segunda-feira, 1 de julho de 2019

DESPERTAR (CURTA-METRAGEM)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

O filme trata da crise da meia-idade e foi realizado como projeto de final do 1° Semestre do Curso de Cinema e Mídias Digitais do IESB, Brasília, DF.



QUANDO ME OLHAS ASSIM...


Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)

Quando me olhas assim, sinto o mundo mais amplo,
As estrelas me parecem em sua beleza,mais brilhantes.
A lua diz segredos jamais sussurrados em tempo algum.
Quando me olhas assim, acredito na natureza em flor,
Em seus campos , nas árvores frondosas e contemplo o céu.
Quando me olhas assim...

Quando me olhas assim, tenho forças para enfrentar dissabores,
Problemas de qualquer natureza e enfrento o mundo destemida.
Sorrio feliz dos acontecimentos mais pueris e esqueço da tristeza,
Do sofrimento e do mundo tão cheio de perdas e lamentos tristes.
Quando me olhas assim, o coração mais leve me traz visões suaves.
Quando me olhas assim...

Quando me olhas assim, relembro quanto o amor nos faz otimistas,
E vejo que nada somos diante da vastidão e fortaleza do abstrato.
Filosofo, sonho, fantasio, penso e ao final nada concluo de objetivo.
Quando me olhas assim, perco-me na escuridão desse olhar e me
Fortaleço para compreender o mistério sedutor e incompreendido.
Quando me olhas assim...

Quando me olhas assim, pergunto-me ao ar e a terra e seja a quem for
Que me expliquem o mistério fascinante e curioso que conduz o universo.
E indago a mim mesma o autor dessa química espetacular e encantadora.
Quando me olhas assim, pergunto-me a razão da morte na vida que vibra
E admiro , surpreendo-me e aprecio a simbiose espetacular que nos faz
Seres sensíveis , humanos e materiais.
Quando me olhas assim...

( A autora é presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal - ALB/DF)


NO DIA QUE TE CONHECI...

Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)

No dia que te conheci tudo na vida brilhava 

Eu olhava o mundo com expectativa e esperança
Sem contudo imaginar o delírio imenso
Que seria a tua presença inigualável.

No dia que te conheci a noite era clara e estrelada
Eu ostentava no olhar jovem faíscas de sedução
E costumava contemplar as estrelas com indiferença,
Como se o mundo pudesse girar ao meu redor.

No dia que te conheci não imaginava 
Como era linda, doída, imaterial e delirante uma paixão
E sorria do modo encantador com que me olhavas
Sem avaliar o peito inflamado em amor incontido

No dia que te conheci ainda acreditava
em príncipes e fadas e gostava de conceber
sonhos pueris e rostos inexpressivos
a refletir-se em minhas fantasias noturnas

Quando te vi, fixei o teu rosto e meu coração saltitava,
Eu só não saberia adivinhar que a paixão iniciava
Seu lento e progressivo desenrolar exuberante e
Transmitia no seu calor estranho a mensagem desejada.

No dia que te conheci,comecei a enxergar o mundo sem entraves
Meu coração acelerado anunciou uma emoção forte e desconhecida,
E eu me perguntava o que poderia estar acontecendo de tão potente
Parecendo que um desejo consumia e uma emoção dominava, incoerente.

No dia que te conheci...


INVERNADA

Por Maria Félix Fontele (Brasília, DF|)


LER MUITO OU LER POUCO? O QUE NOS DIZEM CONHECIDOS INTELECTUAIS?


Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)




Acabara de chegar a Florianópolis, vindo de São Paulo, quando liguei o aparelho de televisão.
No ecrã, surgiu a imagem de conhecido político, que estava a ser entrevistado, em sua casa.
A determinado momento, a cordial conversa, resvalou para a necessidade das figuras públicas, conhecerem tudo, que se edita, de interesse, no país.
Animado pela amena conversa, o político, convidou o entrevistador, a visitar a sua biblioteca.
Era uma vasta sala, com duas janelas de guilhotina, pintadas a branco. As paredes estavam forradas a estantes de cor negra, repletas de livros, quase todos encadernados.
Ao centro da quadra, encontrava-se, antiga e pesada mesa, de pé-de-galo, envernizada. Pendente do teto de estuque ,havia vistoso lustre de vidrinhos de várias cores.
Dispersos, pela sala fauteuis, estufados a azul, e espreguiçadeira de palhinha. Assim se resumia o sóbrio mobiliário daquela livraria, de milhares de volumes.
De ar doutoral, o entrevistado, passava orgulhosamente as pontas dos dedos, pelas lombadas, à laia de tocador de reque-reque, informando:
- “Aqui, tenho tudo sobre economia!; ali, os livros de Direito!; acolá, encontram-se as obras completas dos nossos principais escritores!…”: e por ai adiante….
De boca escancarada de espanto, o atónito jornalista, olhava assombrado, as filas intermináveis de livros, todos perfilhados, todos alinhados, como soldados em parada.
Possuir grande biblioteca; comprar livros a metro, é sinal que se é culto?!
Claro que não. Que impressiona as turbas, e faz bem ao ego do vaidoso, não duvido…Jacinto, do Eça, possuía trinta mil volumes… que nunca os lera…

Deve-se ler muito ou pouco?

Sertillanges, recomenda moderação na leitura, porque: “ A leitura desordenada, não alimenta, entorpece o espírito. “ (A Vida Intelectual)

E o célebre Jean Guiton, é do mesmo parecer: “ Levado ao extremo, não se havia de ler senão um único livro, na vida.”
E acrescenta: “ Convêm ter sempre à cabeceira, aqueles que a qualquer momento, nos podem proporcionar um conselho.”

Assim fazia Camilo – Mestre dos Mestres, segundo Vasco Botelho do Amaral, – que, nas suas andanças, acompanhava-o, sempre, a “biblioteca de campanha”.
André Mourois, em: “ Carta Aberta a um Jovem”, após recomendar os clássicos, declara: “ Sugiro-lhe uma biblioteca de campanha, reduzida a sete escritores: Homero, Montaigne, Shakespeare, Balzac, Tolstíi, Proust, Alain. No dia em que os conhecer perfeitamente, quero dizer, até ao pormenor, você será um homem culto.”

Todavia, Inace Leep, na: “ A Arte de Viver do Intelectual”, diverge, em parte, desse parecer. Referindo-se aos jovens, escreve: “ Não vejo qualquer inconveniente em que um jovem amador de literatura, leia, desordenadamente, quase tudo: romance de todos os géneros, biografias, história e geografia, divulgação científica e mais tarde, obras de filosofia e teologia. Um certo ecletismo não só é lícito como também muito desejável num primeiro estádio do desabrochamento intelectual.
“Quase todos os intelectuais com quem tive ocasião de falar a este respeito dizem ter seguido este processo e ter lucrado muito com ele. O único critério de seleção, sobretudo no que respeita às obras literárias, deve ser o valor artístico.”
Mas…na mesma obra, diz: “ Não é por ter lido muito e saber muitas coisas, que se é um intelectual autêntico. Importa ainda saber julgar o que se leu e aprendeu, viu ou ouviu.”

Azorin, considera, também, que a leitura é inútil, se não houver meditação, sobre o que o livro nos diz:
“ No se medita en el mundo moderno. Hay muy pocos hombres que se plazean en la meditación; sin la meditación (…) faltará la perspectiva espiritual, esa segunda realidade que, a su vez, hace meditar al lector de un libro.” – “ El Escritor”

                    Mais adiante, Inace Leep, em: “ A Arte de Viver do Intelectual”, recomenda a escolha de um mestre, advertindo:
“ O homem de um só livro é facilmente sectário (…) também é muito perigoso ser-se discípulo de um só e único mestre.”
“ Dedica-te ao mestre que escolheres, com afeto, sim, mas sem fanatismo ou exclusividade.”
E noutro passo, recorda o prazer de reler: “ Chegará o dia, Daniel, em que também experimentarás a sensação de aprender mais, relendo os mesmos livros, ainda que poucos numerosos, de grandes mestres, do que lendo as últimas novidades de livraria.”

Se os livros, em regra, se repetem, para quê ler muito? Não será melhor, buscar na densa floresta dos livros, os que nos agradam: pelo estilo e pelo tema?
Montaigne, passava dias, até meses, sem abrir um volume…folheava-os; lendo trechos ao acaso. (Ensaios)
Para pensar e raciocinar bem, é imprescindível, ler grandes pensadores. Porque baseamos os nossos pareceres, no que disseram os outros: no presente, e no passado.
Ler obras fundamentais, que são as que alimentam o espírito, e as que nos fazem pensar, deve ser o nosso guia.
Karl Jaspers, aconselha: “Não convém ler muito e variar constantemente de leitura; deve-se sobretudo, aprofundar fielmente as obras capitais”.
Livros há, que despertam interesse na adolescência, e são indiferentes na idade adulta. Cada idade tem sua leitura.
Há ensaios magníficos, que merecem ser lidos; mas, não são facilmente digeridos, por falta de preparação. Melhor é ler autores mais acessíveis, do que tentar assimilar os herméticos.
Os clássicos, são sempre recomendáveis. Eça, lamentava-se, de só muito tarde os ter descoberto.
As obras indicadas pelos críticos e editores, podem não ser – a meu ver, – as melhores. Por vezes são até contraproducentes, culturalmente e moralmente. O que é bom, para eles, pode não ser para nós…
Ser leitor de um só autor, ou de um só livro, também, não me parece recomendável, para não se cair nos “ vícios” do escritor; a não ser que seja a Bíblia: que não é um Livro… mas muitos…
Em suma: punhado de livros, bem escolhidos, é melhor que vasta biblioteca, que raramente é lida… e, quase sempre, serve apenas, para engalanar estantes.
Os pareceres exprimidos nesta crónica, foram baseados em reconhecidos pensadores, do século XX. Servem apenas de orientação. Cada um deve escolher o método, que for melhor para si.
Meu, só há o mérito – se é mérito, – de ter feito de abelhinha, colhendo as opiniões, de reconhecidos intelectuais. Nada mais.

BUSCAS


Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Buscar a força oferecida
pela a natureza
vaidades antepostas
no espelho
o resumo das espécies
inacabadas
a serpente na figuração
das maldades
  
dizem os sábios
não se preocupem com o futuro 
no interior intergaláctico forças 
são favoráveis: vidas mudam
em essência e aplausos

buscar a natureza da força
oferecida
espelho refletem imagens
de vaidade
inacabadas espécies
em simples resumos
maldade sobressaltada
nas serpentes.


HERÓIS


Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC) 

Heróis transpostos
ao texto inimaginável
da hora da batalha

corpo alerta no detalhe
de não pensar e não saber
da escolha negada
ao espírito 

texto denso
de arrependimentos 
em linhas rabiscadas 

o infortúnio da derrocada 
nos tantos combates 
de horas errôneas
em que a tinta derramada
limita a vida.

A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

            O Muro de Berlim foi o marco histórico do mundo. A sua queda trouxe certa liberdade. E por que mencionei este fato? De certa forma no Brasil temos o nosso muro, ou melhor, dizendo muros.  Vivemos no país dos muros impostos pela sociedade e os governantes. E muitos desses muros encontramos na vida da mulher negra. Dúvidas, medo, ansiedade, estereótipos… É normal na vida da mulher negra  ter dúvidas sobre si mesma.  A própria sociedade em que ela vive dá há ela essa dúvida quando lhe coloca estereótipos. Pelo que parece não somos normais. Com tudo isso, somamos no nosso histórico o racismo, o machismo e a solidão.         
      Como já falei muito do racismo e do machismo não vou entrar em questão nesse assunto. O papo agora é a solidão da mulher negra. E tudo começa com o pós-escravidão e a sociedade e seus estereótipos. Primeiro que crescemos com a idéia do cabelo ruim, duro. E até que vejamos o contrário chegamos a fase adulta.
            A solidão é a somática das coisas sofridas por nós que vão se acumulando. Coisas que vem de décadas. A começar na infância. Quantas de nós viviam cercadas de amigos ainda mais de outras raças? Digo isso em escolas ou nos porquinhos das praças. E você nunca se perguntou por quê? Somos aquilo que a sociedade nos vê. O sistema sociedade desumaniza a mulher negra e ela é tida como um ser não digno de ser amado. A questão da cor da pele é muito mais além. E parando para pensar nós mulheres vivemos muitas vezes sem termos a noção das coisas como propriamente dita.
            Lembrando da minha infância me vejo ao lado da minha irmã enquanto ela tenta fincar a vontade com seus amigos. Eu apenas uma criança de sete anos e ela uma adolescente. Ela me dizia para eu ir brincar com os meus amigos, mas na minha mente só vinha uma única questão: Mas que Amigos? Onde estão? Não havia. Eram apenas retratos do meu imaginário. E esses retratos gritavam em coro “macaca”, outros diziam “vai pentear o cabelo macaca”...
            E a minha única reação era ficar brava. Cheguei num ponto em que tudo que eu fazia nada resolvia. Então passei a aceitar e me acostumar com os fatos. No entanto fui ter ciência de tudo na fase adulta. Outras mulheres enfrentam essa solidão quando sofrem o abandono da família. Ser excluído pela sociedade dói menos que ser excluído pela própria família. É nela que buscamos o nosso porto seguro.
            Há também aquelas que sofrem a solidão depois que engravidam. Nesse caso pode acontecer de  duas formas, a falta de atenção do companheiro ou o abandono dele. Com o abandono a responsabilidade aumenta e a mulher se sente frágil. Porém com o passar do tempo as obrigações fazem dela uma mulher rígida e a fazem esquecer-se de si cuidando somente dos filhos e de sua família.
            Como vemos a solidão na vida da mulher negra pode surgir de várias formas. Um dos fatores mais presentes na solidão é o isolamento social. Este pode se encontrar nas pessoas  idosas, nas pessoas de pouca mobilidade ou moradores de ruas. Mas claro que isso pode se estender a outros grupos de pessoas.
            No grupo de mulheres negras a socialização acontece tardiamente fazendo com que esta mulher se isole. Diversos fatores dão para ela essa condição, a começar pela sociedade. A sociedade estabelece que nós negras não sejamos o padrão e nos dá a condição de objeto sexual. E no carnaval a passista, a mulata… É fato, o processo histórico rejeita a mulher negra. Não se trata de ter alguém na sua vida. A solidão de nós mulheres não se resume a isso.
            Não era intenção minha falar… Mas isso que nos acontece é fruto do racismo.  O racismo, para quem não sabe é o sistema de opressão. Com esse processo temos que enfrentar o olhar estético da sociedade brasileira. Num todo o olhar estético é branco. O que explica um pouco a dificuldade da mulher negra de se relacionar com homens. Para o conservadorismo as raças têm que ficar com os seus. Aí entramos no contexto amoroso entre casais negros, outro assunto a se falar.
            Pelo percebido as diversidades não combinam com a estética desse país. Todo esse processo traz a à tona o trabalho escravo e é a exclusão da mulher pela família. Muitas mulheres negras são tratadas como inferiores. Temos como exemplo a personagem Maria (Maria não é o seu nome real).
            Maria tinha o pai alcoólatra e a mãe acomodada com toda situação. Além disse tinha os seus irmãos mais velhos que não colaboravam com as despesas da casa. Ela com o seu pensamento maduro,  queria crescer na vida, evoluir e se estruturar. Mas não tinha o apoio da família. Seu maior sonho era ser advogada, o que por conseqüência da vida e a falta de apoio levou-a para outro caminho.
            Sua mãe achava melhor ela trabalhar para sustentar a família do que estudar já que  seus irmãos não faziam isso. Por estudar a mãe a chamava de vagabunda. O que era muito difícil para ela. Ter amor por quem não te dá apoio e ainda te considera uma vagabunda. Então ela buscou conciliar o seu estudo com o seu trabalho. Uma vida nada fácil, mas necessária.
            Sei Seu sonho foi adiado por um curso barato de enfermagem, o técnico. Apesar de ver a filha no bom caminho, estudando a mãe na abriu mão da filha contribuir financeiramente em casa.      O que poderia ser diferente essa situação, pois sua família tem terras sem uso. Com a venda dessas terras poderiam todos estar em condições de vida melhores. Inclusive com esse dinheiro a mãe poderia ajudar a filha a realizar o seu sonho.
            E fica a questão: quantas de nós mulheres negras não recebem o apoio da família?
Outra questão que vem a tona e sem maior apoio é o relacionamento inter-racial. Um assunto o tanto complexo. Entro nesse assunto porque tenho visto falarem muito sobre Relacionamento Inter-racial. E sempre fazem a pergunta: O que você acha sobre Relacionamento Inter-racial?
            Eu não acho nada. Amor vem de todas as formas. Mas a discussão é válida quando se vive num país onde o preconceito é em grande número. Em qualquer relacionamento o que a gente pode encontrar é amor. E se é amor de verdade o que vale é isto, amar. Amor não tem rosto, cor, raça e nem escolha sexual. Reafirmo se existe amor de verdade o que vale é isto, amar.
            Claro que para a estética do mundo o ideal seria negros com negras e brancos com brancos. Somos uma sociedade avessa ao novo, ao real e verdadeiro. Eu vim de um tempo em que os pais diziam: - Tem certeza minha filha? É isso que você quer? Ele é branco. Vocês vão sofrer tantos preconceitos. A comunidade vai ser contra ambos. E seus filhos vão se questionar com relação a sua cor.
            E por isso, pelo lado racional sem o estigma do amor, até mesmo porque em relacionamentos, homem e mulher, o amor não é mágico, têm seus conflitos. E o que acontece lá fora também acontece entre casais. O relacionamento inter-racial é de certa forma um desafio. Ele carrega com sigo diversas questões que a sociedade se vê no direito de obter as respostas.
            Pois para muitos o branqueamento não é moda é norma. Não é o fato de ser bonito ou não, de ter posses ou não, tem haver com raça. Mesmo sabendo que biologicamente raça não existe o racismo perdura e domina as relações e a sociedade.
            Na verdade o racismo estrutura os dois. De modo que ser diplomado, lindo, estruturado, desejável, com cargo maior e importante é ser branco. No entanto, mesmo que passe suas dificuldades na vida não deixará de ser o padrão ideal para a humanidade. Tanto que nos estudos e estatísticas o branco não está nas relações. O parâmetro é sempre abordado pelo aspecto da população negra. O casal "café com leite", assim visto por muitos é uma contradição de tudo aquilo que a sociedade ver como padrão ideal.
            A imagem do negro ao lado de uma branca é algo bastante comum e é até aceitável para alguns. Mas quando a imagem é de uma negra ao lado de um branco este cenário é visto como algo não normal para a sociedade e tão pouco aceito pela família. A mulher negra é questionada de todas as formas como se cometesse o maior erro para a sua vida, sua família e a humanidade.
            E o que define o ser humano é o caráter. Nessa relação podemos encontrar a sua solidão. Ela é isolada, cobrada pelo companheiro e sua família. O amor não está à cima de tudo. O preconceito chega anular aquilo que os uniu. E fica guardada com ela a seguinte questão: - Era realmente amor? A Mulher Negra muitas vezes segue o seu caminho sem respostas e os desafios são tantos.
            Os tempos são outros sim. Cada vez mais vemos grandes transformações desde a luta da mulher pelo seu espaço e direitos perante a sociedade. O trabalho fora de casa deu para a mulher a sua independência, seja ela financeiramente ou de escolhas. Com isso houve um ganho de direitos e deveres. Mas algumas coisas continuam similares às do século passado.
            Limpar a casa, fazer o almoço, lavar roupas, cuidar dos filhos e do marido ainda fazem parte da vida da mulher. Em compensação lavar a roupa nos dias de hoje é mais fácil do que fora antigamente. Hoje a mulher tem a máquina de lavar. Em outros tempos a mulher se sujeitava a lavar roupas nos rios e riachos. Neste tempo o seu grande desafio era arrumar um marido para se casar.
            A mulher nem pensava em dividir espaço com o homem no setor de trabalho. Nos dias atuais, fora do casamento mulheres e homens são vistos como rivais. O simples fato de o homem ser considerado o macho alfa, forte e com uma grande capacidade, e a mulher ser considerada a frágil pela sociedade faz com que seja desvalorizada. Perante a sociedade enfrenta as desigualdades. Sua luta por direitos iguais tem sido seu maior desafio.
            Obviamente que cada mulher tem o seu desafio a ser ultrapassado. Já dizia Micaela Waissy: Ultrapasso os meus limites. Em outrora noite disse-me: O desafio é o meu melhor amigo. Digamos que o desafio para a mulher é a sua vitamina diária. A independência feminina e o seu crescimento profissional fazem com que a mulher busque muito mais do que já pensou em ter.
            Na década de XX a mulher se quer podia pensar em alguma coisa que não fosse cuidar da casa, ou do seu marido e filhos. Vista como frágil era considerada incapaz de assumir responsabilidades. Com a primeira guerra mundial a mulher se rende ao mundo do trabalho assalariado. Com isso a mulher foi ganhando independência econômica o que a levou lutar pelos mesmos direitos dos homens.
            Mas o desafio da mulher negra é em grande número maior que os da mulher branca. Como em outrora havia escrito, a mulher negra vive uma dupla situação marcada pela descriminação por ser mulher numa sociedade machista e por ser negra numa sociedade racista.
            O fato de ser mulher e negra trouxe para ela uma condição cruel, uma parcela da população brasileira que conseguiu se inserir na sociedade mesmo após a abolição. Embora as mulheres em geral sofram pela opressão de uma sociedade machista a mulher negra paga o maior preço com o estereótipo de objeto sexual e empregada doméstica.
            No período da escravidão o seu papel principal esteve ligado aos afazeres domésticos e à questão sexual. Após a abolição a primeira solução que teve para se inserir na sociedade foi adentrar no mercado de trabalho. Mas a sua independência adquirida após a liberdade foi justamente na realização dos trabalhos domésticos, principalmente nas grandes cidades. O que a manteve numa das condições em que a escravidão tinha a submetido, o trabalho doméstico na casa dos senhores de elite. Embora as dificuldades nos dias atuais sejam grandes a mulher negra se mantém de pé.
            Como tantas mulheres, sem distinção de raças, ela vive seus desafios sempre buscando o melhor para ela, mesmo que no seu tempo, pouco a pouco. Não sei se eu me incluo como essa mulher, mas não há exemplo melhor que Micaela Waissy. Cadeirante enfrenta as dificuldades da mobilidade na cidade de Matola em Moçambique. Artesã por amar essa arte e poetisa nata além de modista, enfrenta os desafios diários com um largo sorriso no rosto desafiando seus próprios limites. Disse-me no madrugar de Moçambique, enquanto aqui no Brasil a noite mal começava que cada obstáculo é um desafio. E deixou bem claro que faz dele o seu melhor amigo.
            A negra não foge da luta. Em outrora noite em um descontraído papo me relatou sua próxima jornada, estagiar em outra cidade. Micaela terá que pegar dois carros e sozinha, para enfim fazer esse estágio. Senti no tom de suas palavras uma preocupação. Mas devo ter me enganado, pois me pronunciou: - Não é fazer é como fazer. E deixou bem claro que vai dar um jeito.
            Também me relatou que ao pegar condição para se locomover ouviu diversas vezes os motoristas dizerem que não a pegariam. A razão seria que isso levaria tempo para carregá-la. Ou seja, uma porta fechada para uma mulher negra, cadeirante. Mas uma mulher à frente do seu tempo como tantas outras lutando pelo seu espaço, quebrando desafios e se impondo como mulher diante de uma sociedade omissa, cruel e machista, e em grande número racista. Micaela Waissy um espelho para outras mulheres cadeirantes como muitas vezes me disse é a mulher que o mundo despreza.
            Eu poderia ser sutil e dizer ‘’a mulher que o mundo ignora’’, mas estaria mentido assim como outras pessoas de raças diferentes que acreditam que o racismo não existe e que embora o negro viva na sociedade não é desvalorizado no mercado de trabalho e que a mulher apesar de viver em meio ao machismo tem o seu direito garantido.       O grande ensinamento para todos se chama Micaela Rufino Adriano, conhecida por todos como Micaela Waissy, pequena na sua estatura e grandiosa como mulher.
            Não esqueço quando certo dia nós conversávamos pela madrugada. Perguntei para ela o que seria Micaela artesã e negra, e ela sem demasia me respondeu: - É ser o espelho para outras mulheres cadeirante.            Mulheres que vivem também a solidão. A falta de mobilidade afasta o deficiente do convívio social. Com isso traz para a mulher a falta de amigos, de incentivo tanto familiar como dos governantes.
            Isolado do mundo o deficiente não vê motivos para se ter expectativas em sua vida. O que é ser mulher nos dias de hoje? O feminismo negro traz a mulher negra como a que mais sofre neste Brasil e quando se trata de solidão a mulher negra fica em destaque e pouco se é falado da solidão do homem negro.
            Mas há razões fortes para isso. Pois se tratando da solidão pelo lado emocional o homem negro não é sozinho e nem tem o que se queixar. E eu posso afirmar isso fielmente levando em conta as minhas convicções. Convivo com um senhor de 70 anos de idade, de um período onde o militarismo comandou o Brasil, de um período onde ele sempre foi o empregado e tinha que comer restos de comida, mas nunca esteve sozinho, pois sabia lidar com tudo.
            E quando se casou na maior parte de sua vida ficou dependente de sua mulher e filhas, não financeiramente, mas nos afazeres domésticos. Ele chegava a sua casa a mesa estava posta e a janta pronta. Em se tratando de solidão eu posso dizer que ele tem medo de ficar sozinho e como qualquer homem não irá demonstrar.
            Certa vez fiquei fora de casa por três dias com ele tendo ciência de onde eu estava e o que eu como sua filha fazia entrou em desespero no terceiro dia. Super proteção? Ou medo? Então afirmo que pelo lado emocional o homem negro não vive essa tal de solidão. Esse fator solidão infelizmente pertence à mulher negra.
            Eu mesma que defendo muito as mulheres negras estou a falar sobre a solidão da mesma. Mas agora com a mente mais esclarecida percebo que esse assunto não é bem aceito pelo homem negro. Não sei se entra em questão o machismo, pois muitos negros homens carregam com sigo essa herança arcaica de uma educação antiquada praticada pelos seus pais e toda sociedade brasileira.
            Tanto homem negro como a mulher negra são em sua maioria excluídos pela sociedade. E ambos vivem de formas distintas suas dores. O assunto é complexo, divergente e ver Clarisse da Costa falando sobre o homem nessa questão ‘’solidão’’ pode parecer um tanto contraditório. Mas vou desde já deixar bem claro que como pessoa eu estou aí para aprender e evoluir. Esse é o processo diário que todo ser humano tende a passar. E se faz necessário isto.
            É interessante uma mulher negra falar sobre o tal mito da solidão do homem negro. O homem negro insiste afirmar que vive essa solidão, o que não deixa de ser a sua verdade. Nós mulheres não vivemos a sua vida e nem eles vivem a nossa vida.
            Mas voltando afirmar... Do ponto de vista emocional, em se tratando de relacionamento o homem não é sozinho. Porém, levando o contexto pelo lado social o homem é sozinho, mas aí acho que a palavra certa não é a solidão e sim a ‘’exclusão’’. A cor da sua pele sempre pesará na balança e ele sempre vai está na mira do alvo. O pobre, preto e vagabundo!
            Então vamos mudar a palavra e usar o termo correto, a exclusão.  O ponto de vista que eu acho que cabe falar sim dentro do ‘Nagô das Negras’’. Abordar isso no Nagô das Negras não é uma ofensa, é uma ousadia de minha parte, pois também defendo a população negra num todo sem distinção com o projeto Movimento Nação Negra Lusofonia.
            Eu sempre tive uma única opinião formada sobre o sexo masculino, até mesmo porque nunca tive uma relação boa com o homem em todas as áreas sentimentais. Houve um período longo da minha vida que eu não era respeitada por um homem sequer, tanto o negro como o branco, e falar sobre esse assunto de certa forma quebro uma barreira entre nós.          Eu sou feminista por defender as mulheres, mas não concordo com o movimento feminista e suas regras e o jeito de levarem cada situação. Não tenho movimento algum, nem partido sequer, o meu idealismo não cabe em sistema algum.
            O homem negro passa também sim por muitas dificuldades. São muitos fatores que contribuem para isso. Mas parando para pensar nem deveríamos falar da solidão do homem negro, solidão da mulher negra, pois isso de fato é a exclusão de ambas as partes pela sociedade. E como nós mulheres bem presenciamos o homem negro nunca está só. É um erro afirmar isso? Talvez. Até mesmo porque eu não sou homem e não sei o que se passa no seu dia a dia, assim como você que está lendo esse artigo também não.
            Agora vou fundo no tema, mas antes eu quero deixar bem claro que não cabe aqui discutir quem sofre mais, até mesmo porque isso não ajuda em nada a população negra em ambas as partes. E bem sabemos que a mulher negra sempre vai ser julgada e criticada pela sociedade e alguns homens negros. Em porcentagem posso dizer que 99%.           O homem negro discorda totalmente com ralação ao assunto ‘’solidão da mulher negra’’. Na visão de um homem o feminismo negro colocou a mulher negra no pedestal como a mais sofrida. Para ele não passa de uma piada. O que me entristece. Luto pela população negra e vejo homens negros contra a mulher negra.
            Homem negro é preso sim. Homem negro é morto sim. Homem negro é visto como vagabundo e tudo mais sim. Homem negro vive nas mazelas das ruas sim. De tudo acontece com o homem negro, mas isso não é solidão é exclusão dos nossos governantes e toda a sociedade. A mulher negra sempre fica abaixo do homem em todos os setores e quando é colocada no topo da pirâmide da dura realidade do Brasil, muitos homens negros se sentem ofendidos.
            Eu durante muito tempo recebi relatos de mulheres negras sobre suas vidas e o que foram acometidos a elas. ‘’Aninha’’ segurou o marido desempregado durante muito tempo e hoje, sozinha, cuida de tudo sem apoio algum de pessoas. ‘’Silvinha’’ cuidou de suas filhas sozinha enquanto o marido gastava a renda familiar tomando cachaça no bar da esquina, e com apenas um cruzeiro na época tinha que dar um jeito de conseguir comida para suas filhas com o pouco que tinha. ‘’Catarina’’ no seu primeiro emprego, em um supermercado é colocada como auxiliar de limpeza ganhando salário muito baixo tendo que trabalhar 5 horas por dia.
            Ela perguntou para a sua chefa se não tinha cargo de caixa, a chefa disse que não havia vaga. Uma semana depois contrataram uma garota branca para trabalhar no caixa. Trabalhando um mês neste local sem carteira assinada não tinha direito nem a uma xícara de café. Um pão sequer que ela pegasse na padaria do supermercado ela tinha que pagar por aquilo.
            Continuando com a personagem Catarina, entramos no mundo das domésticas. Como domésticas ganhava menos que meio salário. E com a rotina chata de trabalho tinha que ter forças suficientes para chegar a casa e enfrentar os desafios familiares. Seu pai um alcoólatra, sua mãe acomodada e seus irmãos mais velhos ficavam naquela casa sem fazerem alguma coisa. Tudo ficava para ela fazer. Praticamente ela era uma escrava de sua família. Para todos, ela não passava de uma vagabunda, isso porque queria estudar e crescer na vida.
            - "Não tenho filhos, mas meu pai era alcoólatra minha mãe acomodada e meus irmãos mais velhos não ajudavam então eles achavam que era melhor eu trabalhar do que estudar e me chamavam de vagabunda por querer estudar. E por esse motivo não era fácil arrumar um trabalho que conciliasse com os estudos. Então o sonho ficou para trás, com isso não pode fazer a faculdade de Direito. Tive que fazer técnico de enfermagem que era mais barato e rápido já que mesmo eu pagando o curso técnico minha mãe nunca abriu mão de todo mês eu ter que contribuir com as despesas de casa. Detalhe os meus pais têm terras que não são utilizadas, ou seja, estão lá paradas. Elas poderiam ser vendidas e o dinheiro usado para a ajuda de custo da minha faculdade até eu conseguir um financiamento estudantil”. - Disse Catarina ao me falar de sua vida. Humilhação, a falta de apoio... Isso sim é o exemplo da solidão da mulher negra.
             A mulher negra sempre vai está marcada. A começar na escola, sem representatividade alguma. Na literatura eram nos apresentados poetas brancos. Machado de Assis estava entre estes poetas como branco e não como negro que era. Eu mesma não conheci uma poetisa negra, fui conhecer agora aos meus 37 para 38 anos de idade ao fazer uma de minhas pesquisas. Dantes a única mulher que me representava enquanto mulher era Clarice Lispector.
            Até na literatura a mulher fica em segundo plano. Eu escrevo o livro Nagô das Negras sem expectativas de publicá-lo. A mulher tem chances no Brasil?  Tudo isso que vos falo é fruto conseqüente do racismo e da criação machista enraizada nesse país. Para quem não sente na pele o racismo parece suave. Para quem não sente na pele o machismo parece suave.
            E para o homem, devido a sua criação arcaica a mulher sempre será menos importante que ele. Então qualquer fato em relação a ela e estatísticas sempre será uma ofensa para o homem negro. Reafirmo. Não cabe aqui discutir quem sofre mais, se o homem ou a mulher negra, mas sim lutar para que a população negra saia dessa exclusão imposta pela sociedade.

Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, SC.
Contato:clarissedacosta81@gmail.com








O BRASIL MOSTRA A SUA CARA


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

            Até 1983 o futebol feminino não existia. A realidade da mulher era de submissão e uma vida à sombra do homem. Com relação à direitos, igualdade e respeito a mulher fica em segundo plano.  Mas isso não acontece só no Brasil como no mundo todo. O que mais ocorre é o preconceito e o machismo. Ao poucos algumas coisas vão mudando. O futebol feminino é uma realidade agora. Mas tem coisas que não mudam. E como sempre o povo brasileiro mostra o seu lado preconceituoso.                         
            Tivemos o jogo Brasil e França no dia 23 de junho de 2019 e tudo que o povo tinha para falar é sobre o cabelo da zagueira número 3 da França. Mas é preciso ressaltar e aplaudir a força feminina dessa jogadora. Ela que virou piada no Brasil por causa de sua aparência capilar é a terceira jogadora bem mais paga do mundo.                         
            A jovem jogadora nasceu numa pequena ilha no Caribe, que geograficamente é classificado como fim do mundo. Ela tem uma linda história de luta e sucesso.
            Aos 28 anos de idade, Wendie Renard venceu 11 campeonatos franceses e 4 Champions League.  E para surpresa de todos ela foi uma das dez indicadas a melhor do mundo este ano ao lado de Marta.  Só nessa copa de futebol feminino ela fez três gols. Ela já está sendo comparada com o Van Dijk pela técnica, agilidade e postura dentro de campo.
            Infelizmente o preconceito no Brasil é mais forte e o que ela representa como mulher e como pessoa os preconceituosos de plantão deixam para trás. Eles estão mais preocupados com a aparência da jogadora do que com a capacidade, agilidade e coragem que ela joga. Será isso recalque?  Porque a mulher é um dos maiores nomes do futebol feminino!                                                        
            O povo precisa passar por muitas e muitas vidas para evoluir. O seu preconceito passa longe da evolução humana. Pra ser como Wendie Renard e vencer na vida é preciso muito mais que um cabelo perfeito, tem que ser muito mais mulher.

Clarisse Da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, SC, e membro do Movimento  Nação Negra Lusofonia.
Contato: clarissedacosta81@gmail.com


PRINCESA CRESPINHA: A HISTÓRIA REAL DE UMA MULHER NEGRA


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

            - No meu mundo particular eu não era uma negra, eu era pessoa e isso as pessoas não entendem. Fui para dentro de mim não como negra e sim como pessoa. Na minha visão de menina, independentemente de qual era minha cor eu era um ser humano como tantos. Talvez uma ideia ideológica do cristianismo. Mas eu só tinha sete anos, como discernir as coisas?
            E como vemos essa história não é tão fofa. Eu poderia começar com ‘’era uma vez’’, mas a realidade é bem mais pés no chão do que um simples conto de fadas e não têm ‘’felizes para sempre’’ é apenas a dura realidade de uma menina negra e o seu cabelo crespo.
            Uma menina de trança amarrado com laço de fita de cetim branco. Nenhuma Rapunzel. Apenas uma estudante negra na sala com 29 alunos brancos. O garoto teimava falar no meu ouvido ‘‘sua negra’’ repetidamente até eu me irritar. E por que eu me irritaria? Eu era realmente negra. Só que acima de tudo existia ali a Clarisse pessoa. Até eu entender tudo isso que se passava comigo levou tempo.
            Ora, ser negra nesse país é trilhar caminhos difíceis. Para mim, ser negra era um detalhe, para o outro algo de muito errado. Praticamente muito louco. Ora, que louco é algo muito relativo. Com base no ser diferente, somos todos loucos. Nem perfeitos, nem iguais!
            No meu imaginário, onde eu o ser diferente, eu fui a princesa, mas nenhumas dessas princesas que eu e tantas outras meninas conhecíamos eram negras. Enquanto a Cinderela era despertada com um beijo eu recebia pedrinhas de um garoto nas costas por ser negra. E eu não tinha um príncipe para me defender ou sequer a ajuda do ‘‘Super Homem’’.
            Ora, nem ‘’Super Homem’’ era negro. Triste, nem representatividade eu tinha! Eu em Santa Catarina no berço da solidão do excluído. Um detalhe, solidão é uma prisão que te leva para dentro de si e a exclusão o martírio que a sociedade te faz passar.  Mas não aceitei o que queriam para mim, eu fui subindo degraus da minha vida. Com a perda da minha mãe aos meus 35 anos de idade fui buscar minhas raízes, me posicionar como mulher negra e entender tudo que se passou na minha infância até a adolescência.
            Eu encontrei o meu lugar? Ainda não. Mas achei o mundo onde eu me encaixava e podia me defender com todas as armas, a escrita. A literatura hoje é o meu reino encantado. E por incrível que pareça na minha velha juvenil idade, onde meu ser mulher aflora todos os dias, nas redes sociais eu sou a princesa. Para o poeta negro de Santa Catarina, uma deusa negra. E eu que sempre me achei o patinho feio da história.
            Quando menina eu ouvi dizerem que eu era ‘’esquisita’’ e de repente nada mais se encaixava. Eu não fazia parte desse mundo. Eu queria ser uma refugiada, meu lugar seria a lua. Acreditava que lá eu podia ser sempre quem eu era sem alvo de críticas e julgamentos.
            Às vezes tenho a impressão que devo jogar meus cachos pela janela para o belo príncipe me resgatar da rotina maçante que toda mulher vive. Resgatar-me do meu passado. Mas eu não acredito em príncipe e ultimamente tem sido difícil crer que o homem sabe amar. Não me leve a mal, mas foram tantas desilusões...
            Nesse meio tempo meu cabelo passou por muitas transformações. Ele embolou enrolou cacheou volumou. E agora com toda certeza posso dizer que eu amo meu crespinho. Quantas histórias ele tem para contar! Ele ouviu que a negra aqui era preta suja e fedida. Seria meu primeiro amor.
            Meus cachos ouviram que meu cabelo é palha de aço. Meus cachos sentiram a mão do menino tocando com nojo e me olhando com cara feia. Mas no meio disso tudo a gente tira uma lição, porque no fundo essa é a dádiva da vida, ensinar para aprender. E por mais difícil que seja uma hora a gente dá um basta em tudo.
            Limitei-me a ser feliz e hoje eu sei quem eu sou. Posso ser até maior que o mundo, que tantas vezes eu me senti pequena diante dele. Que me desculpe a Rapunzel, mas eu prefiro o meu crespinho, tem o balanço suave como uma poesia!  Como crespa tive que enfrentar o preconceito mesmo sem ter a noção do que aquilo causaria na minha vida, com a minha pessoa.
            Porque o preconceito para nós mulheres negras surge em nossas vidas a partir da nossa relação com o cabelo afro. Na verdade tudo do que é mais doloroso para um jovem começa na infância. Só não se tem o percebimento dos pais.
            Muitos não sabem o que se passa na cabeça de seus filhos. Muitas vezes eu fiquei calada no meu profundo silêncio dentro de mim. Eu tenho o dom de bloquear certas coisas, o que às vezes pode parecer bom tem o risco de nos colocar numa prisão. Aprisionados dentro da gente não levamos em conta a nossa capacidade de driblar todas as dificuldades.
            A vida não é fácil e nunca será. Se fosse fácil todo sapo no brejo seria príncipe. Irônico! É como muitas coisas na vida são. Com relação ao meu refúgio para a lua... A ideia inicial e de imediato era me refugiar na lua. Ela foi à protagonista da minha vida durante muito tempo. O meu poema singular e o meu refugio madrigal! Mas chega a hora que a gente tem que crescer e encontrar a felicidade dentro da gente. Não dá para fugir de tudo e de todos.
             Virei mulher. Eu me tornei poetisa. A Rapunzel simplesmente jogou suas tranças e foi salva por um príncipe. Eu fui resgatada da minha prisão por mérito da minha luta e resistência ao sistema.  Na minha adolescência eu era como ‘’Benê’’. Ele seguia perdido e de certa forma eu também. Aquele não era o seu mundo, tinha que se adaptar e ainda de alguma forma ser aceito pelas crianças do bairro.
            A cor da sua pele parecia fazer muita diferença naquele que seria seu novo lar. Um negro em meio há tantas crianças brancas, perdido tal como eu mesma nos meus sete anos de idade sem uma amiga sequer na primeira série do ensino fundamental. Benê não quis aquela situação, mas as condições da vida levaram para este novo lugar.
            O que a vida fez com ele fez comigo também, me levando para a poesia e depois para todos os caminhos da literatura. Eu era uma estranha na sala de aula com 29 alunos brancos. Eu entrei na história de Benê e fui Benê. Eu era feliz quando no meu mundo particular não havia ofensas, preconceitos...
            Luiz Galdino nem imagina que eu fui dantes, na infância, o personagem do seu livro ‘’Saudade da Vila’’. Essa história eu quis ter escrito e foi a partir daí que a poetisa e a negra Clarisse da Costa nasceram. Aos 15 anos sem acesso a leitura. Com o livro em mãos vi possibilidades de vencer. Por essa razão te convido a encantar outras crianças com um livro.
            E só para deixar bem claro no país da desigualdade, somos todos Benê. Quando comecei a escrever diários _ porque nossa relação com a escrita vem a partir daí as pessoas me questionavam e riam da minha cara.
            - O que você tanto escreve aí? Que você brincou de bonecas? – como se eu não tivesse vida. Como se eu não tivesse minhas alegrias, minhas dores.  Pois é assim a vida da mulher negra, cheia de questionamentos, preconceitos e julgamentos. No mundo real somos a plebeia.

Clarisse da Costa é poetisa e cronista em Biguaçu, SC
Contato: clarissedacosta81@gmail.com


CONFLITOS E VIOLÊNCIAS URBANAS

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Ela foi à guerra
Em desespero
***
A minha negra arte
Foi à guerra
***
O meu sibilino verso
Foi à guerra
Ao final conflito
***
A minha sintéctica prosa
Foi à guerra
Em versos
***
Meus versos abstratos
E hialinos
Foram à guerra
E não voltaram
Nunca mais




OBSOLETO

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Eu não concordo
Com as coisificações das artes
De escutar a tua voz a clamar o meu nome
Em horas impróprias
***
Eu não concordo com a nossa desigualdade
As nossas equidistâncias
Nossos mundos avessos
***
Eu não concordo
Com os ruídos das máquinas
Sempre a me disser
Que o meu tempo já acabou
E não sobrou mais nada
***
Que me desculpem
Lorca, Llosa, Amado e Neruda
Mas eu ainda amo você
Com todo o rigor
***
Mas ainda escuto os ruídos das máquinas
A me condenar
A uma existência vazia
***
Eu não concordo
Com a coisificação das artes
Tudo igual
Uma igualdade desigual...
Irreal
Surreal
E eu ainda escuto você
Dizendo que me ama
De forma fugas