segunda-feira, 1 de agosto de 2016

CLARISSE, A CIDADÃ DAS NUVENS

Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

Agora é oficial, Clarisse é a mais nova cidadã das nuvens, pois passou aquela manhã cinzenta e sonolenta de outono sem sol, com a cabeça flutuando em brancas nuvens. Naquela hora de extrema dor e desespero o pensava de Clarisse pairava na jovem mãe que acabara de se matricular em uma acadêmia de musculação só para mulheres, era a novíssima fixação da jovem mulher naquele momento, como o clube do livro foi no mês passado, a redecoração completa da casa na mês anterior a este e outros objetos de desejos efêmeros de quem não tem preocupações mais sérias na vida. Sempre tinha uma novidade premente e urgente. E a cada efemeridade premente e urgente trazia junto como subproduto o pouco tempo para se dedicar a filha única. Já o pai de Clarisse era todo e só trabalho, o executivo regozijava falando a toda hora em qualquer lugar de planilhas, relatórios, projeções futuras, mercado internacional, retração da bolsa e uma séria de burocratismos entediantes para meros mortais.
Agora parada diante da estante de livros, usava um pesado avental de couro cru, camisa vermelha berrante, cabelo presos, meias multicores que brotavam na palma dos pés e iam terminar acima do joelhos e um par de tênis surrados vestidos nos pés. Parada diante da estante de madeira repletas de livros a mais nova cidadã das nuvens pensou em tudo isso e indo parar de forma rápida no seu amor platônico pelo o motoboy da livraria. Talvez o estilo de vida dele era de fato a real paixão derradeira, a suas idas e vindas, com o vento beijando o rosto, sem horários definidos ou mesmo itinerários preestabelecidos. Foi em olhada rápida nas redes sociais do moço que Clarisse pode se deliciar e passar a amar mais ainda aquela figura ideal, com os gostos daquele homem um pouco mais velho que ela. O amor por fotografia, jardinagem, viagens sem destinos certos, tatuagens, música romântica e poesia por fim. Logo ele uma pessoa tão calada no ambiente de trabalho. Isso tudo se passou num estante na cabeça de Clarisse a nova cidadã das nuvens. Até uma voz estridente a trouxe de volta para a realidade em que vivia, e adeus mundo das nuvens ou melhor até breve.
— Astride... Astride... desce dai e vem cá sua sonsa. Olha pra mim mulher...
Não tinha jeito, fingir estar ocupada já não dava mais. Agora era descer da pequena escada de madeira, se virar e sorrir, escutar aquela criatura como se importasse com ela e a vida mediocreira da criatura. E a palavra cavalgadura brotou instantaneamente na mente de Clarisse de forma natural e espontânea. Ela pensou no fato de trabalhar no lugar a quase um ano e do enorme e chamativo crachá em seu peito escrito com letras garrafais a nome Clarisse. E foi quase vinte minutos de um relato monocórdio, sem sal e muito chato, onde Anna Victória contou em pormenores seu fim de semana com a família que teve a felicidade de conhecer o novo namorado da Anna Victória.
— Nossa amiga que interessante... meu deus que bom amiga...
E vontade de sair dali correndo é outro clichê que Clarisse tentava evitar. E o terraço era uma opção a ser considerado em momentos como aquele. E a cena insólita de ver do alto do prédio o próprio corpo espatifado no asfalto e com pessoas passando ao lado do seu corpo em pedaços a deixou com dor de cabeça. E entre a nova cidadania, família, clichês ela vivia vida na espera de algo novo, não melhor, mas novo e diferente daquela rotina claustrofóbica.

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