quarta-feira, 1 de junho de 2016

A VOZ DO AUTOR: ONÃ SILVA, A POETISA DO CUIDAR

ONÃ SILVA, A POETISA DO CUIDAR


Onã Silva - A Poetisa do Cuidar é escritora, Presidente da Academia Internacional de Poetas e Escritores de Enfermagem (Academia IPÊ) e filiada a diversas academias literárias. Graduada em Enfermagem e Artes Cênicas, Especialista em Saúde Pública, Mestre em Educação e Doutora. Pesquisadora dos temas Criatividade, Ludicidade e Enfermagem com Poesia: a arte sensível do Cuidar. Escreve os seguintes gêneros literários: poesia nas diversas modalidades, romance, crônica, dramaturgia, novela, contos e outros gêneros.  Algumas obras publicadas: A Quadradinha de Gude; Miriã, uma Enfermeira Bambambã; A Derrota de Penina, Histórias da Enfermagem no Universo de Cordel, Enfermagem com Poesia e outras. Recordista pelo RankBrasil Recordes. Premiada em concursos literários e científicos. 

MEIO AMBIENTE E A MINHA MÃE

Por Onã Silva (Presidente da Academia Internacional de Poetas e Escritores de Enfermagem-IPÊ, Brasília, DF)

Menina brejeira lá na fazenda
Sem chapéu nem lenço de renda
Enfeitava a sua roupa bem florida
Com a amarela flor de margarida.

Verdadeira princesa do cerrado
No cabelo um enfeite floreado
Guardiã daquela grande beleza
Das flores exóticas da natureza.

Fazia brinco com o chuveirinho
Com a caliandra fazia carinho
Esmaltava as unhas com pétalas
Manequim linda e muito esbelta.

Fazia colar bonito e colorido
Com sementes, bem comprido,
Seu broche era da flor de lobeira
Modelo do cerrado: Anália Pereira.


PALAVRAS DO MEU PAI

Por Onã Silva (Presidente da Academia Internacional de Poetas e Escritores de Enfermagem-IPÊ, Brasília, DF)

Conheço um homem, corpo esguio,
Mestre sábio que me ensinou:
Derrotar a maldade,
Desenhar a verdade,
Ser forte.
Nos meus ombros plantou
Sementes ricas de coragem.
Rastros de mentira? Varreu.
Meus olhos perspicazes assistiram
E silenciosamente recolheram
As instruções retas
Do homem esguio.
Conheço um homem que desviou
Meus passos da incerteza,
Sua voz é chama acesa,
Traduz força e certeza
Quem as ouve e guarda
Será feliz, como sou.
Bebi suas palavras,
Saciei.
Sigo em paz...
Porque te ouvi, Papai!


FLORES PARA LOUISE

Por Onã Silva (Presidente da Academia Internacional de Poetas e Escritores de Enfermagem-IPÊ, Brasília, DF)

(Louise Ribeiro foi assassinada brutalmente no dia 10 de março de 2015)

Mulher-flor
Floresça o seu ser
Seja Flor
Forte como a flor de cacto que resiste as durezas
Seja sempre a pétala do bem-me-quer ante as incertezas
Na guerra que a sua arma seja a flor rara da tolerância.
Não desanima, Mulher-Flor.
Seja como a Vitória-régia aberta para encantar
Como a flor de lótus que é sábia a ensinar
E como o girassol reluzente a brilhar.
Seja como a hortênsia para minimizar a dor das mulheres que sofreram violência
Solidarize-se, espalhando flores vermelhas e encarnadas em memória das
Mulheres assediadas,
Mulheres desempregadas,
Mulheres violentadas
e mulheres assassinadas.
Flores Sempre-Vivas contra a impunidade e espalhando justiça pela cidade.
Mulher-Flor, levante-se pelas Louises e Marias mil
Para espalhar lírios brancos em prol da cultura da paz
Vai, jardineira da vida... pregar a paz... falando de dores e flores,
Anda e mostra a sua natureza de mulher-flor que vem do seu interior,
Das suas raízes e da sua diversidade floral.
Floresça nesta vida
Onde for
Planta flor
E
Colha amor
E eu, ofereço flores poéticas para a menina-flor: Louise!


A CANTIGA DAS LAVADEIRAS É MÚSICA QUE ECOA NA FLORESTA

Por Onã Silva  (Presidente da Academia Internacional de Poetas e Escritores de Enfermagem - IPÊ, Brasília, DF)

Arrastando a alpercata de couro
Lá vem a lavadeira
A Rainha Equilibrista
E sua coroa de algodão
Uma trouxa balofa na cabeça
E uma lata de farofa na mão.

Cantarolando, some pela estrada
Atrás da procissão de lavadeiras
Caleja os pés no cascalho
Até encontrar o riacho risonho
Que corre às gargalhadas
E abraça o mundo
cantando chuá, chuá!

A rainha do rio senta-se no trono
Uma pedra gorducha e cascorenta
Brinca com as piabas, conta prosa.
Assobia com os passarinhos
O refrão das mulheres que lavam:
Ensaboa, esfrega
bate e torce.

Ajoelhadas, estas mulheres reinam nas águas
Reverentes, diante do quaradouro
– o altar verdejantemente carinhoso
Beija muda por muda de roupa
Deixando-as brancas, brilhantes,
cheirosas,
como a alma de lavadeira.


ASPIRATE

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

Aspirate the dram
overflowing
from sins

the spilled chalice
in fluid over the tablecloth
in random figures
drawn

draws the arrival time
and on the delay feels the dram
aspirated in annunciation
and wait

the draw translates
life in snip
from everything
as nothing.


SORVER

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Sorve o gole
transbordante
dos pecados

o cálice entornado
no líquido sobre a toalha
em figuras ao acaso
desenhadas

desdenha a hora da chegada
e no atraso sente o gole
sorvido em anunciação
e espera

o desenho traduz
a vida no recorte
do todo

como nada.

ADVICES

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

Told to the son: insist
on your propositions and do
wathever you think is the best

the son resisted
did
and the best was not enough
for the father’s predicted
nothing
unquiet
in false magnitude

told the son: I insisted and I did
and redid the redone done
from all the invested nothing
brought the facts’ no resolution
and the doom presented in a shabby
path ragged from affection
brought my back

the father heard and did not insist
on the son’s return the little
was enough: said nothing.




CONSELHOS

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Disse ao filho: insista
em suas propostas e faça
o que entender melhor

o filho resistiu
fez
e o melhor foi pouco
no nada previsto
pelo pai
inquieto
em falsa magnitude

disse o filho: insisti e fiz
e refiz o feito refeito
de todo o nada investido
trouxe a não resolução dos fatos
e o fado apresentado em roto
caminho esfarrapado dos carinhos
trouxe minha volta

o pai ouviu e não insistiu
ao filho o retorno com que o pouco

se fez bastante: nada disse.

TOMORROWS

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

Called I do not present myself
absent I make myself distant
in repeated tomorrow

unaware the prisioner heads
to inaudible murmur:

I choose the pill I lie with
and dream silences
unreflected
from fouls
tomorrows
from the songs: overshadowed
dormant clearings

in numbness.

AMANHÃS

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Chamado não me apresento
ausente me faço distante
no amanhã repetido

inconsciente o preso se dirige
ao murmúrio inaudível:

escolho a pílula com que deito
e sonho silêncios
irrefletidos
dos amanhãs
nauseabundos
das canções: ofuscadas
clareiras dormentes

nos adormecimentos.

CIDADÃO DO NOVO MILÊNIO (EM CREPÚSCULOS ARTIFICIAIS)

Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

O velho cidadão cordial
 Ser artificial
Que sabe o seu devido lugar
No tempo e no espaço
Imutáveis
Insuperáveis
Inimagináveis
***
Mas sou negro sim
Sou preto sim
Novo cidadão consciente
Pois a minha epiderme
Tem a cor da noite
Cheira o velho mundo
***
Sou eu sim
Negro como a noite
Mas puro como o dia
***
 O ser cordial?
Artificial?
Perdeu-se no meio do nada
Envolto em coisa alguma
Exilou-se
E não volta mais
Nunca mais
***
Mas ser insubmisso submergiu
No oceano do inconformismo
E emergiu
No mar da tranquilidade
Em meio a muitas incertezas

OUTONO AUSTRAL (SÃO FLORES EM MAIO)

Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

São noites infindas
Em que absorto fico
Perdido em mim mesmo
Vagando no abismo simbolista
Dentro de mim
***
Colhi nevoentas flores em maio
Uma após a outra
Em noites insones
Tendo somente como companhia
Sinfonias noturnas
E a solidão a dois
Junto a mim 
***
Foram flores vagas que colhi
No teu vergel encantado
De outono a outono

RE-LEITURAS PÓS-MODERNAS

Por Samuel da Costa (Anápolis, GO)

 Um monge budista
Pega fogo em praça pública
E o mundo arde em chamas
 Um miliciano armado
Adentra na favela tranquilamente
Enquanto eu grito
Mas ninguém ouviu
***
 Um mendigo morrendo de fome
Pedindo uns trocados
Para quem passa
Na esquina da minha rua
Enquanto a polícia desce o morro
De uma grande cidade
***
Uma jovem e decadente meretriz
Parada na esquina
De um bairro periférico
Faz um desconto
Possivelmente se agradou do cliente
Jovem e de pouca grana
***
Um bom pastor abre aos braços
No púlpito em regozijo
 Prega de olhos fechados
  Mais algumas boas ofertas para Deus
Que tudo vê
***
Enquanto o mundo gira
E nada acontece
Nada muda

A MAIS BELA MENINA-MOÇA DE OGUM

Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

Multiversos em conflito
Eternamente irreconciliáveis
E equidistantes
Lutam entre si
Meus múltiplos euʼs
Distribuídos em mim
***
Mais que de repente
Vem à imagem da mais deslumbrante
 Moça negra
Com o turbante na cabeça
Ritmada
Vem descendo a ladeira
A mais Bela Menina-Moça de Ogum
 ***
Avisem a casa grande
Recolham a chibata
Demitam o capitão do mato
Guardem o bacamarte
No arsenal
Hoje
Especialmente hoje
 Repicarei o meu tambor
Em fúria
Sem medo vou à luta
Com o corpo marcado
E com o cabelo transado

ABSTRAÇÕES EM NANOSSEGUNDOS

Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)


Não há tempo para abstrações
Sucumbir à quimérica companhia
De imortais deusas e deuses
***
 Não há tempo para arrefecer
Na mística bruma encantada
Muito menos embrenhar-se
No mítico vergel
Embair-se pelo abissal canto
Da sacrossanta Kianda
***
Não há mais tempo
Para deleitar-se complacentemente
Sobre a sombra de uma árvore
Tendo a hialina companhia
Da divinal musa encantada
Se perder entre sussurros
Ou prantos poéticos
Se se perder
Para além do infinitude
Do ser absoluto da negra Valquíria
Pois o mundo real arde
Em chamas em nanossegundos

MEIO ANO

Por Maria Félix Fontele (ALB, Brasília, DF)

Junho ressurge de mansinho
Azaleias e begônias em flor
Pássaros cantam ao entardecer
O meado do ano despontou!

Daqui a pouco chegará o inverno
Com seu toque de frieza, a nos retrair
Mas as chamas de tantas fogueiras

Virão aquecer nosso existir! 

ALMA MATTHER (POEMA MÃE)

Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

(Para Lara Alves e Laura Nogueira Alves)

Alma pura!
Em sonho de liberdade.
Entre retratos em branco e preto!
Um sonho... Uma vida!
***
Acorda e sonha...
Um sonho de mulher
Que grita:
- Sonho em ser Mãe!
***
Alma Matther em transcendência!
Alma pura que diz:
- Quero ser Mãe!
***
Um sonho de mulher.
Alma pura que brada...
Aos quatro ventos:
- Vou ser mãe!

A ÚLTIMA HORTA DO CENTRO DE BLUMENAU

Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)

Disseram-me que ele morreu com 88 anos – deve fazer, portanto uns 60 ou 70 anos que aquela horta existe, bem na esquina da Alameda com a rua  Coronel Vidal Ramos, que antigamente se chamava rua Paraná. Faz duas semanas que ele morreu – chamava-se Arno Zendron, e eu o conhecia de vista desde criança. Pertencia a uma família longeva – é de estranhar que não tenha completado o século, como outros dos seus irmãos, mas há que se convir que 88 anos também é uma idade respeitável.
                                   Seu Arno Zendron morou quase naquela esquina que citei acima por toda a sua vida – disse quase, porque ele morava um tanto fora da esquina – quem morava na esquina era a sua horta.
                                   Faz uns 30 anos que comecei a prestar atenção naquela horta. Trinta anos atrás Blumenau crescia, sumiam as vacas de atrás das casas, novas gentes, novas caras e novos costumes vinham fazer ninho na nossa cidade. Apareceram os supermercados, com vidros resplandecentes e espelhos nos seus setores de horti-fruti-granjeiros; apareceram os frangos congelados e resfriados nos longos balcões de vidro, apareceu o leite “de pacote”. Paulatinamente, as hortas de Blumenau foram abandonadas; já não se criavam mais galinhas atrás das casas, venderam-se as vacas.
                                   O símbolo da resistência dos tempos antigos, em Blumenau, era a horta do seu Arno Zendron: no centro da cidade, em área nobre, que ia, aos poucos, sendo rodeado por edifícios de apartamentos, ela resistia, e tinha de tudo: a cebolinha, a salsa, as cenouras, a couve-flor, a alface, o aipim. Agora de cabeça não lembro bem das árvores, mas acho que há algumas bananeiras, um pé de pêssego, ralas árvores que não deveriam tirar o sol das hortaliças. Galinhas também andavam por lá; eram poucas, mas de vez em quando as havia, bem como se o tempo não tivesse passado, bem como se ainda se vivesse nos tempos da colonização, antes que o mundo tomasse o ímpeto de transformação que acabou tomando. Eu prestava a maior atenção naquela horta; sabia, o tempo todo, o que ela representava, e que ela era a última.
                                   Faz poucos dias que soube que o seu Arno Zendron tinha viajado para outras plagas. Fui lá olhar a horta, então. Ela já está um pouco descuidada, com capim crescendo nos canteiros, bem como fica uma horta antes do seu último suspiro. Enquanto o seu Arno esteve doente, ela começou sua despedida. Penso que ninguém irá ressuscitá-la, que está irremediavelmente condenada à extinção, para dar lugar, daqui à pouco, a um outro qualquer edifício de apartamentos.
                                   Chegou ao fim a última horta do centro de Blumenau. É como se tivesse acabado uma antiga resistência. É muito triste.


DONA PÁSCOA

Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)


De onde ela era eu não faço ideia – deveria ter prestado mais atenção às conversas. Conheci-a já ali e velha, velhíssima, na minha concepção de criança. O ali era um amplo terreno que ainda há na Rua Sete, em Blumenau, ao lado das terras do Colégio Sagrada Família, tendo na parte da frente, no limite com a rua,  um prédio de apartamentos chamado Edifício Beckhauser.
                                   Dona Páscoa comprara aquelas terras em tempos remotos, quando uma pessoa comum podia comprar terras à rua Sete, e fico pensando no que o meu pai contava, do tempo em que, adolescente e ajudando o meu avô a entregar hortaliças e outros produtos agrícolas, andava pela rua Sete enterrado em lama até os joelhos. Como Dona Páscoa era mais velha que os meus pais, decerto fora naqueles tempos que o meu pai contava que ela comprara aquelas terras.
                                   Minha mãe tornou-se amiga da Dona Páscoa ali pela década de 1960, quando eu estaria pelos dez anos, talvez, e então muitas vezes fui visitar aquela senhora de comportamento intrigante, junto com a minha mãe.
                                   Naquele amplo terreno que ainda está lá Dona Páscoa vivia como que num mundo encantado, povoado pelos seres a quem mais amava no mundo, e que eram... galinhas. Penso que numa época remota ela fez lá uma moradia humilde e foi construindo galinheiros no entorno, conforme sua família crescia e crescia. Aí no meio do caminho, penso que pela década de 1950, alguém apareceu por lá e lhe fez a proposta: ganharia um apartamento se cedesse terra na beirada da rua Sete para que se construísse um edifício, e foi daí que surgiu o edifício Beckhauser. Quem fez o negócio não foi muito honesto, pois em troca de toda aquela faixa de terra, Dona Páscoa ganhou seu apartamento, sim, mas um apartamento bastante pequeno, mesmo para a realidade dos amplos apartamentos daquela época. De qualquer forma, lá estava o apartamento que era dela, bem luxuoso para os padrões de então, todo mobiliado com coisas bonitas, e eventualmente Dona Páscoa recebia lá suas visitas ou fazia lá alguma coisa, porque morava, mesmo, era lá no terreno dos fundos, junto com as suas galinhas. O seu quartinho modesto não se diferenciava dos tantos quartos e quartinhos que ela mesma fora construindo, ao longo da sua vida, para as suas amigas galinhas, amigas do peito mesmo, cada uma com o seu nome, obedecendo ao chamado da sua tutora e vindo pegar um colinho, quando ela chamava – numa cidade que cada vez se aburguesava mais, como a nossa, aquela senhora dona de apartamento que nesse tempo era um luxo em pleno centro da cidade e vivendo num quartinho dentre galinheiros era uma coisa, no mínimo, insólita, e penso hoje na grande liberdade que havia dentro de Dona Páscoa, para estar se lixando para a opinião alheia e levar sua vida do jeito que queria, feliz lá entre as suas galinhas!
                                   Foi lá no mundo da Dona Páscoa que pela primeira vez na vida vi galinhas que botavam ovos azuis – aquilo era algo tão fascinante que até a minha mãe ficou cobiçando ter uma galinha daquelas, e acabou por comprar uma jovem galinha da Dona Páscoa, que lá em casa recebeu o nome de Carolina. Era uma galinha preta muito curiosa, e envelheceu na nossa casa.
                                   Carolina, além de pôr ovos azuis, era a melhor choca que nós já havíamos visto, chocando ninhos cheios de ovos um depois do outro, e criando seus pintinhos com cuidado extremo, até que eles ficassem adultos. Infelizmente a sorte de Carolina não foi muito boa: estava com pintinhos recém-nascidos quando um tumor surgiu na região do seu bico, e ela não pode mais comer. Usou, no entanto, de toda a energia que acumulara durante a vida e ficou leve como palha seca, de tanta fome que já passara, mas não descuidou em nenhum momento de criar mais aquela ninhada de pintinhos até que eles ficassem adultos. Só então deu-se o direito de morrer.

                                   Dona Páscoa, quantas saudades vieram agora! Olhei para a janela do seu apartamento, por estes dias, lá no Edifício Beckhauser, e as lembranças vieram em enxurrada. Não sei do que aconteceu no seu fim, mas a senhora deve ter morrido, em algum momento. Acho que tem um estacionamento naquele lugar, agora. Fico pensando no que aconteceu com todas aquelas suas galinhas mansinhas e faceiras quando a senhora se foi – será que tem mais alguém em Blumenau, hoje em dia, que ainda se lembra da Dona Páscoa?