Por Mara
Narciso (Blumenau, SC)
João e Maria casaram-se há muitos anos.
Ele trabalha como carreteiro, desde antes do casamento, e a sua vida é uma
interminável estrada. Ela não trabalhava fora, e quando engravidava via a
barriga crescer sem o testemunho do marido. Quando João chegava, a barriga já
estava grande. No período do parto, ele parava, e assim tiveram cinco filhos. Em
certos períodos, até por muitos dias desse casamento, João estava viajando.
Vinha um pouquinho e sumia nas entranhas desse imenso Brasil.
Maria criou os filhos e os educou
praticamente sozinha. Passou a vida tomando decisões, quase sem a participação
do marido, das mais simples, como fazer compras, pagar contas, escolher a
escola dos filhos e educá-los, até as mais complexas, como comprar uma casa
para a família. Criança com febre alta na madrugada e no desamparo, ela teve de
carregar nos braços para o hospital. Mas filho um dia cresce e de trabalho
passa a dar gosto e alegria, e mais a frente dá segurança, demonstra reconhecimento
pelo que os pais (no caso, mais a mãe) fizeram por eles.
João viaja noite e dia transportando
o que os brasileiros precisam. Para ganhar dinheiro, enfrenta tempestades, enchentes,
calor, frio, cansaço (rebite?), solidão, comida e estrada ruins, engarrafamentos,
greves, obstruções na estrada, impostos, tarifas altas de pedágio, perda de
sono, risco de assalto, visão de desastres horríveis. O carreteiro é um
sobrevivente de muitas vidas, e quem sabe de muitas mortes? Atravessar o Brasil
incontáveis vezes, por décadas, levando uma carreta com milhões de reais dela e
da carga e “nunca ter morrido” é inacreditável. João não sabe o que são férias.
Raramente estaciona em casa uns poucos dias, e logo recomeça. No principio
tinha medo, hoje tem precaução, até porque as ameaças aumentaram. Em casos limite
viaja em comboio. O que tem mesmo é saudade de casa, mas uma saudade diferente,
pois fica tanto tempo no caminhão que não sabe bem o que é estar em segurança
com a família. Sempre rodando, o mundo parado lhe parece estranho.
Muitas vezes João ficava fora por
meses, e já sumiu pelos lados da Amazônia por um ano. Sem vê-lo, Maria
cultivava a saudade em fogo brando, e o amor em altas labaredas. Mas esta
mulher de fibra e de paixão não reclamava da vida. A norma era cuidar de si, da
casa, dos filhos e esperar por João. Um dia ele chega, e logo depois ele se
vai. Some na cabine da carreta, desaparece mais uma vez.
Agora, Maria, de 53 anos tem saúde
frágil, teve doença grave, não enxerga bem, porém não se queixa de nada, muito
menos de João. Ele tem 59 anos, boa saúde, está registrado numa grande empresa,
tem bom salário e se aposentará em breve. Usa com Maria uma maneira atenciosa,
e, ao fim do expediente, costuma telefonar-lhe e lhe falar-palavras carinhosas,
e na volta lhe traz um agrado. A mulher não sabe o que são ciúmes.
O carreteiro estreava uma carreta
nova. Madrugada ainda, ele a convidou para ver a novidade. Ela estava com roupa
caseira e tinha terminado de fazer o café. Foi até a porta, e ele pediu para
que entrasse na cabine confortável, sentisse a cama de casal e avaliasse o
espaço. Maria subiu, gostou do que viu, e dele recebeu o convite. Vamos dar uma
volta? Mas João, a carreta está carregada! Ele disse que eram 60 toneladas de
maquinário pesado. Maria não recusou. Tomando a estrada, João falou que a
levaria para aquela viagem. Desta vez retrucou, mas eu não trouxe nada, nem
roupa, nem nada de higiene. A gente compra no caminho. Olha João, caso você
queira uma cozinheira, pode voltar e me deixar em casa, mas se você for cozinhar
para mim eu aceito, eu vou aonde você quiser. E foram.
Viajaram românticos e inesquecíveis
40 dias, com mimos tais como presentes, comidinhas na boca, carinhos, delícias
e banho de mar, de norte a sul do Brasil. Tudo compensou. A vida de Maria foi
uma eterna espera, mas para cada partida, havia sempre uma chegada, enquanto a
vida de João foi uma continua procura pelo porto seguro, e em cada deserto a
busca de um oásis. O encontro dos dois foi uma explosão. Durável e invejável.
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