Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
sábado, 2 de março de 2019
QUERO REZAR
Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)
(Presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal - ALB/DF)
PASSOS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Em cobertos caminhos passos distraem
o sentido em que vive o prisioneiro na rua
de paralelepípedos colocados lado a lado
o acento o acerto com que se compromete
entre margens o leito esteira espumas
no passado com a nitidez do agora fosse
antes e teria a ilusão do ato gestos
perdidos em acenos de quem reparte
onde o destino se entranha: a máquina
no barulho pela janela aberta paisagem
não são pedras postas ou atirados jogos
em que se enredam as mãos permitem
o encontro fortuito no tombo a pedra
esfola e sangra o pé na pressa
e a presa escapa novamente
a rua passada lembra o começo
e o pavão abre as penas
apenas árvores escutam o segredo
folhas em tapetes onde o passo rápido
do calçado marca o espanto.
MERIDIANOS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
atrás do sol fomos os primeiros
e o calor nos recompensou
atrás do frio fomos os segundos
e o gelo nos aprisionou
soubemos do calor
e do frio
do que
recompensa
e do que
aprisiona
para sempre alternamos
recompensas e gelos
calores e prisões
meridianamente
escolhemos
nossas moradas.
AS ONDAS QUE CAPTAMOS
AS ONDAS QUE CAPTAMOS
Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Já repararam, que o nosso céu,
o nosso espaço, é atravessado por imensas ondas de Rádio e TV, que se cruzam e
se recruzam, percorrendo distâncias, quase infinita?
Não as vemos, é certo, nem as
sentimos; mas existem.
Como os aparelhos de rádio e
TV, captam as ondas, o nosso cérebro, também, sintoniza, não essas, mas outras,
que não podemos ver, mas sentimo-las.
Nunca ouviram dizer: “ Anda
qualquer coisa no ar! …”, referindo-se a mudança de regime ou calamidade?
São “ondas” de boatos, de notícias tendenciosas, que a mente capta, e guarda no
subconsciente.
Dizem: “ Está na moda”;
“ Isto ou aquilo, é preconceito”; “Agora é assim.”;
“Todos o fazem”…
E por que está na moda?!
Porque grupo de indivíduos, que
têm o poder de influenciar, através da mass-media, conseguiu-nos hipnotizar, a
tal ponto, que não somos capazes de pensar nem raciocinar, discernidamente.
Outrora, usavam a literatura;
depois, o cinema; agora: a TV, Rádio e Internet.
Servem-se de tudo (até das
telenovelas,) apresentando-nos cenas e atitudes indignas, para nos narcotizar.
O hábito de as vermos, adormece os nossos valores (quando os há,) despertando o
desejo de aceitar o que outrora rejeitávamos.
E aceitamos, porque não
queremos ser considerados: retrógrados e antiquados.
Adotamo-nos, então, à
realidade, ao que a maioria: aceita e acata.
Todavia, defendemo-nos,
culpando: companhias e o meio ambiente. Sem dúvida, que as pessoas que
conhecemos ou vivem na nossa cidade, exercem grande influência, no nosso modo
de pensar e agir; mas, é bom lembrar: que cada um pode e deve, criar o seu
próprio meio.
Se frequentarmos lugares
sadios; se lermos livros edificantes; se assistirmos a espetáculos dignos; se
escolhermos amigos respeitosos, edificaremos o nosso próprio carácter, com
pensamentos positivos.
Claro que não é possível o
isolamento, porque não somos uma ilha, nem isso seria útil; nem é necessário
apartarmo-nos de tudo que é negativo; mas devemos pesar e confrontar tudo, com
os nossos valores.
Ser responsável; ter princípios;
ideias próprias; não se deixar levar pela corrente; e, muito menos, ser
marioneta e imitador, é que forma o homem inteligente e de carácter.
Sejamos apenas nós próprios, e
seremos felizes.
ISAURA CORREIA SANTOS
ISAURA CORREIA SANTOS
UMA GRANDE SENHORA DO ALENTEJO
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Certo dia, Isaura
Correia Santos, indignada com certa articulista, que escrevera: “ As mães
portuguesas oferecem os filhos, para defenderem a Pátria”, resolveu
publicar crónica, afirmando: que era mãe e portuguesa, e não “ oferecia” o
filho para ir para a guerra.
Mal sabia a ilustre
escritora, que o desabafo, iria desencadear enxurrada de impropérios.
Foi enxovalhada, e
houve até, quem rebuscasse sua vida particular, descobrindo, no passado, motivo
para a insultar, como mulher e cidadã.
Isaura Correia
Santos nasceu a 1914, em Alegrete, em plena planície alentejana. Ainda menina
(17 anos,) casou com o pintor Abel Santos. Cedo se dedicou às letras,
tornando-se conhecida, como autora de livros para a infância.
Suas crónicas,
sempre interessantes e incisivas, apareciam, principalmente, in: “ O Comércio
do Porto”, e “ Republica” .
Foi colaboradora da
BBC. Notável conferencista; e o Governador do Texas, concedeu-lhe o honroso título
de cidadã honorário desse Estado Americano.
Nas tardes de
sábado, reunia, na sua casa, na Praça da Galiza, no Porto, intelectuais e
amigos. O chá, que servia em xícaras de fina porcelana, todas diferentes, mas
todas de grande beleza, ficou famoso no meio artístico portuense.
Uma manhã, ao
regressar de Soutelinho (Povoa do Varzim,) sofreu grave acidente.
Visitei-a na Ordem
da Trindade. Recebeu-me a Filó - empregada e amiga, que nunca a abandonou.
Isaura Correia
Santos, falou-me do acidente e da forma carinhosa como as irmãs (freiras) a
tratavam.
Disse-me, então, à
puridade: “ Os olhos, agora, começam a ver o interior. Compreendo melhor a Vida
e Seus mistérios…”
Admirava o Padre
Cruz, e confiava em Deus, apesar da pouca fé que possuía.
Noutra ocasião,
afirmou:
“ Este acidente
fez-me compreender o que nunca havia conseguido alcançar. Tenho rezado muito…”
A escritora, que se
notabilizou com a obra: “ O Senhor Sabe Tudo Contou”, recebeu o prémio: Maria
Amália Vaz de Carvalho.
Numa manhã fria de
Fevereiro, do ano de 1989, fui visitar Frei Martinho Manta. Logo que me viu,
disse-me, compungido:
- “ Sabe quem
morreu?! …Uma grande Senhora do meu Alentejo: a escritora Isaura Correia
Santos! …”
Antes de falecer,
confidenciou, na Ordem do Carmo (onde estava hospitalizada,) a amiga: que não
receava morrer – até desejava, – visto gora acreditar numa outra Vida, e
principalmente na misericórdia divina.
Difícil ser Mulher no Brasil
Mulher
alguma nesse mundo é igual à outra, cada mulher tem a sua particularidade. E
qual delas não passou pelo processo de aceitação? Eu mesma demorei a me
aceitar. De certa forma eu não estava feliz. Tinha que me posicionar como
mulher e negra. Eu não era mais aquela menina e não podia ficar a vida inteira
achando que sou ‘’o patinho feio’’.
Sou
poetisa e com a escrita dei voz a muitas coisas que estavam em silêncio. E essa
arte de escrever me trouxe a chance de eu conhecer a minha própria pessoa.
Então decidi fazer disso uma arma de empoderamento na minha vida. Crescer e ter
vida através do que eu mais gosto de fazer. Com essa determinação passei a
entender muitas fragilidades minha.
Eu
não sou o rostinho bonito, ou o corpo bonito que muitos homens me falam. Eu sou
uma mulher com todos seus defeitos e sentimentos. Para uns apenas o corpo, para
outros apenas uma menina deficiente. Mas aí eu olho para trás e vejo o quanto
eu andei.
Eu
não tenho o corpo perfeito, tenho minhas limitações físicas, não sigo as regras
da sociedade e seus padrões, nem por isso vou ficar me escondendo. Com as
fotografias quero mostrar o quão capaz é uma mulher e a sua infinita forma
feminina. Através das fotografias podemos ver as diversidades e belezas da
mulher brasileira.
No
Brasil como já dito por mim a mulher fica sempre em segundo plano, os piores
salários e trabalho, o corpo sempre usado como apelo sexual nas mídias, a
exigência lhe dada do corpo perfeito, levando em conta que para muitos da
sociedade só existe um tipo de mulher. Nesse contexto de um tipo só de mulher,
a mulher negra fica de fora, excluída sofre os piores preconceitos tanto por
ser mulher como pela cor de sua pele.
Dizem
que sou feminista por lutar pelas mulheres. Mas será? Eu luto por aquilo que
acho merecedor para todas as mulheres. Lutar pela igualdade e respeito de todas
é ser feminista? Acredito que os meus ideais não cabem em sistema algum.Eu sou
negra da pele clara, não admito que me digam o contrário por causa desse
detalhe. Temos que admitir que ser mulher no Brasil não é nada fácil. O modo em
que a mulher é tratada torna tudo mais difícil.
Menina de pele escura
Menina
de pele escura!
Com
seus belos predicados,
Tua
pele é divina teus cabelos enrolados...
Após
conhecer tantas outras,
Compreendi
que por ti desejava ser amado!
***
Tu
és bela e atraente!
O
teu coração tem magia!
Quando
conversas com a gente...
De
ti sai boa energia que nos dá aquela!
Força
pra luta do dia a dia.
***
Sentir-me-ia
feliz!
E
por sinal muito honrado...
Se
um dia te aproximas-te de mim...
Com
teu sorriso encantado!
E
dos teus lábios saíssem palavras entre outras,
Dizendo:
- Venha cá meu namorado!
Juro-te
que me sentiria alguém já realizado.
Eu me livro com livro
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
As cartas de certa forma desenvolvem
a escrita, a criatividade, os pensamentos e os sentimentos, tais como os
livros. Os livros têm uma particularidade, nos trazem conhecimento e nos fazem
viajar por diversos temas e personagens. Normalmente o cenário é a vida. O que
mais aprecio é o lado humano que muitos autores abordam. Alguns até nos fazem
questionar quem somos. Um olhar para dentro de si.
É como passear por dentro de
si, abrir asas e se libertar de tudo aquilo que te faz mal. Tipo eu me
livro. Uma das obras popular brasileira
da literatura que particularmente eu curto e que se enquadra nesse contexto se
chama Tempo de Esperas do Padre Fábio de Melo. A obra mostra todas as vertentes
da vida em meio uma desilusão amorosa. É como uma reflexão que nos salva.
O tempo vai passando e aquela
dor rompe uma barreira. Por mais difícil que seja a dor fortalece. Aprendemos a
lidar com ela. De um jeito, ou de outro adquirimos aprendizado. A dor da perda me fez ver que a vida não
acaba porque achamos que é o fim. Ela segue. O tempo passa. Não é porque
erramos que não devemos mais viver. A vida é como um livro vire a sua página e
comece tudo de novo.
Sempre há tempo para
recomeçar. O Amor vive somente a sua espera. Ele se aprisiona a medida que você
fica alimentando algo que perdeu. Enquanto não se vira as páginas do livro da
sua vida, você fica ali amando o que nunca lhe pertenceu. E que de certa forma,
você mesmo possa ter estragado tudo.
Talvez seja a hora de você formar laços com o tempo e saber esperar. Mais que
um dom a espera é sabedoria e requer paciência.
Desde cedo aprendi que o amor transforma. Mas sempre tive a certeza que tudo parte de um querer. Nos últimos anos o amor tem sido um brinquedo
nas mãos de algumas pessoas. Ao invés de fazer o bem tem feito o mal. Mas a
culpa é de quem brinca com o sentimento das pessoas. O afeto não parte da ilusão e sim daquilo que
é verdadeiro. Não abra o livro dos sentimentos se não for para fazer e sentir
com verdade. Nós somos os autores de nossa história, a libertação parte da
nossa vontade. Os livros são apenas o início de tudo.
Filosofia Barata de Botequim
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
As
histórias que aqui irei vos relatar são contadas por mulheres que por razões
sem sentido foram abusadas de todas as formas pelo sexo oposto. Talvez você se
identifique e tire para você um aprendizado. Tudo começa com a ilusão do amor
eterno…
-
Ele me falou de amor, eu estava num momento difícil onde a carência me fazia
mal. Eu queria ter alguém. Mas este amor não passou de filosofia barata de
botequim. Ele jurou que me amava. Tivemos algumas divergências. Ele queria que
eu mudasse literalmente a minha maneira de ser. Eu não mudei e nem mudaria por
homem algum. Ele era evangélico, nada contra a religião, Deus é a minha igreja
não a religião criada pelo povo. Mas sua fé ia além de acreditar em Deus, para
ele mulher pura não fazia certas coisas nem na hora do sexo. Demos um tempo, eu
preso muito pela minha liberdade de escolha, de ser quem sou. Ele implorou para
eu lhe dar outra chance, disse que me amava muito ainda. E eu querendo ser
feliz com ele. No dia seguinte eu o vi numa fotografia ao lado de uma mulher
linda a chamando de minha rainha na rede social. E era Amim que ele me chamava
de minha rainha, de princesa. Chamou-me até para eu morar com ele. Sempre era o
homem carente e romântico. Na foto eu vi no dedo dos dois uma aliança de
casamento. Eu fiquei sozinha e nutri por ele uma raiva imensa. Com o tempo
perdi a crença. O amor verdadeiro para mim não era mais uma possibilidade na
minha vida.
-
Eu me doei demais, muita carência. Eu vi nele a minha chance de uma vida nova.
Entreguei-me de corpo e alma por esse amor. Ele dizia que me amava. Apareceu na
minha vida no momento que eu estava tranqüila. Tivemos muitos conflitos e
decidi deixá-lo. Mas não imaginava que o pior estava por vir. Ele não era
aquele homem que se apresentou para mim e falou de amor. Por telefone descubro
que ele é gay. A partir daí entendi porque ele não tinha o gesto de me beijar
já que dizia me amar. Senti um ódio profundo. Nem consegui chorar. Isso só
contribuiu para eu não querer mais nenhum homem na minha vida.
-
Eu estava ali na festa tão contente com outra pessoa, a noite parecia perfeita.
De repente chega um convidado que eu não esperava. A casa não era minha e a
pessoa não esperava que ele fosse fazer isso. Ele olha para mim com tanta
fúria... Seu ciúme foi além de um amor doentio. Ele ergueu suas mãos em punhos
e me deu um soco que quebrou o meu nariz. Uma covardia que anulou tudo de bom
que um dia nós vivemos juntos. Porque mulher alguma não vive muito tempo com um
homem sem sentir-se bem com ele. Tudo começa como se fosse um conto de fadas. A
gente é a mulher mais feliz do mundo. Este que um dia eu amei tanto, nem sei se
posso chamá-lo de homem é liberto pela justiça. Hoje eu vivo a minha vida com
receio, eu posso em algum dia ser encontrada morta.
-
Eu entrei na igreja com a expectativa de casar-me com o amor da minha vida. O
meu namoro foi dias maravilhosos da minha vida. A cada aniversario meu recebia
flores com um bilhete dizendo ‘’eu vou te amar para sempre’’. Eu o amava
tanto que não via mais a minha vida sem ele. Nem se quer podia imaginar. Entrei
na igreja me sentindo a mulher mais feliz do mundo. Cada passo que eu dava
diante daquele altar via cenas da nossa vida juntos como marido e mulher. E o
meu melhor amigo sempre presente em tudo. Às vezes eu via o olhar estranho do
meu marido, mas não entendia o porquê desse olhar. Deixei quieto. No dia do meu
aniversário meu amigo Roberto apareceu e me deu um abraço forte, bombons e
flores. Meu marido ao longe olhava fixamente. Depois disso não lembro mais de
nada. Eu acordo num hospital sem os movimentos das pernas. Levei um tempo para
entender. Aquele amor era posse. Eu não passei de sua propriedade.
Ser mulher nos dias atuais é uma aventura com
todos os riscos. Nunca sabemos o que vai acontecer com a gente. No meio
profissional o baixo salário e a incredibilidade da nossa capacidade.
Enfrentemos o preconceito e machismo de muitos homens. Nas redes sociais não
passamos de um objeto exposto a serviço do homem, como se ali fosse um bordel e
tudo que a gente tivesse que fazer é abrir as pernas.
Na
vida amorosa muitas vivem conflitos, desilusões, violência, estupros... Para
muitas o único destino é a morte. E no meio desse tudo a justiça brasileira
fica de braços cruzados. A gente crê no amor e tudo que recebemos é o amor
banal e doentio, fantasiado de amor eterno, uma filosofia barata. Daquelas que
o homem bebe muito e fala o quer sem sentido algum. Mas não podemos fugir da
luta. Temos que seguir em frente. Ir contra tudo e contra todos. Homem algum
pode nos anular. Nós mulheres somos o berço da vida.
Horizonte azul
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Escrever é uma janela no tempo’’
Luana Santos de Oliveira
O flanar livremente
No esplendor da luz
De um novíssimo do dia
***
O vagar lento
E cândido
Da divinal negra musa
***
O magnânimo divisar
Ao alto
Do límpido céu azul
Sem nuvens
***
E o bardo surrealista
Contemplou na távola
A clepsidra
Tomou a pena, o mata-borrão
E as hialinas folhas
Em branco
***
E foi compor e re-compor
Em abstratos livres versos
A celestial negra ninfa
Dos bosques em chamas
Candura (dá-me a tua delicada mão divina Luna)
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Naquela manhã inesquecível.
Um sentimento hialino!
Um raio de sol…
O frescor indelével...
Da amena brisa matinal!
Em meio as sintécticas...
Convulsões surreais.
Na pós-modernidade...
Fluída!
***
Um singelo desejo meu.
De estar ao lado teu!
E mais ninguém,
Dulcíssima negra Luna!
***
Cansada???
Confusa!!!
Descansa negra madonna minha,
Durma o tranquilo sono.
E sonha somente comigo!
O enamorado...
Bardo de ébano teu.
CARTA Nº 8 – DE DOMITILA PARA KATTY
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty, aqui a sua amiguinha Domitila, aquela gatinha de
nada que a Urda criou e que agora é um feixe de elástico que pesa 6.700 g. Para
formar esse tamanhão todo, além de muita ração eu fiz muitos treinamentos. A Urda
é quem se lembra bem; cada vez que chega visita ela conta como eu passei
semanas e semanas correndo para cima e para baixo nas bananeiras, treinando
minhas compridas pernas traseiras, que ficaram musculosas e supimpas para
saltos – quando resolvo pular numa caça, não há quem escape. Por sorte tenho
coração mole e só vez ou outra pego um dos passarinhos do jardim ou algum rato
sorrateiro – sequer os como, levo para o quarto da minha dona e deixo lá, de
presente.
Sou amiga de quase toda a minha família, mas nem tudo é
perfeito, né? O cachorro Atahualpa já me deu duas “duras” quando eu era pequena
e inocente e não entendia dessa coisa de hierarquia. Até hoje tenho que
obedecer a ele e respeitá-lo, senão sobra para mim de novo. Como a gente dorme
em penca na mesma cama (eu, Atahualpa, Manuelita, a Urda e um computador),
muitas vezes corro sérios riscos, principalmente se Atahualpa está cuidando de
um osso. Mas dos outros dois cachorros sou muito amiga, principalmente de
Tereza Batista (ela pesa 25 kg), com quem brinco muito todos os dias, de rolo
pela casa e pelo jardim. Eu grito tanto nessas brincadeiras que a Urda fica
dizendo: “Tereza, não machuca a Mana!”, mas é tudo só uma farra mesmo, embora
um dia desses tenha machucado um olho que depois teve que ser tratado com
colírio. Foi aí que a Urda pode ver de verdade a mobilidade dos meus 6.700 g de
elástico bem treinado: era uma guerra botar uma gotinha de colírio no meu olho!
Mas em dois dias ele ficou bom de novo.
Na semana que passou a nossa deliciosa casa nova foi
dedetizada de novo (veja só, agora já faz mais de meio ano que estamos nela!),
e então havia que ficar fora algumas horas. Manuelita se foi para o mato, que
aquilo é independente demais, e os cachorros aproveitaram para ir tomar banho
lá na tia Lourdes da Barra do Aririu. Sortuda que sou, passei aquelas horas na
linda casa da nossa amiga Maria Antônia, uma fofa, uma querida, aquela que me
chama de Amorzinho! Foi lá que bati foto para mandar para você – tomara que
goste!
Muito carinho da gatíssima que manda aqui nesta área,
Domitila.
ENVELHECENDO 3
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Às
vezes vive-se tanto que é melhor trocar alguns nomes nas histórias vividas para
não ferir suscetibilidades ou mesmo sofrer alguns processos. Então, os nomes
que seguem são fictícios, mas tudo aconteceu direitinho como eu vou contar.
Foi
lá no final da década de 1970, creio, que apareceu em Blumenau um verdadeiro
príncipe encantado: o Tonhão. Além do nome imponente, Tonhão era mulato, lindo,
simpaticíssimo, vinha com emprego importante em firma séria, tinha um carro
colorido com placa do Rio de Janeiro e, pasmem! – TINHA UMA CARTEIRINHA DE
SÓCIO DO FLAMENGO!!!
É
claro que ele imediatamente virou alvo da cobiça de todas as loiras casadoiras
da cidade, que eram muitas e lindas e que passaram a se vestir mais
caprichosamente do que de costume, na tentativa de abocanhar o gato.
Faziam-se
muitas festas nas casas das pessoas, nessa época, nas noites de sexta, e foi
com tremendo espanto que viu-se chegar a uma delas o Tonhão já devidamente
comprometido com a Trude, uma daquelas loiras arrasadoras, exibida como só, que
fazia questão de ficar a noite inteira com os dedos entrelaçados com os dele e
sem dar atenção para mais ninguém. Um pequeno exército de loiras deslumbrantes
ficava a noite inteira no entorno, esperando qualquer descuido da Trude para
avançar o sinal, sem nenhum sucesso. Claro que quando o casal se ia uma pequena
revolução cheia de ódio acontecia: como a Trude fora ter aquela sorte? O que é
que as outras tinham de errado?
Encurtando
a conversa, Tonhão não ficou com a Trude nem com nenhuma outra da turma: acabou
casando-se com a Lourdes, estranha para nós, que nem loira era e com quem está
casado até hoje, caso nenhum dos dois tenha morrido, pois faz tempo. Um dia,
muitos anos depois, conheci umas moças lindas e simpáticas que eram filhas dele
e da Lourdes. Bingo para a Lourdes
O
que aconteceu aí no meio foi que fui trabalhar em um banco, e lá também
trabalhava a Trude. Em algum momento, fui colocada a trabalhar na mesa
exatamente ao lado da Trude. Nós nos odiávamos profundamente, mas havia um
telefone só entre nossas duas mesas, e quando uma atendia e era para a outra
éramos obrigadas a falar uma com a outra, e tanto nos chamamos por causa do
telefone que acabamos ficando amigas e passamos a pensar coisas juntas. Esse era
um tempo antes da informática, quando a vida de uma bancária era uma tristeza,
e então olhávamos a praça lá fora e pensávamos na aposentadoria que nunca
viria, mas na qual não custava sonhar. Seríamos aposentadas chiques, tendo na
bolsa frascos de prata contendo uísque de boa qualidade. Sentaríamos na praça,
então, olharíamos para o banco e lembraríamos das coisas:
-
Lembra daquele dia em que tivemos que ficar trabalhando até às onze da noite
por causa de uma diferença de quatro centavos?
Aquilo
nos faria beber o primeiro gole dos nossos frascos chiques, e as lembranças
continuavam, enquanto nos vingávamos das agruras do banco olhando lá de fora
para ele, que já não poderia mais nos fazer mal.
Em
algum momento, uma de nós diria:
-
Lembra do Tonhão?
E
então riríamos muito e beberíamos tudo o que restava dos nossos frascos de
prata, já que ele se fora de vez, levado pela Lourdes.
Mas
a história não acabou assim. Na altura em que realmente nos aposentamos,
nenhuma de nós mais bebia álcool, o banco tinha trocado de endereço, a praça
tinha sido modificada e tínhamos esquecido completamente dos chiques frascos de
prata que levaríamos em bolsas chiques, e sequer bolsa eu usava mais: havia
aderido à mochila e Trude gastava boa parte do seu tempo fazendo longas
caminhadas com fones de ouvido que lhe davam boa música – éramos felizes de uma
nova maneira. Um dia vi passar o Tonhão e não quis crer: ele ficara velho,
estava barrigudo e careca, e é de se pensar que ao invés do Flamengo, agora era
sócio de algum Clube de Caça e Tiro. Quando encontrei Trude de novo morremos de
rir. Coisas de quando se envelhece!
Sertão da Enseada de Brito, 09 de fevereiro de 2019.
CARTAS QUE NÃO SE REPETIRÃO JAMAIS Nº 12
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Talvez
interesse aos colegas de todo o Brasil saber do que ocorreu com os donativos da
Campanha da Solidariedade, efetuada em decorrência das enchentes do mês de
julho em Santa Catarina. Sei apenas uma pequena parte, mas acho que os colegas
terão interesse em conhecê-la também.
Após
a tragédia, que foi trágica mesmo, de todo o Brasil começaram a chegar
donativos para a nossa Agência, muito mais do que seria necessário para
atender a todos os economiários. Então
os excedentes começaram a ser distribuídos para pessoas mais carentes.
Há
uma pequena comunidade no Vale do Itajaí, chamada Espinheiros, que até as
enchentes era próspera, independente, sem carências. À beira da rodovia ela
vivia pacificamente, formada por pequenos agricultores, que tinham suas
plantações de cana de açúcar, suas hortas, suas galinhas, porcos, a vaca
leiteira muito mansa, a família reunida e feliz. No verão, os nossos amigos
armam tendas à beira da rodovia e vendem centenas de melancias para o pessoal
que acorre às praias próximas.
Seu
Júlio, um dia, abriu uma vendinha na beira da estrada, onde vendia caldo de
cana e melancias. A vendinha prosperou, ele passou a vender balas, rosquinhas,
bananas, abacates, até a boa cachaça que se produz na região. Seu Júlio e a
vizinhança estavam acostumados a enfrentar pequenas enchentes, mas nada que se
comparasse ao que ocorreu em julho.
Durante
anos, ao ir para a praia, parávamos na venda do seu Júlio para tomar caldo de
cana e comprar frutas. O tempo transformou-o em amigo, bem como à sua família.
Um mês depois da enchente minha irmã passou lá pela região, que está desolada,
sem gado; da agricultura só sobrou a cana de açúcar nos passos aterrados por
espessas camadas de lodo. O gado que sobreviveu à enchente teve que ser vendido
por falta de comida. Minha irmã parou para saber notícias.
-
Como é que foi por aqui? – quis saber.
A
mulher do seu Júlio levou-a para fora e apontou a cumeeira da casa:
-
Está vendo ali em cima? Quando a água baixou, havia um boi morto lá.
E
o resto? Toda a comunidade havia perdido os móveis, as roupas, os colchões para
dormir, os cobertores, quase tudo.
-
Recebemos ajuda em comida, mas foi só. A gente está se virando como dá. Sobrou
uma mesa com três pernas, um guarda-roupas que não fecha mais. Mas o pior é a
falta de roupas. Elas ficaram quinze dias submersas, apodreceram na lama. E
agora está frio de novo. Não está sendo fácil.
Pequena
grande comunidade, ninguém havia se lembrado dela! Calculo que no total devam
ser umas cem pessoas, e cem pessoas passando frio e sem ter o que trocar. Minha
irmã contou a história quando chegou em casa. Os economiários mandavam tanto
para nós, tanto! Havia um depósito inteiro de roupas e calçados recém-chegados
na Agência, aguardando para serem doados. Pegamos grandes caixas de doações, o
tanto que cabia dentro de um fusca que ficou superlotado, e levamos para eles. Identificamos
a procedência das caixas por camisetas escolares que crianças de algum colégio
haviam doado: Minas Gerais. Eram doações de boas roupas, com blusas de lã,
ótimos ternos de economiários, roupas quentes, bem como estavam sendo
necessárias. Deixamos na venda do seu Júlio, para que ele as distribuísse.
Aquelas pessoas tem dignidade, aceitaram com um pouco de vergonha – elas jamais
pediriam alguma coisa. Mas com o frio que fez hoje, fico pensando neles e nos
colegas economiários, lá da longínqua Minas Gerais, que os ajudaram, e agradeço
a eles pela ajuda à minha gente.
Eu
só sei um pouquinho da história toda. Mas saibam, meus irmãos de todo o Brasil,
que muita gente da minha terra não está passando frio agora por conta de vocês.
Gente que tinha tudo e que ficou sem nada recebe as doações que vieram das
casas de cada um de vocês. Em nome de todas elas, muito obrigada. Vocês não
sabem como aqui está frio!
Blumenau,
11 de setembro de 1983.
CARTA Nº 7 - DE TEREZA BATISTA PARA KATTY
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty:
A gente ainda não se conheceu formalmente, mas é como se eu
já a conhecesse a longo tempo. Sou a cachorrona da Urda, que sempre saio a
passear com coleira e guia, pois no passado, quando era uma cachorra abandonada
e um filhotinho meu foi morto por um carro, fiquei tão revoltada que saí
mordendo uma porção de gente. Daí criei a fama de cachorra mordedora, e muita
gente começou a fazer maldade comigo, como me jogar pedras e paus, me dar
veneno e estourar bombinhas para eu me assustar. Andava desesperada e então
mordi mais gente ainda – um dia, soube que iam me matar. Daí fui me esconder na
casa da Urda e agora isso já faz 18 meses e nunca mais mordi ninguém. De
qualquer forma, continuo saindo de coleira para evitar qualquer tentação, pois
sempre podemos encontrar algum dos meus antigos desafetos, não? Mas já esqueci
de quase todos, menos de um velhinho que, sempre que me vê ameaça me jogar
pedras e eu fico doida para pegá-lo, mas como ele já tem mais de 80 anos, a
Urda e a Maria Antônia sempre dizem para eu esquecer e me comportar como uma
lady. Elas ficam muito admiradas quando saímos do Canto da Enseada, porque aí
nunca quero morder ninguém, e vamos sempre à Barra do Aririu, à Palhoça, já
passei dia na praia do Sambaqui, lá na capital, junto com o Raul Longo e o
cachorrinho dele, o Chiquinho (cá entre nós, é um cachorrinho de uns 5 kg, mas
ficou apaixonado por mim, que tenho 25 kg!). Já fui, também, ao Natal Luz da
cidade de São José e me diverti muito!
Mas
o que eu queria contar era outra coisa. Ontem fomos todos à Palhoça, tomar
vermífugo, o carro lotado de cachorros e gato, e logo que saímos da nossa rua
encontramos, ferido, o cachorro chamado Tijucano, que não tem dono e é um pouco
de cada um. Quando ele apareceu por aqui, abandonado, veio com sarna, e daí que
o chamavam de Sarnento, mas a Urda mudou o nome dele para Tijucano, porque ela
sempre conta que alguém muito distante, que foi a mãe dela, era daquela cidade,
e em Tijucas tem um versinho que diz assim:
“Amarelo
da goiaba
Morreu
na segunda-feira
Se
não fosse a goiaba
Durava
a semana inteira”
Como
esse cachorro é amarelo com olhos pretos (tem um outro que é amarelo com olhos
verdes, por aqui), ele agora é o Tijucano, e ontem estava ferido na beira da
rua, assim na perna ou no pé. Paramos o carro, mas era tanto cachorro que não
dava para leva-lo junto, e ele ficou para ser atendido depois. A nossa linda
veterinária, a tia Danny, já mandou remédio para ele – sei que um é para dor,
mas há mais dois.
Só
que voltamos e... cadê o Tijucano? Tinha sumido, e por mais que a Urda e a
Maria Antônia procurassem pela pasto, pelo mato e pela praia, ele não apareceu
mais. A Urda estava muito triste e rezava para um tal de São Francisco de
Assis, mas ele só apareceu hoje de noitinha, mancando e morto de fome. Tomou
todos os remédios dentro de pedaços de salsicha, sem cuspir nenhum, como eu
faço, e está dormindo aqui em casa, na varanda, num tapete com dois
travesseiros, e vai ficar até melhorar.
É
por isto que estou escrevendo. Eu e Zorrilho estamos em vigília, para ele não
entrar em casa, pois onde já se viu um cachorro de rua querer entrar na “nossa”
casa? Estamos em vigília na sala, e então deu tempo para escrever.
Já
ouvi falar muitas coisas boas sobre você e acho que já a amo. Fico doidinha
para conhece-la. Decerto um dia vai dar, não? Deixo muito amor e não precisa
ter medo de mim: a Urda abre a minha boca e tira osso de dentro dela e eu
deixo.
Sua
amiga,
Tereza
Batista, cansada de guerra.
Cachorra
ADEUS, MEU AMIGO!
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
(Texto publicado no ano de 1999 no
livro “O nosso homem do Livro – Odilon Lunardelli”, produzido pela UBE – União
Brasileira de Escritores de Santa Catarina)
Adeus,
meu amigo! – era tudo o que eu conseguia pensar ao olhar para o rosto
descansado e sereno de Odilon Lunardelli, que há poucos dias dormiu seu último
sono. “Adeus, meu amigo” – pensava eu, e doía demais aquele adeus, e eu ficava
a lembrar das tantas coisas que eu devia a ele, das tantas alegrias que ele me
dera, dos seus conselhos, das suas ideias, da sua importância para mim e para a
maioria dos escritores de Santa Catarina.
Muitos
dos leitores não sabem quem foi Odilon Lunardelli, e então explico: Odilon
Lunardelli era o meu editor, o homem que transformou em realidade o meu sonho,
que me acompanhava desde criança, de ser escritora. Foi meu editor, e foi
editor de tantos outros: era ele um idealista, um homem de livros que fazia
livros por um ideal, que apostava nos escritores sem visar o lucro, que se
entusiasmava com os escritos da gente mais do que a gente mesmo, que sonhava em
ver seus autores conquistando o Brasil todo.
Eu
o conheci faz dezenove anos: andava a receber recados dele, que ouvira falar de
um original meu, recados que me pediam para ir até lá, até Florianópolis e
naquele tempo eu era muito jovem e insegura, e não sabia como enfrentar a
figura temível de um poderoso editor. Um amigo comum acabou por me levar até
ele, e fui amedrontada, esperando me defrontar com um bicho-papão – e acabei
foi encontrando um amigo, um dos maiores amigos da minha vida, um amigo que
confiou em mim mais do que eu própria. Um amigo que sempre fez tudo para que
meus livros chegassem ao público. Lembro, agora, de sacrifícios que ele fez por
mim – para publicar meu livro “Cruzeiros do Sul”, naqueles tempos incertos de
inflação altíssima, Odilon Lunardelli deixou de trocar seu próprio carro, para
custear o livro de quase 500 páginas.
Ele
passava os dias da sua vida no seu escritório. Era uma salinha acanhada e
escura, com muitos livros e uma televisão, e uma cadeira e um sofá antigos.
Quem não soubesse, não diria que era ali que se decidiam os destinos da maioria
dos escritores de Santa Catarina – protegido atrás da sua mesa cheia de pilhas
de originais, Odilon Lunardelli olhou a cada um de nós nos olhos, e para a
maioria foi amigo – é difícil encontrar um escritor, no nosso Estado, que não
tenha passado por aquela sala, que não tenha sentado no sofá escuro esperando
uma decisão, que não tenha tido ao menos um livro com a logomarca da
Lunardelli. Porque nosso amigo, que viera de outras profissões e outros
caminhos, e que um dia decidira embarcar no sonho de ser editor, criara uma
marca que ficou famosa, e ter na capa do livro da gente as palavras “Editora
Lunardelli” era um orgulho e uma honra. Ele não me disse, mas eu li na “Veja” –
a editora Lunardelli era a sexta maior editora do Brasil.
Se
a editora cresceu assim, foi devido ao sonho, ao idealismo do seu criador que,
como já disse acima, trabalhava pelo coração e não visava o lucro. Extremamente
honesto, Odilon Lunardelli fazia questão de que soubéssemos cada coisa a
respeito de cada livro da gente: mandava-nos as notas a cada edição nova que
saía, numa preocupação constante de que não duvidássemos dele. Preocupação
inútil – como duvidar de um amigo que era como um anjo? Nunca ligou para a lei
de direitos autorais, que manda a editora prestar contas ao escritor a cada
seis meses – mal e mal o livro novo ou a edição nova chegava na praça, e já
estava ele a nos mandar um cheque que cobria a edição ou todo o livro. A
preocupação com a honestidade extrema era uma das suas características mais
marcantes.
E,
faz poucos dias, sem mais nem menos, ele nos deixou. Foi dormir no sábado e
partiu dormindo. No domingo, só havia o seu corpo por aqui, e um buraco enorme
que é a sua falta.
Sinto-me
órfã sem ele. Uma saudade imensa e dolorida me faz lembra-lo lá no seu
escritório acanhado, sempre a me estimular, me aconselhar, a apostar em mim. E
o meu coração machucado pulsa dizendo sempre essas palavras: “Adeus, meu amigo!
Adeus, meu grande amigo!” E eu desejo que a luz perpétua o ilumine, como você
iluminou a minha vida!