A VELHA CASA ONDE NASCEMOS

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal) 

 

Quem não se recorda, com saudade, da velha casa onde nasceu e se criou?

Casa velhinha, em que cada canto e recanto, se revive amorosos retalhos dos tempos que já não são.

Nasci numa velhíssima casa de alforge, de três alargados pisos, com mais de duzentos anos!

Havia, no rés-do-chão, alçapão, que dava acesso a lôbrega e sinistra cave, infestada de aracnídeos, que era o terror da acriançada, mormente do benjamim.

Recordo – como e recordo! Deus meu! - da ampla e soturna sala de jantar, de paredes forradas a papel encarnado, recobertas de - baixos-relevos, aguarelas, pratos de faiança, e quadros de gravuras antigas. Em duas sóbrias colunas de nobre madeira, repousavam delicadas estatuetas em gesso patinado. Nas portas cobertas a esmalte branco, pendiam, das sanefas, pesados reposteiros.

Tomávamos nela as refeições, mas apenas em dia festivo ou quando havia visitas de cerimónia; ordinariamente tínhamos outra salinha, mais acolhedora, para o trivial.

Lembro-me – como me lembro! - o espaçoso armário de portadas verdes, embutido, quase dissimulado, no vão da escada. Nas sólidas prateleiras, dormiam inúteis velharias, entre elas: balança de dois pratos, maciços globos coloridos de vidro, palmatória de latão, pautas de música da avó Sofia, garrafas de vinho do Porto, e antigos jornais, relatando notáveis acontecimentos do passado.

Nesse antiquíssimo casarão, decorreu a minha nem sempre feliz adolescência, cadenciada pelo embalador e dormente tiquetaque do antigo relógio de pêndula, que pertencera a minha bisavó Júlia.

Nessas rijas paredes de estuque e granito, decorreram aventuras e desventuras, e senti, com mágoa, paulatinamente, escorrer como areia fina entre dedos, sonhos idealizados, que não pude ou não soube concretizar. Em " Portugal Pequenino" Raul Brandão invoca o encanto das vetustas casas que passavam de geração a geração:

" Que linda casa quando vem dos pais que a herdaram dos avós! Cada prego foi pregado para a eternidade. Mais tarde até na velhice e ainda que corras mundo, todos os teus sonhos se passam sempre entre aquelas paredes, e empurras as portas perras dando-lhes o jeito que lhes davas em pequeno para as abrires..."

Camartelos, pás e picaretas, desventraram, sem dó, a velhíssima casa da minha infância. Ficou-lhe o imponente esqueleto, mirando altivamente as águas açodadas do Douro, e o casaria acastelado da cidade da Virgem.

É a triste sorte, neste tempo prosaico, das vetustas residências do século XIX.

O encanto que recorda Raul Brandão, já não pode sentir a geração do século XXI, porque foram desfiguradas, demudadas em esquerdo – direito.

Jamais terão os jovens o prazer, o fascínio, de viverem nessas velhas casas de outrora; algumas tinham jardinzinhos aconchegantes, caramanchões coroados pelos robustos braços de contorcida glicínia, que desabrochava ao raiar da primavera, toucadas de formosos e olorosos cachos arroxeados,

Nessas vetustas casas, que eram dos avós ecoavam pelos taciturnos corredores, antigas vozes dos entes queridos, que já partiram. Em cada quarto, em cada saleta, sentia-se reviver, a cada passo,os ancestrais falecidos – bisavós, avós e pais.

Eram casas que tinham alma, que recordavam quem éramos e de onde viemos. 

VOCÊ SABE O QUE É TRADUTAR?

Por Ricardo Albino (Belo Horizonte, MG)

A língua portuguesa é mesmo linda, criativa e apaixonante! Ainda mais quando em contato com a arte a gente descobre novas expressões, palavras e até verbos criados pela bela imaginação infantil. Tradutar se já existia, confesso nunca antes ouvi falar. Mas, a primeira vez que escutei amei!  Nada mais bonito que no espaço do conhecimento para nascer o tradutar.

 

Eu tradutei 

Tu tradutastes 

Ela tradutou 

Nós tradutamos 

Vós tradutaste 

Eles tradutaram 

 

Eis aqui um verbo que significa na verdade, traduzir. E que foi dito assim por um pequeno de coração grande, alma leve, sorriso alegre e imaginação gigante que eu não sei o nome nem onde mora. Mas ao  assistir uma contação de história de um Rapidinho Cadeirante e uma Fada dos Dedos Falantes tornou-se o pequeno grande tradutor das simples e diretas demonstrações de gratidão e atenção pelo amor ao coração deles por nós compartilhados. Sem saber onde é sua casa menino, seu ensinamento criativo verbal imaginário fez do meu coração moradia do amor sem tradutar ou tradução no mundo da magia.

 

Sobre o autor:

Ricardo Flávio Mendlovitz Albino, 45 anos, nascido e criado em Belo Horizonte, é jornalista formado em 2006 pelo Centro Universitário de Belo Horizonte UNI BH e também Contador de Histórias formado pelo Instituto Cultural Aletria em 2015, criador da página Ricontar Histórias em 2017 e do canal de mesmo nome no Youtube em 2021

Cadeirante e tem visão subnormal. Idealizou o canal e o Podcast Ricontar para unir histórias, seu  amor pelo rádio,  acessibilidade e inclusão. Participou da Antologia Digital 2022 e é autor do livro “Rapidinho em Quarentena”.

 

 


E OUVIRAM O PUNGENTE CROCITAR

 Por Dias Campos (São Paulo, SP)

 

            Não é incomum que uma criança tenha um amigo imaginário. Paulinho tinha o seu, e chamava-se Ruy.

            Seus pais, se não o repreendiam, também não o estimulavam; até porque, tinham a certeza de que essa amizade acabaria com o passar dos anos.

            No entanto, um acontecimento fez estremecer a normalidade que reinava no lar dos Pereira...

Certa noite, quando o casal assistia à TV e Paulinho pintava com lápis de cera a obra de arte que rabiscara, Ruy apareceu e começou a conversar.

O casal entreolhou-se, sorriram, e André pediu que conversassem à baixa voz para que não atrapalhassem o filme.

Mas quando o garoto virou-se e disse que Ruy tinha um pedido a fazer à dona da casa, Bianca, com toda a paciência do mundo, abaixou o som do aparelho e quis saber do que se tratava.

Paulinho, mesmo com as dificuldades impostas à pronúncia dos sete anos, passaria a repetir o que o recém-chegado ditaria.

Só que, ao contrário do que pudessem imaginar – queria batatinhas fritas no jantar –, Ruy pedia a Bianca, que era diretora de escola e quem decidia sobre o texto impresso nos diplomas dos formandos, para que respeitasse o bom cunho português, pois a linguagem neutra de gênero nada mais era do que a maior tolice que a ociosidade humana poderia um dia produzir.

Não se precisaria dizer que as bocas entreabriram-se, que os olhos arregalaram-se, e que nenhum dos pais conseguiria pôr a cabeça no travesseiro e dormir o sono dos justos.

Passados alguns segundos de completa mudez, Bianca acabou aceitando o que Ruy pedira; se bem que só convencesse o próprio filho.

Desta noite em diante, quando Ruy vinha ter com Paulinho, se algum de seus pais estivesse próximo, parava o que fazia, apurava o melhor dos ouvidos, e não desgrudava os olhos do guri, na esperança de compreender o que de fato acontecia.

Mas o nível dessas conversas não mais os impressionava, já que não se afastava do previsível e limitado mundo infantil.

E isso deixava André e Bianca cada vez mais incomodados. Afinal, como explicar aquele pedido, cujo conteúdo seria impensável a qualquer criança, mesmo que dotada de grande inteligência?

O incômodo chegou a tal ponto que o casal decidiu testar o menino e perguntaram se poderiam falar com Ruy, caso ele estivesse presente.

A criança relanceou os olhos pela sala e viu seu amigo sentando na cadeira de balanço que pertencera à nonna.

Mas antes que Paulinho repetisse a pergunta, Ruy respondia que estava à disposição.

É claro que André e Bianca ficaram como que travados; não sabiam por onde começar.

Percebendo a inibição, Ruy resolveu antecipar-se, porquanto o que falaria era muito mais importante do que qualquer comprovação.

Disse que Bianca, com a concordância do marido, desprezou a oportunidade que recebera, e que, por força disso, a beleza da língua portuguesa continuava a ser maculada. Assim sendo, ele, Ruy, não perderia o seu tempo tentando passar-lhes bons conselhos, pois, pelo que percebera, não cuidavam ser pessoas em quem pudesse investir. Daí limitar-se a entreter, a preparar e a apostar no futuro do seu mais novo e sincero amiguinho.

Também seria desnecessário esclarecer que, desta vez, os queixos caíram, os olhos esbugalharam-se, e que o casal passaria uma longa noite em claro.

André ainda ensaiou um ou outro comentário, mas só conseguiu gaguejar; Bianca permanecia calada, sem saber se piscava ou se corria; e Paulinho sorria, como se Ruy estivesse brincando de fazer caretas.

De repente, o garoto pediu atenção aos pais, uma vez que seu amigo queria dar-lhes uma última chance. Se soubessem aproveitá-la, muito que bem. Mas se a desperdiçassem, mais cedo ou mais tarde acabariam sofrendo as consequências da sua escolha. E perguntava se poderia seguir adiante.

Os Pereira entreolharam-se... interrogaram-se... voltaram-se para o filho... e, meneando as cabeças, responderam que sim.

            Sendo assim, Ruy pediu que anotassem ou gravassem o que ele iria dizer, não só por ser o texto um pouco extenso, mas, em particular, para que não entrasse por uns ouvidos e saísse por outros.

            André e Bianca estavam perplexos! E por mais que se orgulhassem da sua racionalidade, tarimba e ceticismo, não imaginavam como um garotinho que ainda gostava de mamadeiras pudesse embrenhar-se em assuntos absolutamente estranhos ao seu universo, nem como conseguia expressar-se por meio de palavras e frases que só seriam aprendidas daqui a vários anos.

Mesmo sem os necessários esclarecimentos, era indubitável que não poderiam atribuir Ruy a uma imaginação fértil ou superexcitada. Havia, sim, uma grande inteligência que se expressava por meio do guri. E se se diziam amigos, longe estava de ser imaginário.

            E como não enxergasse nenhuma alternativa, André pegou o celular e ligou o gravador.

Ruy disse que repetiria um excerto de um célebre discurso que proferira no Senado Federal, em 1914. Pedia para que ponderassem sobre os “considerandos” e sobre as suas consequências. E que, depois de muito refletirem, fizessem a escolha certa.

            André e Bianca mal sabiam o que dizer, o que pensar! Seu filhinho estava de pé diante deles, e repassava mensagens de um homem feito e culto. E como se não bastasse, discursaria como um orador do século retrasado! Era demais até mesmo para pessoas que sempre se gabaram do seu agnosticismo e que, por isso mesmo, nunca se deixaram embromar pela mais sutil das artimanhas.

            E porque o silêncio dava licença, Ruy prosseguiu: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” 

            Atônitos talvez fossem os adjetivos que melhor caracterizariam os semblantes de André e Bianca.

Como permaneciam mudos, Ruy interveio e insistiu para que refletissem sobre o que acabavam de ouvir. E que se esforçassem para não mais compactuarem com o erro, seja contribuindo com tolices, seja fechando os olhos para os abusos, seja, enfim, aplaudindo o erro em detrimento do que é correto. E despedia-se de todos.

O menino retribuiu acenando com a mão direita. Logo depois, trançava as pernas e pedia para ir ao banheiro.

Mesmo sendo mãe, Bianca demorou bons segundos para reaprumar-se e atender o aperto do filho.

            Quando voltaram, ela perguntou ao marido para quem escrevia.

            André respondeu que o trecho que ouviram não lhe era estranho; que volta e meia lia essa mensagem no Facebook ou a recebia em grupos de WhatsApp. Por isso, pesquisava no Google.

            Com efeito, o resultado não tardou a aparecer, e vinha ilustrado com a fotografia do seu autor. Tratava-se de ninguém menos que Ruy Barbosa, o Águia de Haia!

            Boquiaberto, André mostrou a tela para a esposa, que o acompanhou em espanto.

            Ato contínuo, Bianca mostrou a imagem para o filho, perguntando se era esse o senhor com quem conversava.

            É claro que a criança não teve nenhuma dificuldade em reconhecê-lo. Apenas que estava... diferente.

            Apreendendo a dúvida do garoto, André esclareceu que a foto era muito antiga e que não tinha sido colorizada.

            O final do sábado seria dividido entre os cuidados dispensados ao guri e os hiatos dedicados à autorreflexão. Na verdade, não viam a hora que Paulinho fosse para cama a fim de que pudessem conversar, questionarem-se, e acharem uma explicação que os satisfizesse; além de um norte por onde pudessem caminhar.

            Era todo um mundo que desabava, um castelo de cartas que não se aguentara ao sopro de realidades até então ridicularizadas e desprezadas.

E essa constatação incomodava demais os seus espíritos...

            Fosse como fosse, o que André e Bianca não suspeitavam é que Ruy não tinha partido. Na verdade, tornara-se invisível para o menino a fim de melhor observar os pais, auscultando-lhes os pensamentos, lendo em seus corações.

            Pois foi colocarem a criança para dormir, e eles retornaram à sala, sentaram-se no sofá, encararam-se, e puseram-se a conversar.

            Reviram cenas... levantaram hipóteses... examinaram convicções... afastaram conclusões apressadas. E meditaram à exaustão sobre o fragmento escrito pelo emérito jurista.

Verificaram a atualidade das causas e que os efeitos eram corolários inexoráveis. E deduziram que se o sofrimento acontecido no passado não foi suficiente para impedir um presente mal talhado, por certo que o futuro seria ainda pior, caso os governados continuassem desculpando a bandalheira, aceitando a corrupção, e menosprezando a impunidade.

E porque não se pode mudar um povo de uma hora para outra, compreenderam que deveriam começar por si mesmos, esforçando-se dia a dia por melhorarem, na certeza de que, se não estavam sós, seriam os seus exemplos que tocariam, atrairiam e modificariam a multidão na retaguarda.

            Neste meio tempo, o garoto aparecia.

            Sua mãe foi a primeira a estender os braços.

            Mas tão logo se sentou entre ambos, Paulinho avisava que Ruy quereria falar.

            As sobrancelhas de André alevantaram-se; a testa de Bianca frisou-se; e Ruy pediu para o guri continuar sentado.

            Disse que ouvira tudo o que eles conversaram. E que leu em seus corações uma vontade honesta de contribuírem para o bem geral. Advertiu-os de que se mantivessem firmes, pois não seria fácil lutar contra hábitos arraigados há séculos. Mas que, se perseverassem, não apenas eles seriam mais felizes, como, também, as futuras gerações só teriam a agradecer. – os olhos dos pais já se umedeciam.

            Como o tempo urgia, desejava a todos muita paz e serenidade. Afirmava que jamais os abandonaria, e esclarecia que o crescimento do menino não seria empecilho a que continuassem interagindo.

Por fim, estimulava-os a irem conhecer o Houston Livestock Show and Rodeo, um dos mais tradicionais rodeios do mundo.

André surpreendeu-se com a falta de privacidade em sua casa. Bianca já não se admirava de mais nada; e perguntou se ele os acompanharia.

Ruy respondeu que não. No entanto, avisava que um veterinário conhecido internacionalmente iria acompanhá-los, pois a ocasião seria propícia para auxiliar os seus colegas de profissão. Além do que, graças ao dom de que fora investido e, sobretudo, à ajuda de Paulinho, ele poderia dialogar com um grande número de animais.

Os pais não entenderam patavina. Esse tal veterinário, de quem se tratava? E como a criança poderia ajudá-lo a conversar com os animais?!

Mas se é verdade que André e Bianca ficaram bastante apreensivos ao imaginarem o próprio filho batendo-papo com touros e cavalos, também é correto afirmar que o Dr. Dolittle enxergaria em Paulinho um aprendiz mais que promissor.

 

CICATRIZ, A MARCA DO GUERREIRO

Por Valéria Gurgel (Nova Lima, MG)

À medida que vamos vivendo, vamos acumulando cicatrizes...

No corpo, na alma, no coração.

As cicatrizes contam muito de nós, de nossos sentimentos,  de nossas histórias  de vida, de nossas lutas, das perdas, das vitórias, de nossos tombos, de nossas decepções, de nossas feridas tantas... 

Cicatrizes sinalizam a marca do crescimento, do aprendizado, da vitória. Doeu, mas não dói mais! Foi difícil, mas vencemos. Viramos páginas, ressignificamos a história.  Sacudimos a poeira e demos a volta por cima!

Ter cicatriz é ter a marca carimbada da luta travada com a própria existência!

 Não viemos aqui para passarmos os dias, meses e anos assistindo sentados,  de camarote, o circo pegar fogo.

Somos protagonistas das cenas de nossas vidas. Portanto, contracenamos com diversos  coadjuvantes dos nossos destinos! 

Somos artistas sim,  daqueles que enfrentam os inimigos, aqueles tantos,   chamados de  desafios, de  provas, das convivências, das doenças, dos traumas, dos medos, com coragem, fé, perseverança  e esperança.

 Quando o filme da vida termina, ainda que não sejamos mais  lembrados ou aplaudidos de pé, uma insígnia ficará na alma!

A cicatriz é a marca do guerreiro!


A DÁDIVA DAS MÃOS

Por Valéria Gurgel  (Nova Lima, MG)


Todo  trabalhador honra o seu labor através de suas mãos! 

As mãos carregam a dádiva do amor servido.

Aram a terra, plantam, regam e colhem...

A mão que faz o pão, que alimenta a fome de seu  irmão, vivifica. Ela não foi feita para matar, para ferir nem para fazer a guerra.

Mãos que  lavam, limpam, operam, benzem, oram, curam as dores do mundo.

Mãos ensinam, educam, corrigem, escrevem, pintam, bordam, desenham, tecem, costuram, tocam. constroem, encantam, embelezam e dão  razão à vida ...

Mãos abençoadas podem acariciar, acolher, proteger os seres vivos e fazer do trabalho a maior missão  na construção do bem maior que é o servir!

Feliz dia do trabalhador a todos os que usam as suas mãos como dádiva para trabalhar o amor!

SILÊNCIO É A HORA DA DESPEDIDA!

Por Tomé Nasapulo (Angola)


Silêncio é a hora da despedida!

 

Despedidas: Em cânticos polidos

Em choros revoltos

Em gritos bramidos

Em elogios nostálgicos.

 

Silêncio é a hora da despedida!

 

Sem abraços

Sem palavras

Sem desejos de renúncia a estadia.

 

Silêncio é a hora da despedida!

 

A hora da reivindicação

Das promessas perdidas

Das vontades ruídas

Da solidariedade comprometida

Da reciprocidade falida.

 

Silêncio é a hora da despedida!

 

A hora das emoções explodidas

Da ternura ferida

Das dores colhidas

Da tranquilidade merecida.

 

Silêncio é a hora da despedida!


(Publicado originalmente na página www.arvoredasletras.com.br)

ATÉ QUANDO?

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG) e Antônio Alexandre (Angola)

 

Vejo sonhos no ar, vejo a professora ao fazer da pedra um assento de esperança, e não é a esperança que existe entre o querer e a imaginação, mas entre o acreditar mesmo no impossível.

Vejo sonhos no ar, e as crianças a esconderem sorrisos com um olhar, o mesmo que se desnuda de uma infância prometida.

Vejo sonhos no ar, mas também roubados de crianças inocentes. Vejo crianças na escuridão, vejo o futuro do futuro do amanhã ameaçado.

Mas na inocência, vejo rostos e um sorrir de crianças alegres.

Vejo sonhos no ar, vejo árvores protetoras – ao menos elas – a doarem mais do que um amparo, mas a suas raízes a fortalecerem o desejo de ensinar.

Vejo sonhos no ar, vejo o branco alvo das roupas das crianças ao contrastar ao chão de poeira amarelecida, mas soberano ao ganhar a companhia do verde dos quadros inapropriados à trabalhar.

Vejo sonhos, muitos sonhos no ar. Vejo flores, mesmo que desenhadas, a embelezarem o conhecimento em meio a um aceno franco de um menino. O que estaria a pensar?

Essas são as nossas evidências de gente pelos cantos, aglomeradas, em desalentos como o professor sem condições, o caderno sem mesa, o estudo sem teto, as folhas refletidas no chão.

Mas, mesmo assim, vejo sonhos no ar: da menina que quer ser bailarina – por que não? -, do miúdo que deseja ser astronauta e brilhar com as estrelas e de tantos outros a emanarem sombras, mas não é a sombra que você imagina, entre a tristeza e a solidão, mas aquela que do descaso se torna a vontade de um arrebol.

 

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Esse texto é um dueto além-mar entre Brasil e Angola, que desnuda um retrato literário de um descaso ocorrido em uma escola de Lubango. Muitas realidades parecidas presenciamos por aqui também, e cabe à arte o seu papel de fala e escuta. Literatura é a arte da palavra e, como tal, é também um meio de denúncia, mas com arte-delicadeza e arte-leveza. A comunicação não violenta se faz urgente em todos os países do mundo.


A CELESTIAL MADONNA DE ÉBANO

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Para a negra Valquíria

Durma tranquila e serena.

Etérea consorte minha...

Abrigada nos titânicos

 Braços de Morfeu!

Sonhe tranquila

Minha Madonna de Ébano!

Pois Hipnos não demora.

Ele já vem...

***

É o teu divino bardo decadentista!

A sonhar contigo.

Um sonho eufônico e nevoento…

Um astral sonho bom...

 Um sonhar que não é dele!

É somente meu!!!

***

Dorme serena e cândida.

Negra ninfa dos celestiais bosques!

Embalada no surreal cântico meu,

Enquanto eu devaneio contigo,

Um sonho que não é de mais ninguém

 Que é somente meu.

***

No embala no sacrossanto

 Eufono cântico 

Do aedo impressionista...

Uma amena e maviosa écloga pastoril,

Faz do meu céu...

Um quimérico paraíso teu!

***

Uma idílica quimera apenas.

E nada mais

Que não é de mais ninguém

Nem teu!

Que é somente meu.

EVAPORAR-SE (NA SUPREMA FANTASIA)

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

O que será de mim?

Quando a hirta realidade...

Por fim chegar...

E não sobrar mais nada!

Para nós dois!

***

O que será de mim?

Quando o nevoento vergel.

Dissipar-se ao longe! No rubro arrebol…

Em meio à bruma encantada,

Bem diante dos meus lânguidos...

 Olhos em chamas!

E o ignoto eflúvio da Halfeti...

Deixar-me entorpecido...

Por completo!

***

O que sobrará de mim?

Quando a magnificente

Negra Valquíria... Esvaecer em definitivo...

E partir para todo o sempre!

Dos meus eufônicos livres versos

Dos meus quiméricos sonhos...

Mais que sagrados.

E me sobrar somente o deserto do real!

A realidade liquefeita!

O que será de mim?

Quando tudo acabar!

MADRUGADA AFORA...

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Dê-me tua mão, sem medo, e sem destino

Como loucos amantes, cheio de paixão!

Madrugada afora, gelada, embriagados

Provar o gosto dos teus beijos, molhados...

***

Dê-me a tua mão,

E me diz que tem saudades de mim…

Esqueça nosso árduo passado, vaidade

Meu corpo febril, aqueça, junto ao teu

Sem receios, diz que me deseja, sempre.

***

Agora, se aconchegue em meus braços!

Com ousadia, olhe bem fundo em meus olhos

Desvenda toda minha alma, com calma.

Dê-me tua mão, pois o meu coração bate acelerado

Lágrimas de amor escorrem em meu rosto,

Desvairadamente grito, teu nome, amor.....!



QUERIDA ALESSANDRA...

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


O ano termina e novos caminhos surgem. As janelas se abrem e o brilho da lua nos dá a certeza de um novo ano, com perspectivas boas.

Neste ano que deixou muitas coisas no ar eu pude ver muitos corações em desalinho. É como se arrumar a bagunça da casa não mais importasse. O peso da palavra deixou de ser saudade, deixou de ser amor, passou a ser política. Eu só espero para o ano novo novas melodias e canções, novas histórias e recomeços.

A ausência do abraço deixou bem claro o quão superficial o ser humano pode ser. O irônico é que no Natal temos os abraços assim como no dia 31 de dezembro. Então vivenciamos o clássico clichê do "feliz ano novo''. Singular mesmo, são alguns momentos que vivemos.

Você sabe, nunca temos a certeza de nada. Vivemos numa balança. A única certeza é que amanhã, faça chuva ou faça sol, estaremos aqui começando mais um novo ano, em janeiro damos o ponto de partida. Eu te pergunto, para onde você? Porque eu já tenho a certeza do lugar para onde eu quero ir. Pretendo ir além do que eu já fui em 2022.

UM ESTRANHO CASO!

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Ao anoitecer um silêncio pairava no ar no velho casarão, uma inquietação me fez despertar, era tarde da noite. Acordada sai da cama, então sonolenta desci as escadas, liguei o alerta total conforme ganhava o primeiro andar, fui beber um copo de água. Na cozinha, eu não abri a geladeira e decidi ir direto para pia, o barulho da torneira ainda enchia os meus ouvidos e a água quase trasbordava no copo, quando uma voz glacial inundou o ambiente. Olhei para trás era um homem mal vestido.

— Pode me arrumar um copo de água por favor! — Falou enfático o estranho.

— O que? — Respondi, em meio aos turbilhões de sentimentos e pensamentos confusos, só uma pergunta ficou martelando na minha cabeça: — Como um completo estranho entrou na minha casa!

 Como se asas brotassem nos meus pés, eu voei pelas escadas e voltei para o meu quarto. No meu quarto repassei a cena, tinha um completo estranho na minha cozinha, tinha os fortes olores de jasmim misturado com o odor putrefato de alguém que vive nas ruas. Tinhas os olhos azuis ejetados e um sorriso brando, com dentes perfeitos. Tinha o som do fino copo de cristal cheio de água gelada que deixei cair no chão. Tinha a minha necessidade de deitar na minha cama e dormir e acordar em um mundo que fazia sentido para mim.   

Ao acordar no meu quarto e na minha cama, me levantei olhei no espelho eu lentamente desci caminhar até as escadas. Chegando na cozinha notei que os fortes odores, tinham desaparecido por completo e lá estava ele, o homem misterioso, sentado na mesa da cozinha. Olhei o relógio postado na parede e era madrugada ainda e nada dele fazer menção de partir. Naquela hora tive um pensamento estranho, que talvez ele estivesse morto. Mas, a respiração dele ficou cada vez mais ofegando, parecia irado, eu fingi não estar preocupada, mas o meu corpo estava tremendo. Perguntei para o estranho quando iria embora, e ele em um rompante, ele se levantou e me pegou pelo braço, jogou-me na parede, me beijou. O forte odor invadiu os meus sentidos de novo, e como adivinhando o que eu sentia, o estranho me largou e me disse que precisava tomar um banho. Pegou na minha mão e me conduziu para fora da cozinha rumo ao desconhecido. 

O estranho agia como se fosse o dono da casa, como se conhecesse a casa pois subiu as escadas, invadiu o meu quarto, acendeu a luz, foi até o guarda-roupas, pegou uma toalha e partiu rumo ao meu banheiro. Mandou-me ficar bem quieta. Tirou as roupas encardidas, notei o corpo atlético do estranho, ele entrou no box de acrílico e fechou, abriu o chuveiro, 

Profanação! Estou desejando um homem estranho, uma pessoa que não conheço, que nunca vi na vida. Não resisti, entrei no box e subitamente me entreguei aquele homem estranho! Sedento, parecia devorar cada parte do meu corpo, com força colocou a mão na minha boca e mandou eu ficar quieta! Mandou-me não gritar e somente sentir.

Lá fora a vida ocorria naturalmente e começou a chover forte, e na minha realidade a madrugada parecia assustadora e nada do estranho ir embota. Depois do banho ele me amarrou na cama, desceu as escadas, escutei o barulho, abriu a torneira. Voltou com um copo de água nas mãos, ele segurava o copo com as duas mãos firmes. De voltou das amarras, pediu gentilmente para eu me levantar, eu obedeci, eu de pé ao lado da cama, ele molhou meu corpo nu e delicadamente secou com sua boca, me fez sentir os prazeres requintados, ele era um cavaleiro devasso!

Deliciou-me de profundos prazeres libidinosos, entre muitos beijos ardentes e orgasmos, nossos corpos se encaixaram no pecado!

Profanação!? Não sei? Me sentia completa, e ali, nosso estranho amor foi consumado, selado. Calou-me apenas com um beijo e simplesmente partindo sem nada dizer! Voltei para a cama e dormir serena para acordar no dia seguinte como quem acorda de um sonho.


A BELA NEGRA HIGH-TECH

Por Samuel da costa (Itajaí, SC)

Para Luana Santos de Oliveira

A bela negra!

De turbante multi-cores falou:

És negro sim... És negra sim...

***

Então vem...

Vem ver o meu Abadá!

Ganhar as ruas...

Então vem ver o meu Afoxé

Ganhar as ruas!

***

Então vem sem medo...

Guria!

Vem guri!

Provar o Aluá...

Ver o meu Banzé,

Provar o meu Quindim;

Vem ouvir o meu Afoxé...

O Agogô e o Caxixi!

***

A deidade do turbante multicor.

Na cabeça falou...

Chama o Griot!

Conta-me uma história...

Do nosso povo preto

Da nossa negra gente

***

A diva dama do turbante multicor!

Na cabeça falou...

Chama a Quianda...

Ei deusa das águas,

Canta e encanta,

Quebra o silêncio secular!

***

A nobre senhora turbante multicor.

Na cabeça falou:

– Ouça o caxambu!

Prova o meu quitute...

***

A afrodama do turbante multicor

Bradou assim

És negro sim...

És negra sim...


 


MANIFESTANTES OU BADERNEIROS?

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Essas manifestações que estão acontecendo no Brasil tem nos revelado a que ponto o ser humano pode chegar em seus atos. Vemos o crescimento das notícias falsas, as brigas políticas entre familiares, depredações em órgãos públicos e estabelecimentos, rodovias trancadas. E a questão que fica é a seguinte: Quem ganha com tudo isso?

Os manifestantes estão indo contra a Constituição do Brasil trazendo o caos ao nosso país. Como podemos ver, em muitos de seus atos o cenário que encontramos são pessoas de condições de vida razoáveis.

Pessoas humildes, que mal têm o que comer e que com muito custo pagam suas contas, estão todos os dias trabalhando. O contraste social mostra o quanto vivemos num país da desigualdade. A desordem que esses manifestantes têm deixado nos faz questionar se de fato eles são manifestantes ou baderneiros.


 

JUSTIÇA BRASILEIRA CEGA

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Enquanto a justiça brasileira fecha os olhos para tudo que acontece com nós mulheres, o homem se sente proprietário da mulher. Diariamente os noticiários anunciam mulheres vítimas de agressões verbais e físicas, estupros, tentativas de homicídio e mortes.

Com tudo isso que acontece a mulher deixa de ser a vítima para ser a culpada. Para uns a mulher deve obediência ao homem, para outros a vestimenta que ela usa é convite ao sexo.

Nessa contextualização homem e mulher ainda pode-se ver uma desigualdade social gritante. O salário da mulher é sempre abaixo do homem. Os direitos que os homens obtêm não são os mesmos que as mulheres têm.

E voltando nesse contexto de obediência, muitos usam trechos da bíblia para justificar seus atos e essa ideia machista. Será que a justiça brasileira também vai por este caminho? Até quando o Brasil vai fechar os olhos para nós mulheres?


 


PARA O AMOR NÃO TEM IDADE, BASTA AMAR

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Lembro-me de Lia como se fosse hoje, aliás como poderia me esquecer dela. Garota audaciosa, extrovertida sempre em festas. Como se não bastasse namoradeira, e eu sempre junto, acompanhando-a. Bom, apesar de namoradeira, ela nunca foi de beber em excesso, pois sabia que assim que amanhecesse teria que trabalhar, responsável, nunca faltou ao trabalho. Lia trabalhava num escritório de contabilidade, onde era muito querida pelos colegas de trabalho.

De repente, o telefone tocou, era Lia, ela me convidando para mais uma balada, cansei em falar sim. Eu disse não, que não iria, para a minha boa amiga, afinal éramos amigas há anos e para bons amigos temos que dizer não às vezes. Disse ela ao telefone, que me apanharia na frente da minha casa.

E meia hora depois lá estava ela, deslumbrante no seu carro conversível, buzinando na frente da minha casa. Fui atende-la, e logo estranhei, ela estava acompanhada, era um senhor vestido elegantemente. Logo de cara percebi que estava namorado, pois eles estavam se beijando apaixonados como se fossem dois adolescentes. Fui até ver mais de perto o que ocorria.

— Lia quem é esse senhor!? — Perguntei sem rodeios!

— Meu novo namorado! — Respondeu Lia — Ainda não estás pronta? Sua tratante!

— Fica para a próxima amiga! — Olhei bem para ele, deveria ter uns trinta anos a mais que Lia, sei que não seria fácil, pois haveria muito preconceito. Nos despedimos, e vi a minha amiga descer a rua em alta velocidade, rasgado o asfalto.

Fiquei feliz por Lia, afinal, no amor não existe idade, raça, cor e nem religião o amor é simplesmente amor. Não foi à toa que Adélia Prado disse que: "erótica é a alma".

Enganam-se aqueles que pensam que erótico é o corpo. Cuide do seu interior, livre-se de falácias e preconceitos. Para o amor não tem idade. Para o amor, basta amar...!