Guardo
doces recordações dos serões da casa de meu pai. Não havia ainda televisão e
era impensável a Internet. A família ficava, após o jantar, a conviver, a
conversar.
Meu
pai, contava, então, velhas histórias de família. Histórias que ouvira a sua
avó, que explicavam a razão e a origem de certo quadro ou imagem, que tínhamos
em casa.
Entre
elas, lembro-me a do Menino Jesus. Estatueta de madeira, representando criança,
entre os quatro a cinco anos.
Havia
em Gonçalo ou arredores de Viseu - não sabia ao certo, - formosa menina, filha
de abastado lavrador, que possuía Menino Jesus, rechonchudo e coradinho,
solicitado para assistir a velórios de anjinhos, que partiam antes da
puberdade.
Na
quinta, trabalhava moço que engraçou com a menina, e esta, por sua vez,
enamorou-se do jovem. Escusado é dizer, que os pais da rapariga, não
aceitaram tal amizade. Conhecedores
dessa proibição, assentaram guardar segredo daquele amor tão desigual.
O
tempo passou, mas não a amizade. Essa, sempre crescia, alimentada com olhares
ternos e beijos furtivos.
Ardendo
em amores, a menina aceitou ser raptada. Uma bela manhã, antes do Sol nascer,
entroixou as roupas e fugiu na companhia do moço.
Receosos
que a viessem procurar, enclausurando-a num convento ou casa de familiares, os
jovens vieram para a cidade do Porto, em busca de casa e trabalho.
Acolheram-se
em modesta casinha e matrimoniaram-se na igreja de Santa Marinha.
A
vida do casal era simples, mas o amor que os unia era tão grande, que nem
reparavam na pobreza.
Bafejados
pela sorte, conseguiram amealhar pé-de-meia, e decorar a casinha com gosto e
algum gasto.
Guardava
a jovem esposa grande desgosto. Não sofria saudades dos pais, nem irmãos, e
menos ainda do quarto da rica casa paterna, mas sim, do Menino Jesus, que lá
deixara.
Certa
ocasião, o marido, ausentou-se. Foi a Viseu. Conseguiu que fossem solicitar o
“Menino”, para expô-lo a velório de anjinho. Na pose da imagem, correu a
santeiro, para que fizesse cópia fiel.
Decorrido
semanas, na posse da imagem, apresentou-a, cheio de contentamento, à mulher.
Perante o alegre pasmo, ouviu, o moço, áspera censura:
- “
Não quero o Menino. Fizeste acto muito feio: roubar é pecado!
Mas
logo tudo foi sanado, ao saber que era apenas cópia.
Assim
a imagem passou de geração a geração, até às minhas mãos.
Com
a televisão e outros entretenimentos, os acolhedores serões em família,
terminaram - já na minha adolescência. Com eles, perdi velhas e curiosas histórias
que tanto encantaram a minha juventude.
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