Por
Humberto Pinho da Silva
(Vila
Nova de Gaia, Portugal)
Vivo de saudade, dos vivos e dos mortos. Dos vivos, que se
perderam no turbilhão da vida; dos mortos, que conheci…; e até das casas e
lugares que desapareceram, sinto saudade…
Saudade do menino que fui, do tempo de infância, quando
pela mimosa mão de minha mãe, ia à cidade.
Como gostava de passear pelas ruas do Porto! …As montras
iluminadas, os carros deslizando pela calçada, as pessoas, a confusão, a luz,
as cores vistosas dos vestidos … Tudo para mim, para meus olhos de criança, era
um encanto.
Certa ocasião, ao dobrar a rua das Flores – então conhecida
pelo ouro, – para os Loios, minha mãe escorregou. Quase caiu. Amparei-a.
Virando-se para mim, muito séria, disse: - “ Se não fosses
tu, tinha caído…” – Fiquei orgulhoso! …Teria seis anos. Não mais.
Saudade dos meses quentes de Verão, que passei na Vilariça,
na simpática “ Quinta do Bem “…
Dos animais, da vida agrícola, mormente do tanque de pedra,
de água corrente, toldado de densa parreira, convidando-me à preguiça; à
delícia da sonolência…nas cálidas tardes de Estio.
Saudade do Nero. Canzarrão meigo, amigo sincero, que sempre
permanecia junto de mim. De noite dormia estendido na soleira da porta, porque
não o deixavam entrar.
Saudade da velha e amiga cidade de Bragança, onde permaneci
quatro longos anos, que foram os melhores e os piores da minha existência.
Saudade, saudade que lasca o coração e se enraizou na
memória, sinto daquela que foi para mim, a melhor amiga:
Tinha nos olhos sorrisos e ingenuidade. Boca pequenina.
Lábios cor-de-rosa. Por eles saíam ternas palavras que faziam sonhar…
Por que boa fada não encantou, para sempre, num sonho
perpétuo, o quadro familiar?! … - Ela sorrindo, eu, enlevado na beleza, na
graciosidade de uma criança amorosa…
Saudade das tardes de sábado, quando visitava velhas senhoras.
Poder correr livremente ao redor do pessegueiro, sentido o perfume adocicado de
roseiras floridas, e a glicínia, de grandes e vistosos cachos roxos, espiando a
rua, debruçada em tosco muro de pedra.
Saudade de certo mês de Dezembro, que passei na Parede.
Época dolorosa, mas que despertou sentimentos que não conhecia…
Saudade do Manuel Maria, e dos amenos passeios por velhos
becos e vielas tripeiras…
Saudade de Roma. Do reconfortante silêncio do claustro,
vendo monges deslizarem pelos corredores, envoltos numa luz misteriosa e
silenciosa. - “ Aquele fraterno é um santo…como já não há!...” – Disse-me o meu
companheiro.
Saudade de Frei António, sempre prestável, sempre afável, a
mostrar-me belos rincões da Cidade Eterna.
Saudade da Pauliceia. Das pessoas que conheci, e das
figuras simpáticas que me apresentaram: - “ Você é português?! … Então é quase
brasileiro…” afirmou-me arquitecto de Porto Alegre.
Saudade de Itanhaém. Da casinha amorosa, que ficava
perdida, em verduras, na Praia dos Sonhos…
Ai, nesse bocadinho de terra abençoada, convivi com a que
se tornou companheira de jornada.
Saudade do velho prédio de alforge, que tinha quase
duzentos anos, onde nasci…e da humilde casinha de Sumaré…
Saudade dos mortos, que legaram o que sou e o que sei.
Tudo e todos vivem dentro de mim…. Neste corpo envelhecido,
que sofre dia e noite…
Todos me deixaram um pouco. Devo-lhes o que fui e o que
sou.
A todos agradeço. Todos se encontram entranhados neste
cansado coração…
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