terça-feira, 1 de janeiro de 2019

THEO NO SOFÁ (2018)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)


LEITOR (2018)


Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)


PAISAGEM


Por Napoleão Valadares (Brasília, DF)

A serrania que se não descreve
tinha, mais altos, dois rochedos meio
ensolarados e imponentes (leve
inclinação), que eu avistava em cheio.

Embaixo, o vale – vastidão sem freio –,
que deve os homens encantar e deve
encantar deuses, pôr em devaneio
os que o contemplam, num enlevo breve.

Em meio à luz, um fundo escuro (havia
umas baixadas). E a luz novamente
tomava conta da amplidão. Eu via

uma floresta num pequeno monte,
depois uma descida e, logo à frente,
quebradas, uns relevos e uma fonte.


Nota do Editor: Soneto premiado no Concurso Yoshio Takemoto.

ESCREVER POESIAS


Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)

Escrever poesias para mim
Aconteceu desde pequenina,
Quando a minha alma solicitava,
E meus dedos se moviam.

Quando me recolhia enlevada,
Sem nem saber o que discorria,
Ansiosa e feliz a procurar-me,
E só me encontrando lá no final.

Nas horas de alegria absorvente,
A extravasar em sorrisos e letras,
O intenso e delicioso delírio de viver,
Perdidas nos sinais que eu amo.

Nas eventuais tristezas passageiras,
As lágrimas transformadas em ecos,
Vislumbradas em meu coração,
E solicitadas em forma de criação.

Escrever poesias para mim,
É um grito de alívio e liberdade,
As criações do meu sentimento,
A sensibilidade tão aflorada.

É descrever as horas de amor,
Que rememoro em êxtase e carinho,
Entender cada um de seus momentos,
e vive-los transformando em poesia.

Escrever poesia para mim é vibrar,
Ter a alma em constante movimento,
Sentir a ternura que acalenta e transtorna,
E do amor sempre criar uma canção.

(Vânia Moreira Diniz é presidente da ALB/DF)


COM(PAIXÃO)

Por Maria Félix Fontele (Brasília, DF)


QUASE NADA


Por Maria Félix Fontele (Brasília, DF)


HÁBITOS

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)


Hábitos alimentares engordam o corpo

como opas mal cortadas amorfas em cores

distraídas maneiras de dizer: tenho tantos

anos de estudo e letras conversam comigo

enquanto sereias e siriemas agrestes gritam

músicas e não comem no mesmo prato

do profeta Calam o gole dentro do copo

e hábitos profetizam o futuro passado

ao rasgar caminhos e esfolar joelhos A náusea

nos atinge ao olharmos o outro de soslaio

o lacaio avisa o porteiro indica ao chefe

da corporação em alerta solerte a sorte

invade o castelo No hábito a glória

da continuidade: cravos e espinhos

nas costas em flagelo Secas pancadas

continuadas O corpo emagrece o hábito

é terrível o hálito de quem tem fome.


SILÊNCIOS ABSTRATOS


Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Dos múlti-plos silêncios
 Surreais
Que recaem sob nos
Os mais lancinantes deles
São as infindas distâncias
Cósmicas mais-que-perfeitas
Entre os mortais
E a deidades imortais
***
Dos múlti-plos álgidos silêncios
Abissais
Que recaem sob nos dois
Minha negra musa
O que mais dói em mim
É perceber
 A tua pelágica figura
Etérea 
 Valsando ad aeternum
No perdido Éden
Sem mim
***
Dos múlti-plos abstratos silêncios
Equidistante
Que recaem sob nos dois
Afro-deusa
O mais atroz deles
É a celestial equidistância
Entre nos dois



FLUTUA


Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Flutua afro-deusa
Flutua
Negra ninfa enluarada
Nos dias de todos os santos
***
Flutua
Entre a bruma matinal
Entre o aqui
E o acolá
***
Flutua
No alvor de um
 Novíssimo dia
Entre as abstratas laranjeiras
E as surreais oliveiras
***
Flutua
Entre-mundos
Magnânima negra rainha


OS TEUS MÚLTI-PLOS SILÊNCIOS


Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Dos muitos silêncios
Na pós-modernidade
Fluída
Os mais cruéis deles
São os teus múlti-plos
 Silêncios
Que recaem inteiros
 Em mim
***
Das minhas múlti-plas
Inexistências
No deserto do real
Na realidade fluída
A mais atroz
São as tuas muitas
 Inexistências
Na minha vida inexistente
***
Das múlti-plas
Insignificâncias
Na pós-contemporaneidade
Que incidem completamente
Em mim
É o meu quimérico
 Amor líquido
Que eu sinto por ti
Celestial negra musa



CARTA Nº 7 - DE TEREZA BATISTA PARA KATTY


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty:
A gente ainda não se conheceu formalmente, mas é como se eu já a conhecesse a longo tempo. Sou a cachorrona da Urda, que sempre saio a passear com coleira e guia, pois no passado, quando era uma cachorra abandonada e um filhotinho meu foi morto por um carro, fiquei tão revoltada que saí mordendo uma porção de gente. Daí criei a fama de cachorra mordedora, e muita gente começou a fazer maldade comigo, como me jogar pedras e paus, me dar veneno e estourar bombinhas para eu me assustar. Andava desesperada e então mordi mais gente ainda – um dia, soube que iam me matar. Daí fui me esconder na casa da Urda e agora isso já faz 18 meses e nunca mais mordi ninguém. De qualquer forma, continuo saindo de coleira para evitar qualquer tentação, pois sempre podemos encontrar algum dos meus antigos desafetos, não? Mas já esqueci de quase todos, menos de um velhinho que, sempre que me vê ameaça me jogar pedras e eu fico doida para pegá-lo, mas como ele já tem mais de 80 anos, a Urda e a Maria Antônia sempre dizem para eu esquecer e me comportar como uma lady. Elas ficam muito admiradas quando saímos do Canto da Enseada, porque aí nunca quero morder ninguém, e vamos sempre à Barra do Aririu, à Palhoça, já passei dia na praia do Sambaqui, lá na capital, junto com o Raul Longo e o cachorrinho dele, o Chiquinho (cá entre nós, é um cachorrinho de uns 5 kg, mas ficou apaixonado por mim, que tenho 25 kg!). Já fui, também, ao Natal Luz da cidade de São José e me diverti muito!
              Mas o que eu queria contar era outra coisa. Ontem fomos todos à Palhoça, tomar vermífugo, o carro lotado de cachorros e gato, e logo que saímos da nossa rua encontramos, ferido, o cachorro chamado Tijucano, que não tem dono e é um pouco de cada um. Quando ele apareceu por aqui, abandonado, veio com sarna, e daí que o chamavam de Sarnento, mas a Urda mudou o nome dele para Tijucano, porque ela sempre conta que alguém muito distante, que foi a mãe dela, era daquela cidade, e em Tijucas tem um versinho que diz assim:
         “Amarelo da goiaba
         Morreu na segunda-feira
         Se não fosse a goiaba
         Durava a semana inteira”
         Como esse cachorro é amarelo com olhos pretos (tem um outro que é amarelo com olhos verdes, por aqui), ele agora é o Tijucano, e ontem estava ferido na beira da rua, assim na perna ou no pé. Paramos o carro, mas era tanto cachorro que não dava para leva-lo junto, e ele ficou para ser atendido depois. A nossa linda veterinária, a tia Danny, já mandou remédio para ele – sei que um é para dor, mas há mais dois.
         Só que voltamos e... cadê o Tijucano? Tinha sumido, e por mais que a Urda e a Maria Antônia procurassem pela pasto, pelo mato e pela praia, ele não apareceu mais. A Urda estava muito triste e rezava para um tal de São Francisco de Assis, mas ele só apareceu hoje de noitinha, mancando e morto de fome. Tomou todos os remédios dentro de pedaços de salsicha, sem cuspir nenhum, como eu faço, e está dormindo aqui em casa, na varanda, num tapete com dois travesseiros, e vai ficar até melhorar.
         É por isto que estou escrevendo. Eu e Zorrilho estamos em vigília, para ele não entrar em casa, pois onde já se viu um cachorro de rua querer entrar na “nossa” casa? Estamos em vigília na sala, e então deu tempo para escrever. 
         Já ouvi falar muitas coisas boas sobre você e acho que já a amo. Fico doidinha para conhece-la. Decerto um dia vai dar, não? Deixo muito amor e não precisa ter medo de mim: a Urda abre a minha boca e tira osso de dentro dela e eu deixo.
         Sua amiga,

                   Tereza Batista, cansada de guerra.
                   Cachorra

     Sertão de Enseada de Brito, em 30 de novembro de 2018.

PENSANDO NELE


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

             (Para meu bisavô Katzwinkel, que veio no século XIX de Kaunas, Lituânia, e para minha prima Ivone Narloch, nascida Katzwinkel)

              Se procurar nos velhos documentos da família vou encontrar, mas a verdade é que não sei de cor sequer o seu nome. Minha avó, que estava prestes a fazer 7 anos quando chegou aqui, casou-se com 26 por volta de 1908 ou 1909 – o que significa que eles vieram mais ou menos no ano de 1889... No tempo em que convivi com ela ouvi-a falar muitas vezes nele, mas ela dizia “Meu pai”, e então nunca soube o nome dele, mas ele é muito forte na minha vida.
              Estou na madrugada de Natal e penso nele, como pensei tanto hoje, e nos últimos dias, e nos últimos anos, pois quando era mais jovem não chegava a me aprofundar neste assunto. Esta é uma época em que ele fica mais forte dentro de mim, pois fez uma coisa, no seu primeiro Natal no Brasil, que só gente muito especial teria feito: para não deixar passar em branco o Natal das suas crianças, andou 30 quilômetros a pé de ida e 30 quilômetros de volta para, na manhã do dia festivo, suas crianças terem a surpresa de UM docinho de Natal cada uma, escondido sob o prato emborcado na mesa rústica de uma cabana de imigrante dentro da floresta ainda praticamente virgem.
              Quem era ele, como era? Penso no meu pai, nos meus tios – o que teriam herdado dele? Penso em mim: a oitava parte da minha genética vem dele, e fico a lembrar como o meu pai era em relação ao Natal, data mágica e sagrada dentro da magia, fazendo tudo o que estivesse ao seu alcance para que cada Natal fosse um sucesso dentro de cada um de nós. Penso em mim e em toda esta curtição do Natal que possuo decerto porque herdei, e que faz com que eu faça todos os ritos, todas as comidas, enfeite a casa, mesmo que seja para comemorar a data apenas com os meus animaizinhos, como já fiz algumas vezes, como fiz hoje.
              Com meus cachorros empanturrados de peru saí para a noite, para a beira do mar desta enseada aonde vivo, e me sentei um pouco na beira daquela água que fica magnífica assim de noite, com os diversos pontos de luzes no seu entorno, tanto cá pelo continente quando mais lá longe, na ilha... Fiquei admirando a beleza daquilo tudo e pensando nele, naquele meu bisavô que me passou esta curtição do Natal, e me indaguei coisas: será que algum dia ele pensou que a sua filha teria um filho que teria uma filha, isto é, eu, que em pleno século XXI estaria na beirada do mar a pensar nele e a querer saber mais sobre aquele homem quase estranho mas que vivia tão fortemente nela? Imagino que ele fosse um jovem quando atravessou o grande mar-oceano num navio à vela que saiu de Hamburgo, navegou até Lisboa e depois ficou três meses vendo só “céu e mar”, conforme minha avó Emma Katzwinkel Klueger contava tantas vezes, pois quando se aventurou assim sua criança mais velha ainda não completara sete anos... Imagino que depois daquela travessia é provável que nunca mais tenha visto o mar... O que pensava ele, o que sonhava? A luta pela vida era difícil e perigosa, então – dentre outras coisas, com sua família, estava dentre o fogo cruzado do genocídio Xokleng que acontecia no Vale do Itajaí, coisa tão criminosa e abjeta que foi parar num julgamento na Corte de Haia, na Holanda – a situação era difícil e imagino que sonhava, sobretudo, com segurança, com muita comida para suas crianças, com uma casa mais confortável do que sua cabana de palmitos... É provável que muita gente tenha esquecido dele, depois da luta que foi sua vida, mas agora ele está tão vivo e tão forte aqui dentro de mim!
              Então fiquei lá na praia, nesta noite, olhando no entorno e pensando nele, e estar ali, com aquela água linda e aqueles colares de luzes me dava a sensação de estar dentro de um presépio, daqueles que o Frei João Maria o.f.m. fazia na igreja de Nossa Senhora da Glória, na Garcia, em Blumenau, quando eu era pequena, e então ficou mais forte a sensação de que ele estava ali comigo, quiçá em mim, pois se vim dele...
              Só queria contar que tenho pensado muito nele, naquele meu bisavô Katzwinkel que um dia veio lá do Mar  Báltico, da cidade de Kaunas, na Lituânia. Como ele é forte em mim!

     Enseada de Brito, 25 de Dezembro de 2016.

MANOEL CARLOS KARAM


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

             Foi em 1995 que fui jurada do prêmio literário Cruz e Souza, feito pelo governo de Santa Catarina em carácter nacional, e quando aceitei ser jurada (na área de romance), jamais imaginei o que viria pela frente. Foi grande o susto quando parou uma Kombi lotada de originais na frente do meu prédio e aquela montanha de possíveis futuros romances adentrou à minha sala e deu uma encolhida nela. Lindolf Bell, então ainda um jovem e fascinante poeta da minha cidade de então, por aqueles dias telefonou-me, assustado:
              - Chegou uma Kombi cheinha de originais de livros de poesia para julgamento! Estou apavorado!
              Estávamos, os dois, mas era necessário pôr mãos à obra. Tinha tido a sorte de pouco antes haver lido a incomparável autobiografia de Jorge Amado (Navegação de Cabotagem), onde ele conta situação semelhante pela qual passou e a receita que usara para resolvê-la: lera cada original até à página 30, para começar a selecioná-los, e foi o que fiz. Logo tinha 3 pilhas de originais no chão da minha sala: os que não tinham nenhuma condição de concorrerem (pense bem, se até à página 30 um livro não te “fisgou”, ficaria muito difícil que viesse a fisgar depois), e mais duas pilhas que leria até à página 60 – uma com mais e outra com menos expectativa.
              Resultado: chegou um momento em que a seleção foi se refinando, que cheguei como que a uns 15 possíveis finalistas (que então li até à página 90), e depois uns 10, e depois uns cinco... O bacana dessa seleção é que os outros dois jurados (Carlos Nejar, no estado do Espírito Santo e Deonísio da Silva, então no estado de São Paulo) passamos a nos telefonar e descobrimos que estávamos chegando a mais ou menos os mesmos finalistas. E então no dia aprazado, nos encontramos em Florianópolis para o final do julgamento, cada um trazendo os 3 originais que achara melhor. Carlos Nejar, insigne companheiro da Academia Brasileira de Letras, machucara o pé ao sair do avião, e lembro como, na recepção do hotel eu tirei seu sapato e meia e fiz massagem com Gelol no mesmo, coisa que nunca imaginara fazer na vida!
              Foram 2 ou 3 dias de doce convívio com esses companheiros das Letras e o julgamento final foi fácil: ganhava um romance de nome “Cebola”, que com finura de texto nos propunha indagações sempre crescentes, como quando se tiram as muitas e diversas camadas de uma cebola, e as simpáticas moças que acho que eram da Fundação Catarinense de Cultura, então, nos trouxeram os envelopes com as identificações dos concorrentes, e num instante achamos e abrimos o envelope do vencedor: nada mais na menos que Manoel Carlos Karam, que naquele momento eu só conhecia através daquele livro vencedor!
              Aos poucos, fui sabendo mais dele: apesar de ser nascido em Rio do Sul/SC, vivia na cidade de Curitiba/PR, mas só vim a conhece-lo pessoalmente alguns anos depois, quando, em companhia dos demais colegas da Academia Catarinense de Letras, estivemos no Rio de Janeiro, para conhecer e participar de eventos na Academia Brasileira de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Lá no IHG estava Manoel Carlos Karam, alguém quieto e diria que humilde, homem alto e grande, pouco mais velho que eu, que portava folgadas roupas sem luxo e sandálias franciscanas e que estava na companhia de sua companheira. Ficou no seu canto, quieto. Não cheguei a falar com ele, mas fiquei a imaginar como funcionava o seu processo criativo para escrever livros como “Cebola”, intensamente fascinada pela oportunidade de vê-lo pessoalmente, considerando aquele momento como um dos que a vida costuma me presentear. Ele era ainda tão jovem; não faltaria oportunidade de conversar com ele em momento menos conturbado, só que não deu. Ele partiu muito cedo, em 2007, com apenas 60 anos, mas o tenho na minha memória como aquele homem forte e alto na sua roupa simples e confortável, usando sandália franciscana e capaz de produzir obras que ganhavam concursos nacionais.
              No próximo dia 13.12.18 a Academia Catarinense de Letras vai entregar ao Karam o prêmio Othon Gama D’ Eça. Como ele já partiu, fico pensando naquela solidária companheira dele que vi no Rio de Janeiro, e imagino que ela é quem virá receber essa honraria de agora.
              Espero um dia encontrá-lo para botar a conversa em dia, Manoel Carlos Karam!

Sertão da Enseada de Brito, 03 de dezembro de 2018.

             

ADEUS, MEU AMIGO!


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

              Adeus, meu amigo! – era tudo o que eu conseguia pensar ao olhar para o rosto descansado e sereno de Odilon Lunardelli, que há poucos dias dormiu seu último sono. “Adeus, meu amigo” – pensava eu, e doía demais aquele adeus, e eu ficava a lembrar das tantas coisas que eu devia a ele, das tantas alegrias que ele me dera, dos seus conselhos, das suas ideias, da sua importância para mim e para a maioria dos escritores de Santa Catarina.
              Muitos dos leitores não sabem quem foi Odilon Lunardelli, e então explico: Odilon Lunardelli era o meu editor, o homem que transformou em realidade o meu sonho, que me acompanhava desde criança, de ser escritora. Foi meu editor, e foi editor de tantos outros: era ele um idealista, um homem de livros que fazia livros por um ideal, que apostava nos escritores sem visar o lucro, que se entusiasmava com os escritos da gente mais do que a gente mesmo, que sonhava em ver seus autores conquistando o Brasil todo.
              Eu o conheci faz dezenove anos: andava a receber recados dele, que ouvira falar de um original meu, recados que me pediam para ir até lá, até Florianópolis e naquele tempo eu era muito jovem e insegura, e não sabia como enfrentar a figura temível de um poderoso editor. Um amigo comum acabou por me levar até ele, e fui amedrontada, esperando me defrontar com um bicho-papão – e acabei foi encontrando um amigo, um dos maiores amigos da minha vida, um amigo que confiou em mim mais do que eu própria. Um amigo que sempre fez tudo para que meus livros chegassem ao público. Lembro, agora, de sacrifícios que ele fez por mim – para publicar meu livro “Cruzeiros do Sul”, naqueles tempos incertos de inflação altíssima, Odilon Lunardelli deixou de trocar seu próprio carro, para custear o livro de quase 500 páginas.
              Ele passava os dias da sua vida no seu escritório. Era uma salinha acanhada e escura, com muitos livros e uma televisão, e uma cadeira e um sofá antigos. Quem não soubesse, não diria que era ali que se decidiam os destinos da maioria dos escritores de Santa Catarina – protegido atrás da sua mesa cheia de pilhas de originais, Odilon Lunardelli olhou a cada um de nós nos olhos, e para a maioria foi amigo – é difícil encontrar um escritor, no nosso Estado, que não tenha passado por aquela sala, que não tenha sentado no sofá escuro esperando uma decisão, que não tenha tido ao menos um livro com a logomarca da Lunardelli. Porque nosso amigo, que viera de outras profissões e outros caminhos, e que um dia decidira embarcar no sonho de ser editor, criara uma marca que ficou famosa, e ter na capa do livro da gente as palavras “Editora Lunardelli” era um orgulho e uma honra. Ele não me disse, mas eu li na “Veja” – a editora Lunardelli era a sexta maior editora do Brasil.
              Se a editora cresceu assim, foi devido ao sonho, ao idealismo do seu criador que, como já disse acima, trabalhava pelo coração e não visava o lucro. Extremamente honesto, Odilon Lunardelli fazia questão de que soubéssemos cada coisa a respeito de cada livro da gente: mandava-nos as notas a cada edição nova que saía, numa preocupação constante de que não duvidássemos dele. Preocupação inútil – como duvidar de um amigo que era como um anjo? Nunca ligou para a lei de direitos autorais, que manda a editora prestar contas ao escritor a cada seis meses – mal e mal o livro novo ou a edição nova chegava na praça, e já estava ele a nos mandar um cheque que cobria a edição ou todo o livro. A preocupação com a honestidade extrema era uma das suas características mais marcantes.
              E, faz poucos dias, sem mais nem menos, ele nos deixou. Foi dormir no sábado e partiu dormindo. No domingo, só havia o seu corpo por aqui, e um buraco enorme que é a sua falta.
              Sinto-me órfã sem ele. Uma saudade imensa e dolorida me faz lembra-lo lá no seu escritório acanhado, sempre a me estimular, me aconselhar, a apostar em mim. E o meu coração machucado pulsa dizendo sempre essas palavras: “Adeus, meu amigo! Adeus, meu grande amigo!” E eu desejo que a luz perpétua o ilumine, como você iluminou a minha vida!

(Texto publicado no ano de 1999 no livro “O nosso homem do Livro – Odilon Lunardelli”, produzido pela UBE – União Brasileira de Escritores de Santa Catarina)