Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
domingo, 1 de outubro de 2023
COMO SE É AVALIADO
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Moura e Sá, disse na curiosa obra: " Vida Literatura" (vol.
Póstumo,) uma grande verdade, que poucos se aventuram a escrever em letra de
forma:
"Quando dizemos: João é bom, queremos dizer que antes ele nos afirmou
a sua admiração pelas nossas qualidades; quando dizemos: João é estúpido
queremos realmente significar que ele antes não nos tirou o chapéu com
amabilidade suficiente. Exatamente da mesma maneira que, quando dizemos: este
poema é mau, queremos muitas vezes afirmar que o autor pensa em matéria
política de forma diferente da nossa."
Mutatis mutandis: quando dizemos: este escritor é mau, é porque não tem
afinidade religiosa ou política connosco.
São poucos os que analisam uma obra em total imparcialidade.
Em regra, a fama está quase sempre dependente do: talento, da capelinha
política, da máquina comercial e da época em que se vive (o gosto varia
consoante as décadas.)
O vulgo, que não sabe avaliar nem pensar, é sempre levado, como águas dum
rio, pela mass-media; bate palmas e aplaude o que não entende, mas dizem-lhe
ser bom.
Basta que em unicíssimo lhe digam: é excelente, para que as vendas subam
astronomicamente.
Todos sabemos que os candidatos ao Nobel, são propostos pelos governos, que
arrendam páginas na imprensa internacional e tempo de antena na Rádio e Tv.
Há firmas especializadas nesse serviço, em Estocolmo (Jerry Bergstroem AS,
é uma delas) - veja-se: " O Comércio do Porto", de 6/09/99.
Suspeitava Agustina Bessa- Luís, quando participou - membro do júri -no
Prémio Internacional de Literatura da União Latina, que alguns membros do júri,
mal conheciam obras de alguns candidatos. (C.P.- 23/11/95)
Pelo que se disse, pode-se afirmar que o escritor, é bom ou mau, conforme a
crítica vem da direita ou da esquerda.
Sem mérito, ninguém alcança o estrelato, mas desenganem-se os ingênuos, que
se pode singrar sem o "jeitinho"
É costume dizer-se: "Há sempre uma grande Mulher por trás de um
grande Homem", e é verdade; mas sem máquina comercial ou política,
bem montada, dificilmente nasce um grande Homem.
ONDE SE FALA DE PASTELEIROS EM APUROS E DANÇA DAS PLACAS
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Machado de Assis, num dos seus
encantadores romances, narra a curiosa história do Sr. Custódio, deveras
preocupado com a mudança do regime, no Brasil – Monarquia para República
O Sr. Custódio mandou pintar no
estabelecimento o nome da pastelaria:
CONFEITARIA IMPÉRIO
Com a mudança do regime
político, em 1889, ficou preocupadíssimo. Seria afronta à República?!
Para solucionar o intricado
problema, pediu parecer a amigo, que lhe sugeriu:
CONFEITARIA DA REPÚBLICA
Mas, o Sr.
Custódio não ficou sossegado. Se a monarquia voltasse?
O Imperador era figura grata do
povo; Deodato, respeitava Dom Pedro II; o General Hermes da Fonseca, irmão de
Deodato, era leal ao Imperador; melhor era repintar o letreiro assim:
CONFEITARIA DO CUSTÓDIO
Nessa época começou no Brasil o
"baile das casacas": escritores, militares, jornalistas e
artistas, não perderam tempo: louvando "convictos", a
República, na ânsia de benesses.
As placas das ruas andaram em
roda-viva: a Praça Dom Pedro II, passou a Marechal Deodato; o Largo da
Imperatriz, a Quintino Bocaiúva; a Rua da Princesa, Rui Barbosa.
O que aconteceu no Brasil,
acontece em quase todo o mundo, em nome da liberdade e da democracia...
Também em Portugal houve caso
semelhante ao do Sr. Custódio, só que foi verídico, e não fictício, como o de
Machado de Assis.
O proprietário da Confeitaria
Nacional, no final do século XIX, foi a França e conheceu o bolo confecionado
na "Festa dos Reis"
Trouxe-o para o seu País e
deu-lhe o nome de:" Bolo-Rei". Logo os lisboetas o adotaram
nas festas natalícias.
Entretanto mudou o regime e os
republicanos não gostaram do nome: “Rei".
Mudou-se para: " Bolo de
Natal" ou " Bolo de Ano Novo".
No correr do tempo, acalmados
os ânimos, voltou a ser: "Bolo-Rei".
Como no Brasil, igualmente, as
placas das praças e ruas foram substituídas, na 1ª,2ª e 3ª República.
A Ponte Salazar passou a
ser: " 25 de Abril". Hoje, o povo, batizou-a: " Ponte Sobre o
Tejo".
O estadista já o previa, quando
disse que o nome devia ser aparafusado para não terem trabalho de o arrancarem
(Pedro Mexia- Revista Expresso, 10/09/2016.
No Porto, a Rua 31 de Janeiro
(coitadinha!) desde que me conheço, uma vez é de Santo António, outra vez de
31, consoante o regime que se instala em Lisboa.
Tudo se fez e se faz em nome da
liberdade...e da democracia.
DEIXEM EÇA EM PAZ
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Parece ser afronta aos
descendentes do escritor. - As autoridades, com apoio da Fundação Eça de
Queiroz, querem transladar os ossos do autor dos: " Maias", para o
Panteão, alegando ser figura nacional.
Todavia a família não concorda,
declarando – que o antepassado deve permanecer onde se encontra desde 1989 –
após três transladações, – no cemitério de Santa Cruz – Baião, em jazigo de
família, ao lado da querida filha Maria e do neto Manuel, estando dispostos a
recorrerem à Justiça, caso seja necessário.
Para já enviaram ao Presidente
da Assembleia da República, carta assinada pelos bisnetos, invocando que era
vontade do bisavô ficar em Baião. Argumentando, ainda, que os restos mortais
pertencem, legalmente, á família e não ao Estado.
Entretanto as autoridades
parecem querer trasladá-lo, a 27 de setembro, para Lisboa.
Que Eça é merecedor de
permanecer no Panteão, onde repousam ilustres escritores e figuras notáveis da
nação, ninguém dúvida, mas parece-me que a homenagem póstuma deve ter o acordo
da família.
Desconheço porque, mesmo contra
a vontade dos descendentes, querem prestarem-lhe essa honra, e deixando, há
décadas, esquecido, quase abandonado, o maior prosador da língua portuguesa,
Camilo Castelo Branco, de quem Castilho escreveu: " Sim senhor! é
mestre e cem vezes mestre, e de todos os nossos clássicos nenhum há que eu leia
com tanto gosto e aproveite." - in: " Carta a Camilo, Lisboa,
02/01/1866.
E o grande Unamuno,
referindo-se ao:” Amor de Perdição", afirma: " Es uno de los
libros fundamentales da literatura ibérica." - " Por Terras
de Portugal Y Espana".
Não entendo certas atitudes, a
não ser que haja razões que desconheço.
O PREÇO DA MENTIRA
Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)
A mentira destrói laços.
Acaba com a confiança.
Mentir para quê?
Trair por quê?
Perco família,
amizades e namoros.
Por ser um(a) mentiroso(a).
O que eu ganho com isso?
Minto para quem eu amo.
Traio minha alma gêmea.
Perco a confiança de todos.
Afasto os meus amigos.
Que preço paga um mentiroso?
O que ganho com as mentiras?
Apenas perco com as mentiras.
O preço da mentira é alto e caro.
CALMA, SEUS SONHOS VÃO SE REALIZAR!
Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)
Calma, calma, meu bem!
Não fique ansiosa(o).
Tudo tem seu tempo.
Você tem sonhos?
Seus sonhos vão se realizar.
Tenha calma.
Calma, seus sonhos pedem calma.
Seus sonhos vão se realizar.
Calma, acalma seus sonhos!
VOCÊ DAQUI A DEZ ANOS
Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)
Você daqui a dez anos.
Estará estabilizada.
Em um serviço bacana.
Cheia de grana.
Famosa e rica.
Não desista não.
Só se vence o amanhã,
se não desistir do hoje.
Não é fácil não.
Mas tenha calma.
As coisas que fizeram,
você chorar hoje.
Amanhã farão você sorrir.
Você é forte e
capaz.
Menina inteligente é você.
Daqui a dez anos você,
estará com o amor da sua vida.
Viajando a Paris.
Agradecendo em frente ao mar.
Não desista, vale a pena perseverar.
VOCÊ PODE TUDO
Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)
Você pode ser médica.
Pode ser engenheira.
Ou até uma atriz.
Com diversas doideiras.
Você é poderosa.
Você é única.
Exclusiva e charmosa.
Oh, mulher poderosa!
Vai com tudo.
Entrega tudo.
Se jogo ao mundo.
Vai, vai com tudo.
Você pode tudo.
Oh, poderosa!
Vai com tudo.
Você pode tudo.
"DEUS TE LIVRE, LEITOR, DE UMA IDEIA FIXA" - ASSIM DISSE BRÁS CUBAS
Machado de Assis foi, se não o
primeiro, sem dúvidas o principal responsável por fazer explodir em mim a
vontade de escrever. Mas volto a Machado por duas razões: primeiro para dizer
algo curioso para alguém que, como eu, o tenho como um dos meus pais
literários.
O meu primeiro contato com o
bruxo foi igual ao de muitas e muitas pessoas, ou seja, traumático. Não tinha como
ser diferente. Um pré-adolescente mal saído das fraldas do ensino fundamental,
não tem a mínima condição de ler e muito menos de compreender seja lá o que for
de literatura clássica, ainda mais em se tratando de Memórias Póstumas de Brás
Cubas. Pois foi justamente esse o primeiro livro de Machado de Assis caído em
minhas mãos. Quanta loucura de uma professora ou professor, já não me lembro,
mas recordo das noites mal dormidas por achar a literatura um monstro
horripilante a puxar-me os pés por debaixo da cama.
Antes de continuar, permita-me
um desabafo não muito carinhoso, mas necessário. A literatura é uma escada
muito alta e para se chegar até o topo é preciso subir degraus. Não se lança
uma criança do primeiro ao último degrau de uma só vez ao exigir a leitura de
obras clássicas no início do ensino fundamental. Isso só serve para
desconstruir leitores e fazer do aluno e aluna pessoas a odiarem os livros.
Deixem, portanto, de arbitrariedade, professores e professoras. Machado de
Assis, José de Alencar, Lima Barreto, assim como Drummond, Clarice e tantos
nomes maravilhosos das nossas letras, são degraus a serem subidos com calma e
inteligência. Seus alunos chegarão lá naturalmente. Caso consigam terão feito o
trabalho ao qual foram chamados a fazer. Fim do desabafo.
No entanto, seja pelos deuses
ou deusas da literatura ou uma professora mais sensível, preparada e
inteligente, fui uma das crianças resgatadas do fundo do abismo. E imagine!
Logo o autor que eu tinha tanto para odiar é hoje o meu escritor de referência.
E sabe qual o meu livro de cabeceira, aquele revisitado tantas e tantas vezes e
assim ainda será outras tantas? Justamente! Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Como não ficar fascinado, não
com um autor defunto, “mas com um defunto autor para quem a campa foi outro
berço”? Imaginar um personagem voltar do além para contar as suas histórias
enquanto aqui vivia, além de inspirar-me outros causos e memórias, fez tudo
passar a ter sentido, inclusive os capítulos outrora indecifráveis. Não, não
foi de uma hora para outra, foi necessário ser conduzido, e bem conduzido, como
eu disse há pouco, por uma mestra. E quando eu consegui vislumbrar tal obra de
arte, eis que acontece comigo o mesmo ocorrido a Brás Cubas: uma ideia fixa!
Valha-me Deus! “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa”, assim disse Brás
Cubas ao cabo do capítulo IV de suas memórias. Para saber qual é, vá, pois, ao
capítulo e ao romance. Aqui expressarei a minha ideia fixa, tão fixa que
convivi com ela durante anos. Tempo suficiente para sentir-me preparado, embora
saiba do longo caminho a percorrer de agora em diante.
O que estou a dizer?
Aqui vai a segunda razão!
Algum tempo hesitei se deveria ou não reescrever Memórias Póstumas de Brás
Cubas em haicais! Aí está, sem mais nem menos. Minto, vou um pouco além para
que perceba a loucura em que me meto.
Haicai é um micro poema de
apenas 3 versos, ao perfazer um total de 17 sílabas gramaticais ou poéticas,
sendo o primeiro verso de 5 sílabas, o segundo de 7 e o terceiro novamente de
5, salvo algumas regras permitidas pela nossa Língua Portuguesa. Ora,
reescrever todo o romance em poesias minúsculas, com início, meio e fim, parece
pouco se não fossem 160 capítulos, curtos na verdade, uma das características
do Realismo, mas lá se vão algo em torno de 200 páginas…
Não sei quanto tempo levarei
nessa empreitada, mas sei como é prazeroso um desafio literário. O melhor disso
é conviver de perto com este ícone das nossas letras, lê-lo, relê-lo, ler
novamente e sorver de sua pena a arte mais pura e genuína, transformando-a em
algo a poder conduzir naquela escada cheia de degraus alguém a ser salvo ou
salva do fundo do abismo…
Minha escrita terá outros
suportes antes do livro. Aqui deixo, em vídeo, o primeiro capítulo, onde se
trata do óbito do autor.
EMOÇÃO COLORIDA
Por Valéria Cristina Gurgel (Nova Lima, MG)
(homenagem à Primavera)
A vida tem tons
Que a própria emoção carece
Amarele sua tristeza
Avermelhe a paixão
Enverdeja sua esperança
Tinja de azul o céu de suas retinas
E veja o mundo colorido
No arco-íris de sua paz
Transcenda seu sonho lilás
É no contraste do branco e do preto
Que a luz do amor se faz!
Site Literário:
www.valleriagurgel.com
Instagram: @valeriacristinagurgel
O PREÇO DO TEMPO
Por João Bosco da Silva (Feira de Santana, BA)
O que fizeram com o tempo
teimoso?
Só de pensar, meu triste relógio
está parado.
O tempo é um vendaval de
acontecimentos,
que nos empurra na estrada
para todo lado,
quando magoado de muitos
ressentimentos.
Precisamos sair de vez do
passado tinhoso,
para ver tudo que eu passei de
costas,
assustado com pessoas que faziam
perguntas,
e com medo de quem sabia todas
as respostas,
pois quase ninguém conhecia as
duas juntas.
Não existe verdade absoluta,
mundo teimoso.
As agruras do presente são
como um protesto,
por falta do que não me basta,
sobrando...
Vou deixar somente a metade do
meu resto,
Pois tudo o mais é o que ainda
está faltando.
Quanto mais a vida nos faz
carinhoso,
pode transformar toda a vida
mais rude,
mas dá a oportunidade de um
recomeço,
conhecendo como é a verdade da
virtude,
e os que têm valor real, pois
não têm preço.
Quando o trem da vida pode
passar vagaroso,
não leva os passageiros para
fora dos trilhos,
A estrada é longa e tem até
seus requintes,
mas carrega no fundo do
coração pais e filhos,
durante as novas idades
maduras seguintes.
Por mais que o tempo seja
assim tão caridoso,
às vezes pode nos dar
sentimento de vingança.
Mas é no espaço contido entre
o amor e a paixão,
que devemos ter cuidado para
cultivar a esperança,
buscando reviver um pouco mais
a gratidão.
Acordemos enquanto o sol
desponta fabuloso,
mostrando que há vida na
construção da saudade.
Matemos um leão a cada dia num
jogo bruto,
mas reguemos as pessoas com
feliz dignidade,
para que essa boa semente gere
sempre bom fruto.
Sobre o autor: João
Bosco da Silva é Mestre em Educação Superior e em Formação de professores,
escritor, professor universitário, Especialista em Estudos Literários,
compositor e músico. É Vice-Presidente da Academia Brasileira de Artes
Integradas – ABAI.
Tem trabalhos publicados em
setenta e oito livros, entre solos e antologias pelas editoras Literarte,
Mágico de Oz, Funtitec, Comunicação, AFBNB, Helvétia, Recanto das Letras,
Futurama, Becalete, Sucesso, EHS, Versejar, Pensador e Dialética.
Participa de 12 (doze)
Academias de Letras e Artes do Brasil e 6 (seis) representações no exterior.
CRÔNICA DO DIA: DEUS EX-MACHINA BY BUS
Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
Somos paradoxos,
Mas como é curioso...
Quando nós aceitamos! Mudamos!!
Se pararmos para pensar,
A nossa cura, nem sempre é prática,
Ou filosófica
Fabiane Braga Lima
Entre idas e vindas, de uma vivência reclusa, na segurança mais que segura de uma rotina rígida, com horas marcadas para se fazer sempre as mesmas coisas. Era assim a minha vida, pelo menos de segunda-feira à sexta-feira, com pequenas aventuras domésticas aos finais de semana, aventuras que se resumiam a aventuras gastronômicas e idas ligeiras nas casas de amigos dos meus pais. Ou pequenas recepções formais e informais aqui em casa.
Falo na minha primeira infância, é claro, pois na adolescência, como na maioria dos casos, criamos asas e damos os primeiros voos rebeldes. E comigo não seria diferente e muito particular mesmo, pois viver em uma cidade sazonal, uma cidade balneária. Um agito só no verão, onde uma inundação de turistas invade a cidade e no resto do ano quase nada acontece. Sem falar nos efêmeros feriados prolongados.
Foi quando descobri uma empresa de transporte coletivo intermunicipal, consegui um bloco de passagens escolares de ônibus, como consegui? No mercado negro é claro, com aqueles velhinhos aposentados que vivem parados nos pontos de ônibus reforçando o minguado salário de aposentado, vendo passes de ônibus. Então eu ia e vinha no entre cidades, cinco a bem da verdade, eu fazia isso completamente sozinha e na baixa temporada. Ali tive contato com pessoas de verdade, não atores e atrizes de baixo orçamento dos quais era obrigado a viver e conviver.
Vi novas paisagens, lugares diferentes e comi em lugares de baixo orçamento, presenciei situações inusitadas e novas personagens interessantes. Um deles foi um condutor, o Sebastião, ou Tião para os íntimos, nome fictício é claro, os iguais se reconhecem e de cara nós nos entendemos bem. Tião um motorista multiversado em várias categorias de CNH, carteira nacional de habilitação de motorista e também versado em espanhol e arranhava no inglês. O danado conhecia bem boa parte do país e muito bem a região em que vivíamos.
Ressalto aqui uma situação que o boa praça enfrentou, divertido e trágico ao mesmo tempo. Em um dia de semana de muito calor e sol a pino, eis que adentra no ônibus intermunicipal um típico turista acidental. Com cara de surfista australiano, perdido nos trópicos, loiro, olhos verdes, corpo atlético e bronzeado, com direito a camisa florida, short barato, óculos escuros comprados em lojas baratas, as tais armadilhas de turistas, chinelos baratos nos pés. Na minha análise fria parte errada e parte certa.
O cidadão do mundo, pois o jovem adulto falou com um bom português com um leve sotaque de quem passou um bom tempo no estrangeiro. E como eu estava na traseira do ônibus o dito cujo disse, com muita empáfia que tinha dinheiro na carteira e não iria pagar a passagem. Um adendo aqui, o cobrador não ficava sentado, complacentemente em uma cadeira tendo à frente uma catraca. O sujeito, circulava pelo ônibus, coletando dinheiro e passagens previamente pagas, anotava em um bloco e dava um canhoto que o dávamos para o motorista ao descer do ônibus.
Voltando ao relato, o pobre proletário olhou bem para o enorme homem da frente dele, o pobre trabalhador sem saber o que fazer olhou perdidamente para o sujeito. Até ele decidir ir até o Tião, o chefe imediato dele, para fazer o que todo o bem funcionário passivo faz, repassa o pepino para o chefe. E lá vem o Tião, com um sorriso de vendedor de uma loja de varejo popular, a poucos metros do sujeito Tião de uma parada, com cara de eu conheço este sujeito. E depois da pequena parada, Tião voltou a andar com uma feição séria, de subgerente de uma loja de varejo popular. Depois do que está havendo meu amigo, o falso surfista australiano repetiu o que tinha dito para o cobrador e disse um texto em anexo: ‘’ ̶ Eu sou o filho do dono! ’’! ̶ Tião devolveu com um: ̶ Olha amigo, eu filho do dono do mundo, mas não tenho nada na vida! Caso o senhor não tenha dinheiro para pagar eu te levo ao teu destino e ficamos por isto mesmo! E o sujeito bateu o pé e repetiu o texto, com mais força! Eu sou o filho do dono da empresa! Gritava o sujeito, claro que a essa altura os curiosos, eu inclusive, estávamos esperando o desfecho da opereta bufa. E não estávamos ligando para o fato do ônibus lotado, e como a maioria era de proletários deu um tom a mais, eles tiveram por fim uma quebra na rotina estafante.
Tião sacou o celular do bolso e ligou para a polícia, e olha como a polícia é mesmo patrimonialista, funciona bem para defender o patrimônio de grandes empresas. Pois não demorou muito e lá estava uma Guarnição Especial de Polícia, o popular tático, que adentrou no ônibus. Então um sargento perguntou o que estava havendo, Tião desenrolou o papo tintim por tintim, o turista acidental repetiu a mesma ladainha, com tom de indignação, dizendo com ênfase que era filho do dono. Entre um cala boca vagabundo, um mata-leão, uma escolta para fora com ônibus e vivas pelos populares, eu inclusive. E vida que segue e o universo se recompôs em um instante e acrescido com uma boa história para narrar no intervalo do cafezinho.
E fiquei curiosa mesmo, para saber se ele, o infeliz, com cara de playboy criado por babas e pós-graduado em shopping-centers e pós-graduado na Disneylândia. E não esperei mesmo, fui ter com Tião um papo rápido e perguntei se ele era mesmo filho do patrão dele. O meu amigo me confidenciou que o guri não era a cara do Renatinho, era a cara do Renato pai, ou seja era a cara do pai do dono da viação. Ou seja, Renato pai, Renato júnior e o Renatinho, um oligarquia viária, emendei com um tu vai ter problemas meu amigo, Tião me olhou como que dizendo: ‘’̶ Vem comigo sua infeliz, que tu vai saber!’
E fui mesmo, passei por vários
pontos para além do meu, cheguei até a rodoviária, ao descer do ônibus Tião
disse para mim não ir longe que não iria demorar muito. E não demorou mesmo, o
chefe de Tião estava esperando e ele nem abriu a boca pois o tal Renatinho
estava atrás do chefe do meu amigo. Renatinho sem meias palavras, inquiriu Tião
que história era está de ele largar o Renato neto, no meio do caminho e
entregue à polícia. Tião em um papo reto fez um relato completo para o Renato
filho, chamado Renato neto, que não estava muito longe. O chefe de Tião, o fez
repetir toda a história, e confesso que presenciar a deus ex-machina não era o
que eu queria. Pois pela cara do Renato filho o nosso antagonista não iria
viajar para Disneylândia nas férias.
Fragmento do livro Do diário
de uma louca, de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e
bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.
DOS RIDÍCULOS DA VIDA: AS COISIFICAÇÕES NA SOCIEDADE ESTRATIFICADA E A MICROFÍSICA DO PODER
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Ouvi ao longo da minha vida adulta, que no país onde eu vivo, o ter é mais importante que o ser e que este é um país patrimonialista. E vou além, o ter é sim importante e sim este é país patrimonialista, mas o ser de uma determinada etnia, ser de uma determinada família e ser de uma determinada localidade, vai sim determinar a facilidades e as dificuldades ao longo da vida. Às vezes ter uma boa formação acadêmica ou ter um talento nato qualquer, nada quer dizer e olho que eu usei o ter e não ser. Pois ou se nasce com talento, herdado, ou busca/adquiri uma boa formação escolar e universitária. E o que se leva a outra questão grave, que é a consciência de classe, ter consciência das agruras que passamos e vamos passar pela vida, falo aqui de quem é do andar de baixo. Da base empobrecida da sociedade.
E como este espaço é curto e a ideia aqui não é fazer uma análise profunda da sociedade em que eu vivo, neste exato momento que componho este texto. E sim analisar um microscópico fragmento, que por si só não quer dizer nada. Pois a realidade é bem mais vasta e complexa que os instantes que passamos no período das nossas existências neste plano.
Indo direto aos assuntos, no início do segundo decênio do século XXI, eu o marxiano e agente efetivo do aparelho estatal de segurança pública, que experimentava um isolamento social muito particular. Estava fazendo a segurança de um aparato estatal, um órgão colegiado e de fiscalização. A sede da instituição ficava em um lugar ermo da cidade, próximo a uma importante rodovia federal. Uma zona industrial e comercial, o espaço pouco recomendado para frequentar, quando a noite cai e as luzes se apagam. Eu o homem negro, descendente de pessoas que foram escravizadas e de nativos sul americanos que foram massacrados, eu que estava devidamente uniformizado, em uma manhã ensolarada de uma quarta-feira.
Em mais um belo dia no paraíso, até eu sentir as chaves, todas agrupadas em molho e tilintando no ar, enfiadas a poucos centímetros da minha cara. Caída de lá, das densas alturas, do páramo tranquilo, uma querubina de ébano que desceu até o subsolo, o estacionamento da entidade. Ela não estava sozinha, ela desceu as escadarias do Tártaro, junto com uma turma da quinta série. Um pouco de contexto aqui, pois a referida semideusa, até então era o elemento de ligação do aparato estatal e a sociedade civil e militar, uma dita relações públicas.
Foi então que a querubina de ébano, apresentou os veículos motorizados, de tração quatro por quatro e os pequenos barcos, que a instituição mantinha. Contudo e entretanto, para a infelicidade deste escriba, lá estava eu fazendo a minha ronda na pequena garagem. E para os muitos ridículos da vida, deste e de outras possíveis vida, eu estava disposto nas margens dos veículos terrestres e aquáticos e na ordem e importância, depois que as peças foram apresentadas de forma solene pela imponente e orgulha querubina, para a jovem plateia a eu fui apresentado assim: ‘’̶ E este é nosso guarda patrimonial! ’’ Falou em tom grave e com cara de desprezo e se naquele momento o ser mitológico, esqueceu de mencionar o meu nome ou simplesmente se recusou a dizer eu não sei dizer.
Na minha primeira infância, o meu saudoso pai vivia me chamando de marcha lenta, falava assim por questão óbvia.
Para sorte minha, este apelido não pegou, mas que somente àquela hora, quando o meu prenome e sobrenome desapareceram, que eu percebi, o que ocorria diariamente. Cedo ao chegar no trabalho, a querubina ébano e relações públicas, animadamente entre sorrisos ebúrneos cumprimentava todos pelos nomes. E quando passava perto de mim, ela indo rumo ao páramo, somente parava por segundos e com ar grave acenava para mim com um leve subir e descer de cabeça sem nada dizer.
Uma linguagem não verbal e não
escrita, e a ferramenta mais antiga, a forma mais rudimentar de expressar
contentamentos e descontentamentos. E termino aqui este breve relato, dizendo
que entre sincrônicos e diacrônicos todos e todas terminaram muito bem, pelo
menos uns é umas terminaram melhores que os outros e outras.
Fragmento do livro Dos ridículos da vida, de Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
DURVAL E LANA (3ª PARTE)
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
Imediatamente, notei que Durval saiu bem cedo, ele estava realmente disposto a arrumar outro emprego. Não sei é efeito dos remédios, aliás foi diagnosticado com depressão. Aquietei-me e fiquei à espera de Durval.
Olhei para o relógio, era tarde da noite e nada de Durval chegar em casa. Preocupada, procurando-o desesperada, pelas ruas afora, e lá estava, sentado na rua com a cabeça baixa. Olhei em seu rosto, queimado do sol, enquanto lágrimas escorriam dos nossos rostos.
— O que aconteceu, querido? — Perguntei angustiada, pois eu estava muito preocupada.
— Preciso de um tempo, não estou bem meu amor! — Disse Durval olhando bem fundo em meus olhos! — E continuou — Quanto a Gael, não faltará nada para ele eu prometo.
Criei coragem, e fui embora cuidar do meu filho. Deixei Durval ali sentado na rua, orgulhoso, materialista e medíocre como sempre. Chegando em casa, fui direto ver Gael, tudo parecia bem. Calada, pensei:
— Se meu filho respira, o que
mais posso querer da vida?
Fabiane Braga Lima, é poetisa, contista e cronista em Rio Claro, São Paulo.
Contato:
debragafabiane1@gmail.com
O DIÁRIO DE KIRA (1ª PARTE)
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Quando o medo lhe abateu, as pistas sobre o que ele tinha feito começaram a ser perceptíveis aos olhos. Era possível ver além do óbvio uma elevação na parede, alguns seres diriam que o concreto sofreu erosão com o passar do tempo. O branco da parede tinha uma mescla com vermelho, visível com lentes microscópicas. Para os leigos um mundo desconhecido. Mas o que seriam essas manchas vermelhas? Entre os mortos essas manchas são carnes sangrando sobre a terra que absorve a morte. Um cemitério num quarto vazio?! Ou seria demais fantasiar o óbvio?
Uma casa não tão grande com um quarto praticamente secreto. Eu sequer podia entrar ali. É como ter um outro mundo dentro do lugar onde você nasceu. Só tem, um porém, a janela não dá para lugar algum. Eu já estava friccionada com aquele espaço, quase todas as noites ouvindo vozes. Dava para dizer que estava ficando completamente louca. E como não ficar, dois mundos diferentes em contraste com a realidade?
Arrastei o guarda roupa e encontrei uma porta, até então outro quarto secreto. Quem vê parece apenas um quarto vazio, mas ouço vozes e elas me levam para as paredes. Eu precisava descobrir o que tinha naquelas paredes, só que eu estava tão envolvida. Confesso que fiquei sem o que fazer. É bem possível que eu estivesse apaixonada. Meu coração acelerava todas as vezes que eu o via. No entanto, as vozes diziam para me afastar dele.
Confesso que cheguei a pensar que estava ficando louca mesmo. Mas poderia ser impressão minha, pois eu tinha ficado impressionada com o filme visto por mim, a vítima se apaixona pelo criminoso. Supostamente baseado numa história real que aconteceu nos anos 30 da minha cidade.
Todos os dias o criminoso cavava um buraco,
quando o buraco ficou profundo ele fez amor com ela, depois a matou e quando
não tinha mais ninguém na rua jogou o seu corpo ali. Nesse mesmo dia fechou o
buraco e plantou mudas de rosas sobre o seu corpo.
Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.
Contato:
clarissedacosta81@gmail.com
O DIÁRIO DE KIRA (2ª PARTE)
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
No filme conta a história de que
ela o conheceu ao comprar rosas numa floricultura. Eu também adoro rosas,
inclusive recebi algumas rosas com um cartão perfumado com os seguintes
dizeres: - Você me traz as recordações mais lindas quando pela manhã você surge
com o seu lindo sorriso!
Confesso que fiquei balançada, qual
mulher não ficaria? Porém eu não poderia me deixar levar por aquelas palavras.
Sou romântica, mas não idiota. Ele é um tanto misterioso, mas não conseguia
esconder o seu nervosismo ao me aproximar da porta daquele quarto. Por várias
vezes a trancou com cadeado. Tem um retrato que ele esconde por lá, eu sei.
Peguei ele debruçado, chorando sobre o retrato. Infelizmente não consegui ver
quem era. Teve uma hora que ele olhou para trás, a sorte que eu saí correndo
antes que me visse.
É assustador às vezes estar diante de um homem que você só o conhece pela metade. Ele me arredou no seu sorriso, na pessoa que eu pensei que o conhecia. Mas parece que ele morreu por dentro e nem percebeu a sua inexistência. Perde a chance de se encontrar com tantas coisas que lhe fazem mal.
Apaga a luz do quarto e mal
consegue dormir. Acorda e não vê a oportunidade de viver. A ideia do ser
inútil, incapacitado sempre lhe passou pela cabeça. Um ser frágil como tantos
mortais. Abrir a janela, entrar por uma porta era como um abismo dentro de si,
o medo e a frustração que sempre escondeu.
Ele ficou preso nesse medo e era
visível o afastamento das pessoas. A sua frieza, o seu olhar triste e a sua
cara fechada, como conviver com uma pessoa assim?
Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.
Contato:
clarissedacosta81@gmail.com
TUDO É AMOR...
Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)
Seja uma boa ouvinte, aprenda a escutar falácias, de terceiros e lições de autoestima (entre aspas). Às vezes, se esconder na insensatez, para entender a realidade é algo que nos gera confiança, nos nossos dia-a-dia. Lógico, podemos cair, em golpes e armadilhas cotidianas, diversas e diversas vezes ao longo de perdidas horas ao longo da vida. Mas pense! A insensatez nos auto-intitula como seres humanos, cada vez mais, digno de viver a verdade e a realidade.
Entrar em outros mundos, é não ter medo de tempestades, nem carregar nas costas, navios em mares bravios. Entrar em outros mundos é poder nos reinventar, diante da nossa própria embriaguez, servindo-a numa taça. Todos os dias somos nós, assaltados, por um alguém com uma faca em punho, enquanto em intervalos, bebemos os nossos cafés, com as nossas paranoias.
A arte existe para quem
produz, cultivando-a, assim o amor! A mentira, sempre é como uma miséria
poética, inventada e roubada, pois somos imperfeitos. Tudo é arte, ciclos e
fases, seja um bom ouvinte, ouça: Tudo é amor! Momentos bons, sempre serão
eternizados. Ame-se ao extremo, devemos ter esperança nos dias de hoje.
Precisamos.
Fabiane Braga Lima, é
poetisa, contista e cronista em Rio Claro, São Paulo.
Contato: debragafabiane1@gmail.com
DOS RIDÍCULOS DA VIDA: DO QUE A MEMÓRIA NÃO GUARDOU!
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Componho este texto impactado
profundamente, pela perda do meu querido irmão. Quando a memória não é o
suficiente, o que sobra são as fortes emoções, a bem da verdade somos permeados
e nos molda na vida em sociedade são as emoções.
E em uma volta para um passado não muito
recente, no início do oitavo decênio do século XX. Então duas subsequentes
grandes e fortes cheias, inundaram a minha cidade, delas eu tenho vagas
lembranças, pois eu era criança na época. Se eu fosse um historiador ou um jornalista
eu faria uma pesquisa elaborada. Como não sou uma coisa e nem outra, eu prefiro
as sensações, pois os detalhes maçadores de ser um deslocado por desastre
natural e sendo criança é uma tragédia em si.
Éramos seis, meu pai, minha mãe, o meu
irmão, e duas irmãs e foco aqui em um episódio que por si, não era uma grande
tragédia e nem mesmo um ridiculices qualquer. Mas o meu foco aqui, não será
guiado então somente pelas sensações, pois me lembro que antes do nosso
desterro demos uma pausa na escola que estudávamos, passamos ali uma noite. Era
uma pequena discussão entre adultos, era uma discussão de separar os homens do
resto das famílias. Creio que o local estava lotado e alguém teve a brilhante
ideia de se livrar de boa parte dos flagelados.
Eu não me lembro como foi o
nosso segundo desterro, só lembro que estar na frente de um pequeno hotel e da
gente avançando sem pedir licença, adentramos para dentro do hotel. Uso a
memória do meu irmão recém falecido, que anos mais tarde lembrava do gerente do
hotel estupefato ensaio uma resistência.
Ocupamos os quartos de forma ordeira,
mas foi no cair da noite que senti o tamanho da encrenca que a gente se meteu,
como não estávamos em uma estação de férias, as dispensas do hotel estavam
vazias. E para os ridículos da vida a fome, ou a ideia da fome é uma tragédia
em si e bem me lembro eu estava no colo da minha mãe. Como eu não era o mais
novo, e também não era uma criança de colo, porque a minha mãe me colocou no
colo dela eu não sei dizer. Só sei que o que tínhamos para comer era um pirão,
farinha mandioca com feijão ralo. Ao colocar a comida da minha boca, posso
dizer que nada senti, não era um gosto ruim, era um nada e o nada é uma
invenção humana tipicamente.
O que ficou na minha lembrança
foi de eu olhar para cima, para a minha mãe e dizer que eu não iria comer
aquilo. E a sensação de olhar a minha com os olhos rasos d’água ponderar que só
tínhamos aquilo para comer e que eu não comesse iria dormir com fome. E eu
dizendo dono de mim que então eu iria dormir com fome e assim o foi, eu e a
minha mãe nos entendemos bem, só descobrir isso anos mais tarde. E tudo poderia
ter acabado por aí, caso não tivesse um senhor a poucos centímetros da minha
mãe, ele estava colado à parede, era um homem de longas barbas negras, usava
óculos grossos e era muito magro. E vi o desalento daquele homem, que olhou
para mim, eu criança birrenta, ele olhou para mim e olhou para baixo. E depois
de olhar o meu irmão mais velho e as minhas irmãs mais novas jantarem, nós recolhemos
ao nosso quarto a nossa morada efêmera. Eis que alguém bateu à porta, era uma
funcionária do hotel que me trazia o meu jantar, a jovem senhora disse que o
desconhecido homem ficou comovido e tinha arrumado algo para eu comer. Era
somente um copo de café com leite e uma enorme massinha para uns e pão doce
para outros, eu desgostei o meu jantar improvisado aos olhos dos meus irmãos.
À volta do desterro, eu tenho poucas
lembranças, somente de ocuparmos o baú de um caminhão peixeiro, eram famílias
que lotavam a traseira do caminhão e me lembro da pequena janela no alto que
estava aberta. A única luz que tínhamos, nós os deslocados por desastre
natural.
Fragmento do livro Dos ridículos da vida, de Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br
DOS RIDÍCULOS DA VIDA: NO SUBTERRÂNEO DA COMUNICAÇÃO!
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Percorri e percorro os
labirintos escuro artístico e cultural da minha vila, praticando a boa e velha
comunicação alternativa. Lá se vão os informativos fotocopiados, idos a
obscuros saraus, lançamentos de livros de pequenas tiragens, perdidos no tempo
e no espaço programas de TVs e Rádios de uma cidade pequena. E com muitas
histórias para contar, boas e ruins, engraçadas e outras nem tanto.
Mas antes de descrever
ridiculices de querubins e querubinas e personagens aleatórios dos subsolos da
sociedade, eu tive a divina graça de cursar comunicação social concomitante a
este passeio artístico e cultural. Eu tive a brilhante ideia de apostar em
misturar as velhas tecnologias montando informativos fotocopiados, colagens de
jornais e revistas, stickers, fazia os tais fanzines. Editados em sofisticados
programas de computador da época. Com as novas tecnologias digitais, que
inundaram o cenário no primeiro decênio do século XXI. Sim! Também inundava
contas de caixas de endereços eletrônicos, leia contas de e-mails, com releases
para a imprensa.
Mas chega em enrolações
enfadonhas, ao inundar caixas e e-mails tiveram lá seus preços e dores de
cabeça. Mas ressalto aqui uma ridiculice, bem típica de uma cidade pequena,
onde todo mundo se conhece. A bem da verdade, não foi uma ridiculice foram
duas, duas situações embaraçosas e ridículas.
A primeira ridiculice, foi dar
de cara com um jornalista, um jovem jornalista devidamente formado,
pós-graduado em um grande centro e também filho de uma grande mente local, um
aclamado e popular professor universitário. O dito cujo, que em um evento
cultural aleatório, me inquiriu, de forma agressiva, sobre o fato de encher a
conta de e-mails dele. Eu um simples mortal, homem negro, periférico e um
típico caipira da beira-mar, só pude responder que ele como jornalista de
profissão deveria ter mesmo a conta de e-mails lotada. Isto no meio da rua, em
plena luz do dia e cheio de gente em volta e fica na minha mente a feição do
garoto, cara de burro quando foge.
Eu como marxista, que sou,
recorro ao velho teórico do sul da Alemanha: ‘’A história se repete, a primeira
vez como tragédia e a segunda como farsa.’’ Karl Marx. Dezoito
Brumário de Louis Bonaparte, 1852. Pois bem, o caso aqui não é dar aulas de
marxismo ou comunismo e sim dizer que tempos depois em outro em um evento
cultural aleatório lá estava eu em uma situação similar. Mas ao invés de ter na
minha frente, um rebento, de um querubim, que voava baixo no subsolo e estava
diante de outro elemento do subterrâneo da comunicação. Em suma, um ferrando
igual a mim, ao contrário do filho do querubim, esse é um pouco mais velho e
próximo da minha idade, um radialista local. O dito cujo olhou bem para a minha
cara e reclamou que eu estava enchendo a conta de e-mails dele de releases,
falou sorrindo e ofendendo a minha sacrossanta mãe. Disse na minha cara que
tinha feito uma pasta e que iria usar os meus textos, assim que precisasse, me
disse em tom de ameaça. E um pouco de contexto aqui, na época estávamos em
campos opostos no mundo da política.
Para os ridículos da vida, o
que une os dois textos não é interessante, não para mim, pois eu ser uma pessoa
chata, fica para as outras pessoas, eu prefiro a palavra insistente. O que
desune os dois textos foram os destinos dos dois personagens, anos depois o
primeiro, o proeminente jornalista e filho de um querubim e de uma querubina.
Ele estava em um programa de TV local, vendendo perfumes, sais e sabonetes, não
que isto seja indigno, mas o fato de ser um apêndice da jovem e linda esposa. O
tal aclamado prodígio da cidade pequena, que deveria suceder os progenitores. E
o segundo caso não é tão enfadonho e sim que o tal radialista ter ocupado cargo
público no parlamento local e ainda estar na em plena atividade nos
subterrâneos da comunicação local.
Fragmento do livro: Dos
ridículos da vida. Texto de Samuel Costa, contista, poeta e novelista em
Itajaí, Santa Catarina. Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br