By Arjun Singh Bhati (Jaisalmer, India)
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
domingo, 1 de outubro de 2017
TECENDO A VIDA
Por Paccelli M. Zahler
(à Maria Letícia, minha mãe)
Quando vim ao mundo,
Não sabia o rumo a tomar
Que o caminho seria longo,
Que teria muito a andar.
Rodeada de tecidos,
Linhas, agulhas, torçais,
Aprendi a costurar,
A crochetar, a tricotar...
Dando forma aos panos,
Os fios a entrelaçar,
Fui tecendo a vida,
Nem a vi passar.
O GAROTINHO BRAGANÇANO
Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Não sei se já vos falei de
amoroso menino, que conheci, nos anos sessenta, na velha cidade de Bragança.
Tinha a cabeça coberta de farto
e fino cabelo; cabelo macio, escorrido, de nuances em ouro velho, que
lhe descia até aos ombros. Rosto oval. Pele branca, cetinosa, ligeiramente
tostadinha. Olhos vivos e meigos. Lábios bem desenhados. Pescoço alto e
esbelto; e cândida expressão, que cativava.
Foi meu companheiro.
Companheiro dedicado, com quem passei largos e longas horas de ameno convívio
fraternal.
Certa ocasião, após ter vindo,
definitivamente, para a cidade do Porto, hospedei-me em modesta pensão
bragantina, cuja fachada era fronteira à velha estação ferroviária.
Após o almoço, inesperadamente,
surgiu-me, num lanço das escadas, que comunicavam com os quartos, sorrindo.
Sorriso lindo, que jamais pude esquecer.
Admirei-me da insólita
presença, e indaguei, curioso, a razão de me esperar:
- “ Olá! Então por aqui?! …”
Num trejeito juvenil, disse-me,
encolhido, titubeando:
- “ Minha mãe pediu-me para
o vir buscar, e ajudá-lo a levar a mala… – Explicou, de mãos enlaçadas,
balanceando o corpo.
Agradeci, penhorado, a
gentileza, e cortesmente, esclareci que não pretendia incomodar.
- “ O primo Humberto nunca
incómoda! …Assim ficamos todos juntos…”
Fiquei sem palavras.
Emocionado. Sabia que falava com sinceridade. Os olhos não enganavam…
Não o deixei trazer a mala,
como queria. Mala antiga, de cartão endurecido, de cor acastanhada. Insistiu.
Recusei. Vencido, acompanhou-me em silêncio.
Ao cruzarmos a Praça da Sé,
junto ao Café Central, voltou-se para mim, e, timidamente, declarou:
- “ Minhas irmãs estão
ansiosas de o ver…”
Este rapazinho, de bondade e
sensibilidade extrema, foi o meu companheiro predileto; amigo sincero e leal,
nos anos, que, por obrigação, permaneci na sua velha e encantadora cidade.
Decorrido um bom par de anos,
após a derradeira visita, que fiz, encontrei-o, já adolescente, na bonita
aldeia de seu pai.
Avizinhou-se, numa tarde
abafada de Agosto, com a mesma simplicidade de sempre, e convidou-me para
acompanhá-lo a bonito prado, onde pesada vaca, malhada, branca e preta, pastava
pachorrentamente, com chocalho barulhento.
Deitamo-nos na relva fofa,
mirando o céu azul – onde vagavam pequenas e esfarrapadas nuvens brancas, – sob
frondosa e farfalhuda figueira. Uma andorinha, num voo baixo e elegante, rasgou
o ar, pairando sobre a relva.
Raios doirados do Sol, crivados
pela espessa e fresca ramagem, manchavam-nos o rosto de sombras escuras e
claras. Enorme e acolhedora paz, envolvia-nos. Calor de rachar! …Cantavam, não
sei onde, à compita, cigarras e grilos – gri, gri.gri…; crass,crass…zzz…-
quebrando o murmúrio do silencio.
Os cavalos – que nos
transportaram – libertos do selim, espojavam-se, retoiçando e relinchando, alegremente,
na relva verde-escura. Ao longe, ladravam cães, e chegavam vozes
imperceptíveis, de mulheres e crianças.
Conversamos sobre a canícula,
que tudo secava; da beleza de viver à beira-mar; e da tumultuosa vida citadina.
Disse-lhe, então, que dentro de
dias tinha que regressar.
- “ E não vai a Bragança?! –
Indagou, com pontinha de censura.
- “ Não. Parto diretamente
para o Porto.”
_ “ Fique mais uns dias! …A
mãe, e minhas irmãs, também gostam muito do primo…”
Não fiquei. Não podia. Na hora
da despedida, abraçou-me, beijou-me, e não sei se chegou a chorar.
Fiquei com a sensação – talvez
errada, – que me queria dizer, muito baixinho: “ leve-me consigo…”
Soube, mais tarde, por meu
irmão, que havia falecido, de forma trágica.
Fiquei triste. Muito triste…
Triste, por não o ter visitado
mais vezes. Triste, porque amizades assim, nunca mais encontrei.
Escrevo, esta crónica, ao cair
da tarde. Em breve, para as verdes várzeas do Candal, o céu azul,
alaranjar-se-á; e tonalidades quentes de vermelho-sangue e
amarelo-ouro-esverdeado, pintarão o azul desmaiado do céu, desta tórrida tarde
de Verão.
É o pôr-do-sol. Espetáculo
apoteótico de luz e cor. Extasiante; sempre renovado e belo, que encanta, e
deixa paz na alma angustiada.
O Sol sempre nasce e sempre
morre; morre e nasce todos os dias: iluminando, dando vida e cor à Terra.
Mas…Ai de mim! …, que,
vertiginosamente, caminho para as derradeiras cores do meu crepuscular…
Em breve chegará a noite negra;
mas enquanto não vier o sono, viverei dos lindos sonhos, que vivi, e dos que
não vivi, mas gostaria de os ter vivido…
Recordando companheiros que
partiram… mas vivem, eternamente, dentro de mim; e os que ainda não partiram…
mas já me sepultaram no esquecimento…
Este garotinho não morreu: repousa
no meu coração saudoso: sempre jovem, sempre sorrindo, sempre a dizer muito
baixinho à minha alma contristada: “ Gosto muito do primo! …”
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, É PARA TODOS?
“Posso não
concordar com uma só palavra sua, mas
defenderei até à morte o seu direito de
dizê-la.”
Voltaire
Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Editora portuense, deu à
estampa dois cadernos de exercícios para crianças: um, dedicado a meninos;
outro a meninas.
Logo se levantaram vozes
indignadas, que, em nome da educação democrática, pediram a retirada dos
livros.
Não posso avaliar os conteúdos
dos cadernos, porque não os vi; mas admiro-me de tamanha indignação:
Não vivemos num regime
democrático, onde cada qual compra o que quer, e goza de liberdade de escolha?!
…
Eu sei, que há quem confunda:
ensino com educação; e há, igualmente, quem considere: igualdade de
oportunidades e direitos, com igualdade de género.
Está em voga, pelo menos no
Mundo Ocidental, defender educação igual para ambos os sexos. Pretende-se
educar, do mesmo modo como o dinheiro é cunhado na Casa da Moeda. Todos iguais.
Outrora ouvia, muitas vezes,
eminentes homens de esquerda, criticar a Mocidade Portuguesa, que pretendia
inculcar valores e ideologias caras ao Estado Novo.
Diziam – e bem, – que cabia aos
pais escolher e orientar os filhos; encaminhando-os, na vida, segundo seus
princípios e valores.
Em nome da “ liberdade”, o
Estado Novo retirava do mercado, tudo que não perfilhasse a ideologia em vigor.
Era a ditadura.
Agora, em nome da “liberdade”,
condenam, criticam e insultam (por vezes,) tudo e todos, que não seguem a
ideologia “oficial”. É o direito democrático.
Como os antigos antifascistas
(se me permitem pensar,) penso: cabe aos pais, educadores – enfim à família, –
educar as crianças, dentro dos padrões e princípios que professam.
Não há – como alguns afirmam, –
uma educação; mas várias. Como não cabe ao Estado e à classe politica, impor,
mas defender a livre escolha e a livre opinião.
Há educadores, de países – de
amplas liberdades, – que procuram igualar os sexos, desde a mais tenra idade:
para isso, as casas de banho de escolas, são unissexo; e defendem, até, que
cada qual, traje, como deseja: de saia, calção ou calça comprida, sejam meninos
ou meninas.
Pretendem, deste modo, igualar
o género, mesmo quando os pais e as crianças, não querem: por pudor ou
vergonha.
Admira-me, todavia, que, certas
pessoas, que eram acérrimas puritanas, no tempo da ditadura, fiquem agora
silenciosas, permitindo que o direito de expressão e de educação, sofra tratos
de polé.
Teriam mudado de opinião ou
acomodaram-se?
Admira-me, mas não devia
admirar-me, porque os que defendem plena liberdade, costumam ficar mudos,
quando se trata de a defender, em certas zonas do globo…
Mas, já o nosso Camões, dizia:
“ É fraqueza entre ovelhas ser leão” (Lus. Cant. I - LXVIII).
E há
tantos leões!...
SEDE
Por Pedro Du Bois (Balneário
Camboriú, SC)
(para Carmen Sílvia Presotto, em
memória)
Porque da sede somos o cantil
repleto
temos deveres e direitos em
obrigações
diversas dos outros que são a
seca
no copo vazio onde não aplacam
iras
nem votos declarados como prática
da ética: infiéis procuram nas
luas
sinais externos de que a vingança
se fará breve e ilusória na hora
em que apenas o sonho for visto
sobre dunas em águas salgadas
meu barco não será seu barco
nem nosso o impulso dos remos
que nos levará as terras opacas
entre espelhos foscos
e o cantil estará pela metade
instante em que nos vemos
sem entendermos as razões
além das órbitas e rotações
por ciúme derramamos o líquido
sobre as faces que na sede
temos o cantil vazio: em areias
encalhamos o barco ao fazermos
as mãos destrançadas em ritmos
e gestos de até logo.
THIRST
By Pedro Du Bois (Balneário
Camboriú, SC)
(Marina Du Bois, English version)
(to Carmen Sílvia Presotto, in memoriam)
As we are the full cantel for the thirst
we have duties and rights in different
obligations from the others who are the
drought in the empty glass where they
do not placate ehtics wraths or declared vows
as ethics’ practice: infidels seek on the moons
external signs that revenge will become brief
and illusory at the time that only the dream
is seen above dunes in salt water
my boat will not be your boat
nor ours the impulse of oars
which will take us to opaque lands
between frosted mirrors
and the cantel will be in half
moment that we see ourselves
without understanding the reasons
beyond the orbits and rotations
out of jealousy we pour the liquid
on the faces that on the thirst
we have an empty cantel: on sands
we run aground the boat as we do
with untied hands in rhythms
and gestures of good-bye.
CONHECIDOS
Por Pedro Du Bois (Balneário
Camboriú, SC)
Conversamos longas horas
fôssemos amigos de sempre
e nossas infâncias
precisassem ser revistas
nos sonhos alcançados
pelas frustrações dos caminhos
raiva e ódio do que deu errado
rimos velhas piadas repetidas
e a bebida nos subiu a cabeça
embriagados entre tempos
as restantes horas foram de
silêncios
olhares dispersos nos móveis da
sala
o constrangimento na falta de
assunto
nossas conversas passadas no
início
desencontros impostos pela vida
no vício do trabalho e famílias
fomos conhecidos outrora
colegas nos bancos escolares
que se reencontram por acaso
esquecidos das lembranças
logo voltem aos seus mundos.
ACQUAINTED
By Pedro Du Bois (Balneário
Camboriú, SC)
(Marina Du Bois, English version)
We talked for long hours
as if we were old friends
and our childhoods
needed to be revised
in dreams reached
by the frustrations of the paths
hate and anger at what went wrong
we laughed at old and repeated jokes
and the drink came to our heads
drunk between times
the remaining hours where of silences
scattered looks on the living room furniture
the constraint in the lack of subject
our pas conversations at the beginning
mismatches imposed by life
in work addiction and families
we were acquainted once
classmates
who meet again by chance
with forgotten memories
soon return to their worlds.
MAR EM FÚRIA
Por
Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para José Luiz P.
Grando e Roberto Lamim
Acreditar
em quem?
Nestes
dias confusos...
De
extrema dor,
De
profunda solidão!
E puro
desespero.
***
Ando pela
orla da praia!
Com meus
fraternais amigos!
De luta e
da negra dor...
Saudamos
o mar em fúria,
E as
milenares rochas.
Avisam-me...
Que não
somos coisa alguma.
Que não
devemos...
Querer
ser nada...
Que não
seremos nada.
Não
poderemos ser nada!
***
Ando pela
orla da praia!
E mais
que de repente,
Uma
onda...
Que me
pega desavisado
Lembra-me!
Que na
sou nada...
***
A água
fria e salgada,
Queima as
novas tecnologias!
Avisando
que não somos nada...
Que não
devo querer ser nada!
ADEUS GESTALT
Por
Samuel da Costa (Itajaí,SC)
Hoje não
Eu não
ficarei a tua
Milenar
espera
Não
perderei meu sacrossanto sono
Por ti
Meus
devaneios idílicos
Vão para
bem longe
Da tua
trágica presença
Na minha
vida
***
Hoje não
Não te
renderei
Quiméricos
tributos
Ficarei
sozinho comigo mesmo
E mais
ninguém
***
Pois hoje
Não tenho
nada para te dizer
Ignota
musa intocada
Enclausurada
eviterna
Na Turris
Eburnea
***
Hoje
E então
somente hoje
Estou
perdido
Vagando
No
deserto árido pós-modernista
Dentro de
mim
***
Hoje
prefiro o silêncio sepulcral
Ficar no
silêncio secular
Dos
intervalos infinitos
Dentro de
mim
Hoje fico
sozinho
Em paz
comigo mesmo
O NEGRO DOS OLHOS TEUS
Por
Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para Vanessa Martins DA Maia
Quantos
mistérios...
Podem
caber no negro...
Dos olhos
teu?
O que tu
escondes de mim?
No cair
da noite eviterna?
Quando
todos foram dormir...
O sono
eterno!
***
Mas
amanheceu
No novo
mundo...
Sacrossanta
madonna minha!
E passou
da hora...
De
ganhares as ruas...
Novamente!
Divinal
consorte minha,
Passou da
hora...
De
experimentares o frescor,
Da luz do
dia !
***
Mas
quantos mistérios...
Ainda
podem caber...
No negro
dos olhos teu?
Por
quantos tortuosos caminhos...
Percorresses...
Minha
magnânima musa ideal...
Até
chegares aqui?
***
Quantos
mistérios podem caber...
No
magnifico olhar teu?
COMO ME ILUDI
Por
Vivaldo Terres (Itajaí, SC)
Entre
outras que conheci...
Tu foste
aquela...
Que
sempre amei.
Eras para
mim,
A fonte
de ternura!
E único
amor que sempre devotei.
***
Eras para
mim a eterna claridade.
Mesmo nos
dias nublados...
E noites
sem lua!
Eras para
mim o sol,
Com o
seus raios divinos.
Ao me
aquecer...
Após uma
noite fria!
***
Hoje
apesar dos tempos...
Já
passados!
E saber
que já...
É uma
página virada...
Como me
iludi!
Com estes
pensamentos...
Como
posso te esquecer,
Se tu
foste a minha amada?
A MINHA PRIMEIRA ÁRVORE
Por Urda Alice Klueger (Enseada
de Brito, SC)
Na
primeira casa da minha infância havia, ao lado, um quadrado de grama onde a
minha mãe quarava roupa, e, no meio desse quadrado, a primeira árvore
importante da minha vida. Era um velho pé de Pflaumen (acho que é assim que se
escreve – penso que hoje as Pflaumen estão sendo chamadas de ameixas, aquelas
vermelhas, que dão na época de Natal).
Aquele
pé de Pflaumen continha um universo inteirinho: na sua velhice, era cheio de
nodosidades, ocos e cascas esbranquiçadas meio soltas, e nele eu podia
encontrar tudo o que o universo da imaginação continha. Até hoje eu não saberia
dizer o tamanho que é o universo da imaginação, mas sei que ele estava todo lá.
Aquela velha árvore foi o meu primeiro exercício para um dia vir a ser uma
escritora.
No
seu tronco, eu encontrava tenebrosas cavernas onde, com certeza, moravam
anõezinhos para os quais eu imaginava as mais fantásticas aventuras. Também
fadinhas transparentes voavam por ali, eu tinha certeza, e eram de realizar
qualquer desejo que uma criança tivesse. Eu via esses anõezinhos e essas
fadinhas com a mesma nitidez com que via as borboletas, as bichas-cabeludas e
os outros insetos que por ali andavam, e para cada um eu imaginava enredos e
aventuras. Tinha um cuidado especial com as bichas-cabeludas, nas quais sabia
que não deveria tocar, pois já, um dia, encostara numa delas, e doera
terrivelmente a queimadura que seus pelos tinham deixado na minha pele. Mas
elas eram lindas! Havia-as vermelhas, alaranjadas, amarelas, verdes – que
fantásticas que eram, com suas dezenas de pezinhos e seus pequenos corpos que
se movimentavam velozmente pelo tronco daquela árvore encantada!
Por
ali, também, estavam as inimigas – é triste constatar que, já lá ao três anos
de idade, a gente descobre que sempre há algum tipo de inimigo! As inimigas, no
caso, eram as aranhas, que estendiam magníficas teias perfeitamente tecidas
aproveitando como apoio as cascas do rugoso pé de Pflaumen, e nas manhãs
daquela Primavera onde eu estava descobrindo o mundo, aquelas teias acordavam
resplandecentes de orvalho, como verdadeiras jóias tecidas de miríades de
diamantes luminosíssimos! A aranha ficava lá, bem no meio daquela luminosidade
toda, e eu ficava olhando, torcendo para que ninguém quisesse chegar perto. Não
tinha jeito, porém – sempre alguém acabava atraído por toda aquela beleza que
resplandecia ao sol, e às vezes eu conseguia salvar o inseto desavisado,
puxando-o para fora da enganosa e grudenta teia com um pauzinho. Às vezes,
porém, não era possível. Então, horrorizada, eu via a aranha vir andando
devagar, com toda a calma, para saborear o seu almoço. E olhem que às vezes era
almoço grande, uma bicha-cabeluda inteira para uma pequena aranha – então
quando não tinha o que fazer, eu fechava os olhos e corria me esconder para
chorar, escondida, pela sorte daquele bichinho que estava sendo devorado.
Alguém
há de perguntar: por que é que eu não matava as aranhas? Sei muito bem a
resposta: porque não tinha coragem. Elas também eram vida e também faziam parte
do mundo mágico e encantado daquela minha primeira árvore. Havia que tentar
proteger os outros insetos, mas também havia que respeitar as aranhas e as suas
teias luminosas e enganadoras.
Aquela
minha primeira árvore muito me ensinou sobre a vida e sobre a imaginação. Mesmo
agora, tantas décadas depois, quando as coisas ficam complicadas, às vezes eu
penso nela, e desejo ser muito pequena, para voltar a ela e esconder-me numa
das suas misteriosas cavernas. Imaginando com força, ainda consigo.
Blumenau,SC,
08 de Setembro de 2002.
PROJETO GEMINI
Por Urda Alice Klueger ( Enseada
de Brito, SC)
Sempre digo que me criei numa
época maravilhosa, onde aconteceram coisas tão fantásticas como nunca o mundo
tinha visto. Essas coisas vão desde os Beatles até o movimento hippie, com sua
quebra dos valores estabelecidos, e entre elas, sem dúvida, uma das mais
empolgantes foi a corrida espacial.
Eu ainda não sabia ler quando me
chegou a primeira informação: o Sputnik, artefato soviético que andou entrando
na órbita da terra. O Sputnik chegou até mim através de uma revista infantil
chamada “Reizinho” – minha irmã mais velha foi quem leu para mim a história do
Reizinho às voltas com um Sputnik que ele não entendia.
Em seguida, houve a história da
cachorra Laika, que havia entrado em órbita terrestre. Talvez Laika tivesse
viajado no próprio Sputnik, não sei mais – o que sei é que nasceu uma ninhada
de cachorrinhos, lá em casa, e a cadelinha mais bonita recebeu o nome de Laika.
Bem empolgantes foram os meus primeiros contatos com a corrida espacial! Só
tinha que me envolver com ela!
Em 1961, quando estava no segundo
ano de escola, minha professora, a Irmã Rosária, contou-nos que um ser humano,
dentro de uma nave espacial, andara na órbita da Terra. Não sei o que as outras
crianças acharam, mas para mim foi o máximo: para uma criança que tinha uma
cachorra chamada Laika e que já prestara atenção no Sputnik, aquilo era uma
baita novidade. Se a memória não me falha, o ser humano em questão chamava-se
Iuri Gagarin.
Daí para a paixão total pelo
assunto foi um pulo, principalmente quando os Estados Unidos entraram na corrida
espacial e começou o projeto Gemini.
Quantas Geminis foram para o
espaço? Já não sei mais, mas foram muitas. Sei é que não perdia mais um
noticiário, no rádio, de meio-dia e de noite, para ver se havia alguma notícia
nova sobre o projeto Gemini.
As naves espaciais Gemini sempre
levavam dois ou três astronautas, e é claro que eu também iria ser astronauta
quando crescesse. A cada nave que ia para o espaço, eu passava dias e dias o
mais que podia junto ao rádio, acompanhando todas as possíveis notícias sobre
cada astronauta, vivendo a vida deles, querendo respirar por eles.
Houve uma viagem de uma Gemini
que não deu muito certo: na hora de reentrar na atmosfera da Terra, alguma
coisa saiu errada, e a nave não podia mais voltar. Meu Deus, o que seria dos meus
maravilhosos astronautas que eram como pessoas da minha família? Eles iriam
morrer lá em cima, quando acabasse o oxigênio – um astronauta era alguém
sagrado, não podia morrer! Ah! Como eu rezei naqueles dias, o quanto pedia a
Deus e ao meu anjo-da-guarda que ajudasse os estadunidenses para que eles
achassem uma solução, para que salvassem os astronautas! Era indizível a minha
angústia, impossível sossegar ou dormir quando sabia que, lá no céu, em algum
lugar, alguns astronautas poderiam, dali a algumas horas, ficar sem oxigênio e
morrer!
Os estadunidenses acabaram
achando o ângulo certo para a nave reentrar na atmosfera, e os astronautas por
quem eu tanto rezara acabaram caindo no Oceano Pacífico, e saíram da sua Gemini
sorrindo para todo o mundo. Essas imagens a gente via nas revistas, na semana
seguinte, e elas aqueciam o coração, como aqueciam!
Daí, já perto de 1970, quando eu
já era uma adolescente, mas não tinha perdido nem um pouquinho do meu
entusiasmo pela corrida espacial, uma Gemini chegou à lua! Só fui ver as
imagens televisadas anos depois – ainda não tínhamos televisão, continuávamos
com as fotos das revistas, mas aquilo foi uma das coisas mais fantásticas que
poderia ter acontecido! É claro que depois da lua iríamos a Marte, e a outros,
outros e outros planetas. Eu me aplicava na escola para estar bem preparada na
hora de ser astronauta, mas a coisa mixou. Depois da lua, o Projeto Gemini foi
parando... parando... até que parou de vez. Vieram outras coisas, depois,
ônibus espaciais, coisas assim, mas a magia do projeto Gemini nunca mais
voltou. Acabei sendo escritora, sem a
menor chance de algum dia chegar à astronauta. Foi uma pena! Teria sido muito
mais divertido se o antigo sonho tivesse dado certo!
Blumenau, SC, 28 de junho de
1997.
CARTA DE AMOR
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Eu não
tenho como
Tirar a
sua dor
Meu amor,
Faz parte
da vida;
Dizem que
com ela
Vem o
nosso crescimento;
Não sei
onde nos leva,
Mas vi
algumas dores
Unirem
pessoas
E abraços
formarem laços.
Não sei
se você
Percebeu
Eu lhe
prendi a mim
Como
passarinho na gaiola;
Só que a
minha gaiola
Sempre
estará aberta
Pra
quando você quiser partir.
Dentro de
mim
Mora o
amor;
Aliás,
sempre morou;
Hoje
nutri sentimentos por você.
Não foi
por querer;
Talvez
sendo;
Foge de
mim;
São
inesperados
Esses
meus sentimentos;
Latentes
E
profundos n’alma;
Ela que
nunca sabe me dizer
A
direção.
Não são
teus
Os meus
sonhos;
Nem os
teus
Os meus;
Às vezes
Nem dona
de mim
Eu sou.
Caio
fundo
No ignoto
espaço
Onde
sobram pensamentos;
Palavras
caiem na roda;
Ficam na
ciranda;
A roda
gira e gira,
E sempre
para no mesmo ponto,
Você
comigo!
Então
tento me perder
Nos seus
braços,
Na
tentativa de ser;
Talvez um
suspiro de amor.
Por
alguns instantes
Sou tua
De sutiã
vermelho
A sua
espera;
O sorriso
no canto
E o olhar
lhe chamando.
Meu
amor...
Assim
posso chamar-te;
Cada
linha que escrevo
Digo o
quanto
Eu te
amo.
Loucura?
Talvez.
O mais
provável
É uma
fuga de mim,
Do
cotidiano
E o
desejo de ter
O que eu
não tive.
Você é a
minha esperança
Que tudo
é possível.
Vi nos
seus olhos
O que há
em mim,
Uma
vontade de vencer;
Um brilho
que
Toma
conta de todo o meu corpo
E me faz
esquecer
Do tempo,
Das horas
marcadas
Do
cotidiano,
Da
loucura insana
Do meu
ser.
Meu amor,
Não sei
O que sou
para você;
Mas essas
alturas
Nada
importa;
Somente
saber que é
Possível
amar
Sem
sofrer!
Assinar:
Postagens (Atom)