Quando a conheci teria talvez
uns doze anos. Andava modestamente vestida. Era magra e de estatura meã. Tinha
o rosto moreno, cor de terra, faces sulcadas de rugas, e olhos castanhos,
encovados, tristes, baços.
Arrastava desbotadas chinelas
vermelhas, de corda, pelas ruas de Santa Marinha (Gaia), com saco de
serapilheira ao ombro, a recolher papel, que vendia ao farrapeiro, que havia na
rua de General Torres, perto da fábrica de louça da Torrinha.
Era caseira de minha mãe.
Pagava pela casa, que valia várias dezenas, se não centenas, apenas vinte
escudos!
Minha mãe gostava muito dela.
Certa vez disse-lhe a medo, não fosse melindra-la: que podia residir na casa de
graça.
Agradeceu, mas declarou
emocionada:
- Posso pagar o aluguer…Enquanto
tiver saúde, com a ajuda de Deus, hei-de sempre cumprir as minhas obrigações.
Todos os meses, logo no início,
lá vinha a senhora Maria, com a nota verde de vinte escudos, para “ cumprir a
sua obrigação”
Um dia minha mãe caiu
gravemente doente. Após meses de calvário, que a levou à cegueira e a dores
lancinantes, viria a falecer numa manhã fria, mas solarenga, de Novembro.
O quarto encheu-se de coroas e
palmas, de vistosas e caras flores. Cada uma trazia cartão com duas palavras
escritas à mão: “Sentidos Pesamos”
Quando meu pai, de olhos
humedecidos, ainda bastante pesaroso, foi recolher os cartões, que estavam
sobre a salva de prata, encontrou, entre eles, um, que apenas dizia: “Da
Senhora Maria”.
As lágrimas escorreram-lhe dos
olhos. A pobre mulher, que nessa ocasião era velhinha, e ainda mais pobre do
que sempre fora, do pouco que tinha - quiçá do que amealhara para adquirir
medicamentos, - não se esqueceu de ofertar palma, simples, mas bem
demonstrativa da sua gratidão.
Sentimento - tão apreciado, -
mas que anda tão esquecido, nesta sociedade consumista e egoísta, em que
vivemos.
A senhora Maria, como a pobre
viúva do templo, deu mais que muitos empresários e importantes doutores, que
estiveram presentes no cortejo fúnebre.
É que estes deram o que lhes
sobejava, ela o que lhe fazia falta para a sua sobrevivência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário