domingo, 1 de outubro de 2017

TECENDO A VIDA

Por Paccelli M. Zahler

(à Maria Letícia, minha mãe)

Quando vim ao mundo,
Não sabia o rumo a tomar
Que o caminho seria longo,
Que teria muito a andar.

Rodeada de tecidos,
Linhas, agulhas, torçais,
Aprendi a costurar,
A crochetar, a tricotar...

Dando forma aos panos,
Os fios a entrelaçar,
Fui tecendo a vida,
Nem a vi passar.

O GAROTINHO BRAGANÇANO

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)



Não sei se já vos falei de amoroso menino, que conheci, nos anos sessenta, na velha cidade de Bragança.
Tinha a cabeça coberta de farto e fino cabelo; cabelo macio, escorrido, de nuances em ouro velho, que lhe descia até aos ombros. Rosto oval. Pele branca, cetinosa, ligeiramente tostadinha. Olhos vivos e meigos. Lábios bem desenhados. Pescoço alto e esbelto; e cândida expressão, que cativava.
Foi meu companheiro. Companheiro dedicado, com quem passei largos e longas horas de ameno convívio fraternal.
Certa ocasião, após ter vindo, definitivamente, para a cidade do Porto, hospedei-me em modesta pensão bragantina, cuja fachada era fronteira à velha estação ferroviária.
Após o almoço, inesperadamente, surgiu-me, num lanço das escadas, que comunicavam com os quartos, sorrindo. Sorriso lindo, que jamais pude esquecer.
Admirei-me da insólita presença, e indaguei, curioso, a razão de me esperar:
- “ Olá! Então por aqui?! …”
Num trejeito juvenil, disse-me, encolhido, titubeando:
- “ Minha mãe pediu-me para o vir buscar, e ajudá-lo a levar a mala… – Explicou, de mãos enlaçadas, balanceando o corpo.
Agradeci, penhorado, a gentileza, e cortesmente, esclareci que não pretendia incomodar.
- “ O primo Humberto nunca incómoda! …Assim ficamos todos juntos…”
Fiquei sem palavras. Emocionado. Sabia que falava com sinceridade. Os olhos não enganavam…
Não o deixei trazer a mala, como queria. Mala antiga, de cartão endurecido, de cor acastanhada. Insistiu. Recusei. Vencido, acompanhou-me em silêncio.
Ao cruzarmos a Praça da Sé, junto ao Café Central, voltou-se para mim, e, timidamente, declarou:
- “ Minhas irmãs estão ansiosas de o ver…”
Este rapazinho, de bondade e sensibilidade extrema, foi o meu companheiro predileto; amigo sincero e leal, nos anos, que, por obrigação, permaneci na sua velha e encantadora cidade.
Decorrido um bom par de anos, após a derradeira visita, que fiz, encontrei-o, já adolescente, na bonita aldeia de seu pai.
Avizinhou-se, numa tarde abafada de Agosto, com a mesma simplicidade de sempre, e convidou-me para acompanhá-lo a bonito prado, onde pesada vaca, malhada, branca e preta, pastava pachorrentamente, com chocalho barulhento.
Deitamo-nos na relva fofa, mirando o céu azul – onde vagavam pequenas e esfarrapadas nuvens brancas, – sob frondosa e farfalhuda figueira. Uma andorinha, num voo baixo e elegante, rasgou o ar, pairando sobre a relva.
Raios doirados do Sol, crivados pela espessa e fresca ramagem, manchavam-nos o rosto de sombras escuras e claras. Enorme e acolhedora paz, envolvia-nos. Calor de rachar! …Cantavam, não sei onde, à compita, cigarras e grilos – gri, gri.gri…; crass,crass…zzz…- quebrando o murmúrio do silencio.
Os cavalos – que nos transportaram – libertos do selim, espojavam-se, retoiçando e relinchando, alegremente, na relva verde-escura. Ao longe, ladravam cães, e chegavam vozes imperceptíveis, de mulheres e crianças.
Conversamos sobre a canícula, que tudo secava; da beleza de viver à beira-mar; e da tumultuosa vida citadina.
Disse-lhe, então, que dentro de dias tinha que regressar.
- “ E não vai a Bragança?! – Indagou, com pontinha de censura.
- “ Não. Parto diretamente para o Porto.”
_ “ Fique mais uns dias! …A mãe, e minhas irmãs, também gostam muito do primo…”
Não fiquei. Não podia. Na hora da despedida, abraçou-me, beijou-me, e não sei se chegou a chorar.
Fiquei com a sensação – talvez errada, – que me queria dizer, muito baixinho: “ leve-me consigo…”
Soube, mais tarde, por meu irmão, que havia falecido, de forma trágica.
Fiquei triste. Muito triste…
Triste, por não o ter visitado mais vezes. Triste, porque amizades assim, nunca mais encontrei.
Escrevo, esta crónica, ao cair da tarde. Em breve, para as verdes várzeas do Candal, o céu azul, alaranjar-se-á; e tonalidades quentes de vermelho-sangue e amarelo-ouro-esverdeado, pintarão o azul desmaiado do céu, desta tórrida tarde de Verão.
É o pôr-do-sol. Espetáculo apoteótico de luz e cor. Extasiante; sempre renovado e belo, que encanta, e deixa paz na alma angustiada.
O Sol sempre nasce e sempre morre; morre e nasce todos os dias: iluminando, dando vida e cor à Terra.
Mas…Ai de mim! …, que, vertiginosamente, caminho para as derradeiras cores do meu crepuscular…
Em breve chegará a noite negra; mas enquanto não vier o sono, viverei dos lindos sonhos, que vivi, e dos que não vivi, mas gostaria de os ter vivido…
Recordando companheiros que partiram… mas vivem, eternamente, dentro de mim; e os que ainda não partiram… mas já me sepultaram no esquecimento…

Este garotinho não morreu: repousa no meu coração saudoso: sempre jovem, sempre sorrindo, sempre a dizer muito baixinho à minha alma contristada: “ Gosto muito do primo! …”

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, É PARA TODOS?

   “Posso não concordar com uma só palavra sua, mas
      defenderei até à morte o seu direito de dizê-la.”

                                                                            Voltaire



Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)


Editora portuense, deu à estampa dois cadernos de exercícios para crianças: um, dedicado a meninos; outro a meninas.
Logo se levantaram vozes indignadas, que, em nome da educação democrática, pediram a retirada dos livros.
Não posso avaliar os conteúdos dos cadernos, porque não os vi; mas admiro-me de tamanha indignação:
Não vivemos num regime democrático, onde cada qual compra o que quer, e goza de liberdade de escolha?! …
Eu sei, que há quem confunda: ensino com educação; e há, igualmente, quem considere: igualdade de oportunidades e direitos, com igualdade de género.
Está em voga, pelo menos no Mundo Ocidental, defender educação igual para ambos os sexos. Pretende-se educar, do mesmo modo como o dinheiro é cunhado na Casa da Moeda. Todos iguais.
Outrora ouvia, muitas vezes, eminentes homens de esquerda, criticar a Mocidade Portuguesa, que pretendia inculcar valores e ideologias caras ao Estado Novo.
Diziam – e bem, – que cabia aos pais escolher e orientar os filhos; encaminhando-os, na vida, segundo seus princípios e valores.
Em nome da “ liberdade”, o Estado Novo retirava do mercado, tudo que não perfilhasse a ideologia em vigor. Era a ditadura.
Agora, em nome da “liberdade”, condenam, criticam e insultam (por vezes,) tudo e todos, que não seguem a ideologia “oficial”. É o direito democrático.
Como os antigos antifascistas (se me permitem pensar,) penso: cabe aos pais, educadores – enfim à família, – educar as crianças, dentro dos padrões e princípios que professam.
Não há – como alguns afirmam, – uma educação; mas várias. Como não cabe ao Estado e à classe politica, impor, mas defender a livre escolha e a livre opinião.
Há educadores, de países – de amplas liberdades, – que procuram igualar os sexos, desde a mais tenra idade: para isso, as casas de banho de escolas, são unissexo; e defendem, até, que cada qual, traje, como deseja: de saia, calção ou calça comprida, sejam meninos ou meninas.
Pretendem, deste modo, igualar o género, mesmo quando os pais e as crianças, não querem: por pudor ou vergonha.
Admira-me, todavia, que, certas pessoas, que eram acérrimas puritanas, no tempo da ditadura, fiquem agora silenciosas, permitindo que o direito de expressão e de educação, sofra tratos de polé.
Teriam mudado de opinião ou acomodaram-se?
Admira-me, mas não devia admirar-me, porque os que defendem plena liberdade, costumam ficar mudos, quando se trata de a defender, em certas zonas do globo…
Mas, já o nosso Camões, dizia: “ É fraqueza entre ovelhas ser leão” (Lus. Cant. I - LXVIII).

E há tantos leões!...

SEDE

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(para Carmen Sílvia Presotto, em memória)



Porque da sede somos o cantil repleto

temos deveres e direitos em obrigações

diversas dos outros que são a seca

no copo vazio onde não aplacam iras

nem votos declarados como prática

da ética: infiéis procuram nas luas

sinais externos de que a vingança

se fará breve e ilusória na hora

em que apenas o sonho for visto

sobre dunas em águas salgadas



meu barco não será seu barco

nem nosso o impulso dos remos

que nos levará as terras opacas

entre espelhos foscos

e o cantil estará pela metade



instante em que nos vemos

sem entendermos as razões

além das órbitas e rotações



por ciúme derramamos o líquido

sobre as faces que na sede

temos o cantil vazio: em areias

encalhamos o barco ao fazermos

as mãos destrançadas em ritmos

e gestos de até logo.


THIRST

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

(to Carmen Sílvia Presotto, in memoriam)


As we are the full cantel for the thirst

we have duties and rights in different

obligations from the others who are the

drought in the empty glass where they

do not placate ehtics wraths or declared vows

as ethics’ practice: infidels seek on the moons

external signs that revenge will become brief

and illusory at the time that only the dream

is seen above dunes in salt water



my boat will not be your boat

nor ours the impulse of oars

which will take us to opaque lands

between frosted mirrors

and the cantel will be in half



moment that we see ourselves

without understanding the reasons

beyond the orbits and rotations



out of jealousy we pour the liquid

on the faces that on the thirst

we have an empty cantel: on sands

we run aground the boat as we do

with untied hands in rhythms


and gestures of good-bye.

CONHECIDOS

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)


Conversamos longas horas

fôssemos amigos de sempre

e nossas infâncias

precisassem ser revistas

nos sonhos alcançados

pelas frustrações dos caminhos

raiva e ódio do que deu errado

rimos velhas piadas repetidas

e a bebida nos subiu a cabeça

embriagados entre tempos



as restantes horas foram de silêncios

olhares dispersos nos móveis da sala

o constrangimento na falta de assunto

nossas conversas passadas no início

desencontros impostos pela vida

no vício do trabalho e famílias



fomos conhecidos outrora

colegas nos bancos escolares

que se reencontram por acaso

esquecidos das lembranças


logo voltem aos seus mundos.

ACQUAINTED

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)



We talked for long hours

as if we were old friends

and our childhoods

needed to be revised

in dreams reached

by the frustrations of the paths

hate and anger at what went wrong

we laughed at old and repeated jokes

and the drink came to our heads

drunk between times



the remaining hours where of silences

scattered looks on the living room      furniture

the constraint in the lack of subject

our pas conversations at the beginning

mismatches imposed by life

in work addiction and families



we were acquainted once

classmates

who meet again by chance

with forgotten memories


soon return to their worlds.

MAR EM FÚRIA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

                                                                     Para José Luiz P. Grando e Roberto Lamim

Acreditar em quem?
Nestes dias confusos...
De extrema dor,
De profunda solidão!
E puro desespero.
***
Ando pela orla da praia!
Com meus fraternais amigos!
De luta e da negra dor...
Saudamos o mar em fúria,
E as milenares rochas.
Avisam-me...
Que não somos coisa alguma.
Que não devemos...
Querer ser nada...
Que não seremos nada.
Não poderemos ser nada!
***
Ando pela orla da praia!
E mais que de repente,
Uma onda...
Que me pega desavisado
Lembra-me!
Que na sou nada...
***
A água fria e salgada,
Queima as novas tecnologias!
Avisando que não somos nada...
Que não devo querer ser nada!

ADEUS GESTALT

Por Samuel da Costa (Itajaí,SC)

Hoje não
Eu não ficarei a tua
Milenar espera
Não perderei meu sacrossanto sono
Por ti
Meus devaneios idílicos
Vão para bem longe
Da tua trágica presença
Na minha vida
***
Hoje não
Não te renderei
Quiméricos tributos
Ficarei sozinho comigo mesmo
E mais ninguém
***
Pois hoje
Não tenho nada para te dizer
Ignota musa intocada
Enclausurada eviterna
Na Turris Eburnea
***
Hoje
E então somente hoje
Estou perdido
Vagando
No deserto árido pós-modernista
Dentro de mim
***
Hoje prefiro o silêncio sepulcral
Ficar no silêncio secular
Dos intervalos infinitos
Dentro de mim
Hoje fico sozinho
Em paz comigo mesmo

O NEGRO DOS OLHOS TEUS

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

                                                                                            Para Vanessa Martins DA Maia

Quantos mistérios...
Podem caber no negro...
Dos olhos teu?
O que tu escondes de mim?
No cair da noite eviterna?
Quando todos foram dormir...
O sono eterno!
***
Mas amanheceu
No novo mundo...
Sacrossanta madonna minha!
E passou da hora...
De ganhares as ruas...
Novamente!
Divinal consorte minha,
Passou da hora...
De experimentares o frescor,
Da luz do dia !
***
Mas quantos mistérios...
Ainda podem caber...
No negro dos olhos teu?
Por quantos tortuosos caminhos...
Percorresses...
Minha magnânima musa ideal...
Até chegares aqui?
***
Quantos mistérios podem caber...
No magnifico olhar teu?

COMO ME ILUDI

Por Vivaldo Terres (Itajaí, SC)

Entre outras que conheci...
Tu foste aquela...
Que sempre amei.
Eras para mim,
A fonte de ternura!
E único amor que sempre devotei.
***
Eras para mim a eterna claridade.
Mesmo nos dias nublados...
E noites sem lua!
Eras para mim o sol,
Com o seus raios divinos.
Ao me aquecer...
Após uma noite fria!
***
Hoje apesar dos tempos...
Já passados!
E saber que já...
É uma página virada...
Como me iludi!
Com estes pensamentos...
Como posso te esquecer,
Se tu foste a minha amada?

A MINHA PRIMEIRA ÁRVORE

Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)       
             
                                    Na primeira casa da minha infância havia, ao lado, um quadrado de grama onde a minha mãe quarava roupa, e, no meio desse quadrado, a primeira árvore importante da minha vida. Era um velho pé de Pflaumen (acho que é assim que se escreve – penso que hoje as Pflaumen estão sendo chamadas de ameixas, aquelas vermelhas, que dão na época de Natal).
                                    Aquele pé de Pflaumen continha um universo inteirinho: na sua velhice, era cheio de nodosidades, ocos e cascas esbranquiçadas meio soltas, e nele eu podia encontrar tudo o que o universo da imaginação continha. Até hoje eu não saberia dizer o tamanho que é o universo da imaginação, mas sei que ele estava todo lá. Aquela velha árvore foi o meu primeiro exercício para um dia vir a ser uma escritora.
                                    No seu tronco, eu encontrava tenebrosas cavernas onde, com certeza, moravam anõezinhos para os quais eu imaginava as mais fantásticas aventuras. Também fadinhas transparentes voavam por ali, eu tinha certeza, e eram de realizar qualquer desejo que uma criança tivesse. Eu via esses anõezinhos e essas fadinhas com a mesma nitidez com que via as borboletas, as bichas-cabeludas e os outros insetos que por ali andavam, e para cada um eu imaginava enredos e aventuras. Tinha um cuidado especial com as bichas-cabeludas, nas quais sabia que não deveria tocar, pois já, um dia, encostara numa delas, e doera terrivelmente a queimadura que seus pelos tinham deixado na minha pele. Mas elas eram lindas! Havia-as vermelhas, alaranjadas, amarelas, verdes – que fantásticas que eram, com suas dezenas de pezinhos e seus pequenos corpos que se movimentavam velozmente pelo tronco daquela árvore encantada!
                                    Por ali, também, estavam as inimigas – é triste constatar que, já lá ao três anos de idade, a gente descobre que sempre há algum tipo de inimigo! As inimigas, no caso, eram as aranhas, que estendiam magníficas teias perfeitamente tecidas aproveitando como apoio as cascas do rugoso pé de Pflaumen, e nas manhãs daquela Primavera onde eu estava descobrindo o mundo, aquelas teias acordavam resplandecentes de orvalho, como verdadeiras jóias tecidas de miríades de diamantes luminosíssimos! A aranha ficava lá, bem no meio daquela luminosidade toda, e eu ficava olhando, torcendo para que ninguém quisesse chegar perto. Não tinha jeito, porém – sempre alguém acabava atraído por toda aquela beleza que resplandecia ao sol, e às vezes eu conseguia salvar o inseto desavisado, puxando-o para fora da enganosa e grudenta teia com um pauzinho. Às vezes, porém, não era possível. Então, horrorizada, eu via a aranha vir andando devagar, com toda a calma, para saborear o seu almoço. E olhem que às vezes era almoço grande, uma bicha-cabeluda inteira para uma pequena aranha – então quando não tinha o que fazer, eu fechava os olhos e corria me esconder para chorar, escondida, pela sorte daquele bichinho que estava sendo devorado.
                                    Alguém há de perguntar: por que é que eu não matava as aranhas? Sei muito bem a resposta: porque não tinha coragem. Elas também eram vida e também faziam parte do mundo mágico e encantado daquela minha primeira árvore. Havia que tentar proteger os outros insetos, mas também havia que respeitar as aranhas e as suas teias luminosas e enganadoras.
                                    Aquela minha primeira árvore muito me ensinou sobre a vida e sobre a imaginação. Mesmo agora, tantas décadas depois, quando as coisas ficam complicadas, às vezes eu penso nela, e desejo ser muito pequena, para voltar a ela e esconder-me numa das suas misteriosas cavernas. Imaginando com força, ainda consigo.


                                               Blumenau,SC, 08 de Setembro de 2002.

PROJETO GEMINI

Por Urda Alice Klueger ( Enseada de Brito, SC)

Sempre digo que me criei numa época maravilhosa, onde aconteceram coisas tão fantásticas como nunca o mundo tinha visto. Essas coisas vão desde os Beatles até o movimento hippie, com sua quebra dos valores estabelecidos, e entre elas, sem dúvida, uma das mais empolgantes foi a corrida espacial.
Eu ainda não sabia ler quando me chegou a primeira informação: o Sputnik, artefato soviético que andou entrando na órbita da terra. O Sputnik chegou até mim através de uma revista infantil chamada “Reizinho” – minha irmã mais velha foi quem leu para mim a história do Reizinho às voltas com um Sputnik que ele não entendia.
Em seguida, houve a história da cachorra Laika, que havia entrado em órbita terrestre. Talvez Laika tivesse viajado no próprio Sputnik, não sei mais – o que sei é que nasceu uma ninhada de cachorrinhos, lá em casa, e a cadelinha mais bonita recebeu o nome de Laika. Bem empolgantes foram os meus primeiros contatos com a corrida espacial! Só tinha que me envolver com ela!
Em 1961, quando estava no segundo ano de escola, minha professora, a Irmã Rosária, contou-nos que um ser humano, dentro de uma nave espacial, andara na órbita da Terra. Não sei o que as outras crianças acharam, mas para mim foi o máximo: para uma criança que tinha uma cachorra chamada Laika e que já prestara atenção no Sputnik, aquilo era uma baita novidade. Se a memória não me falha, o ser humano em questão chamava-se Iuri Gagarin.
Daí para a paixão total pelo assunto foi um pulo, principalmente quando os Estados Unidos entraram na corrida espacial e começou o projeto Gemini.
Quantas Geminis foram para o espaço? Já não sei mais, mas foram muitas. Sei é que não perdia mais um noticiário, no rádio, de meio-dia e de noite, para ver se havia alguma notícia nova sobre o projeto Gemini.
As naves espaciais Gemini sempre levavam dois ou três astronautas, e é claro que eu também iria ser astronauta quando crescesse. A cada nave que ia para o espaço, eu passava dias e dias o mais que podia junto ao rádio, acompanhando todas as possíveis notícias sobre cada astronauta, vivendo a vida deles, querendo respirar por eles.
Houve uma viagem de uma Gemini que não deu muito certo: na hora de reentrar na atmosfera da Terra, alguma coisa saiu errada, e a nave não podia mais voltar. Meu Deus, o que seria dos meus maravilhosos astronautas que eram como pessoas da minha família? Eles iriam morrer lá em cima, quando acabasse o oxigênio – um astronauta era alguém sagrado, não podia morrer! Ah! Como eu rezei naqueles dias, o quanto pedia a Deus e ao meu anjo-da-guarda que ajudasse os estadunidenses para que eles achassem uma solução, para que salvassem os astronautas! Era indizível a minha angústia, impossível sossegar ou dormir quando sabia que, lá no céu, em algum lugar, alguns astronautas poderiam, dali a algumas horas, ficar sem oxigênio e morrer!
Os estadunidenses acabaram achando o ângulo certo para a nave reentrar na atmosfera, e os astronautas por quem eu tanto rezara acabaram caindo no Oceano Pacífico, e saíram da sua Gemini sorrindo para todo o mundo. Essas imagens a gente via nas revistas, na semana seguinte, e elas aqueciam o coração, como aqueciam!
Daí, já perto de 1970, quando eu já era uma adolescente, mas não tinha perdido nem um pouquinho do meu entusiasmo pela corrida espacial, uma Gemini chegou à lua! Só fui ver as imagens televisadas anos depois – ainda não tínhamos televisão, continuávamos com as fotos das revistas, mas aquilo foi uma das coisas mais fantásticas que poderia ter acontecido! É claro que depois da lua iríamos a Marte, e a outros, outros e outros planetas. Eu me aplicava na escola para estar bem preparada na hora de ser astronauta, mas a coisa mixou. Depois da lua, o Projeto Gemini foi parando... parando... até que parou de vez. Vieram outras coisas, depois, ônibus espaciais, coisas assim, mas a magia do projeto Gemini nunca mais voltou.  Acabei sendo escritora, sem a menor chance de algum dia chegar à astronauta. Foi uma pena! Teria sido muito mais divertido se o antigo sonho tivesse dado certo!


Blumenau, SC, 28 de junho de 1997.

CARTA DE AMOR

 Por Clarisse da Costa  (Biguaçu, SC)

Eu não tenho como
Tirar a sua dor
Meu amor,
Faz parte da vida;
Dizem que com ela
Vem o nosso crescimento;
Não sei onde nos leva,
Mas vi algumas dores
Unirem pessoas
E abraços formarem laços.
Não sei se você
Percebeu
Eu lhe prendi a mim
Como passarinho na gaiola;
Só que a minha gaiola
Sempre estará aberta
Pra quando você quiser partir.
Dentro de mim
Mora o amor;
Aliás, sempre morou;
Hoje nutri sentimentos por você.
Não foi por querer;
Talvez sendo;
Foge de mim;
São inesperados
Esses meus sentimentos;
Latentes
E profundos n’alma;
Ela que nunca sabe me dizer
A direção.
Não são teus
Os meus sonhos;
Nem os teus
Os meus;
Às vezes
Nem dona de mim
Eu sou.
Caio fundo
No ignoto espaço
Onde sobram pensamentos;
Palavras caiem na roda;
Ficam na ciranda;
A roda gira e gira,
E sempre para no mesmo ponto,
Você comigo!
Então tento me perder
Nos seus braços,
Na tentativa de ser;
Talvez um suspiro de amor.
Por alguns instantes
Sou tua
De sutiã vermelho
A sua espera;
O sorriso no canto
E o olhar lhe chamando.
Meu amor...
Assim posso chamar-te;
Cada linha que escrevo
Digo o quanto
Eu te amo.
Loucura?
Talvez.
O mais provável
É uma fuga de mim,
Do cotidiano
E o desejo de ter

O que eu não tive.
Você é a minha esperança
Que tudo é possível.
Vi nos seus olhos
O que há em mim,
Uma vontade de vencer;
Um brilho que
Toma conta de todo o meu corpo
E me faz esquecer
Do tempo,
Das horas marcadas
Do cotidiano,
Da loucura insana
Do meu ser.
Meu amor,
Não sei
O que sou para você;
Mas essas alturas
Nada importa;
Somente saber que é
Possível amar
Sem sofrer!