segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O MAR DO SENHOR DOS ANÉIS


Por Maria Félix Fontele (Brasília, DF)

Quando o mar está de ressaca, tudo pode acontecer. Com o ventre inchado de rajadas de vento, o gigante embriagado vomita turbulentas e enormes ondas e quem estiver por perto pode ser arrastado pelo refluxo selvagem de sua náusea. É preciso ter paciência com o mar nesses dias atípicos, de pura voracidade, a engolir e a ejetar turbilhões de coisas, a se livrar do mal-estar da viração.
Receosa, toquei de leve suas águas, ali em Copacabana, e pedi calma porque queria mergulhar nele sem ser puxada ferozmente. Tive a leve sensação de que me comunicava com aquele espírito colossal, pois, em alguns instantes, apareceu-me pacífico, e pude imergir deliciosamente.
Em seguida, voltei tremendo para o abrigo da areia e naquele momento vi um homem com roupas coloridas. Carregava detector de metais e escavadeira. Seu nome: Francisco dos Santos ou simplesmente Kiko, mais conhecido como Senhor dos Anéis do Mar, lenda das praias do Rio de Janeiro, sempre em busca de bens em dias de ressaca marítima. Nessa fase, as ondas titânicas também podem expelir opulência. Kiko disse-me com olhar obcecado: o mar é rico, tem tesouros escondidos. Aos trinta e quatro anos de idade, quatorze naquela tarefa, gabava-se de ter recolhido dezenas de alianças, anéis, correntes de ouro, além de muitas moedas. Tudo afanado pelo mar daqueles que inocentemente entregam-se às suas águas. Mas, naquela manhã, o Senhor dos Anéis conseguiu achar poucas moedas.
Como ele, há inúmeros desses garimpeiros no Rio, principalmente agora em época de crise e de desemprego em massa. Após a “pescaria”, vendem as peças e assim sustentam suas famílias. Todos sonham em encontrar a fortuna de Eike Batista, ofertada em 2016 a Iemanjá: 700 barras em ouro, cada uma no valor de 1 mil reais. Eike teria sido aconselhado por videntes a devolver ao mar o que tirou dele durante anos de exploração, para que voltasse a ser milionário!
No outro dia, era só calmaria. O sol expulsou o vento e o frio. Que belo é o encontro da luz com a superfície do oceano! Eu pedi tanto ao sol que se abrisse, mas sabia, lá no fundo, que Kiko e seus colegas de ofício queriam tempo fechado e mar bravio. E assim caminha a humanidade, cada qual, e ao seu modo, em busca de tesouros e de felicidade.

Na foto, Kiko, o garimpeiro em busca de ouro.



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