sábado, 1 de março de 2025

LESOTO: PARA CULTIVAR GIRASSÓIS (1ª PARTE)

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Cultivar palavras raras!

Semear os vossos versos vaporosos

 No desértico solo pós-moderno!

Ver crescer o platônico amor

Pela poetisa alvaresiana...

 Pela sacrossanta virgem vaporosa!

Dormir... Simplesmente adormecer!

 Perder a consciência,

Da realidade contemporânea abstrata. 

No mundo liquefeito!

Onde nada é real.

 

 

            Lesoto caminhou pelos corredores estreitos, até a sua estação de trabalho, ele usava roupas casuais e leves, muito diferente do seu primeiro dia de trabalho, quando usava um impecável feito sob medida. Expatriado que era, logo pensou no primeiro dia de trabalho, o cidadão do velho mundo, se chocou com a informalidade do ambiente do novo trabalho. Os olhares tortos, risos leves das caras ebúrneas e pardas, diante de um sujeito de pele escura como a noite. Ele vestido, impecavelmente como se fosse um diplomata do velho mundo, de fato foi desconfortável para Lesoto. Então o outrora Ernesto Cacinda, jornalista e revisor de profissão, se transmutou em Lesoto Maombe, foi o curador da Revista astro domo, quem o renomeou, uma tradição naquele lugar. A Revista astro domo, uma revista de arte popular, cultura pop e alternativa, moda e comportamento. Era um obscuro veículo de vanguarda, pelo menos a versão imprensa, pois a revista estava em várias redes sociais digitais e a página da revista na rede internacional de computadores. O veículo, era referenciado tanto pelos cultuadores e pelas cultuadoras das artes populares e também pelos ditos acadêmicos e eruditos, da alta cultura e do pensamento elevado.    

            O então Ernesto Cacinda e agora Lesoto Maombe, segurando uma sofisticada maleta executiva preta, caminhou em meio as funcionais mesas de escritório e fechados nichos. Barulhos de dedos ágeis e ávidos, batendo em frenesi em teclas de máquinas de escrever e modernos microcomputadores, inundavam o ambiente. Em contrastes dos marasmos e as quietudes de homens e mulheres, que fechado si, leiam, escreviam e revisam textos. E nas periferias da redação, havia as pequenas células, em reuniões informais de trabalho, onde se falava alto e se debatia métodos, dados e estáticas. Desde o primeiro dia de trabalho, Lesoto Maombe, notou que naquela confusão organizada, havia dois tipos distintos de profissionais trabalhando ali. Homens e mulheres jovens e de meia idade, ou eram da área de comunicação, arte e cultura ou áreas correlatas, haviam os tecnocratas e os alternativos. Com o convívio diário Lesoto Maombe, tomou conhecimento de dois termos caricatos, que qualificava os elementos ali dispostos. Eram os serifas e os sem serifas, os conservadores tecnocratas, eram os serifados e os alternativos, eram os sem serifas. Lesoto Maombe, se divertiu com os resultados das cizânias, tudo era resolvido sem sérios atropelos e atritos ferozes.  

            Lesoto Maombe, que depois de vários desterros involuntários no velho mundo, as circunstâncias levaram-no a cruzar o oceano, rumo ao desconhecido novo mundo, mundo desconhecido para Lesoto. O polido, filho de um militar de patente intermediária e uma rebelde intelectual militante, ao chegar na terra nova, os choques culturais foram muitos. O rebatizado Lesoto Maombe, tal como uma célula dormente, ele quase sem reservas, estava inerte à espera de uma indicação que não chegava. Até que a indicação para ele trabalhar na Revista astro-domo chegou. A priori, seria um cargo de revisor, para a versão digital da revista e caso se adaptasse ao ambiente de trabalho, para Lesoto Maombe seria oferecido outras oportunidades.

               Lesoto Maombe, se adaptou rápido ao caótico ambiente de trabalho, sem maiores problemas, e superou os percalços que naturalmente apareciam. E surgiram os termos técnicos brainstorm, briefing, clipping, teaser, deadline e  job, eram alguns dos termos usados de forma corriqueiras naquele ambiente de trabalho. E diariamante Lesoto Maombe tinha diante dele, como ferramentas de trabalho, uma sorte variada de dispositivos digitais, papel, caneta e dicionários de uma pequena e funcional biblioteca tem sortida. O revisor, poderia escolher a vontade as ferramentas, dispostas diante dele, bem como definir os horários de trabalho. O único impeditivo era levar o trabalho para casa, as coisas ali ocorriam e ali as coisas permaneciam.    

            Municiado de papel, caneta e um tablet, os jobs caiam na mesa de Lesoto Maombe, era uma gama variada de artigos técnicos, artigos de opinião, poesias, crônicos, críticas de cinema, de teatro, análises de livros, contos e fragmentos de romances. Textos de vários escritores diferentes, que iam de desconhecidos e renomados, eram textos para a versão online da Revista astro-domo, bem como para as redes sociais digitais, que a revista mantinha na internet. Lesoto Maombe recebia os textos impressos e os corrigia, vez ou outra recebia textos no seu tablet, imprimia e revisava. Uma vez corrigidos os textos, o revisor batia uma fotografia do texto com o tablet e enviava para o redator curador e Lesoto repassava o texto ao arquivista.     

            E foi assim por semanas e meses e um relacionamento com os colegas de trabalho, em uma distância segura, com conversas amenas e técnicas. Até o Simas, o redator chefe da revista, o tecnocrata, o serifado, veio ter uma conversa com Lesoto Maomba. O homem acima do peso, calvo, de meia idade, vestindo uma camisa incrivelmente branca e seus suspensórios, sempre com um cigarro na boca ou copo de café na mão. Simas encarnava a personificação da rotina e continuidade, um profissional metódico, sem meias palavras e responsável pela versão física da Revista Astro-domo. Uma versão, que Lesoto Maombe nunca tinha visto, nem mesmo uma clipagem, um prospecto, uma propaganda ou o que fosse da versão física da revista, que ele trabalhava.   

            — Querido Lesoto, estás aqui, vivendo no nosso pequeno caos! — Disse Simas, de forma amável, ele de pé na frente da mesa de trabalho de Lesoto e continuou — Tenho uma tarefa para o senhor!

            Simas depositou lentamente, uma fotografia na mesa de Lesoto, depois levou um cigarro a boca e acendeu. Tragou, sorriu e olhou de forma desafiadora para Lesoto e o revisor pegou a fotografia e viu a fotografia de um girassol no quintal de uma casa simples.  

 

Fragmento do livro: Sono paradoxal, de Samuel da Costa, poeta, novelista e contista em Itajaí, Santa Catarina.

 

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