criança começou a gritar:

- Papai, papai, papai!

A mãe ficou roxa, amarela, esverdeada, mas teve a calma suficiente para dizer:

- Esse não é o papai. O papai está no trabalho.

Ainda ontem, eu estava no coletivo e atrás de mim estava uma mãe com uma criança no colo. Assim que me viu, a criança começou a gritar:

- Vovô, vovô, vovô!

A mãe calmamente explicou:

- Esse não é o vovô. O vovô está em casa.


Foi a minha vez de ficar roxo, amarelo, esverdeado. Voltei arrasado para casa.

HOMEM DE PALAVRA (microconto)

Por Paccelli José Maracci Zahler (microconto)


- Quero comprar seu gado!

- Você não tem como me pagar!

- Tenho, sim! Pago dia 23!

- Tudo bem! Se não me pagar, lhe mato!

- Que é isso? É claro que vou pagar.

Passa-se dia 23, 24, 25...
Dia 26 encontram-se no caminho.

- Ah, Antônio, estou com seu dinheiro! Atrasei-me um pouco, mas aqui está.

O outro contou o dinheiro, a quantia estava correta.

- Zé, muito obrigado pelo pagamento! Mas como havia dito, se no dia 23 eu não recebesse o dinheiro, eu lhe mataria... Para provar que tenho palavra, toma! - disse, disparando três tiros à queima roupa.


O corpo do Zé foi encontrado no meio da estrada. Nunca prenderam o assassino. Melhor, ai de quem o prendesse!

NERVOSINHOS (microconto)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Era para ser um dia feliz. Música suave no som do carro zero quilômetro, a paisagem maravilhosa, o sol brilhando no céu.
De repente, o acidente na entrada da cidade.
O motorista sai para ver o estrago e tirar satisfação do outro. Ambos se irritam e começam a discutir quem foi o culpado. Nenhum se preocupa se o outro está machucado, se precisa de médico, de ajuda, se tem problemas pessoais.
Um deles pega um revólver e dá dois tiros no outro.
Hoje, o agressor está na cadeia e a vítima em uma cadeira de rodas.

Os carros foram vendidos para pagar as despesas.

BEM PREGA FREI TOMÁS

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Em 1530, ano depois de Frei Bartolomeu dos Mártires haver professado, em Lisboa, nascia, em Ponte da Barca, Frei Tomás, filho bastardo do Morgado de Fonte Arcada.
Ao constatarem que o menino tinha facilidade em aprender, logo o enveredaram para a Religião.
Professou em 1549, como frade dominicano, no convento de S. Domingos, em Lisboa.
No correr dos anos tornou-se pregador famoso. Do púlpito, afoitamente, lançava violentas verrinas, condenando, asperamente, degradados costumes e a desenfreada corrupção que existia na corte.
Os sermões, e o rigor da conduta, como sacerdote, despertaram o interesse da Rainha, que era conhecida por ser extremamente cuidadosa a escolher os diretores espirituais.
Ocupou, então, o cargo que fora de Frei Luís de Granada, antigo confessor da Rainha.
Como confessor de Dona Catarina, tinha livre acesso à corte, e conhecia, perfeitamente, todas as imoralidades dos ilustres fidalgos.
Isso acarretava-lhe agros dissabores, porque os viciosos não gostam de serem chamados à razão.
Certo dia, fidalgo, que fora severamente advertido, colocou na porta do gabinete que o cenobita possuía, no paço, os seguintes dizeres:
Aqui mora Frei Tomás, que bem diz e mal faz.
Frei Tomás não se deu por achado, e escreveu por baixo:
Fazei o que diz, e não façais o que faz.
Criados e restante pessoal da corte viram os dizeres e divulgaram-no.
Foi tal o concurso, que a própria Família Real deslocou-se para ver a espiritualidade do pregador.
Em 1578, Frei Tomás foi eleito Provincial. Nesse ano era Frei Bartolomeu Arcebispo de Braga.
Todavia o Cardeal Dom Henrique, anulou a nomeação, entregando o cargo a Frei António de Sousa.
Razões? Desconheço; mas pode ter sido devido a inimigos de Frei Tomás.
Aqui está a razão, porque é costume dizer-se:

Bem prega Frei Tomás: faz o que ele diz e não o que ele faz.

COMO PENSA O HOMEM DA RUA

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Na pequena estante de meu quarto de solteiro, havia pouco mais de trinta volumes. Quase todos de Camilo, alguns de Fulton Sheen e Mário Gonçalves Viana, e meia dúzia de Marden.
Nos livros de Marden moldei o carácter, e arquitetei a pouca cultura que adquiri ao longo dos anos e com Mário G. Viana aprendi a pensar e a formar opinião.
Entre as obras da juventude, a que mais me impressionou, foi “ A Arte de Estudar “ de M. G. Viana. Havia nela curioso diálogo, travado entre professor e aluno do Colégio da Trindade, de Oxford, que obtivera diploma.
“ O estudante acabava de concluir o curso e resolveu ir despedir-se do diretor:
- Senhor diretor: como acabei a minha educação, vou-me embora amanhã.
Ouvindo isto, o austero mestre exclamou, entre surpreendido e irónico:
- Como pode ser isso? Acabaste de dizer, se não estou em erro, que concluíste a tua educação? Pois, meu rapaz, fica sabendo que eu ainda só agora sei que verdadeiramente comecei a saber alguma coisa!”
Na escola, aprende-se o básico, os alicerces, onde assenta a estrutura da nossa cultura. Nada mais.
Saber: aprende-se com a experiência e constante estudo.
Sei bem que se dá mais valor ao “ canudo “, passado pela Universidade., que ao conhecimento adquirido por autodidatismo. É engano, em que muitos costumam cair.
Cesário Verde – como outros ilustres intelectuais, conhecedores da ignorância das massas, – matriculou-se na Faculdade de Letras, para obter respeito no mundo da Literatura! ….
Erasmo (cito “ Erasme”, por Léon-E. Halkin) também sabia que para se ter mérito reconhecido, é preciso ser doutor e ir ao estrangeiro.
Diz Erasmo: “ Duas coisas, sinto-o, se me tornam verdadeiramente necessárias: em primeiro lugar ir a Itália para dar à minha cienciazinha autoridade desta ilustre estadia; depois obter o grau de doutor. Ambas as coisas são igualmente absurdas: ninguém muda de espírito por atravessar o oceano, como diz Horácio, e não regressarei com mais sabedoria, nem como um cabelo. Mas os tempos são assim; ninguém, mesmo as pessoas mais sensatas, acredita no vosso mérito se não vos poder chamar Mestre.”
Os nossos Mestres da pintura, escultura e música, não o são só por serem geniais, mas porque foram a Paris, e frequentaram o meio artístico da Cidade da Luz.
Do mesmo jeito, como hoje se vai obter o mestrado ou doutoramento, aos Estados Unidos, e a famosas Universidades Europeias.
Dentista de meu pai, tinha no consultório, encaixilhado a prata, certificado de estágio de cinco horas, em São Paulo! …
                  Era para impressionar… O povo, que não sabe avaliar pela própria cabeça, mede o saber, pelos – diplomas, prémios ou pareceres de críticos e comentaristas.
Olvida, que na maioria das vezes, as opiniões são dadas por amizade ou por serem correligionários – no partido politico, ou associação secreta….ou quase.
Se lhe dizem que a obra é boa, que é best-seller, adquirem-na, para oferecerem, afirmando, a pés juntos, que é excecional….e muitas vezes nunca a leram…
Nada há mais influenciável que a opinião pública – basta repetir, afirmar, elogiar na mass-media, para ser vendido e estar na moda.
A competência, o mérito, seja de quem for, só é reconhecido pelo diploma, prémios recebidos ou testemunho de personalidades influentes.

Por isso há tanta gente culta, sem diploma, que passa por ignorante, e tantos diplomados, considerados sapientes, e que nada sabem… mas são escutados atentamente, graças ao certificado que penduraram no escritório.

O MELHOR AMIGO DE MOZART

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

A dedicação, a lealdade, e a gratidão, que os cachorros têm a quem se dedica a eles, é sobejamente conhecida.
Todos conhecemos ou pelo menos escutamos, cenas comoventes, e provas exemplares de amor.
O cão não é apenas animal de estimação, presta, desde tempos imemoriais, valiosos serviços. É o único ser, que consegue apenas viver de amor.
Os restantes animais têm, que retribuir com trabalho. Ao cachorro, não.
A dedicação, o entusiasmo que demonstram ao verem o dono; o instinto de protegerem quem cuida e lhes dispensa carinho, garante-lhes vida folgada.
Ao ler a biografia do compositor Mozart, fiquei impressionadíssimo com a dedicação do seu cão Pimperl; o único, que indiferente à violenta intempérie, que desabara sobre Viena, acompanhou-o até ao cemitério de São Marxer, atrás do carro que transportava o compositor.
Até à igreja de Santo Esteves, três ou quatro amigos, provavelmente admiradores do talento genial de Mozart - ou seria compaixão? - Seguiram o féretro, depois, só o cachorro - o amigo sincero que tinha, - acompanhou o funeral; e mergulhado em profunda tristeza, assistiu ao sepultamento, em vala comum.
Dizem, não há confirmação, que a esposa, Constanze Weber, não acompanhou o marido, por se encontrar muito comovida. Decorridos dias, foi ao cemitério certificar-se onde haviam enterrado Mozart.
Disseram-lhe que não sabiam, porque fora atirado para a vala comum: Porém, um coveiro, esclareceu-a, que dias depois, apareceu morto, devido ao frio e à fome, cachorro, no local onde enterraram Mozart, mas tinham-no lançado ao lixo.
Esta informação, digna de registo, nunca foi devidamente confirmada. Biógrafos do compositor, consideram-na fantasia - fazendo parte da lenda urdida à volta de Mozart e do dedicado cão.
A desgraça e a fuga de amigos, deve-se, em parte, à inveja do compositor António Solleri, receoso de ser ofuscado, e perder o prestígio que gozava em Viena.
De concreto quase nada se conhece. - Esquecidos os êxitos de Mozart, as noites de glória, os louvores de reis e rainhas, a condecoração do Papa Clemente XIV, e a admiração de muitos compositores e músicos do seu tempo, Mozart passou a ser um desconhecido…
Uns, dizem que faleceu junto da esposa; outros, que ela estava em Paris, e que a família vivendo em Salzburgo – cidade natal do compositor, – não pode estar presente no funeral, realizado por amigo.
Ao certo, conhece-se que apenas o cachorro o acompanhou à última morada.

Ao ouvir-se a “Flauta Mágica”,”As Bodas de Fígaro” ou “ Don Giovanni”, é bom lembrar que o verdadeiro amigo do genial Mozart, foi o seu cão: indiferente à miséria, à chuva, à tempestade desabrida, que caía, acompanhou o dono até ao cemitério… e ai morreu de amor e saudade.

AVENTAR

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Avento o tempo
imemorial. Cedo levanto
                  a poeira
                  e atravesso desertos
                  concretados. Concreto ser
                  aventado: pó espalhado
                  espraiado
                  espelhado no opaco

                  tempo de memórias.

CALMA

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

 na calmaria cede espaço ao cansaço.
Descansa o silêncio e se desentende
em ritos descontinuados. Desavenças
e calçadas ressoam passos. Acalma
o vento. Reclama ao vento a passagem.
Impressiona o sono em ideias aleatórias
de descobertas e conformismos. No
dito recupera da razão o lídimo saber
sobre a calma na alma despossuída.
Em passos atravessa a hora e despede
do gerânio a flor inacabada. Gira o Sol
em retorno: o dia permanece na explosão
sintética da espera. A calma na calúnia
desdita arrebenta os sinos entre torres.
O desafogo na morte: calma arrebatada

ao espírito. Acalma o corpo ao começo.

SOLO E ÁGUA

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

O solo absorve
aquífera água. O poço
                         cancela
                         o isolamento: corda
                                               caçamba.

Retiro o cesto e guardo a garrafa:
o vinho descansado
sugere o instante da embriaguez

                          o solo absolve

                          a água derramada.

TER

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)


Na formação aleatória
                    e responsabilizada
                    acredito na suavidade da música
                    no encontro das esferas: a colisão
                    evitada céus estrelas combinadas
                    em esburacados espaços (negros)

na deformação trazida
aos olhares informes das cobranças
sei do absoluto mistério

nas informações transmitidas
ao menino criado em ordens
reunidas renuncio ao saber
das asperezas e me rendo: músicas
suavizam a finalidade na destruição

conformada das vivências.