Lançamento do livro "Maturidade: amores e dores ao envelhecer" de Paulo ...

Entrevista com Paulo Ventura, Nova Lima, MG, colaborador da Revista Cerrado Cultural.


O PARECER DE ROUSSEAU SOBRE O "EMÍLIO"

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Em 1749, a Academia de Dijon, realizou concurso sob o tema: " Terá o progresso da Civilização Contribuído para o Aperfeiçoamento Moral do Homem?"

Vários enciclopedistas disseram: Sim. Mas Rousseau respondeu: O homem nasce bom; a sociedade é que o corrompe e o torna mau. sendo assim, necessário é abandoná-la, criar a nova sociedade racional.

Em 1762 Rousseau publicou o " Emílio" ou " Da Educação", que obteve grande sucesso e influenciou determinantemente na educação do século XIX e XX.

Trata-se de romance pedagógico, que retrata a educação de órfão, nobre rico, desde o nascimento até ao casamento.

Rousseau era órfão de mãe. Nasceu em 1712 e foi criado no seio de família de raízes evangélicas.

Respeitava a Bíblia e Cristo, admirava Sua doutrina, mas não acreditava numa religião de instituições. Defendia a necessidade de aniquilar a sociedade e criar uma nova, não evoluída de existente. Ideias que lhe valeram forte contestação e perseguições de católicos, evangélicos e até de políticos.

O respeitado historiador brasileiro, Armando Alexandre dos Santos, Membro da Academia de História, de Lisboa, escreveu numa publicação paulista, curioso artigo, em que narra pitoresco episodio, ocorrido entre comerciante suíço, admirador do método exposto no " Emílio", e o filosofo, quando se encontrava nos últimos anos de vida.

Segundo o Professor, baseando-se no livro de memorias da Baronesa de Oberkirch, dama alemã que acompanhou a princesa que casou com o filho de Czarina Catarina, Grão Duque Paulo. travou-se o seguinte diálogo entre Rousseau e o negociante, em que o comerciante lhe contou que educara os filhos, segundo pareceres expostos no " Emílio".

O escritor e filósofo escutou-o detidamente e, após breve reflexão, proferiu com arrojo:

- " Se educa seus filhos segundo as orientações que expus no " Emílio", devo-lhe dizer - que é um grande animal."

Embora o filosofo acreditasse no método, é natural, que na velhice, tivesse dúvidas da eficácia. Provavelmente realizaria alterações.

Daqui se conclui: que nem toda a teoria se deve seguir, sem refletir, mesmo quando provem de um Rousseau.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Havia no século XX, para os lados de Felgueiras, jornal, que no cabeçalho, mostrava a famosa frase de Voltaire (que parece não ser dele,): " Discordo do que diz, mas defenderei até à morte, seu direito de o dizer."

Desconheço se o diretor do periódico, seguia rigorosamente o pensamento volltaireano, e se teria disposto a morrer; mas é o que menos importa.

Quem se aventura a escrever ou a pensar alto, defendendo ideias ou. Moral que acredita, em geral, é rotulado de retrógrado, nacionalista ou cabotino; por quem se intitula senhor da única verdade.

Bem disse Joseph Retzinger, na missa de abertura do Conclave que o elegeu Papa: " Ter fé, segundo o credo da Igreja, é logo com frequência etiquetado como fundamentalista."

Outrora, em Portugal e Brasil, havia censores oficiais, que ceifavam ideologias divergentes da oficial, e apelidavam os discordantes, de: comunistas; agora chamam de puritano ou fascista, quem defende ideias diferente da oficial ou da moda.

Não conheço melhor definição de ditadura e democracia, da que foi pensado pelo grande Millôr Fernandes:" Democracia, é quando eu mando em você. Ditadura, é quando você manda em mim."

Vem a lengalenga a propósito do perigo de opinar nas redes sociais ou na mass- media.

Topo, a cada passo, verrinas ofensivas a quem se aventura a discordar da maioria. (Será maioria?)

Ora – a meu ver, – cada qual deve ter o direito sagrado de se exprimir livremente, sem receio de ser " espancado" na praça pública.

Discordar, é direito, que não se deve cercear com palavras afrontosas, como: chalupa, ou termos afins, proferidos por democratas, defensores da livre expressão.

Penso que quem assim faz ou diz, não tem intenção de censor; mas, parece, e muitas vezes consegue calar os que pensam diferentes de quem tem poder.

Augusto Cury (O Mestre de sensibilidade) referindo-se à geração do século XXI, escreve, verdade, que cada vez mais se verifica: " Há no ar um clima de denúncia, que os seres futuros serão repetidores de informações, e não pensadores."

O futuro chegou...

A PAIXÃO DE LEONARDO

Por Dias Campos (São Paulo, SP)

 

Eu e Leonardo crescemos no mesmo bairro, na pacata Santa Clara do Cerro Azul, uma cidadezinha achada à lupa, no interior de Minas Gerais.

Era uma época boa, em que as crianças brincavam despreocupadas na rua, empinavam pipa sem a maldade do cerol, e chupavam cana recém-descascada.

E porque estudássemos na mesma (e única) escola, eu o esperava passar por minha casa para irmos juntos conversando sobre os assuntos mais importantes do dia anterior – geralmente, o estimulante comprimento da saia da nossa bela professorinha.

            Mas se éramos como irmãos, fosse na aparência, fosse nas estripulias, nossos gostos eram bem diferentes. Enquanto eu adorava uma boa moda de viola, Léo ficava deslumbrado quando, passando em frente à bodega do seu Carlos, conseguia ouvir um rouco solo de piano, que saía do seu rádio caixa de madeira.

Eu não conseguia entender como alguém da nossa idade, que adorava comer goiaba no pé, nadar no ribeirão e correr atrás das galinhas podia gostar daquelas músicas chatas, tão de gente velha.

Mas Leonardo não dava a mínima para as minhas críticas. E toda vez que arranjava uma folguinha, lá estava ele a pedir para seu Carlos que sintonizasse o antigo aparelho.

Ele até chegou a se oferecer para ajudar na bodega, só para poder ficar mais perto do rádio, pois se dependesse da pobreza de seus pais, desse luxo ele jamais se aproximaria.

E tanto insistiu ao dono, e aos pais, que acabou sendo aceito em meio período, uma vez que sua mãe jamais abriria mão das poucas letras que aprendíamos.

É claro que o patrão ficava atento. Do contrário, os trinados do piano enfeitiçavam o aprendiz mais do que os meneios da flauta de um encantador fazem dançar as serpentes.

Mas se seu Carlos ficava contente, já que Léo tinha o mesmo apreço que ele pelo piano, ficava, também, entristecido. Afinal, salvo um milagre, o máximo que a vida emprestaria ao meu amigo seriam as poucas horas que a estação de rádio dedicava àquele instrumento.

É bom mencionar que o tipo de música não era o que mais importava a Leonardo. Deliciava-se da mesma forma se ouvisse uma sonata de Mozart, uma Polonaise de Chopin ou um maxixe de Ernesto Nazareth, porquanto o que realmente tocava o seu espírito eram a sonoridade, as melodias, os inúmeros recursos que só são possíveis ao Rei da Orquestra.

Assim, mais e mais pessoas passaram a perceber que Léo não amava o piano. Era pura paixão, verdadeira dependência! Tanto que no dia em que entrou na bodega para trabalhar e soube que o aparelho tinha pifado, levou tamanho choque que os soluços irromperam.

Não adiantava seu Carlos afirmar que era coisa simples – uma válvula queimara –, e que o mandaria consertar na primeira oportunidade, pois ele simplesmente não o ouvia!

Foi comovente, relembra seu Carlos, ver Leonardo tombando devagar, chorando ajoelhado e com a cabeça apoiada sobre as mãos.

Mas o pior ainda viria...

O baque foi tão grande que ele acabou desfalecendo.

Diante dessa inusitada reação, alternativa não teve o bodegueiro senão a de mandar chamar sua mãe às pressas, que o carregou para a casa como se fosse um bebê.

Só fui desconfiar que algo acontecia na manhã seguinte, quando ele não apareceu para irmos à escola.

E bastou a professora encerrar a última aula para que chispasse em direção à sua casa.

Tomei um baita susto quando sua mãe me contou que ele estava de cama.

O diagnóstico? Adoentado dos nervos, garantiram o boticário e a parteira da cidade.

O motivo? Confessava-o nos delírios febris...

Era imperioso, portanto, que seu Carlos fosse avisado para que providenciasse o conserto do rádio o mais rápido possível!

Nesse meio tempo, a notícia já tinha se espalhado pela cidade. E dada à lucratividade do fato, o presidente da Câmara dos Vereadores não perdeu a oportunidade de ir oferecer os seus préstimos à família do meu amigo.

Ao chegar à casa de Leonardo, porém, o vereador sentiu repugnância. Não porque a humildade do local o agredisse, mas, sim, porque o prefeito já tinha se antecipado na solicitude.

Neste exato momento, a mãe do Léo começava a contar a cena que seu Carlos presenciara.

E quando ouviram que Leonardo, delirante de febre, balbuciava as palavras rádio e piano, o prefeito, astuto que era, além de oferecer-se para custear as despesas com o transporte e com a internação no hospital mais próximo, disse que o rapaz levaria consigo, emprestado, um rádio muito mais moderno, e que comprara na última viagem que fizera à capital.

Ora, se o problema era de fundo nervoso, como disseram, o prefeito deduziu, e não sem pouca razão, que Leonardo ficaria curado mais depressa se aos remédios se somasse a magia do piano.

            E como os pais de Léo só faltaram se prostrar diante do prefeito, graças à alegria e à gratidão que inundaram suas almas, o vereador não teve sequer coragem de levantar um único senão. E se somou aos sorrisos – mesmo que amarelo – e às palmas endereçados ao seu arquirrival.

            O tempo urgia, contudo, pois se as compressas de água fria e as mezinhas ajudavam, não acabavam totalmente com a febre, que ia e vinha em intervalos cada vez mais curtos.

            Ultimaram-se os preparativos em menos de uma hora. E Leonardo e sua mãe seguiram com o prefeito e um assessor (que dirigiria) rumo ao hospital da cidade mais próxima.

Léo foi atendido e medicado com o mesmo zelo dispensado a qualquer parente de figurão.

E tão logo ele começou a recobrar a lucidez, o médico responsável – por sinal, apadrinhado daquela “solícita” autoridade – ligou o rádio e começou a procurar uma estação que estivesse transmitindo música de piano.

Seja por obra da sorte, seja graças à Providência, o fato é que o dial acabou parando exatamente na estação que seu Carlos e Leonardo escutavam. E o quarto se encheu de um delicioso chorinho de Chiquinha Gonzaga, tocado com maestria ao piano.

Pois foi visível a sua reação! Assim que reconheceu o som característico, o semblante do meu amigo mudou completamente, corando-se de um espontâneo e vívido sorriso.

Léo adormeceu pouco depois, e em paz.

            Ao abrir os olhos, já sem febre, Leonardo identificou sua mãezinha, que, com voz maviosa, perguntava sobre como se sentia.

Como dissesse que estava bem, ela indicou o criado-mudo...

E se os olhos de Leonardo arregalaram-se quando viram o rádio do prefeito, seus ouvidos maravilharam-se quando o aparelho foi religado, pois uma rapsódia de Liszt preencheu todo o quarto.

Léo teve alta na mesma tarde, e todos retornaram para Santa Clara.

O prefeito fez questão de dizer aos quatro ventos o resultado da “caridosa” caravana ao hospital, sem deixar de mencionar, é claro, a importância decisiva que o seu rádio teve na recuperação. Além disso, mandou publicar toda a história no jornaleco da cidade.

O vereador adversário ficou mordido! Era preciso desse a volta por cima perante os seus eleitores. Caso contrário, todo um projeto político poderia rolar ladeira abaixo.

Pois não é que ele apresentou à Câmara dos Vereadores uma moção objetivando arrecadar fundos para a compra de um piano?

Assim, sua ideia não só fomentaria a cultura do município, o que a muitos agradaria, como, também, faria de Leonardo o seu mais valioso cabo eleitoral, já que lhe seria eternamente grato. – A contratação de um professor de piano ficaria para bem mais tarde.

E como atitude de “absoluto desprendimento”, ele ainda propôs que o piano fosse instalado na própria prefeitura, o que por certo afastaria qualquer objeção do seu desafeto.

Desta vez, quem ficou furioso foi o prefeito, que não teve escolha senão a de aderir a tão auspiciosa proposta.

            Quando Léo soube dessa novidade, só faltou explodir de tanto júbilo!

            Confesso que fiquei com uma pontinha de inveja. Até porque, se soubesse que ficar doente me transformaria no rapaz mais popular da cidade, não pensaria duas vezes em passar alguns minutos sem camisa sob a chuva.

            Mas aquele sentimento logo se transformou em admiração, sobretudo depois que os repórteres das outras cidades começaram a me entrevistar. Afinal, quem daria o depoimento mais sincero sobre Leonardo senão o seu melhor amigo?

E por falar em sinceridade, até hoje me emociono quando relembro Leonardo me contando sobre os sonhos que passou a ter. Mais de uma vez ele se viu sentado à frente de um piano, tocando como virtuose, e até chorando com as nuanças que conseguia alcançar.

            Tão confiante estava o meu amigo que não era incomum vê-lo na sala de aula executando uma escala musical sobre a carteira, como se ao piano estivesse. Aliás, como qualquer tampo servia de teclado, mais de uma vez seu Carlos teve que trazê-lo à realidade, pois que era pego de olhos fechados, imitando o virtuosismo dos concertistas sobre o balcão da bodega, enquanto permanecia hipnotizado pela música que escutava no velho rádio.

            Mas esses “treinos” não demorariam muito mais. E Leonardo ficou radiante quando o próprio prefeito revelou que, se não houvesse nenhum imprevisto, o piano chegaria à cidade na próxima sexta-feira.

Haveria fogos de artifício, banda de coreto, discurso e a bênção do vigário.

Ademais, afirmou que a chave que tranca a ribaltina, o tampo protetor do teclado, seria oferecida a ele, Leonardo, com a mesma pompa que envolve a entrega da chave da cidade para uma pessoa ilustre.

A ele, e somente a ele seria dada a suprema honra de destravar o piano, e de ser o primeiro a premir as teclas de marfim!

Mas que o garoto não revelasse esse último segredo para ninguém, pois seus assessores já tinham sido incumbidos de preparar uma solenidade de recebimento, e não convinha ao povo que se estragasse a surpresa. – É claro que o meu amigão acabou me contando.

Na data marcada, a praça amanheceu toda enfeitada. E foi logo ocupada pela população.

A banda mantinha-se a postos. E no palanque já estavam o prefeito, sua família, um bando de assessores e o sacerdote.

E todos aguardavam Leonardo e o piano; mais a este do que àquele, é bem verdade.

Léo e sua família não tardaram a chegar. Vinham com roupas de domingo, como se fossem à missa.

Foram conduzidos ao palanque, onde um lugar especial já estava reservado – entre o prefeito e o vigário.

Esse privilégio irritou o vereador da oposição. Não por isso que ele escalou o palanque, e foi se esgueirando até conseguir chegar atrás de Leonardo. E se todo esse esforço valeu a pena, visto que também sairia na foto oficial, quase disse adeus à sua carreira, pois por pouco não derrubou o sacerdote.

Quando a caminhonete chegou à praça central, o motorista e o ajudante até brecaram por causa do susto que tomaram. Afinal, os fogos explodiram, a banda disparou estrepitosos acordes e a população bateu palmas e caprichou na gritaria.

A expectativa sufocava! E se os semblantes estavam inquietos, era visível que o do homenageado a todos se sobressaía. Léo podia ser comparado a um balão muitíssimo cheio, em que bastaria um leve toque de aspereza para que explodisse.

            O veículo estacionou a poucos metros do palanque e o prefeito fez sinal para que a banda sustasse a fanfarra.

            Era um piano de armário e de segunda mão. Estava embrulhado por um tecido grosso que bem o protegia, e preso por cordas à carroceria aberta e de madeira.

            Conforme o combinado entre o prefeito e o ex-proprietário, a pequenina chave que trancava a ribaltina deveria ser entregue devidamente acondicionada a uma caixinha de veludo, dessas em que se guardam anéis.

E antes que começassem a desembrulhar o piano, o motorista aproximou-se do palanque e entregou ao prefeito aquela preciosidade.

            O prefeito, então, pediu ao povo que fizesse silêncio.

Levantou a caixinha acima da cabeça, o que aumentou a curiosidade dos munícipes, abaixou-a segundos depois, e retirou o discurso do bolso do paletó.

            Para a felicidade geral, a falação não iria além de três páginas.

            Apesar da brevidade, todos ficaram emocionados, pois Sua Excelência, além de incensar o orgulho dos cidadãos, que passaram a se sentir condôminos de um símbolo de erudição, sua eloquência acabou tocando fundo aos corações, haja vista a ênfase que reservou ao sofrimento por que passou Leonardo.

Mas os semblantes logo se alegraram, e ufanou-se o público, quando o prefeito, em tom solene, afirmou que a Leonardo caberia a honra de ser o guardião da chave do piano.

            E na maior teatralização, abriu a caixinha, mostrou a pequena chave ao público, e a entregou para o meu amigo. – Fomos todos ao delírio!

            Instado a que desse umas poucas palavras, Léo, bastante sem jeito, agradeceu a honraria, e prometeu que se esforçaria ao máximo para ser um grande pianista, o que traria respeito e orgulho para toda a gente da cidade. – Os hurras e as palmas estouraram!

            Em seguida, o prefeito deu ordem para que descarregassem o piano.

            As cordas foram soltas e o tecido, removido, o que gerou várias interjeições.

O ajudante desceu da carroceria, abaixou a proteção traseira, e ficou aguardando que o parceiro empurrasse o instrumento.

O motorista, graças às quatro rodinhas fixadas na base inferior do piano, passou a empurrá-lo com facilidade, mas com o máximo cuidado.

A operação seria simples. Quando as duas rodinhas da sua base não mais se apoiassem sobre a carroceria, o ajudante, que estava no chão, teria que segurar essa extremidade e levantá-la, a fim de não danificar a parte inferior do instrumento.

O motorista, por sua vez, teria que fazer o mesmo com o outro lado.

E ambos iriam carregando o piano até que fosse colocado em segurança no solo.

Ocorre que o ajudante, indo para trás, acabou pisando em falso. E numa fração de segundo, perdeu o equilíbrio e caiu de costas.

O piano despencou como fazem os frutos maduros... – Por sorte não atingiu o ajudante.

E como a praça fora pavimentada com paralelepípedos, nada pôde amortecer o forte impacto.

Daí que a caixa de ressonância se quebrou, o mecanismo interno ficou comprometido, e muito do verniz foi danificado, pois ele tombou para o lado em seguida ao choque.

Houve um grande alvoroço! E a maioria dos presentes acercou o que sobrara do instrumento.

Eis que um deles comentou sobre como Leonardo estaria se sentindo...

E um a um, fomos todos nos virando para o palanque.

O que vimos foi de apertar o coração – Uma mãe em pranto, de joelhos, e agarrada ao próprio filho; cujos olhinhos nunca mais se abririam.

Léo foi enterrado no sábado à tarde, em cerimônia simples, mas muito comovente.

No epitáfio, a seguinte inscrição: “Ao nosso eterno pianista”.

Por ordem do prefeito, desapareceriam com o piano, pois não convinha aos votantes lembrarem-se da tragédia. As más línguas, no entanto, garantem que, antes do sumiço, as teclas de marfim passaram para as mãos do vereador, que as revendeu a preço de ouro para um antiquário.

E passados mais de trinta anos do seu sepultamento, ainda me pergunto por que Deus não permitiu que Léo se tornasse um exímio solista?...

Talvez tenha permitido. Mas só os anjos e os eleitos podem chorar com os seus recitais.

A VIDA TEM A COR QUE VOCÊ PINTA

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

Como podia ser tão diferente? Desde criança se mostrava o oposto dos outros miúdos. Na verdade, isso era sentível na gestação. Nas consultas médicas, se as outras mães relatavam um comportamento tal, o menino, ainda em formação, apresentava-se já na morada do qual. Não por acaso nasceu sorrindo… Ao crescer queria tudo diferente. Preferia pistache a doces, não gostava de balas; na escola, na hora do recreio, preferia os livros na biblioteca — esse comportamento de livros o perseguiu a vida toda. Inclusive, o encontrou em um poema: “O menino que carregava água na peneira”. Ficou encantado! Afinal, aquele tal de Manoel o entendia. Descrevera tudo com tanta clareza! E a sua mãe era igualzinha à mãe do menino.  Passou a ser chamado de “o menino dos despropósitos”.

Ao crescer continuou a encher os vazios e a fazer pedras dar flor. Não se via no lugar de todo mundo. Se todo mundo ia por ali ele ia por aqui, e não importava com os falatórios, continuava a desenhar pipas no céu.

Os anos passaram e aquele menino já era um velhinho – não gostava da palavra “idoso”; era velho mesmo e sentia orgulho disso. Rodeado de filhos, netos, sobrinhos e afilhados, reuniu-os todos para se despedir. Foi assim, ao som de canções e brindar de copos, inclusive os dele, logo após o fim da festa, ele se sentou e fechou os olhos pela última vez tão feliz, tão sereno, tão despropositado. Estava na hora de ser árvore, estrela não.

Algum tempo depois, um de seus bisnetos, outro garotinho a receber o nome de Manoel, encontrou nos guardados do avô um papelzinho todo dobrado com marcas do tempo. Ao abri-lo lá estava o segredo dos despropósitos. Nele lia-se:

 

São muitos caminhos.

Façam suas escolhas.

SUAS escolhas…

PENSANDO BEM, QUE MAL TEM?

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

Sabe aquelas histórias bem curtinhas que faz a gente até pensar que é mentira? Pois é… Aqui vai uma!

Ah, eu me lembro, eu me lembro… Foi um alvoroço naquela cidadezinha. Nunca havia acontecido um assalto, unzinho sequer para contar história. E olha que história era o que mais existia no meio daquela gente.

Mas naquela noite o falatório foi geral. Logo que o sacristão abriu a igreja para a missa das oito, alguém gritou: Cadê o Santo Antônio? Virgem Maria! O São Pedro também sumiu! E lá se foi o São João! Socorro, Ave Maria! Foi você, Marinalva? Me respeita, seu Batista! Foi a Emengarda! Queria se casar, levou o Santo Antônio e os outros pra padrinho.

E agora, São José?

No meio de toda aquela agitação um risinho se ouviu. Para espanto de todo mundo, descia em azul do manto de Nossa Senhora a própria Santa a mirar com um doce olhar o rosto de cada um.

— Como disse o poeta: “não entendo essa gente, seu moço, fazendo alvoroço demais…” É festa junina, ora essa! Santo não tira férias, mas também pode brincar, ou não pode?

Ao dizer isso, apontou para a praça da cidade toda enfeitada com bandeirolas coloridas, barraquinhas e até pau de sebo. Lá, bem no meio, estavam eles.

Que aquarela!

 

Quando oiei a fogueira,

Antônio, João e Pedro

brincavam nela…

 

Por que razão não há de poder os Santos pularem as suas fogueiras?

 

É, pensando bem, não faz mal para ninguém.

PESSOAS NA PESSOA

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

Era o mesmo ritual todas as manhãs. Ao acordar e logo depois do desjejum, se preparava para ir à biblioteca. Lá o recebia o bibliotecário com um olhar inquiridor como se esperasse sempre outra pessoa.

— O que vai ser hoje, Seu…

Nunca terminava a frase. Já se passavam meses e não lhe sabia o nome.

Seu… estranhava esse comportamento e essa maneira de ser recebido como se fosse sempre outro alguém. Com o tempo passou a compreender o homem, pois a cada dia sentia-se diferente. Passou a olhar-se no espelho e a cada vez era como se sua imagem se desfocasse antes de se firmar quase imperceptivelmente alterada. Não era apenas uma ruga a denunciar a passagem do tempo ou outro indício físico a marcar-lhe mudanças, mas algo a metamorfosear os sentidos e desejos da natureza de sua alma.

Gostos culinários se alternavam, certezas e convicções desmoronavam e transfiguravam em outras antes rejeitadas. Os cabelos outrora partidos ao meio ganhavam dia a dia um penteado inédito. É como se já não tivesse filosofias, tivesse sentidos… tudo transformava, menos o gosto pela poesia.

As mudanças se sucediam e o bibliotecário já não sabia quem recebia, embora nunca o soubera. Um dia, Seu… ao devolver um dos livros tomado por empréstimo deixou esquecido dentro dele um papel escrito à lápis- nunca usava canetas -, onde se lia:

Um certo poeta
sempre viverá em mim.
Ou melhor, em mins…

Abaixo dos versos estava escrito um nome:

Bernardo Soares.

Descobrira enfim.

 


NOVO

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Novo, todo mundo

tem medo do novo.

Será que o novo é ruim?

Da onde sai esse medo?

 

Das incertezas?

Dos erros?

Fracassos?

Receios?

 

Não sei!

Só sei que

eu tenho medo.

Medo do novo.

 

Medo de dar errado.

Medo das incertezas.

Medo do novo.

Receio do novo.

 

Eu tenho receios

do novo.

Medo do novo.

Receios dos novos.

FIM É FIM, NÃO INSISTA, SIGA!

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Eu sei que dói.

Como dói.

Lembrar de um amigo(a)

que as brigas afastaram.

 

Ter que alimentar

essa terrível dor.

Mas tenha calma.

Você precisa em frente seguir.

 

Talvez foi bem melhor assim.

Não insista, deixa ir.

Foi melhor para você.

Ciclos melhores vão florescer.

 

Acolha o novo ao mar.

Essa dor vai passar.

Você vai superar.

Pessoas boas vão chegar.

 

Não insista em reconstruir.

Siga em frente a

vida tem o melhor para você.

Fim é fim.

PÔR DO SOL AO MAR

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Plena em frente ao mar.

Uma linda tarde para

eu te amar.

 

No pôr do sol

eu vou te amar.

Até o lindo sol

em nós raiar.

 

No pôr do sol

eu vou te desejar.

Até o eclipse sobre

o nosso belo amor chegar.

BRIAN, DISPA-ME BEM DEVAGAR!

 Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP) 

          Fui convidada para um jantar especial, na casa de Brian. Chegando lá, não havia quase ninguém, a não ser, o pai do anfitrião, um senhor de idade avançada que se encontrava muito doente, logo eu notei. Logo deduzi que éramos somente nós três mesmo. Bom, fomos nós três, até uma sala de jantar, para a degustação da entrada do jantar, e vi que a mesa estava posta e farta, estranhei, pois não havia empregados!  Praticamente só havia somente nós os três, jantamos em silêncio, minutos depois, o pai de Brian, se recolheu aos seus aposentos. Então Brian, colocou uma música romântica, e me convidou para dançar, não recusei.

          O meu coração, ainda batia acelerado de sentir sua pele sobre a minha, estava completamente excitada. Pedi licença e eu disse para ele, que eu iria retocar a maquiagem. Era mentira, eu precisava respirar para que pudesse voltar ao normal. Foi até o lavado, que Brian me orientou onde ficava, por lá fiquei por alguns minutos apenas. Respirei fundo e revi os passos que dei, que me levaram até onde eu estava.

            Voltei para a sala de estar e vi Brian sentado à mesa, me esperando, ele se levantou e foi em minha direção como um bailado no andar. Eu estava na porta de entrada da sala de estar.

        — Bom, chegou a hora do jantar principal! — Disse Brian com sorriso malicioso nos lábios. Enquanto me segurava com os seus braços másculos.

         — Sim, estou faminta! — Eu sussurrei no ouvido dele.

         — Humm! Que bom, teremos uma noite longa, minha querida! — Disse Brian olhando nos meus olhos.

       De mãos dadas, fomos para a sala de estar, a mesa estava fartamente posta e nos sentamos. Eu senti o pé dele sobre minhas pernas trêmulas. Por debaixo da mesa, Brian moveu o pé até a minha perna e subia cada vez mais alto. Ele estava passando de todos os limites e sinceramente eu estava adorando.

          Brian abriu um vinho, encheu duas taças, tomamos duas taças de fino cristal, sem tirarmos os nossos olhos famintos um do outro! E de repente ele pegou a minha mão, sem dizer nada, me levou até a piscina. Chegamos lá e Brian tirou o meu casaco.

       — Vamos entrar na piscina, a água está morna, a piscina está aquecida! — Disse olhando nos meus olhos. Brian tirou os sapatos e atirou na piscina.

        Tirei o meu salta-alto e me joguei na piscina, sem pensar duas vezes, nadei até o encontro de Brian. Ele me despiu bem devagar deixando-me seminua, ele se despiu diante de mim, também ficando seminu. Estávamos nós dois, na piscina de águas mornas e eu com o meu coração estava acelerado, naquela hora. Brian estava lindo, como resistir àquele másculo corpo perfeito?                

       Enfim, ali sobre as bênçãos da noite enluarada, nos beijamos perdidamente e nós amamos intensamente.

 

Texto de Fabiane Braga Lima é contista, poetisa, cronista e novelista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

BRIAN E O MEU DRAMA PESSOAL

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Começo de semana e de repente, tem o meu reencontro com Brian pelos corredores, os nossos horários eram diferentes, eu sempre chegava mais cedo no trabalho. Para mim não é nada fácil, estou perdidamente apaixonada por Brian. E como não bastasse o meu drama pessoal, vê-lo sempre rodeado por mulheres lindas e interesseiras, não é fácil. Pelo menos, não para mim.

Brian é um empresário dinâmico, muito interessante, é um bem-sucedido dono, de uma grande concessionária, de carros e motocicletas, que explora desde as linhas veículos populares, de luxo, esportivos e utilitários.

         Novamente, o meu coração acelerou, pois, lá estava ele, elegante sentado em seu escritório, compenetrado e trabalhando. Bom, ele estava escrevendo no computador, pensei em passar rápido para ele, não me ver. Então, fui trabalhar, chega desta história de menininha perdidamente apaixonada.

        — Ei, Sara, porque não me cumprimentou!? — Falou alto Brian, ao me ver passar apressada na frente da sala dele! A voz dele chegou em mim a poucos passos da porta do meu chefe. Dei uns passos para trás e tive que encarar o meu chefe e o meu destino.

            — Estava apressada, desculpe-me...

          — Boa garota! É claro que eu te desculpo, entre aqui menina e vamos conversar um pouco! — Disse Brian, como se fosse um adolescente, em uma balado juvenil.

         — Não posso chefe, estou atrasada com o meu trabalho! — Falei aflita, parada na frente do escritório dele, eu querendo ir embora.

           — Entra aqui, mulher! Preciso que tu, me faça um favorzinho! — Me deu uma ordem em um tom sedutor.

            Dei uns passos para dentro, do escritório de Brian e ele me puxou pelos meus braços. Ele deu uns passos para o lado e baixou as persianas, deixou o ambiente à meia luz e ali mesmo, na mesa do escritório e ali mesmo, fizemos amor. A cena se repetiu por um tempo, mas um dia eu disse um grande basta para mim mesma, preciso colocar um fim naquela situação, além de tudo ele é meu chefe.

         — Eu estou adorando a nossa situação! E agora? Quero um homem só meu! — Falei para Brian depois do nosso sexo casual.

         — Olha garota! Amanhã, tenho uma surpresinha para nós dois, vamos à minha casa da praia? — Falou Brian, sorrindo com os olhos.

          Eu curiosa e quieta apenas concordei com a cabeça, eu não sabia aonde estava indo a nossa aventura. Uma aventura perigosa, e eu estava cansada de me apaixonar e me machucar e a aventura com o meu chefe não estava ruim, só estava incompleta. 

         — Claro que quero Brian! — Falei não escondendo o meu entusiasmo.

 

Texto de Fabiane Braga Lima, poetisa, cronista, contista e novelista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

 

 

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: UM CAMINHO BIFURCADO!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

            Relato aqui, uma passagem emblemática da minha vida, do eu, um mero funcionário público, do baixo clero. Na época, eu vagando daqui para acolá, em um limbo eviterno, de quem sai do nada, rumo a lugar nenhum. Pois lá estava eu, no primeiro decénio do século XXI, com um filho para chegar, com pouco dinheiro no bolso e sem um teto acima da minha cabeça.

            Pois bem, para além, de relatar os meus dramas pessoais, pois o foco aqui não são os meus dramas, que são muitos e são somente meus. Foi acolhido por um bom amigo, também membro efetivo do aparelho repressor do estado local. Este meu bom amigo, me abrigou na casa dele, no meu momento mais difícil, da minha vida. Isto diz mais do meu bom amigo, do que de mim mesmo.

            Mas chega em enrolação, indo direto ao objetivo aqui, este meu bom amigo, que um dia foi das forças de segurança estadual, me chamou para conversar em um canto. Estávamos de folga do trabalho e longe das influências dos nossos pomposos uniformes e da institucionalidade do que chamamos de estado. Uma conversa séria e longa, eu calculei, como bom marxista e materialista, que era e ainda sou e, pretendo ser até morrer. Bom, o problema me foi apresentado pelo meu bom amigo, eram dois pequenos moldes, mas não eram moldes quais queres, eram moldes de balas, de munição bélica.

            Assunto sério? Sim, um ex-policial e na função de membro efetivo do aparelho repressivo local, com moldes de munições guardados na garagem? Problemas à vista, meus queridos e queridas que estão lendo este texto. Depois de eu ouvir uma breve história, de como o meu fraternal amigo, de como ele ter encontrado os moldes de munição, em um bota fora, um depósito de lixo informal no popular.

            Pois bem, o drama era o que fazer com os moldes, era essa a perguntar, como no entendimento do meu bom amigo, euzinho era um homem sábio e eu poderia apontar o caminho certo. Mais uma vez, pois bem, eu sábio? Credo! Mas vamos lá, pois o assunto aqui não sou eu, às vezes problemas complexos, demandam soluções simples, digo isto contrariando os muitos séculos e milénios de análises conjunturais de pensadores ocidentais. É simples assim.

            Senti-me, naquele momento exato, um pouco como um Mefistófeles pós-moderno, por um breve momento, mas o bom senso tomou conta, do meu ser materialista e dialético e expus a primeira problemática. O meu bom amigo, que me abrigou, quando eu estava caído, ele para relembrar como ex-membro do aparato repressivo das forças se segurança estadual para alguns e provincial para outros. E há época, em que me foi apresentado a problemática, ostentava um cargo menor, mesmo assim sendo membro do aparelho repressivo do Estado. Ele tinha a iminência, de receber uma visita das forças de segurança estadual/provincial na garagem dele. E encontrar um molde para balas trinta e oito e outro molde para bala quarenta e cinco. Munições para revólveres, pistolas automáticas, submetralhadoras e metralhadoras. 

            Para uma simples problemática temos duas soluções simples, uma era vender as peças no mercado negro de armamentos bélicos. Arriscado? Sim, muito arriscado e um possível julgamento em uma corte marcial era bem provável! E ter o peso na consciência, de haver alguém e em algum lugar, fabricando munições, para revólveres trinta e oito, pistolas quarenta e cinco, submetralhadoras e metralhadoras, não era e não é um cenário agradável de se vislumbrar. A segunda solução, também simples, era uma doação, sim doar as duas peças, para o museu local. Para um aparelho do estado, simples assim!

E o meu bom amigo, me olhou desconfiado e me perguntou qual caminho à seguir. Pois bem, Mefistófeles baixou em mim, pois escolha não poderia ser minha, então eu disse que ele, era quem deveria escolher o caminho a seguir. Resumo da ópera, do dia seguinte, fomos rumo ao centro da cidade, rumo ao museu municipal fazer uma doação.  

 

Fragmento do livro: Dos ridículos da vida. Texto de Samuel Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

OPINIÃO: TRABALHO COLETIVO

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)    

 

           Você perde muitas coisas seguindo padrões. O bom profissional pensa fora da caixa. Primeiro que trabalhar no coletivo é pensar coletivamente. Temos que ser visionários.  Eu não organizo uma antologia pensando no lucro, mas sim, visando o futuro de todos, pois é um trabalho coletivo.

         A base de um trabalho coletivo é dedicação, troca de ideias, parcerias, diálogos abertos e ocupação de espaços, para o melhor andamento do projeto. É necessário conhecer as pessoas com quem iremos trabalhar por isso a importância de diálogos abertos.

        Claro que conhecer as técnicas e todas as teorias faz parte do processo, entretanto precisamos usar o lado humano em algumas em algumas questões. Afinal de contas, usamos máquinas no nosso trabalho, mas não precisamos ser máquinas.  

 

Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

OPERA MUNDI PRIMEIRA: DE TUDO QUE HÁ DE TRANSITÓRIO E PERMANENTE!

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC) e Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

 

“Entre as lágrimas, o silêncio e o amor…!

Que os ventos da natureza me levem...

Para onde eu possa repousar tranquilamente.

Que a celestial luz da poesia,

Arranque todas as dores de minha alma!

 E coloque no lugar o puro amor.” 

Fabiane Braga Lima 

 

Um vislumbre apenas, entre os efêmeros e abstratos e nada mais para o além das imensidões astrais, que separam as muitas realidades reinantes e os mundos imateriais. O veículo, estava a toda velocidade, na pista azul, Luna estava com as mãos firmes ao volante, ela preferiu assim, pois ela gostava de dirigir, em vez de ligar ao piloto automático. Se bem que, o uso do piloto automático era dispensável, pois Luna, tinha o controle total do veículo. Acima e nas laterais da pista de rolagem, dois trens de monotrilho, simultâneos passaram a toda a velocidade, um ia para o norte e outro para o sul. Luna, não deveria ouvir os veículos gritando, pois estavam envoltos em tubos de cristal líquido, mas ela ouviu, o que seria para ela uma eufônica melodia, breve a bem da verdade.

A condutora do veículo automatizado, voltou para a realidade, quando um veículo militar batedor, emparelhou com o veículo de Luna, ela sabia que atrás do veículo militar, que a ladeava, vinha um comboio de enormes caminhões civis e militares. Luna, notou no assento dianteiro do veículo batedor, um soldado fortemente armado, ele estava empunhando, uma arma de grosso calibre, apontada para o teto do veículo. Quando o militar, fez menção de olhar para Luna, ela ergueu a mão esquerda e apontou para frente, impedindo que o homem de armas olhasse para ela. Luna, não queria ter seu rosto escaneado, pelas lentes dos óculos do militar ou pela câmera embutida no uniforme dele. Imagens que invariavelmente iriam parar em bancos de imagens de aparatos de segurança. E ao invés de acelerar o veículo, Luna pensou e o carro dela diminuiu a velocidade, o veículo batedor acelerou e ultrapassou o veículo de Luna. E um comboio militar de pesados veículos, passaram e se perderam das vistas atentas da condutora.

A tempos, a mãe e a irmã mais nova não aprovaram as longas viagens de Luna, pois ela vivia em uma cidade, trabalhava em outra cidade e por fim estudava em uma terceira cidade. As muitas idas e vindas, dirigindo em uma via rápida, assustava a família de Luna. Os muitos porquês, da família de Luna, sempre tinham como respostas os silêncios, breves e às vezes longos hiatos. E a pergunta de não usar o monotrilho, tinha uma resposta curta e direta. Entre eu não quero e eu não gosto de me misturar com multidões. Até uns, pelo menos não dirija, use o piloto automático, ela ouviu da família e até de pessoas próximas. Aí ela mentia, dizendo que usaria a ferramenta para tranquilizar todos e todas. Na verdade, ela precisava e ansiava, por momentos de solidão e quietudes, pelo menos em breves momentos. Os movimentos que dava era uma decisão somente dela, por mais próxima que fosse, da família e dos bons amigos e amigas, que a circundavam, a maioria pessoas boas e com vidas simples.    

Foi quando o painel do veículo, assobiou uma eufônica melodia inaudível aos ouvidos de muitos. Luna, escutou as notas musicais, desacelerou, pegou a rampa à esquerda, saiu do corredor azul, ela subiu para o corredor vermelho e tomou a rampa de novo e subiu até o corredor amarelo. E ali, no corredor amarelo, geralmente usada por locais e gente sem pressa alguma. E lá na tranquilidade, Luna diminuiu mais e mais, até quase parar. Luna pensou na caixa de entrada, nas mensagens, na interface digital do painel do veículo e ela viu a mensagem do namorado. Ela pensou em que idioma, ela queria escutar a voz de Yendel, Luna pensou, a seta se deslocou até a opção francês. Era quase meio dia e o sol ameno brilhava a oeste, em um céu azul de poucas nuvens.

Luna, viu se abrir a mensagem, que estava somente escrita, na falta de um vídeo ou áudio, a mensagem foi traduzida para o francês, Luna intuiu que algo estava errado. Yendel, sempre mandava mensagens, em vídeos ou faladas para ela. Luna traduziu sem dificuldades a mensagem, ela parou o veículo, até perceber que ainda estava no meio da pista de rolagem. Luna pensou e o veículo se deslocou lentamente para o acostamento. Luna, não soube os muitos porquês, dela pensar naquela hora, no lago de Hali, nas Híades e Aldebarã, no emblema amarelo, Hastur, na máscara da verdade, em Cassilda e Camila e por fim em Carcosa. Mas, no fundo, ela sabia o que estava por vir. Luna então releu e releu novamente, o breve bilhete de Yendel. Um bilhete seco, simples e direto, que em resumo dizia que tudo estava acabado entre eles, que ele bem tentava, mas nada dava certo a relação entre eles.

Luna, aos tropeços, saiu do veículo, uma onda magnética se formou ao entorno de Luna e a onda se expandiu e explodiu, danificando os veículos que passavam lentos e sonolentos. As câmeras de vigilâncias, postadas em pequenas torres, explodiram, os dois drones, que sobrevoaram baixo, o corredor amarelo, os aparelhos de vigilância, caíram em chamas e se espatifaram no chão, caíram nos acostamentos. Todos os instrumentos elétricos, eletrônicos e mecânicos param de funcionar. O corpo incorpóreo de Luna ganhou o céu, foi rumo ao Páramo, deixando para trás um avatar dela, ao lado do veículo e todas as confusões causadas pela onda magnética.  

 

Texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Argumento de Samuel da Costa, poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.