Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
sábado, 1 de dezembro de 2018
SEGUINDO A ESTRELA
Por Erivelta Diniz (Divinópolis, MG)
“oh!que hora abençoada
que os três Reis aqui chegou
trazendo a santa benção
aos devotos moradores
que ao receber a bandeira
santos reis abençoou”
CANTO POPULAR DE CHEGADA
FOLIA DE REIS
As estrelas nas antigas religiões do Egito e da
Assíria revelavam os mistérios divinos. Por ocasião do nascimento de Jesus, o
evangelista Mateus conta que magos vieram do Oriente guiados por uma estrela
que os conduziu à gruta de Belém, onde acabara de nascer o Salvador (Mt 2,2).
A jornada dos Reis Magos – Gaspar, Belchior e
Baltazar – começa a partir do momento em que recebem o aviso do nascimento do
Messias, 24 de dezembro, e segue até a hora em que encontram o menino Deus na
lapinha. Cantando de casa em casa, os foliões reconstituem a historia dos Reis
Magos.
A festa dos magos recorda a extensão do compromisso de Fé. Somente a fé
vê mais longe; com os magos, é preciso
ter olhos de fé para ver muito mais além da realidade visível. A seqüência de gestos de troca, entre o dono
da casa e os foliões durante uma visita ou uma pousada segue mais ou menos
nessa ordem:
· Os
foliões cantam diante da casa, e diante do(a) dono(a) pedindo licença para
entrar;
· O
dono da casa segura a bandeira, beija-a, ou seja, aceita a folia;
· Os
foliões entram, cantam dentro da casa, em volta do presépio, pedindo as bênçãos
do menino Jesus para os moradores;
·
Enquanto o(a) dono(a) da casa pede as graças da Bandeira, passeia com
ela pelos cômodos da casa, os foliões cantam até o retorno da bandeira narrando
a viagem e a intenção da visita;
·
Assim que o(a) dono(a) da casa retorna, os foliões pedem licença para
guardar os instrumentos e parar de cantar;
· O
dono da casa beija a bandeira e a entrega aos foliões
· O
dono da casa serve aos foliões café, biscoito e doces ;
· Os
foliões cantam agradecendo cada um dos bens ofertados a eles;
·
Alguém pode intervir e dá uma
nova esmola;
· Os
foliões pedem bençãos para os parentes;
· O
dono da casa faz várias ofertas, tanto em dinheiro, quanto em material;
· A
pessoa que faz a promessa pega a bandeira, beija e oferta uma esmola;
· Os
foliões cantam anunciando que a promessa já foi cumprida;
· Os
foliões pedem licença pra saírem;
· O
palhaço sacode a “sacolinha” em frente aos donos da casa, pedindo esmola;
· De
costas, num sentido de respeito e agradecimento, saem um a um, cantando e
agradecendo.
A folia assim cumpre a sua verdadeira obrigação, de
dar, de receber e de retribuir. O ritual da folia extrapola os louvores ao
menino Jesus. O que a folia faz é proclamar
o mistério da manifestação (Epifania) de Cristo a todos, através de um ritual.
A presença dos palhaços encanta e fortalece as
folias. São considerados elementos de alegria para crianças e adultos.
Segundo a historia oral dos próprios foliões, os
palhaços representam o mal, a concretização dos soldados do Rei Herodes.
Há interpretações de que o rei Herodes teria mandado
espiões pra seguirem os reis Magos a fim de localizar exatamente o lugar onde
se encontrava o Messias e assim matá-lo. Os soldados disfarçavam usando
mascaras, evitando o seu reconhecimento. Os palhaços teriam função de desviar
os reis Magos do caminho, distraindo-os com brincadeiras.
Numa outra interpretação, os palhaços representam o
próprio demônio, para impedir que haja aproximação de pessoas do caminho dos
Reis Magos.
Com a ligação ao mal, estes palhaços são impedidos
de tocar a bandeira sagrada da folia, nunca podendo estar à frente nos
Cortejos, também impedidos de cantar as musicas dos devotos dos Reis Magos.
Há outras proibições para os palhaços, como a
impossibilidade de se aproximarem do presépio e tocar no menino, ou em alguns casos de só entrarem na casa
visitada após os cantos finais, sem as
mascaras.
Enquanto os foliões cantam as “chulas” – danças e cantos de origem
portuguesa – os palhaços fazem acrobacias, dando cambalhotas, rodopiando em um
pé, lutando com os bastões.
Na cultura popular de nossa região do Oeste de
Minas, diante da pureza e da força do menino Jesus se converte e decide
acompanhar os reis para sempre, abandonando o rei Herodes. Quem se encontra
verdadeiramente com Jesus não retorna mais pelo mesmo caminho. A vida prossegue
com novo sentido.
Antigamente em muitos sermões de domingo, o povo
aprendia o cristianismo ouvindo os
sacerdotes, ensinavam que os festejos dos reis representavam atos nocivos à
moral, havendo presença do demônio.
Hoje a situação é nova e há uma clara inversão desta
rejeição da igreja: alguns sacerdotes procuram valorizar as folias nas
liturgias, a tradição religiosa da Folia de Reis no período natalino.
Propiciando liberdade, alegria e fortalecimento
em festejar durante a missa.
A folia de Reis encerra o ciclo natalino, visitando
as casas até o dia 06 de janeiro que é o dia da comemoração da Epifânia.
Depois as festividades seguem até o dia de São
Sebastião, ampliando o caminho da estrela até o dia 20 de janeiro.
“Os três reis
Quando souberam
Viajaram sem parar
Cada um trouxe um presente
Pro menino Deus, ofertar”
(Sobre a autora:Erivelta Diniz é historiadora e pesquisadora da religiosidade popular do centro-oeste de Minas Gerais)
TAMBÉM HÁ SANTOS NAS IGREJAS EVANGÉLICAS!
Diogo Cassels
Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Se pensam que nas Igrejas
Evangélicas – e até nas seitas, – não há santos, estão redondamente enganados.
Claro, que não aparecem nos
altares, nem são canonizados; mas que são santos; ah!: isso são!
Havia – já lá vão muitos anos,
– na 1ª República, em Vila Nova de Gaia (Portugal), um homem bom. Homem rico,
que por muito amar os pobres ficou pobre, por amar muito a Deus.
Era pastor anglicano. Sabia ser
justo viver do altar, mas preferiu ser o altar a viver do seu trabalho e da sua
grande fortuna.
Seu nome era: Diogo Cassels;
mas o povo, os operários, os carenciados, por muito lhe quererem, chamavam-no,
carinhosamente: o Sr. Dioguinho.
Dioguinho, junto com as tarefas
pastorais, mantinha: escola – para educar os meninos cristãmente; – e, a “ Sopa
dos Pobres” – para alimentar os que tinham fome.
Portugal, naquele tempo, estava
atulhado em terríveis dívidas. Havia desemprego generalizado, e os que
trabalhavam, mal granjeavam para sustento dos filhos.
Como cristão, como sacerdote
temente a Deus, sentia obrigação: de cuidar, de zelar, de amenizar, o
sofrimento dos operários; e pobreza envergonhada – que sempre atinge a classe
média, em anos de crise.
Todos os meses, o bom homem, ia
de porta em porta, pelas casas inglesas – o Sr. Dioguinho era britânico, – e
pedia…tornava a pedir… rogava, suplicando, contributo para a “ Sopa dos
Pobres”; porque, o que possuía, da sua grande fortuna, já não bastava para
acudir a tanta necessidade.
Certa ocasião, as casas de
pasto, as mercearias, que lhe forneciam os alimentos, disseram-lhe, perentoriamente:
“ Ou paga o que nos deve, ou nada mais haverá fiado! …”
Dioguinho levou as mãos à
cabeça, desesperado. Aflito, atormentado, recorreu a amigos. Calcorreou as
firmas de origem inglesa, da baixa portuense; bateu à porta da colónia inglesa,
e arrecadou substancial quantia… Assim supunha.
Regressou radiante. Contou e
recontou o dinheiro recebido. Fez contas e mais contas… Fez cálculos e mais
cálculos… mas nada: faltavam cinco contos para saldar a divida aos fornecedores…
- “ Os necessitados ficarão
sem a “ Sopa dos Pobres.” - Pensou.
Nervoso, mordendo os lábios
ressequidos, procurou descortinar amigo, que lhe acudisse a tal aperto. Mas as diligências
foram em vão.
Só Deus o
poderia ajudar. Mas seria ele merecedor de tal auxílio? …
Dirigiu-se, estonteado, à
capela; pelo caminho, encontrou a Bertinha – mocinha que lhe servia de
secretária, – agarrou-a com ansiedade, pelo braço, e, numa súplica, disse-lhe:
- “ Peço-te, menina, um
grande favor: Vem comigo à capela, orar a Deus, para que me acuda! …”
No dia seguinte, pela manhã.
Manhã luminosa, cheia de Sol, chegou o carteiro. Entre a correspondência vinha
uma…que incluía cheque no valor de cinco contos!
Junto, trazia bilhete: “ Sei
que veio procurar-me, para acudir os seus pobres. Não estava; mas ai vai
“isso”, para ajudar.”
Após o almoço o Sr. Dioguinho,
agradecendo a Deus, dirigiu-se ao Banco de Londres, para receber o dinheiro.
Mal lhe entregaram os cinco mil
escudos, o rosto desfigurou-se de contentamento. Cambaleou. Agarrou-se ao
balcão…Escorregou… e caiu. Antes de morrer, ainda teve tempo de pronunciar:
- “ Graças a Deus! Os
pobres não passaram fome! …”
Assim morreu o pastor, o santo,
que tudo doou aos pobres. O sacerdote, que sendo rico, se tornou pobre, para
que os pobres fossem menos pobres.
Também há santos nas Igrejas
Evangélicas! …
LÁBIOS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Nos lábios o som uníssono
da dor teatral e o gesto
de defesa no grito expandido
em palavras sem salvação
nos lábios o prazer da voz
tempestuosa alardeia o sentido
no instante em que acredita
no que diz e se satisfaz
nos lábios a certeza da ideia feita
palavra e a corrente se apresenta
como verdade: espanto.
REPETIR
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Repito o tempo
lenta hora
esperada
aguardo o ponteiro
em movimento
reparo o tormento
incorporo a máscara
macabra: o ponteiro
ceifa a hora
vou embora
sem olhar à frente
tantos caminhos dementes
passos rápidos sobre a grama
o ponteiro estático e errante
pergunta sobre o instante.
ANTES DO FIM...
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Meu
sinhô..
A
colheita foi boa!
Este
ano… Este século...
Para
o meu sinhô!
Tudo
vai bem!
***
Meu
sinhô...
Alguns
negros forros!
Outros
negros ficaram.
Alguns
negros partiram,
Já
outras negras pariram...
Muitos
outros negros!
***
Contudo
para o meu sinhô!
Tudo
vai bem...
Mas
a correntes enferrujaram.
Samuel
da Costa é poeta em Itajaí SC
RE-LEITURAS NA PÓS-MODERNIDADE FLUIDA
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Um
monge budista
Pega
fogo em praça pública
E
o mundo arde em chamas
Mais
uma vez
***
Milicianos
fortemente armados
Adentram
tranquilamente
Na
favela
Enquanto
uma mãe chora
Mas
é um alto e forte alarido
Que
ninguém quer ouvir
Que
ninguém ouvirá
***
Um
decrépito mendigo faminto
Pede
uns trocados
Para
quem passa
Na
esquina de rua
No
novo mundo
Enquanto
a polícia desce o morro
De
uma grande cidade
Sul
Americana
***
Uma
bela e jovem meretriz
Parada
na esquina
De
um bairro periférico
Decidiu
de última hora
Fazer
um bom desconto
Possivelmente
se agradou
Do
novo cliente
Jovem
e de poucos recursos
***
Um
pastor abre aos braços
No
púlpito em regozijo
Prega
de olhos fechados
Mais
algumas boas ofertas
Para
o bom Deus que tudo vê
Que
tudo ouve
***
Enquanto
o mundo gira
E
nada acontece
Nada
muda
A PRIMAVERA SEM O PRESIDENTE
(Para Luiz Inácio Lula da Silva)
Aqui a Primavera já vai
adiantada; já passamos Finados com suas tantas braçadas de flores e o meu
entorno é como um poema romântico, tantas são as cores, os pios, os
encantamentos dos morros próximos e do mar ali na frente. Escrevo na varanda, e
fora dela há dois arbustos que eu imaginara parentes de uma planta que um dia
conhecera com o nome de orelha d’ onça, e que deixei crescer porque queria
saber de tudo o que havia neste terreno com a casinha vinda pela metade do ano
como um presente de Natal. Aqueles arbustos cresceram e cresceram e passei a
apostar na sua sombra para o verão, já esquecida das orelhas d’ onça, quando
eles me fizeram essa surpresa que nunca acabo de curtir: seu florescimento em
cachos profundamente azuis (ou roxos?), cachos de tantas flores que pesam e
encurvam os caules grossos e fortes e que espantam pela sua quantidade e
coloração magnífica, dessas coisas que são bem do trópico, e eles me lembram
dos meus anseios de criança de muita leitura de um dia ir viver nos trópicos, sem ter a consciência de que já
estava neles, e que todos os abacaxis e canas de açúcar que rodeavam aquele meu
começo de vida já eram produtos tropicais. Parentes, sim, das humildes orelhas
d’ onça que conheci como habitantes de humildes brejos, esses arbustos aqui
dominam a paisagem e a minha imaginação de primavera, e vivo de máquina
fotográfica na mão, captando detalhes da goiabeira florescendo e das flores e
frutos da pitangueira, quando não saio rua afora, a fotografar os amarelos, os
azuis e brancos que estão por tudo, notadamente no pasto de vacas aqui bem
perto, onde os cachorros gostam de correr e que, vez ou outra, é parte tomado
pela maré cheia. Ah! E a maré, assim na Primavera, fazendo seu ciclo por conta
da lua, subindo e descendo duas vezes a cada dia, e a lua a cruzar seu caminho
pelo céu, a cada dia um pouco diferente, às vezes mais gorda, às vezes só um
risquinho de luz, e tudo é tão intenso, tão vibrante que fica difícil entender
como a gente suporta tanta beleza neste lugar único, e então eu penso nele,
impedido de ver que lá fora todas essas coisas estão acontecendo.
Sei que estás naquela cela estreita cuidando do meu
futuro e do futuro de todos nós, meu querido Presidente, mas me dói muito estes
mais de sete meses que estás lá, e sei, também, da tua fortaleza de inocente
que te impede de esmorecer quando parece que todo o mundo está ruindo... E esta
Primavera aqui no meu entorno, e tu a olhares para as paredes vazias e para um
naco de céu fora do contexto, enquanto eu tenho toda esta abundância de
belezas! Meu Presidente querido, o quanto, o quanto penso em ti e desejo que,
além da justiça, possas ter a Primavera de volta... De uma certa forma, vivo um
pouco por ti a cada dia, assim como tantos de nós também o fazem!
Boa noite, Presidente Lula. Daqui deste meu cantinho,
te sopro, com carinho, um sopro de Primavera.
Sertão da Enseada de Brito, 10 de novembro de 2018.
(Sobre a autora: Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutora em Geografia)
SER ESCRITOR
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
A vida do escritor
é uma coisa muito difícil e gratificante. Há aqueles períodos em que nada se
consegue escrever, quando a sensibilidade fica embotada, a imaginação falha, o
cérebro torna-se pequeno e opaco, e então a vida perde o colorido, o brilho,
fica tão difícil viver! Não adianta ter tempo disponível, material de pesquisa
à disposição, todas as facilidades do mundo, porque é época de não se escrever,
e como é frustrante esse tempo!
Mas depois vem o período em que a criatividade anda à
solta, e então, como é bom! Não há momento em que a gente viva tão plenamente,
tão intensamente quanto naquele momento em que, com uma caneta na mão,
conquista-se o mundo, o universo todo, todos os sentimentos que as pessoas
podem sentir, todas as situações possíveis. Ah! O milagre do desabrochar de uma
ideia que vai transformar-se em um livro! É um universo todo novo que se
descortina, e passar a ideia para o papel é como mergulhar de cabeça na doce
loucura desse universo.
E então a vida é gratificante, como é! Fica-se
desejando que o tempo da criação nunca termine, para que seja mais fácil carregar
o fardo de se ser um escritor, já que é um fardo do qual
a gente não pode se desfazer. Afinal, as pessoas não escolhem ser escritoras –
elas nascem escritoras!
Escrito em 23.07.1985.