Por Urda Alice Klueger (Blumenau,
SC)
Hoje eu
chorei de emoção. Um povo antigo aqui da minha terra continua fazendo seu
resgate na História de forma linda e acelerada, e hoje houve outro grande fato
que iluminou os horizontes deste vale aonde vivo e me deixou cheia de orgulho e
de alegria.
Foi com o
Caio, mas eu só vou falar dele mais para a frente. Quero contar, primeiro, um
pouquinho sobre o seu povo, o antigo dono desta terra onde hoje eu piso e
tantos pisam, terra que já era do povo de Caio pelo menos há 5.000 anos,
conforme cerâmicas descobertas já neste milênio pelo arqueólogo Marco Antônio
Nadal de Masi .
Valente
povo! Conservou seu território no passado mais distante e se aferrou a ele nos
últimos 500 anos, desde quando por aqui começaram a aparecer os europeus e seus
descendentes: primeiro os invasores portugueses, depois os imigrantes alemães,
italianos e outros, sequiosos por terra, cada um a roubar o que era possível do
vasto território da gente que vivia segundo costumes antigos, integrada na
natureza. Estou falando do povo Xokleng-Lãklanô, primeiro habitante da maior
parte de Santa Catarina e de um pouco dos dois estados vizinhos,
caçadores-coletores que tinham como alimento-base o pinhão, que o invasor quase
iria extinguir na sua sede por madeira.
Com seu
território paulatinamente cada vez menor e suas fontes de alimento,
consequentemente, também cada vez mais ínfimas, o Xokleng-Lãklanô resistiu
bravamente ao contato com o branco invasor que, além de lhe roubar as terras e
a comida, empreendeu tal caçada humana institucionalizada, com os horrores
cometidos devidamente contados nos jornais da época, que o município de
Blumenau, por exemplo, no alvorecer do século XX, foi parar no Tribunal de Haia,
acusado de genocídio.
Houve um
momento, já no século XX, que aconteceu o que o branco chama de
“apaziguamento”, expressão vil para se denominar o “submetimento” do povo
antigo pelo invasor – esse contato com o “branco” vai resultar em mais diversas
formas de dizimação dos submetidos, como a contaminação por doenças trazidas da
Europa, a ponto de haver um momento em que o Xokleng-Lãklanô teve apenas,
ainda, somente cerca de 400 indivíduos.
Povo
aguerrido, no entanto, guardou sua língua, seus costumes, sua cultura – creio
que faz uns 30 anos que a população subira, de novo, para mais de 4.000
indivíduos. Na verdade, não sei quantas pessoas Xokleng-Lãklanô existem hoje,
mas não devem ser poucas. É aí que entra a minha emoção de hoje e o Caio. Faz
tempo que os irmãos de etnia de Caio estão frequentando as universidades e
fazendo muitas coisas maravilhosas na vida, como o pai de Caio, Nanblá Gakran,
o primeiro doutor do povo, formado pela Universidade de Brasília, linguista que
participa de grandes congressos internacionais em lugares como a Suécia, por
exemplo, e a irmã de Caio, já no terceiro ano de Nutrição da Universidade
Federal de Santa Catarina – penso por ter notícias da família de Caio faz tempo
é que me levou a toda esta emoção. Sabem o que aconteceu hoje? Saiu a lista de
aprovados da UFSC, e o Caio passou... em Medicina! Vai ser o primeiro médico
Xokleng-Lãklanô dos tempos modernos (claro que lá no passado houve outros
médicos na sua etnia, que tinham saberes antigos).
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