Por Paccelli José Maracci Zahler
O Prof. Ernesto Wayne foi nosso professor de Literatura em 1974. Caracterizou-se por incentivar a leitura e a criatividade. Ele costumava recomendar livros e pedir que fizéssemos análises críticas.Nunca repreendeu, nem reprovou ninguém. Procurava mostrar o lado prático da Língua Portuguesa, longe do formalismo tradicional.
A ele devo meu gosto pela Literatura e pelas Letras, razão pela qual o escolhi para patrono da cadeira nº 09 que ocupo na Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal - ALB/DF.
Reproduzo abaixo uma matéria do Jornal Minuano, Bagé, RS, sobre sua vida e carreira.
"Há 10 anos, Bagé perdia o poeta maior
Frases como “o mago das palavras”, “a maior expressão cultural e“o poeta maior de Bagé” foram algumas das manifestações lidas e ouvidas na cidade em junho de 1997.
Todas elas expressões de pesar quando da morte repentina de Ernesto Wayne, ocorrida no dia 17, há exatos 10 anos, em sua casa, na rua Líbio Vinhas, 43.
A irreverência foi uma de suas marcas pessoais. Costumava dizer: “O Registro Civil não fez minha certidão de nascimento corretamente. O tabelião estava distraído e botou 14 de abril de 1929, quando o certo seria não 14, mas 1.4.1929, tornando minha vida um primeiro-de-abrilança”. Wayne iniciou os estudos em março de 1935, no então Grupo Escolar Silveira Martins, transferindo-se, seis anos depois, para o Colégio São Luiz Gonzaga, do professor Peri Coronel. Realizou o antigo admissão ao ginásio e ingressou no Auxiliadora. Em nível superior, tornou-se mestre em Letras na área de Teoria da Literatura. Foi docente da antiga FunBa (Faculdades Unidas de Bagé), depois Universidade da Região da Campanha e professor-assistente no Departamento de Letras Vernáculas no Centro de Artes da Universidade Federal de Santa Maria. Antes da atuação universitária, havia trabalhado no Correio do Sul e foi funcionário da Previdência Social.
“Agora é luz, agora é essência”
Jornalista ensaísta, poeta e exímio sonetista, Ernesto Wayne publicou muitas obras, entre as quais O Anjo Calavera, Os Ossos do Vento, Momentos do Modernismo em Bagé, Lagoa da Música, Nossa Geração, Álbum de Poemas Ilustrados, Noite nos Andes, Panela do Candal, Passeio Poético por Bagé e Baile na Ponte na Noite de Chuva.
Sempre que indagado sobre o melhor texto que produzira, era taxativo: “Era data de 12 de abril de 1930, tratava-se de um risco a lápis, sobre um fragmento de papel sobre o qual meu pai, Pedro Wayne, escreveu: o primeiro risco que Ernestinho deu em sua vida, com 11 meses e 28 dias”.
Um texto publicado na edição de 19 de junho de 1997 do Jornal MINUANO e intitulado “Agora é luz”, dizia: “Foi-se o poeta, ficou o poema. Volatilizou-se a alma, transpondo as barreiras corporais; espírito soltou, voou ao infinito, deixando letras pelo caminho, versos pela estrada, frases soltas pelas estrelas. Flores, quem sabe, enfeitaram esses momentos. Pássaros, talvez, chilriaram de saudade. Alma de menino em corpo gasto, poesia viva em metamorfose ambulante pela trilha da vida. Figura inconfundível pelas ruas de sua Bagé, em simbiose com os monumentos e prédios históricos, Ernesto Wayne não foi apenas homem, habitante, munícipe. Foi mais. Seu texto firme em mão poética deixará marcada, de forma indelével, sua obra quase sem glória. Homem de letras mágicas, que escreveu traços de experiência, de vivências, de esperanças. Foi ceifado de maneira calma, quase imperceptível, talvez premiado pelo Universo, tão sábio para com suas partículas, pois sabe quais são as especiais.
Agora é luz, agora é essência”
Ampla participação comunitária
Ernesto Wayne teve presença marcante em entidades culturais de Bagé e mesmo nacionais. Por exemplo, foi sócio da União Brasileira de Escritores, presidente do Núcleo do Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural, fez parte da Associação Riograndense de Imprensa, integrou a Academia Bageense de Letras e, juntamente com Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti, fundou o Grupo de Bagé, que conquistou renome internacional.Wayne, em 1999, foi escolhido como uma das 100 personalidades bajeenses do Século 20, com direito a ter seu nome gravado numa placa colocada em monumento erigido na frente da Catedral de São Sebastião.Do casamento de Ernesto com Vitória nasceram os filhos Pedro, Ramon, Valmir, Cláudia, Naira, James e Dolores.
O mercador do poente
Encosta vara junto ao firmamento,
Para colher a nuvem do poente
Como se fosse fruta refulgente,
Pra que escorar escada rente ao vento?
Será que quer comer o sol morrente?
Do crepúsculo tira seu sustento,
Com paladar de floco ruivacento?
Pois saí a apregoar a toda a gente
A alta mercadoria a baixo preço:
Os pedaços do acaso eu ofereço,
Venha lamber o espaço esfiapado!
Boto o outono na conta do fiado.
Vendo o céu com açúcar... Tal a prosa
Do homem do algodão doce cor-de-rosa
Lugares
O outono voltará
voltará todos os anos
pela trilha de aroeira
nas tardes de céu marfim
no vento alisando a pedra
nas árvores desplumadas
ao lento cair das folhas
sobre os canteiros de junho
O outono voltará
voltará todos os anos
sobre os plátanos da praça
no chá amarelo-cobre
onde versos andarilhos
e uma boina azul deixada
fazem roda, sina e símbolo
permanência no fugaz
como a videira e o trigo"
(Matéria Especial do Jornal Minuano,Bagé, RS, de 16/06/2007, disponível em http://www.jornalminuano.com.br)