Dos prazeres peculiares do avô
Alberto, um, era viajar só, para o litoral paulista.
Ia sozinho, sem mulher, sem
filhos, sem netos e quase sem bagagem.
Ficava na casinha pitoresca de
Itanhaém: entre a praia dos Sonhos e a secular Pedra do Anchieta.
Sentado à sombra refrescante do
imponente alpendre ou na luxuriante vegetação do jardinzinho: lia, escrevia,
reflectia e mantinha eruditos solilóquios.
Não eram bem solilóquios, mas
conversações, travadas animadamente com o outro eu. Era espiritista – chegou a
ser director de jornal exotérico, – mas abandonara há muito as sessões
espíritas.
Asseverava que só
personalidades fortes deviam assistir e participar; os outros correm sérios
riscos de contraírem medos ou graves perturbações psicológicas. Nunca levou
familiares ao Centro Espírita. Excepto uma neta.
Nas interessantes conversas com
o outro eu, não havia espíritos nem mensagens do Além. Eram diálogos em que
cavaqueava com ele próprio, em voz baixa ou em pensamento.
Comentava o que estava a ler.
Dialogava pareceres Criticava opiniões. Discorria sobre vários temas, que
podiam ir da educação à violência no lar ou na via publica.
Nessas palestras, no intimo
sossego da casa de praia – que as filhas adquiriram., – passava, enlevado,
horas sem fim.
Ele próprio cozinhava. Quase
sempre batatas cozidas com bacalhau. Prato que aprendera, na mocidade, com a
mãe, em Portugal.
Por vezes – segundo dizia, – se
as conversas descambavam para a política e temas prosaicos. Logo as
interrompia.
O outro eu era condescendente.
Aceitava sem discutir, sem contrariar…
Desses curiosos colóquios saiam
interessantes ideias e meditações de elevada espiritualidade.
Certa tarde de Janeiro, na casa
de Alto de Pinheiros, confessou-me à puridade:
- Infelizmente não posso
contar, a todos, o prazer que sinto nesses dias que passo sozinho. Não
compreenderiam…Chamar-me-iam: doido. Mas é exercício salutar e enriquecedor…
Sei que o é. Quantas vezes
surpreendo-me a dialogar com o outro eu.
Sempre que acontece, fico a
compreender melhor o que é a vida, e o porquê de muitas coisas…
Só o isolamento e o silêncio
podem dar esse sublime prazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário