Por Paccelli José Maracci Zahler
O poeta Pedro Du Bois (PB) já é conhecido dos leitores da Revista Cerrado Cultural (RCC). Desde os primeiros números, ele tem colaborado sistematicamente com as nossas edições. Ele nos concedeu esta entrevista por correio eletrônico, a qual agradecemos, e, principalmente, pela oportunidade de conhecê-lo e conhecer um pouco do seu processo de criação literária.
RCC.O senhor nasceu em Passo Fundo, RS. Como foi a sua infância?
PB. A pergunta remete-me ao final dos anos 70 quando, em entrevista situacional-psicológica, na PUC-RJ, o psicólogo inquiriu-me da mesma forma; respondi que havia sido normal e ele, sem alterar o tom, cobrou: defina normal. Minha normalidade, que ele aceitou: segundo filho entre quatro irmãos, classe média baixa, gastei minha infância jogando pedras, correndo, nadando, brincando, brigando e apanhando; aprendendo. Passo Fundo permitiu-me ir além da porta da casa, além da rua, além da esquina, desde cedo. Muita fruta no pé, muito matinê cinematográfico. Sempre tive bom círculo de amigos: rua e escola, o qual mantenho até hoje.
RCC. O talento para escrever manifestou-se naquela época?
PB. Sempre tive facilidade para escrever. Já talento seria outra coisa. Não tenho formação literária no sentido acadêmico. Sempre gostei de ler. Sou curioso. Outros tempos, outra formação. Morador do interior, apenas através do rádio (ondas curtas) e da leitura podia acessar o mundo. Imagens, apenas cinematográficas ou em preto-e-branco nos jornais e revistas. Sou fruto da imaginação. Fui bom em redação, mesmo que as minhas fossem curtas na avaliação dos professores. Tímido, desde sempre, não conseguia me expressar, nem através das palavras. Mesmo assim, como adolescente, pratiquei meus poemas confessionais-amorosos. Não os guardei.
RCC.Qual a sua formação e ocupação principal?
PB. Sou bacharel em Direito desde 1971. Não sou advogado, por decisão pessoal. Bancário aposentado; trabalhei basicamente na área de organização e métodos, processamento de serviços, comunicações e recuperação de crédito. Atualmente, desamarrado de empregos, convivo prazerosamente com a literatura e suas decorrências.
RCC.O senhor sempre esteve ligado à literatura?
PB. Apenas como leitor. Faz 10 anos que escrevo sistematicamente. Sou tardio.
RCC.O senhor foi influenciado por alguns escritores? Quais?
PB. Diversos escritores exercem influência sobre a minha formação literária. Somos frutos de nossas leituras. Quanto mais leio, mais verifico a necessidade de buscar novas fontes literárias. Entre tantos, gosto de Orides Fontela, Fernando Pessoa, Campos de Carvalho, dos irmãos Campos, Saul Bellow, Saramago, Cortázar, Borges, Dyonélio Machado, Manuel Scorza, Camus, Manoel de Barros, Quintana, Murilo Mendes, João Cabral, Leminski. Poderia citar outros tantos e mais tantos outros. A lista é infindável. Gosto de retirar o poema que entrevejo em cada texto lido, essa a influência.
RCC. O senhor escreve diariamente, em horário definido, ou somente quando está inspirado?
PB. Antes conseguisse assim me organizar. A inspiração é minha busca pelo inaudito, o detalhe, o esboço, o arcabouço de algo que sei estar presente numa leitura, na paisagem, num fato relatado, enfim, em tudo que me cerca e me diz respeito. Escrevo diariamente. Escolhido o tema, busco as palavras que o signifiquem além da escolha a que me levou a inspiração.
RCC. O senhor confecciona seus próprios livros. Poderia nos falar a respeito?
PB. Questão de oportunidade. Como as editoras alegam que poesia não vende e, por isso, não se responsabilizam pela distribuição dos livros, fiquei no impasse: fosse depender das editoras, além de pagar caro, ainda teria de sair vendendo os exemplares de porta em porta. Não sou vendedor, tenho a pretensão – única – de ser escritor. Optei por me registrar como escritor-autor junto ao ISBN e, assim, editar meus livros. Faço-os em casa artesanalmente. Minha mulher, Tânia, tem papel fundamental na montagem dos livros, quer selecionando os poemas quer fazendo a revisão dos mesmos.
RCC. Livros precisam de uma boa apresentação. Como são confeccionadas as capas?
PB. Sim, precisam. Somos “vitrinistas” por criação. Sem uma boa apresentação, dificilmente encontraremos alguém que se disponha a vislumbrar o “miolo” do livro. Tânia, minha mulher, desenvolve as capas em programa específico (Print Artist), a partir da temática dos poemas, e as imprime numa HP Color Laserjet CP2025; nossas tiragens dificilmente ultrapassam 100 exemplares.
RCC. Como é feito o acabamento?
PB. Uma gráfica local faz a grampagem e o refilamento (livro-barco).
RCC. Como seus trabalhos são divulgados?
PB. São edições mínimas que distribuo entre parentes, amigos e amantes da literatura; faço doações às bibliotecas, escolas e a leitores e escritores. Além disso, mantenho blog pessoal (http://pedrodubois.blogspot.com) e tenho trabalhos publicados em jornais, revistas, sites e blogs literários. Possuo 3 livros através de editoras: “Os Objetos e as Coisas”, Scortecci, SP; “A Criação Estética”, Corpos, Portugal e “SERES”, Sarau das Letras, Mossoró, RN.
RCC. O senhor participa de concursos literários regularmente?
PB. Não. Participei no início. Ganhei o Prêmio Livraria Asabeça, categoria Poesia, em 2005, com o livro Os Objetos e as Coisas. Também obtive classificação no Poema no Ônibus da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. No entanto, não creio serem meus poemas peças indicadas para a participação em concursos, quer pela forma, quer pela minha temática.
RCC. Na sua opinião, é importante para um escritor participar de academias e clubes literários? Por quê?
PB. Escrever é ato solitário. Fechado em si mesmo o escritor se torna presa fácil do alheamento. O convívio social – e literário – é, em geral, fator de renovação intelectual, mesmo que – em tese – não se concretizem aí grandes transformações. O aprendizado é recorrente. No mínimo, ficamos sabendo o que os outros estão fazendo. Com o advento da internet a participação se ampliou significativamente pela diversidade e oportunidade de novos contatos, mesmo que virtuais. Sou membro da Academia Itapemense de Letras, da qual fui presidente entre 2008/2010, e do Clube dos Escritores Piracicaba. Também participo do Projeto Passo Fundo, responsável pelo lançamento do meu próximo livro, ‘BrevIdades”, previsto para o primeiro trimestre de 2012.
RCC.Qual a sua opinião sobre a condição de escritor no Brasil?
PB. Como a literatura em geral, e a leitura em particular, não são “objetos de desejo-consumista”, não só no Brasil, como na maioria dos países, o escritor é alguém descondicionado em relação à sua existência como “negócio”. Salvo raros escritores midiáticos e os clássicos (objeto de necessário conhecimento – mesmo que superficial – em função do acesso à universidade), o escritor é tratado como alguém à margem do processo. Não sobrevive como tal. Não lhe é dado espaço para que possa dedicar-se exclusivamente ao seu trabalho de escrever. Tanto que apenas agora o Congresso Nacional começa a discutir o mérito de transformar em profissão o ato de escrever. Não existimos formalmente. Mesmo as feiras, encontros e outros eventos que se dizem dedicados à literatura, mais das vezes, desconsideram o escritor em si, privilegiando a divulgação e o negócio do objeto livro. Perdemos todos, porque essa marginalização impede de a cultura (na acepção do termo) chegar aos seus cidadãos, quer pela guarda do passado, quer pela exposição do presente, quer pela possibilidade de, assim, mantermos a perspectiva do futuro.
RCC. Pode-se viver de literatura?
PB. Não no sentido amplo e irrestrito do que entendemos por literatura. Pode-se viver (algum tempo) auto-ajudando-se, vendendo-se como subproduto de leitura descartável, deixando-se seduzir por alguns trocados (ou muitos) advindos de situações paralelas (scripts para o cinema e a televisão, por exemplo). Então, sobrevivem da literatura pouquíssimos escritores, desde que baseados em mídias negociais. Nós outros, no entanto, sobrevivemos do que a literatura, muitas vezes, não nos consome.
RCC. Algumas associações e sindicatos lutam para a criação da carreira de escritor no Brasil. Qual a sua opinião a respeito?
PB. O escritor profissional. O escritor como profissão. Em tese a ideia é ótima. Na prática não sei como isso afetaria o trabalho e a divulgação da literatura. A não ser que, numa segunda etapa, seja criada a obrigatoriedade de só serem editadas, vendidas e negociadas obras de escritores associados ou sindicalizados. Pior a emenda, creio.
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
ENTREVISTA: ELIZABETH MISCIASCI
Por Paccelli José Maracci Zahler
A jornalista Elizabeth Misciasci (EM) é também humanista, escritora, pesquisadora. palestrante, Embaixadora Universal da Paz no âmbito do Círculo Universal dos Embaixadores da Paz -(Cercle Universel Des Ambassadeurs De La Paix - Suisse/France)e presidente do Projeto zaP! E é para falar do Projeto zaP!, um trabalho voluntário e muito interessante, realizado nos presídios femininos que ela, gentilmente, concedeu esta entrevista para a Revista Cerrado Cultural (RCC).
RCC. Como surgiu a idéia de criar o “Projeto zaP!” (zelo, amor e Paz!)?
EM. Após anos de pesquisas e contatos com sentenciadas e egressas do sistema prisional feminino, para a produção da Obra Literária Presídio de Mulheres, pude detectar diversos problemas. Entre eles, uma gritante necessidade de receberem credibilidade, atividade ocupacional e amparo em suas carências.
O Projeto zaP! Nasceu de um concurso literário nos cárceres femininos.
RCC. Por que o trabalho é feito exclusivamente com mulheres encarceradas?
EM.Diferentemente da condição masculina, a mulher se autopune, anseia mudar os comportamentos e hábitos que a transportaram para o cárcere. As mulheres normalmente vivem em estado inquietador, seja este expressivo ou inibido, que levam algumas pela impotência diante dos problemas a profunda depressão ou incita exageradamente a dependência química.
Na medida em que a mulher perde a capacidade de optar, submetida a prescrições alheias que a minimizem, as suas opiniões já não são suas, já não se integra, adapta-se. Na adaptação, resta-lhe à margem tendo apenas ações débeis e defensivas.
Algumas por serem mães, sentem um peso a mais e a pena é sempre mais dolorosa, outras, por não terem familiares próximos, sendo arrimos de família, mas, principalmente, porque estas são literalmente abandonadas, o que ocorre na grande maioria dos casos. Diferentemente do encarceramento masculino.
RCC. O trabalho é feito por voluntários. Quais os critérios utilizados na seleção?
EM. Sim! Não ter vínculos criminais, nem interesses pessoais.
Enfim, acreditando que o momento de transito pertence muito mais ao amanhã, ao nosso tempo que se anuncia do que ao velho, é que atuamos pela ressocialização do ser humano.
Assim sendo, necessário se faz cada vez mais, que nossos voluntários, estejam dispostos e conscientes da ressocialização, para que se ofereça oportunidade de provocar no indivíduo em condição de pessoa presa, um sistema completamente diferenciado de educação, para que com outras preocupações e interesses se desvincule da mentalidade massificada, nutrida de pessimismo, limitação, resistência, indisciplina, ceticismo, enfim, peculiares na maioria da população carcerária, principalmente dos que passam o tempo no ócio.
O Projeto zaP! não é Uma Ong, não faz parte de nenhuma entidade Religiosa (busca sim, apoio para juntos sanarmos casos específicos) nem filantrópica, não recebe ajuda governamental, apenas complacência e consciência dos amigos do zaP! Não possuindo, portanto vínculos com instituições nem remunerações, apenas voluntários.
RCC. Quantos voluntários atuam junto à população carcerária?
EM.Uma média de vinte pessoas em nível de Brasil.
RCC. Costuma haver desistência entre os voluntários devido ao impacto com outra realidade, que é a vida dentro de um presídio?
EM. Sim, sem dúvidas!
RCC. Quais os critérios utilizados para a seleção das reeducandas?
EM. Atualmente desenvolvemos atividades, tendo como base a arteterapia. O trabalho do zaP! Não é feito só com as apenadas, mas com filhos, familiares, egressas (ex-sentenciadas), e estrangeiras. Tendo como critério as que querem se reabilitar.
RCC. O trabalho com as educandas dura quanto tempo? Equivale a um curso regular? Dura até o final do cumprimento da pena?
EM. Não existem prazos, mesmo porque não temos como determinar tempo, já que muitas são egressas, e não reincidentes.
RCC. O Projeto zaP! Subdivide-se em várias atividades: Festival de Músicas, Literatura, Festas e Eventos, Zelo, Amor, Paz. A senhora poderia tecer alguns comentários sobre cada uma delas, seus objetivos?
EM. Hoje, em razão da falta de recursos, e, proibição em algumas unidades prisionais não se pode aplicar todas as nossas atividades. Isso em detrimento principalmente dos órgãos governamentais locais, que não acreditam em reabilitação e não permitem que sejam feitas as atividades como era de hábito.
RCC. Qual a percepção das reeducandas sobre o Projeto zaP!?
É feito algum acompanhamento das educandas após a sua saída da prisão?
EM. Embora seja um trabalho difícil, principalmente pela primeira abordagem, para garantir que estejamos passando a credibilidade, segurança, e as possíveis “respostas” e oportunidades que a maioria busca. Enfim, para as que adentram as muralhas e não conhecem o zaP! o trabalho é mais lento, pois, acima de tudo, precisamos sentir a reciprocidade e a presença da vontade dessa reeducanda em se reabilitar.
- Por quê? Porque temos no sistema prisional (em especial o feminino) os mais diferentes perfis, e, conforme citei anteriormente, a mulher é totalmente diferente do homem, enquanto pessoa na condição de presa. Para cada tipo de mulher, há uma forma diferenciada de se aproximar.
Temos muitas que adentram os cárceres, em estado gravídico, bem como, as que foram detidas em fase de aleitamento materno, as que tiveram seus filhos atrás das cortinas de ferro, e não possuem familiares que poderão cuidar de seus bebes, as que acabaram de dar a luz na rua, e foram detidas... Isso tudo, é rotina infelizmente nos dias de hoje. E, se você, de início, não souber conversar com uma mulher nestas condições, dificilmente terá uma segunda “oportunidade”.
Há mulheres que sofrem distúrbios, as que “surtam”, as que apresentam sintomas agressivos apenas e tão somente no período do ciclo menstrual, ou seja, as que sofrem com a TPM, e, assim por diante.
Mais um aspecto importante a ser citado, mesmo porque é uma questão de estudos, pesquisas e respectivas estatísticas, a massa carcerária feminina, pode ser dividida em três categorias:
1- As que adentraram os cárceres, (o que na maioria das prisões femininas é “natural” e frequente), por terem sido levadas por companheiro ou parceiro, as que se sentiram momentaneamente motivadas, as que se arrependeram, portanto, querem recomeçar e é notório à vontade e necessidade de se reintegrar, a fim de resgatarem suas identidades pessoais, morais e sociais. Estas indubitavelmente querem se reabilitar! Eu posso dizer, que no conglomerado de mulheres prisioneiras no Brasil, deste todo o proporcional final é equivalente a 60% das mulheres em situação de prisão que possuem esse perfil, ou seja, que buscam a reabilitação e reinserção social.
2- Outro fator que necessita de especial atenção, diz respeito à categoria de mulheres, que de fato “são do crime” e, não demonstram a mínima vontade de sair deste. O que resulta atualmente, em um percentual de 20% da população carcerária feminina.
3- E uma terceira categoria, que denominamos “das que vão pra onde o vento soprar”... O que representa os 20% do restante do “todo” feminil encarcerado. Isso significa que, uma mulher, que não possui a menor perspectiva de vida, futuro e, torna-se apenas e de fato “um único numero a mais para apuração de quantidade” sendo que estas precisam de maior atenção, pois, se soubermos “abordá-la”, despertando confiança, parceria e motivação, com certeza, será “um numero á menos” a reincidir.
Na grande maioria das vezes, há por parte de muitas mulheres, a desconfiança, o receio e principalmente, o medo. Uma vez que, por ser a prisão ação delituosa, e pelo abandono, não conhece as regras que regem as prisões. Sem falar que, o abandono agrava esse medo e insegurança.
Outro fator predominante vem das que em detrimento de sua prisão bem propagada, principalmente quando há clamor público, (isso, independente do delito e participação ativa), quase sempre, se bloqueiam, e são muito mais vulneráveis e preocupantes. Pois, quase sempre, com o passar do tempo, estão abandonadas pelos familiares e amigos, portanto, caem no esquecimento apenas “do seu antigo meio”, contudo, jamais conseguem ser esquecidas pela sociedade.
São raros os casos em que estas mulheres, seguem suas permanências carcerárias, acompanhadas ou amparadas, e, quando o são, o acesso se restringe a poucos. O que dificulta trabalhar com a mesma.
Eu particularmente, nunca tive esse problema, pois, geralmente as unidades para onde essas mulheres são recambiadas, são dirigidas por pessoas que conhecem o nosso trabalho e ética.
Por estas razões descritas, com o tempo, aprendemos a priori, identificar as problemáticas e os diversos perfis. O que, nos permite a aproximação equilibrada, com a oferta necessária.
Temos parcerias com psicólogos, que muito ajudam nesse sentido.
E, por assim ser, a percepção das “nossas meninas” são extremamente positivas. Além das transformações percebidas e sentidas, nos surpreendemos em incontáveis situações, (que pareciam “perdidas” ou inviáveis), um retorno compensador, que na realidade é mais que isso! Já que ganhamos todos, principalmente a sociedade, enquanto nós, em contrapartida, perpetuamos amizades, e podemos presenciar mulheres que hoje, são marcantes em nosso trabalho, nos proporcionando continuamente orgulho e incentivos para nos motivar ininterruptamente, de verdade.
Quanto à pergunta complementar: - “É feito algum acompanhamento das reeducandas após a sua saída da prisão?” Sim, pois, se atuamos com reinserção e reabilitação, o principal é à saída dos cárceres, por isso nossa atuação efetiva com as egressas.
RCC. As reeducandas que passam pelo Projeto zaP!, Encontram mais facilidade de aceitação no mercado de trabalho ou ainda sofrem com o preconceito de serem ex-presidiárias?
EM. Ainda sofrem preconceitos, lógico! Mas, a maioria não tem enfrentado tantos problemas como antigamente. Hoje, além da credibilidade que temos também a sociedade tem uma visão diferente de outrora. Acredito que “nossas reeducandas” e “egressas” tenham mais facilidade sim!
RCC. Em quantos presídios o Projeto zaP! Trabalha atualmente?
EM. Trabalhamos em qualquer local, desde que, possamos ter verbas para locomoção, e em unidades em que possamos atuar para somar positivamente e de alguma forma contribuir para que seja mantida a ordem, disciplina e necessite serem denunciados por atos “anormais”, abusos e constrangimentos.
RCC. Qual a receptividade do Projeto zaP! Junto à direção dos presídios?
EM. Na grande maioria, excelente!
RCC. Como a senhora avalia os resultados obtidos até agora pelo Projeto zaP!?
EM. Sem falta modéstia, tenho muitos casos, em que me orgulho por ter persistido, lutado e sinto-me honrada pelos retornos das meninas, dados e provados na prática e na conduta. Temos hoje, muitas mulheres que conseguiram se profissionalizar, muitas com universidade concluída, enfim, [transformaram-se em] outras pessoas indubitavelmente.
Nossos agradecimentos à jornalista Elizabeth Misciasci pela entrevista.
A jornalista Elizabeth Misciasci (EM) é também humanista, escritora, pesquisadora. palestrante, Embaixadora Universal da Paz no âmbito do Círculo Universal dos Embaixadores da Paz -(Cercle Universel Des Ambassadeurs De La Paix - Suisse/France)e presidente do Projeto zaP! E é para falar do Projeto zaP!, um trabalho voluntário e muito interessante, realizado nos presídios femininos que ela, gentilmente, concedeu esta entrevista para a Revista Cerrado Cultural (RCC).
RCC. Como surgiu a idéia de criar o “Projeto zaP!” (zelo, amor e Paz!)?
EM. Após anos de pesquisas e contatos com sentenciadas e egressas do sistema prisional feminino, para a produção da Obra Literária Presídio de Mulheres, pude detectar diversos problemas. Entre eles, uma gritante necessidade de receberem credibilidade, atividade ocupacional e amparo em suas carências.
O Projeto zaP! Nasceu de um concurso literário nos cárceres femininos.
RCC. Por que o trabalho é feito exclusivamente com mulheres encarceradas?
EM.Diferentemente da condição masculina, a mulher se autopune, anseia mudar os comportamentos e hábitos que a transportaram para o cárcere. As mulheres normalmente vivem em estado inquietador, seja este expressivo ou inibido, que levam algumas pela impotência diante dos problemas a profunda depressão ou incita exageradamente a dependência química.
Na medida em que a mulher perde a capacidade de optar, submetida a prescrições alheias que a minimizem, as suas opiniões já não são suas, já não se integra, adapta-se. Na adaptação, resta-lhe à margem tendo apenas ações débeis e defensivas.
Algumas por serem mães, sentem um peso a mais e a pena é sempre mais dolorosa, outras, por não terem familiares próximos, sendo arrimos de família, mas, principalmente, porque estas são literalmente abandonadas, o que ocorre na grande maioria dos casos. Diferentemente do encarceramento masculino.
RCC. O trabalho é feito por voluntários. Quais os critérios utilizados na seleção?
EM. Sim! Não ter vínculos criminais, nem interesses pessoais.
Enfim, acreditando que o momento de transito pertence muito mais ao amanhã, ao nosso tempo que se anuncia do que ao velho, é que atuamos pela ressocialização do ser humano.
Assim sendo, necessário se faz cada vez mais, que nossos voluntários, estejam dispostos e conscientes da ressocialização, para que se ofereça oportunidade de provocar no indivíduo em condição de pessoa presa, um sistema completamente diferenciado de educação, para que com outras preocupações e interesses se desvincule da mentalidade massificada, nutrida de pessimismo, limitação, resistência, indisciplina, ceticismo, enfim, peculiares na maioria da população carcerária, principalmente dos que passam o tempo no ócio.
O Projeto zaP! não é Uma Ong, não faz parte de nenhuma entidade Religiosa (busca sim, apoio para juntos sanarmos casos específicos) nem filantrópica, não recebe ajuda governamental, apenas complacência e consciência dos amigos do zaP! Não possuindo, portanto vínculos com instituições nem remunerações, apenas voluntários.
RCC. Quantos voluntários atuam junto à população carcerária?
EM.Uma média de vinte pessoas em nível de Brasil.
RCC. Costuma haver desistência entre os voluntários devido ao impacto com outra realidade, que é a vida dentro de um presídio?
EM. Sim, sem dúvidas!
RCC. Quais os critérios utilizados para a seleção das reeducandas?
EM. Atualmente desenvolvemos atividades, tendo como base a arteterapia. O trabalho do zaP! Não é feito só com as apenadas, mas com filhos, familiares, egressas (ex-sentenciadas), e estrangeiras. Tendo como critério as que querem se reabilitar.
RCC. O trabalho com as educandas dura quanto tempo? Equivale a um curso regular? Dura até o final do cumprimento da pena?
EM. Não existem prazos, mesmo porque não temos como determinar tempo, já que muitas são egressas, e não reincidentes.
RCC. O Projeto zaP! Subdivide-se em várias atividades: Festival de Músicas, Literatura, Festas e Eventos, Zelo, Amor, Paz. A senhora poderia tecer alguns comentários sobre cada uma delas, seus objetivos?
EM. Hoje, em razão da falta de recursos, e, proibição em algumas unidades prisionais não se pode aplicar todas as nossas atividades. Isso em detrimento principalmente dos órgãos governamentais locais, que não acreditam em reabilitação e não permitem que sejam feitas as atividades como era de hábito.
RCC. Qual a percepção das reeducandas sobre o Projeto zaP!?
É feito algum acompanhamento das educandas após a sua saída da prisão?
EM. Embora seja um trabalho difícil, principalmente pela primeira abordagem, para garantir que estejamos passando a credibilidade, segurança, e as possíveis “respostas” e oportunidades que a maioria busca. Enfim, para as que adentram as muralhas e não conhecem o zaP! o trabalho é mais lento, pois, acima de tudo, precisamos sentir a reciprocidade e a presença da vontade dessa reeducanda em se reabilitar.
- Por quê? Porque temos no sistema prisional (em especial o feminino) os mais diferentes perfis, e, conforme citei anteriormente, a mulher é totalmente diferente do homem, enquanto pessoa na condição de presa. Para cada tipo de mulher, há uma forma diferenciada de se aproximar.
Temos muitas que adentram os cárceres, em estado gravídico, bem como, as que foram detidas em fase de aleitamento materno, as que tiveram seus filhos atrás das cortinas de ferro, e não possuem familiares que poderão cuidar de seus bebes, as que acabaram de dar a luz na rua, e foram detidas... Isso tudo, é rotina infelizmente nos dias de hoje. E, se você, de início, não souber conversar com uma mulher nestas condições, dificilmente terá uma segunda “oportunidade”.
Há mulheres que sofrem distúrbios, as que “surtam”, as que apresentam sintomas agressivos apenas e tão somente no período do ciclo menstrual, ou seja, as que sofrem com a TPM, e, assim por diante.
Mais um aspecto importante a ser citado, mesmo porque é uma questão de estudos, pesquisas e respectivas estatísticas, a massa carcerária feminina, pode ser dividida em três categorias:
1- As que adentraram os cárceres, (o que na maioria das prisões femininas é “natural” e frequente), por terem sido levadas por companheiro ou parceiro, as que se sentiram momentaneamente motivadas, as que se arrependeram, portanto, querem recomeçar e é notório à vontade e necessidade de se reintegrar, a fim de resgatarem suas identidades pessoais, morais e sociais. Estas indubitavelmente querem se reabilitar! Eu posso dizer, que no conglomerado de mulheres prisioneiras no Brasil, deste todo o proporcional final é equivalente a 60% das mulheres em situação de prisão que possuem esse perfil, ou seja, que buscam a reabilitação e reinserção social.
2- Outro fator que necessita de especial atenção, diz respeito à categoria de mulheres, que de fato “são do crime” e, não demonstram a mínima vontade de sair deste. O que resulta atualmente, em um percentual de 20% da população carcerária feminina.
3- E uma terceira categoria, que denominamos “das que vão pra onde o vento soprar”... O que representa os 20% do restante do “todo” feminil encarcerado. Isso significa que, uma mulher, que não possui a menor perspectiva de vida, futuro e, torna-se apenas e de fato “um único numero a mais para apuração de quantidade” sendo que estas precisam de maior atenção, pois, se soubermos “abordá-la”, despertando confiança, parceria e motivação, com certeza, será “um numero á menos” a reincidir.
Na grande maioria das vezes, há por parte de muitas mulheres, a desconfiança, o receio e principalmente, o medo. Uma vez que, por ser a prisão ação delituosa, e pelo abandono, não conhece as regras que regem as prisões. Sem falar que, o abandono agrava esse medo e insegurança.
Outro fator predominante vem das que em detrimento de sua prisão bem propagada, principalmente quando há clamor público, (isso, independente do delito e participação ativa), quase sempre, se bloqueiam, e são muito mais vulneráveis e preocupantes. Pois, quase sempre, com o passar do tempo, estão abandonadas pelos familiares e amigos, portanto, caem no esquecimento apenas “do seu antigo meio”, contudo, jamais conseguem ser esquecidas pela sociedade.
São raros os casos em que estas mulheres, seguem suas permanências carcerárias, acompanhadas ou amparadas, e, quando o são, o acesso se restringe a poucos. O que dificulta trabalhar com a mesma.
Eu particularmente, nunca tive esse problema, pois, geralmente as unidades para onde essas mulheres são recambiadas, são dirigidas por pessoas que conhecem o nosso trabalho e ética.
Por estas razões descritas, com o tempo, aprendemos a priori, identificar as problemáticas e os diversos perfis. O que, nos permite a aproximação equilibrada, com a oferta necessária.
Temos parcerias com psicólogos, que muito ajudam nesse sentido.
E, por assim ser, a percepção das “nossas meninas” são extremamente positivas. Além das transformações percebidas e sentidas, nos surpreendemos em incontáveis situações, (que pareciam “perdidas” ou inviáveis), um retorno compensador, que na realidade é mais que isso! Já que ganhamos todos, principalmente a sociedade, enquanto nós, em contrapartida, perpetuamos amizades, e podemos presenciar mulheres que hoje, são marcantes em nosso trabalho, nos proporcionando continuamente orgulho e incentivos para nos motivar ininterruptamente, de verdade.
Quanto à pergunta complementar: - “É feito algum acompanhamento das reeducandas após a sua saída da prisão?” Sim, pois, se atuamos com reinserção e reabilitação, o principal é à saída dos cárceres, por isso nossa atuação efetiva com as egressas.
RCC. As reeducandas que passam pelo Projeto zaP!, Encontram mais facilidade de aceitação no mercado de trabalho ou ainda sofrem com o preconceito de serem ex-presidiárias?
EM. Ainda sofrem preconceitos, lógico! Mas, a maioria não tem enfrentado tantos problemas como antigamente. Hoje, além da credibilidade que temos também a sociedade tem uma visão diferente de outrora. Acredito que “nossas reeducandas” e “egressas” tenham mais facilidade sim!
RCC. Em quantos presídios o Projeto zaP! Trabalha atualmente?
EM. Trabalhamos em qualquer local, desde que, possamos ter verbas para locomoção, e em unidades em que possamos atuar para somar positivamente e de alguma forma contribuir para que seja mantida a ordem, disciplina e necessite serem denunciados por atos “anormais”, abusos e constrangimentos.
RCC. Qual a receptividade do Projeto zaP! Junto à direção dos presídios?
EM. Na grande maioria, excelente!
RCC. Como a senhora avalia os resultados obtidos até agora pelo Projeto zaP!?
EM. Sem falta modéstia, tenho muitos casos, em que me orgulho por ter persistido, lutado e sinto-me honrada pelos retornos das meninas, dados e provados na prática e na conduta. Temos hoje, muitas mulheres que conseguiram se profissionalizar, muitas com universidade concluída, enfim, [transformaram-se em] outras pessoas indubitavelmente.
Nossos agradecimentos à jornalista Elizabeth Misciasci pela entrevista.
PERFIL: GUSTAVO DOURADO
Por Paccelli José Maracci Zahler
A Revista Cerrado Cultural (RCC) entrevistou, por correio eletrônico, o poeta Gustavo Dourado (GD), presidente da Academia de Letras de Taguatinga - ALT. Ele nos falou sobre suas origens, sua vinda para Brasília, DF, cultura, projetos futuros. Registramos nosso agradecimento por nos receber virtualmente.
RCC. O senhor nasceu em Recife dos Cardosos, município de Ibititá, no coração da Bahia. Como foram os seus primeiros anos de estudos?
GD. Sim! Nasci no povoado de Recife dos Cardosos, sertão de Ibititá, região de Irecê, Baixo Médio São Francisco, no coração da Chapada Diamantina, no Estado da Bahia. Por lá passaram remanescentes de Conselheiro e da Insurreição de Canudos, cangaceiros, jagunços, os revoltosos da Coluna Prestes, bandeirantes, sertanistas, garimpeiros, aventureiros, era rota de tropeiros, vaqueiros, aventureiros, ciganos e viajantes. Foi cenário do coronel Horácio de Matos e do capitão Manoel Quirino...
RCC. Como foram os seus primeiros anos de estudos?
GD. Aprendi a ler em minha prima infância, literatura oral, cordel, Bíblia, causos, contos, crônicas cotidiárias. Aos três anos, já lia, escrevia e recitava para os trabalhadores das roças e sítios e do empório comercial do meu pai, Ulisses Marques Dourado, um homem irrepreensível, de caráter irretocável, que tinha a honestidade e a ática como um valor fundamental. Aconteceu comigo parecido com o garoto de Central do Brasil. Esse aspecto de minha vida é cinematográfico. O sertão é um filme permanente, contínuo...
Estudei com professores leigos, Dionísio Maia, Adelmita Cardoso, Leobina Severo. Depois estudei com Arli, Loídes Dourado, Hildete, Célia, Agnes, essas já professoras normalistas, formadas. Mas aprendi muito com o meu pai, minha mãe e com os professoras da rua, da universidade da vida...
RCC. A sua vocação literária manifestou-se ainda na infância?
GD. Sim! Ainda bem novo, infante. Já inventava palavras e improvisava versos nos primórdios da infância. Lia cordel, lia a Bíblia, almanaques, bulas de remédios e sobretudo ouvia muito os transeuntes, os contadores de causos e histórias, as rezadeiras, os vendedores, as parteiras e os garimpeiros, além dos parentes que habitavam o povoado de Recife dos Cardosos.
RCC. Sua passagem pelo Colégio Polivalente de Irecê, BA, entre 1972 e 1975, foi muito importante em sua vida. Poderia tecer comentários a respeito?
GD. Muito importante. Fundamental. Ali tive contato com centenas de jovens estudantes e comecei a minha militância no movimento estudantil. Fui orador da escola e coordenador do clube de leitura. Participei de olimpíadas estudantis e de júris simulados. Fui vencedor em algumas disputas. À época, a nossa sétima série venceu a oitava. Foi um fato extraordinário e que gerou uma certa popularidade, na cidade de Irecê, para o poeta que vos fala.
RCC. A economia de Ibititá, BA, é essencialmente agrícola. Foi por essa razão que o senhor veio estudar no Colégio Agrícola de Brasília?
GD. Não necessariamente. Brasília para mim era um sonho.
RCC. Havia intenção de retornar a Ibititá, BA, e trabalhar como técnico agrícola?
GD. Não. Mas tinha muita saudade dos meus familiares e amigos.
RCC. Enquanto estudava no Colégio Agrícola de Brasília, sua vocação literária começou a falar mais alto?
GD. Sim. Foi um período de muita leitura e descobertas interessantes.
RCC. Foi por essa razão que o senhor decidiu graduar-se em Letras na Universidade de Brasília?
GD. Sim. Pensei fazer Agronomia. Mas com o gosto pela poesia e pela literatura, optei por Letras, mas sempre com um viés para a Arte, a Filosofia e a Comunicação.
RCC. Como foi a sua passagem pela Universidade de Brasília?
GD.Poética, Transformadora. Revolucionária. Transmutadora.
RCC. O senhor passou pelo período de invasões do campus da UnB por parte das forças militares?
GD. Sim.Presenciei vários momentos da repressão e do autoritarismo no auge da Ditadura Militar. Sempre lutei pela Anistia, Direitos Humanos e pela Redemocratização do Brasil.
RCC. O senhor fez parte da geração de escritores de Brasília que imprimia seus livros em mimeógrafos e vendia nos bares?
GD. De certa forma sim, em menor escala e de forma autônoma Mas sempre fui mais independente e alternativo e até mais clássico. Trabalhei com o cordel, posters, cartazes, postais, etiquetas e adesivos poéticos. E também atuei muito de forma oral, por meio de performances, improvisos, repentes, tiradas, sarcasmo, ironia e crítica política. Cheguei a ser detido algumas vezes por desenvolver essa atividade cultural.
RCC. A sua aproximação com o cordel vem da época da UnB ou dos tempos de Ibititá?
GD. Começou em Recife dos Cardosos, em Ibititá, depois em Lapão e, por fim, na cidade de Irecê. Tudo girava em torno das feiras e da venda. Depois, em Brasília, o cordel veio com força na UnB, nas assembléias, debates, encontros, recitais, congressos e shows, sobretudo no Teatro de Arena, no Restaurante, nas entradas Sul e Norte e nos anfiteatros do ICC, além dos bares e festas...
RCC. Há algum tempo, o senhor compôs o Cordel da Ufologia. Foi apenas uma homenagem aos estudiosos do assunto ou o senhor acredita em discos-voadores?
GD. As duas coisas...
RCC. Há quem diga que os extraterrestres estão entre nós. O que o senhor pensa a respeito?
GD. Não é de hoje, desde tempos imemoriais. Somos nós no futuro...
RCC. Por que razão o senhor adotou o nome literário de “Amargedom”? Tem algo a ver com o Apocalipse bíblico? Uma antevisão dos tempos amargos vividos pela humanidade?
GD. Sim. Aprendi ler na Bíblia e no Cordel. O Apocalipse sempre foi um dos meus livros preferidos. Depois conheci outros apocalipses. Amargedom vem do Armagedon bíblico. Foi letra de música, rock, cordel e auto. Foi um dos meus poemas mais conhecidos no final dos anos 70 e idos dos anos 80. Muitas pessoas me chamavam por esse codinome, até hoje. Amargedom...Amar Já é Dom...Amar é um dom...O dom de amar...
RCC. Como é a sua relação com as editoras e com os editores?
GD. Sou independente, alternativo, sempre editei e paguei pelos meus livros. A minha relação maior é com os gráficos. Não conheço editores e editoras em Brasília. Nem sei se existe essa categoria por aqui. Se existe, precisam aparecer e editar de forma profissional os autores do DF. Gráficos que cobram pelo trabalho tem muitos. Brasília carece de editores e de editoras, falta divulgação e distribuição do livro. Não há política para o livro e para a leitura. O mercado editorial de Brasília é voltado para o que vem de fora.
RCC. Com trabalhos reconhecidos no Brasil e no exterior, prêmios e títulos literários, o senhor vive da Literatura?
GD. Subvivo. Sobrevivo. Sou educador e gestor público. Quem vive de literatura não sobrevive no Brasil...Fica mais lá fora do que aqui. Quem sobrevive bem com literatura aqui no Brasil?
RCC. De 1997 para cá, o senhor tem se utilizado da internet para publicar seus trabalhos. Como o senhor vê o advento do livro virtual (e-book)?
GD. É uma ferramenta importante, mas que precisa ter o seu viés econômico. Dispus toda a minha obra gratuitamente na internet, via sites, blogs e redes sociais. O livro real é fundamental. O virtual torna-se real. Virtureal...Revirtual...
RCC. O livro virtual não é muito frio, ou seja, tira o contato do leitor com o papel, tira o prazer de folhear páginas, marcar textos, rabiscar, meditar, sonhar, no decorrer da leitura?
GD. Sim. Mas com o tempo ganhará mais energia e calor.
RCC. Recentemente, uma escola particular do DF anunciou que irá abolir os livros de papel e adotar tablets eletrônicos. Isso não vai prejudicar o aprendizado e acabar com a caligrafia? Como professor, qual a sua opinião?
GD. Creio que é preciso evoluir e saber usar as novas tecnologias, sem esquecer das consagradas, como o livro e o filme.
RCC. O senhor foi presidente e hoje é conselheiro do Sindicato dos Escritores do DF. Na sua opinião, o Sindicato tem conseguido defender adequadamente os escritores e fortalecer a categoria?
GD. Precisa se fortalecer mais. Isso só será possível com a Regulamentação da Profissão do Escritor. Mas existem muitos interesses contrários das grandes editoras, das grandes livrarias e distribuidoras.
RCC. O Sindicato vem lutando pela profissionalização do escritor. Isso não tiraria o glamour da atividade literária?
GD. Tem que saber dosar o glamour com o profissionalismo. A regulamentação não tira o glamour de outras profissões.
RCC. Profissionalizando-se e passando a trabalhar sob encomenda, o escritor não ficaria à mercê dos clientes, perdendo o idealismo?
GD. Tem que saber trabalhar e não perder o ideal. É preciso sonhar sempre.
RCC. Como o senhor vê a política cultural do DF?
GD.Qual? Existe? desconheço...
RCC. E a qualidade do ensino?
GD. Precisa melhorar sempre. Temos boas escolas em Brasília e boas experiências dentro da Secretaria de Educação do DF.
RCC. Atualmente, o senhor preside a Academia de Letras de Taguatinga. Que projetos culturais o senhor pretende implementar na sua gestão?
GD. Levar os autores para as escolas, o que em parte já realizamos, incluir os jovens e estudantes. Profissionalizar o Jornal Alternativus. [Além disso] fazer uma Antologia dos autores e autoras acadêmicas. Temos muitos sonhos, mas faltam recursos e apoio. Lutamos para a consecução da sede própria, etc.
RCC. Qual a sua opinião sobre a Feira do Livro de Brasília?
GD. Precisa ser democratizada e valorizar mais o autor de Brasília. Não se tem apoio para o autor brasiliense. Apenas para um grupo de amigos dos organizadores. O resto tem que pagar pelos estandes. Falta divulgação, estrutura, profissionalismo.
RCC. Ela tem conseguido conquistar mais leitores e valorizar os escritores do DF?
GD. Da forma como é feita, não consegue esse intento. Urge mudar para melhor.
RCC. O Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade é adequado para a realização da Feira do Livro?Não fica mais distante e difícil para a visitação do público que dependo do transporte coletivo precário da cidade?
GD. Se fosse feita com profissionalismo e de forma democrática, ouvindo os segmentos culturais, não teria problema com o local. Precisa mudar a mentalidade dos organizadores e não pensar apenas no lucro. É preciso também dar um viés cultural à Feira, com inclusão dos jovens, estudantes, das minorias e dos autores locais. É preciso valorizar o livro e a leitura.
A Revista Cerrado Cultural (RCC) entrevistou, por correio eletrônico, o poeta Gustavo Dourado (GD), presidente da Academia de Letras de Taguatinga - ALT. Ele nos falou sobre suas origens, sua vinda para Brasília, DF, cultura, projetos futuros. Registramos nosso agradecimento por nos receber virtualmente.
RCC. O senhor nasceu em Recife dos Cardosos, município de Ibititá, no coração da Bahia. Como foram os seus primeiros anos de estudos?
GD. Sim! Nasci no povoado de Recife dos Cardosos, sertão de Ibititá, região de Irecê, Baixo Médio São Francisco, no coração da Chapada Diamantina, no Estado da Bahia. Por lá passaram remanescentes de Conselheiro e da Insurreição de Canudos, cangaceiros, jagunços, os revoltosos da Coluna Prestes, bandeirantes, sertanistas, garimpeiros, aventureiros, era rota de tropeiros, vaqueiros, aventureiros, ciganos e viajantes. Foi cenário do coronel Horácio de Matos e do capitão Manoel Quirino...
RCC. Como foram os seus primeiros anos de estudos?
GD. Aprendi a ler em minha prima infância, literatura oral, cordel, Bíblia, causos, contos, crônicas cotidiárias. Aos três anos, já lia, escrevia e recitava para os trabalhadores das roças e sítios e do empório comercial do meu pai, Ulisses Marques Dourado, um homem irrepreensível, de caráter irretocável, que tinha a honestidade e a ática como um valor fundamental. Aconteceu comigo parecido com o garoto de Central do Brasil. Esse aspecto de minha vida é cinematográfico. O sertão é um filme permanente, contínuo...
Estudei com professores leigos, Dionísio Maia, Adelmita Cardoso, Leobina Severo. Depois estudei com Arli, Loídes Dourado, Hildete, Célia, Agnes, essas já professoras normalistas, formadas. Mas aprendi muito com o meu pai, minha mãe e com os professoras da rua, da universidade da vida...
RCC. A sua vocação literária manifestou-se ainda na infância?
GD. Sim! Ainda bem novo, infante. Já inventava palavras e improvisava versos nos primórdios da infância. Lia cordel, lia a Bíblia, almanaques, bulas de remédios e sobretudo ouvia muito os transeuntes, os contadores de causos e histórias, as rezadeiras, os vendedores, as parteiras e os garimpeiros, além dos parentes que habitavam o povoado de Recife dos Cardosos.
RCC. Sua passagem pelo Colégio Polivalente de Irecê, BA, entre 1972 e 1975, foi muito importante em sua vida. Poderia tecer comentários a respeito?
GD. Muito importante. Fundamental. Ali tive contato com centenas de jovens estudantes e comecei a minha militância no movimento estudantil. Fui orador da escola e coordenador do clube de leitura. Participei de olimpíadas estudantis e de júris simulados. Fui vencedor em algumas disputas. À época, a nossa sétima série venceu a oitava. Foi um fato extraordinário e que gerou uma certa popularidade, na cidade de Irecê, para o poeta que vos fala.
RCC. A economia de Ibititá, BA, é essencialmente agrícola. Foi por essa razão que o senhor veio estudar no Colégio Agrícola de Brasília?
GD. Não necessariamente. Brasília para mim era um sonho.
RCC. Havia intenção de retornar a Ibititá, BA, e trabalhar como técnico agrícola?
GD. Não. Mas tinha muita saudade dos meus familiares e amigos.
RCC. Enquanto estudava no Colégio Agrícola de Brasília, sua vocação literária começou a falar mais alto?
GD. Sim. Foi um período de muita leitura e descobertas interessantes.
RCC. Foi por essa razão que o senhor decidiu graduar-se em Letras na Universidade de Brasília?
GD. Sim. Pensei fazer Agronomia. Mas com o gosto pela poesia e pela literatura, optei por Letras, mas sempre com um viés para a Arte, a Filosofia e a Comunicação.
RCC. Como foi a sua passagem pela Universidade de Brasília?
GD.Poética, Transformadora. Revolucionária. Transmutadora.
RCC. O senhor passou pelo período de invasões do campus da UnB por parte das forças militares?
GD. Sim.Presenciei vários momentos da repressão e do autoritarismo no auge da Ditadura Militar. Sempre lutei pela Anistia, Direitos Humanos e pela Redemocratização do Brasil.
RCC. O senhor fez parte da geração de escritores de Brasília que imprimia seus livros em mimeógrafos e vendia nos bares?
GD. De certa forma sim, em menor escala e de forma autônoma Mas sempre fui mais independente e alternativo e até mais clássico. Trabalhei com o cordel, posters, cartazes, postais, etiquetas e adesivos poéticos. E também atuei muito de forma oral, por meio de performances, improvisos, repentes, tiradas, sarcasmo, ironia e crítica política. Cheguei a ser detido algumas vezes por desenvolver essa atividade cultural.
RCC. A sua aproximação com o cordel vem da época da UnB ou dos tempos de Ibititá?
GD. Começou em Recife dos Cardosos, em Ibititá, depois em Lapão e, por fim, na cidade de Irecê. Tudo girava em torno das feiras e da venda. Depois, em Brasília, o cordel veio com força na UnB, nas assembléias, debates, encontros, recitais, congressos e shows, sobretudo no Teatro de Arena, no Restaurante, nas entradas Sul e Norte e nos anfiteatros do ICC, além dos bares e festas...
RCC. Há algum tempo, o senhor compôs o Cordel da Ufologia. Foi apenas uma homenagem aos estudiosos do assunto ou o senhor acredita em discos-voadores?
GD. As duas coisas...
RCC. Há quem diga que os extraterrestres estão entre nós. O que o senhor pensa a respeito?
GD. Não é de hoje, desde tempos imemoriais. Somos nós no futuro...
RCC. Por que razão o senhor adotou o nome literário de “Amargedom”? Tem algo a ver com o Apocalipse bíblico? Uma antevisão dos tempos amargos vividos pela humanidade?
GD. Sim. Aprendi ler na Bíblia e no Cordel. O Apocalipse sempre foi um dos meus livros preferidos. Depois conheci outros apocalipses. Amargedom vem do Armagedon bíblico. Foi letra de música, rock, cordel e auto. Foi um dos meus poemas mais conhecidos no final dos anos 70 e idos dos anos 80. Muitas pessoas me chamavam por esse codinome, até hoje. Amargedom...Amar Já é Dom...Amar é um dom...O dom de amar...
RCC. Como é a sua relação com as editoras e com os editores?
GD. Sou independente, alternativo, sempre editei e paguei pelos meus livros. A minha relação maior é com os gráficos. Não conheço editores e editoras em Brasília. Nem sei se existe essa categoria por aqui. Se existe, precisam aparecer e editar de forma profissional os autores do DF. Gráficos que cobram pelo trabalho tem muitos. Brasília carece de editores e de editoras, falta divulgação e distribuição do livro. Não há política para o livro e para a leitura. O mercado editorial de Brasília é voltado para o que vem de fora.
RCC. Com trabalhos reconhecidos no Brasil e no exterior, prêmios e títulos literários, o senhor vive da Literatura?
GD. Subvivo. Sobrevivo. Sou educador e gestor público. Quem vive de literatura não sobrevive no Brasil...Fica mais lá fora do que aqui. Quem sobrevive bem com literatura aqui no Brasil?
RCC. De 1997 para cá, o senhor tem se utilizado da internet para publicar seus trabalhos. Como o senhor vê o advento do livro virtual (e-book)?
GD. É uma ferramenta importante, mas que precisa ter o seu viés econômico. Dispus toda a minha obra gratuitamente na internet, via sites, blogs e redes sociais. O livro real é fundamental. O virtual torna-se real. Virtureal...Revirtual...
RCC. O livro virtual não é muito frio, ou seja, tira o contato do leitor com o papel, tira o prazer de folhear páginas, marcar textos, rabiscar, meditar, sonhar, no decorrer da leitura?
GD. Sim. Mas com o tempo ganhará mais energia e calor.
RCC. Recentemente, uma escola particular do DF anunciou que irá abolir os livros de papel e adotar tablets eletrônicos. Isso não vai prejudicar o aprendizado e acabar com a caligrafia? Como professor, qual a sua opinião?
GD. Creio que é preciso evoluir e saber usar as novas tecnologias, sem esquecer das consagradas, como o livro e o filme.
RCC. O senhor foi presidente e hoje é conselheiro do Sindicato dos Escritores do DF. Na sua opinião, o Sindicato tem conseguido defender adequadamente os escritores e fortalecer a categoria?
GD. Precisa se fortalecer mais. Isso só será possível com a Regulamentação da Profissão do Escritor. Mas existem muitos interesses contrários das grandes editoras, das grandes livrarias e distribuidoras.
RCC. O Sindicato vem lutando pela profissionalização do escritor. Isso não tiraria o glamour da atividade literária?
GD. Tem que saber dosar o glamour com o profissionalismo. A regulamentação não tira o glamour de outras profissões.
RCC. Profissionalizando-se e passando a trabalhar sob encomenda, o escritor não ficaria à mercê dos clientes, perdendo o idealismo?
GD. Tem que saber trabalhar e não perder o ideal. É preciso sonhar sempre.
RCC. Como o senhor vê a política cultural do DF?
GD.Qual? Existe? desconheço...
RCC. E a qualidade do ensino?
GD. Precisa melhorar sempre. Temos boas escolas em Brasília e boas experiências dentro da Secretaria de Educação do DF.
RCC. Atualmente, o senhor preside a Academia de Letras de Taguatinga. Que projetos culturais o senhor pretende implementar na sua gestão?
GD. Levar os autores para as escolas, o que em parte já realizamos, incluir os jovens e estudantes. Profissionalizar o Jornal Alternativus. [Além disso] fazer uma Antologia dos autores e autoras acadêmicas. Temos muitos sonhos, mas faltam recursos e apoio. Lutamos para a consecução da sede própria, etc.
RCC. Qual a sua opinião sobre a Feira do Livro de Brasília?
GD. Precisa ser democratizada e valorizar mais o autor de Brasília. Não se tem apoio para o autor brasiliense. Apenas para um grupo de amigos dos organizadores. O resto tem que pagar pelos estandes. Falta divulgação, estrutura, profissionalismo.
RCC. Ela tem conseguido conquistar mais leitores e valorizar os escritores do DF?
GD. Da forma como é feita, não consegue esse intento. Urge mudar para melhor.
RCC. O Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade é adequado para a realização da Feira do Livro?Não fica mais distante e difícil para a visitação do público que dependo do transporte coletivo precário da cidade?
GD. Se fosse feita com profissionalismo e de forma democrática, ouvindo os segmentos culturais, não teria problema com o local. Precisa mudar a mentalidade dos organizadores e não pensar apenas no lucro. É preciso também dar um viés cultural à Feira, com inclusão dos jovens, estudantes, das minorias e dos autores locais. É preciso valorizar o livro e a leitura.
CORDEL DA UFOLOGIA
Por Gustavo Dourado
Para Pepe Chaves, Ademar Gevaerd,
Alonso Valdi Régis
e Marco Antônio Petit...
Na Ufovia vi um Ufo
Vi mana na Ufovia
Ufovni na grande Rede
Luzen Ovnilogia
Objetos voadores:
Além da Filosofia...
Li Ademar Gevaerd
E Ataíde Ferreira
Vi o ET de Varginha
Oculto na cordilheira
Marco Antônio Petit:
É ufólogo de primeira...
Li Analígia Francisco
Suenaga e Ademar
O Guilherme de Almeida:
Um Poeta a me lembrar
Paulo Poian, Kelly Lima:
Num Ufo vou navegar...
Arismaris B . Dias
Universo a pesquisar
J.A Fonseca e Pepe
Além da Serra do Mar
Paulo Aníbal Mesquita:
Na noite sempre a buscar...
Pepe Chaves na Ufovia:
Ufologia de primeira
É Ufólogo respeitado
Na Ufologia Mineira
E segue o mesmo caminho
Na Ufolgia Brasileira...
Recordo do Mestre Uchoa
Grande ufólogo brasileiro
Conhecido em todo mundo:
Respeitado no estrangeiro
Precursor da Ufologia:
Um autêntico pioneiro...
Há tantos nomes de ufólogos
Aos poucos vou recordar...
O Ademar Gevaerd:
Vem em primeiro lugar
Pesquisador cientista:
Que se deve respeitar...
Alonso lá na Bahia
Bela Morro do Chapéu
O sertão todo estrelado
É uma sucursal do céu
Na terra de Castro Alves
Alonso desvela o véu...
Aqui no vasto Cerrado
Nosso Planalto Central
Back e Luís Gonzaga
Alvorada universal
Os Ufos na Esplanada:
Relembram o "General" ...
Pepe Chave na Ufovia
ViaFanzine ao luar
Ufologia é vanguarda
Da ciência popular
Abram-se todos os arquivos
Para o povo se informar...
Os Ufos estão aí
Aqui e no mundo inteiro
Trafegam na Ufovia
No Planalto Brasileiro
SP, Minas, Bahia
Pará - Rio de Janeiro...
Gosto de Ufologia
Vou a banca pesquisar
Compro a Revista Ufo
Pra melhor me informar
Vou de Ufo na Ufovia
Num galope a beira mar...
Vou fazer uma viagem
No Universo inteiro
Vou navegar nas estrelas
Pelo Cosmo verdadeiro:
Vou pousar na Esplanada
Do Planalto Brasileiro...
Para Pepe Chaves, Ademar Gevaerd,
Alonso Valdi Régis
e Marco Antônio Petit...
Na Ufovia vi um Ufo
Vi mana na Ufovia
Ufovni na grande Rede
Luzen Ovnilogia
Objetos voadores:
Além da Filosofia...
Li Ademar Gevaerd
E Ataíde Ferreira
Vi o ET de Varginha
Oculto na cordilheira
Marco Antônio Petit:
É ufólogo de primeira...
Li Analígia Francisco
Suenaga e Ademar
O Guilherme de Almeida:
Um Poeta a me lembrar
Paulo Poian, Kelly Lima:
Num Ufo vou navegar...
Arismaris B . Dias
Universo a pesquisar
J.A Fonseca e Pepe
Além da Serra do Mar
Paulo Aníbal Mesquita:
Na noite sempre a buscar...
Pepe Chaves na Ufovia:
Ufologia de primeira
É Ufólogo respeitado
Na Ufologia Mineira
E segue o mesmo caminho
Na Ufolgia Brasileira...
Recordo do Mestre Uchoa
Grande ufólogo brasileiro
Conhecido em todo mundo:
Respeitado no estrangeiro
Precursor da Ufologia:
Um autêntico pioneiro...
Há tantos nomes de ufólogos
Aos poucos vou recordar...
O Ademar Gevaerd:
Vem em primeiro lugar
Pesquisador cientista:
Que se deve respeitar...
Alonso lá na Bahia
Bela Morro do Chapéu
O sertão todo estrelado
É uma sucursal do céu
Na terra de Castro Alves
Alonso desvela o véu...
Aqui no vasto Cerrado
Nosso Planalto Central
Back e Luís Gonzaga
Alvorada universal
Os Ufos na Esplanada:
Relembram o "General" ...
Pepe Chave na Ufovia
ViaFanzine ao luar
Ufologia é vanguarda
Da ciência popular
Abram-se todos os arquivos
Para o povo se informar...
Os Ufos estão aí
Aqui e no mundo inteiro
Trafegam na Ufovia
No Planalto Brasileiro
SP, Minas, Bahia
Pará - Rio de Janeiro...
Gosto de Ufologia
Vou a banca pesquisar
Compro a Revista Ufo
Pra melhor me informar
Vou de Ufo na Ufovia
Num galope a beira mar...
Vou fazer uma viagem
No Universo inteiro
Vou navegar nas estrelas
Pelo Cosmo verdadeiro:
Vou pousar na Esplanada
Do Planalto Brasileiro...
TRABALHO DE MINEIRO
Por Jean Narciso Bispo Moura
Cavo no fundo último da palavra
O verso maior que minha cabeça
Alguma coisa que esteja suja de polissemia
A peneira solta a sirena
E separa o verídico do falso.
Mas a escavação ainda não se apodera
Da topografia universal.
Cavo no fundo último da palavra
O verso maior que minha cabeça
Alguma coisa que esteja suja de polissemia
A peneira solta a sirena
E separa o verídico do falso.
Mas a escavação ainda não se apodera
Da topografia universal.
E EU CHORAR
Por Fátima Cardoso
Quando a vida
me fizer
chorar
Serão somente gotas
de orvalho
que secarão quando
O sol surgir
Majestoso e fizer
novamente
meu mundo Brilhar...
Aí enxergarás
a fantástica sinfonia,
o incrível espetáculo
de um vencedor.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Quando a vida
me fizer
chorar
Serão somente gotas
de orvalho
que secarão quando
O sol surgir
Majestoso e fizer
novamente
meu mundo Brilhar...
Aí enxergarás
a fantástica sinfonia,
o incrível espetáculo
de um vencedor.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
SEM CRITÉRIO PARA VIVER
Por Fátima Cardoso
Amigos
Como tê-los
Se os sinto itinerante.
Sozinha fico
Noite e dia
Esqueço que existo
Desmotivação
- Perdas Existenciais –
Jamais voltarão
Acreditar no eterno
Tão terno
Sem razão alguma
Espero
Diagnostico lento
Antidepressivo
Para sorrir
Relaxante
Para dormir
Acordo
Boca amarga
A vida me espera
Sem pressa
Tenho que recomeçar
Sem amigos
Talvez, como você
Sem critério
Para viver
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Amigos
Como tê-los
Se os sinto itinerante.
Sozinha fico
Noite e dia
Esqueço que existo
Desmotivação
- Perdas Existenciais –
Jamais voltarão
Acreditar no eterno
Tão terno
Sem razão alguma
Espero
Diagnostico lento
Antidepressivo
Para sorrir
Relaxante
Para dormir
Acordo
Boca amarga
A vida me espera
Sem pressa
Tenho que recomeçar
Sem amigos
Talvez, como você
Sem critério
Para viver
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
PARA O MEU AMOR
Por Gislaine Canales
Quero da noite, estrelas glamorosas,
da natureza, eu quero toda a cor,
dos mares, quero as ondas mais formosas
e das neves, quero a pureza e alvor!
Quero o perfume de todas as rosas,
do Sol, eu quero todo o seu calor,
quero todas as brisas perfumosas
para te dar, agora, meu amor!
Mas tudo isto é pouco, muito pouco,
para este amor, assim, sem dimensão,
vem, minha musa, e inspira esse meu verso,
porque este amor eu sinto, de tão louco,
quase nem cabe no meu coração!
Peço socorro às musas do Universo!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Quero da noite, estrelas glamorosas,
da natureza, eu quero toda a cor,
dos mares, quero as ondas mais formosas
e das neves, quero a pureza e alvor!
Quero o perfume de todas as rosas,
do Sol, eu quero todo o seu calor,
quero todas as brisas perfumosas
para te dar, agora, meu amor!
Mas tudo isto é pouco, muito pouco,
para este amor, assim, sem dimensão,
vem, minha musa, e inspira esse meu verso,
porque este amor eu sinto, de tão louco,
quase nem cabe no meu coração!
Peço socorro às musas do Universo!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
PEDIDO
Por Gislaine Canales
Peço aos irmãos, aos filhos e aos amigos,
que no dia em que a morte me levar,
não ponham o meu corpo nos abrigos
cimentados, tão frios e sem ar!
Na solidão eterna dos jazigos
é lugar onde não quero ficar!
Silêncio e solidão serão castigos
e minha alma quer livre navegar!
Por isso eu peço aos que me querem bem,
levem meu corpo, longe, até o mar,
onde haja céu e água e mais ninguém!
Nesse lugar azul, só de beleza,
joguem ao mar, o que de mim restar,
quero ser parte dessa natureza!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Peço aos irmãos, aos filhos e aos amigos,
que no dia em que a morte me levar,
não ponham o meu corpo nos abrigos
cimentados, tão frios e sem ar!
Na solidão eterna dos jazigos
é lugar onde não quero ficar!
Silêncio e solidão serão castigos
e minha alma quer livre navegar!
Por isso eu peço aos que me querem bem,
levem meu corpo, longe, até o mar,
onde haja céu e água e mais ninguém!
Nesse lugar azul, só de beleza,
joguem ao mar, o que de mim restar,
quero ser parte dessa natureza!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
TEMPO E SOLIDÃO
Por Gislaine Canales
Com o tempo avançando devagar
vemos crescendo sempre a solidão,
mesmo assim, temos que continuar
e vivermos somente de ilusão!
Todos que amamos, não vão mais chegar,
alagamos o nosso coração
com lágrimas choradas e a chorar
na saudade cheinha de emoção!
O tempo chega, assim, sempre inclemente,
sem lógica, sem juízo, inconseqüente
em nossa vida. Inútil, sem vaidade!
E a juventude, antes, envolvente
se despede, sorrindo, então, da gente
e a nós só resta a triste realidade!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Com o tempo avançando devagar
vemos crescendo sempre a solidão,
mesmo assim, temos que continuar
e vivermos somente de ilusão!
Todos que amamos, não vão mais chegar,
alagamos o nosso coração
com lágrimas choradas e a chorar
na saudade cheinha de emoção!
O tempo chega, assim, sempre inclemente,
sem lógica, sem juízo, inconseqüente
em nossa vida. Inútil, sem vaidade!
E a juventude, antes, envolvente
se despede, sorrindo, então, da gente
e a nós só resta a triste realidade!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
DEMOCRACIA
Por Paccelli José Maracci Zahler
Desabafamos,
Fingem-se moucos;
Falamos verdades,
Fazem pouco.
Estranha democracia...
O povo chia
E segue de mãos vazias.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Desabafamos,
Fingem-se moucos;
Falamos verdades,
Fazem pouco.
Estranha democracia...
O povo chia
E segue de mãos vazias.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
GERAÇÕES
Por Paccelli José Maracci Zahler
O que se diz a uma criança
Nos dias atuais?
Que ela é a nossa esperança?
Que as coisas são assim?
Que um dia ela mudará o mundo?
Que ela compreenderá tudo
Quando crescer?
Mentiras!
Mentiras que passam
De geração em geração.
Um dia fomos crianças
E, por acaso, somos esperança?
Mudamos o mundo?
Compreendemos tudo?
Porém, as coisas continuam
Como sempre foram.
E, quando se abriram os olhos,
Era tarde demais!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
O que se diz a uma criança
Nos dias atuais?
Que ela é a nossa esperança?
Que as coisas são assim?
Que um dia ela mudará o mundo?
Que ela compreenderá tudo
Quando crescer?
Mentiras!
Mentiras que passam
De geração em geração.
Um dia fomos crianças
E, por acaso, somos esperança?
Mudamos o mundo?
Compreendemos tudo?
Porém, as coisas continuam
Como sempre foram.
E, quando se abriram os olhos,
Era tarde demais!
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
UMA QUIMERA TERMINAL
Por Von Steisloff
Aquele repetido ritual prestimoso do encanecido homem ia caminhando para compor um cenário quase picaresco, bem junto às imponentes portas do Metropolitan Opera House. Ali no coração da ilha de Manhattan, em noites das temporadas dos grandes concertos, as negras limusines estacionadas eram submetidas ao ritual de limpeza discreta, quase carinhosa, por meio do enorme espanador confeccionado em penas de avestruz africano. Observadores maldosos poderiam até insistir que o ritual era mesmo de um pícaro, mas que tinha utilidade e era rendoso para o velho homem no papel de flanelinha, isso todos reconheciam como uma outra verdade!
Cada chauffeur que aguardava o rico passageiro ao término das noites de grande gala, não se prestaria a ficar tirando o pó superficial do longo e lustroso veículo. Preferiam deixar o trabalho por conta daquele estranho homem, que, no seu mutismo, nem sequer agradecia aos centavos pagos à guisa de propina da providencial limpeza já rotineira.
Eram dezenas, por assim dizer, às vezes, quase centenas de veículos que o senhor grisalho ia, na sua evidente pachorra, espanando, mesmo sem autorização ou nada pedir. Mas recebia, sempre apático, as tilintantes moedas de cinqüenta centavos de dólar colocadas em suas engelhadas mãos. Imagine-se a quantia já amealhada pelo misterioso homem das brancas barbas nas repetidas noites de ópera em New York!
Quando em vez, apenas de soslaio, o grisalho do espanador observava os esnobes casais que desciam das tentadoras, espaçosas e exclusivas limusines. Os bem trajados e elegantes ocupantes adentravam rápidos e sorridentes, sumindo na escuridão das imponentes portas do Metropolitan Opera, sem nunca olhar para o humilde serviçal que, afinal – na sua importância –, portava um espanador das Áfricas! Quando muito, os gentilhommens, de braços dados com suas damas, cumprimentavam o porteiro de libré. Este, mais parecendo general de espalhafatosa vestimenta, nos sorrisos às escâncaras, fazia entrega em contrapartida do custoso ingresso, um fino libreto para a noite de arte e encantamento.
Naqueles furtivos olhares oblíquos direcionados aos elegantes casais, o tira-pó de limusine não conseguia conter um certo sentimento de quase inveja pecaminosa. Mas não passava de um simples pecadilho, para alento de suas noites de trabalho. Mas, justiça se faça: a quase inveja também não passava de um estímulo para que ele se mantivesse sempre firme na busca do seu sonho, há tanto tempo anelado. “Um dia eu também consigo!” – repetia, anexando em si a obstinação de tonalidade psicótica – “Um dia eu também consigo!” Será que o aparente pobre homem estaria desejando comprar mesmo uma limusine ao preço, por baixo, de cerca de meio milhão de dólares?! Se bem que, na verdade, um número considerável daquelas imponentes limusines eram de serviço de frete, apenas para a exibição humana e com a finalidade de ostentar, ao menos por uma noite, uma provável riqueza, ou fingir uma fineza inexistente. Isso, essa qualidade humana e suas manias, o velho limpador com espanador já tinha conhecimento. Quem sabe, por isso, ele também achasse possível e conveniente ser confundido, pelo menos por uma noite, como gente fina, de poder financeiro ou homem também das artes?
No mais das vezes, durante a tarefa do espanar as dezenas de carros por noite, o homem, no seu mutismo, ficava imaginado como tinha sido árdua a caminhada até aquele ponto para poder culminar um sonho de infância. E como tinha sido longa a viagem! “Mas – pensava com a mente ainda ágil para os quase oitenta anos – estou atingindo o grand monde!” Entretanto, o que mais o impressionava era mesmo aquele ponto no centro de Manhattan, onde agora chegara depois da viagem há meses iniciada no distante país. Nem mesmo os sofrimentos morais recém-surgidos foram capazes ou tiveram poder de sopitar-lhe a vontade para materializar-se naquele local, vestíbulo para um sonho de tempos passados.
Para os chauffeurs, todos enfatiotados na demorada espera dos patrões, poderia até ser motivo de comodismo e satisfação ficar olhando as caríssimas limusines ser tão bem tratadas pelo espanar daquele homem com seu instrumento de penas de avestruz vindas da África! Sabia-se em New York que um espanador daquela categoria deveria custar uns duzentos dólares! Talvez por isso eram pródigos, dando sempre, nas repetidas sessões de limpeza, a gorjeta ao estranho e conveniente homem de todas as noites.
Na esperança, talvez, de uma companhia agradável para a longa viagem até o destino, o dono do caminhão tinha concordado em dar aquela carona ao estranho homem, mas ao custo combinado de vinte reais até o Rio de Janeiro. Figura impressionante pela brancura da barba e cabelos esquálidos, que quase escondiam os ombros descarnados. Ledo engano do esperançoso caminhoneiro. O ocasional acompanhante revelou-se de um mutismo irritante. Nos primeiros cem quilômetros, bem perto de Cristalina, no Estado de Goiás, apenas uma ação de concordância como resposta. O grisalho ao lado tinha concedido à guisa de atendimento ao pedido para baixar o vidro da janela. Saíram bem cedo, mas o dia estava quente e a cabine metálica apresentava o calor típico da anteporta do inferno.
O vento que fustigava a basta cabeleira tinha para o passageiro uma conotação de carinho natural que ele necessitava. Afinal, todo o seu bem querer da atribulada vida tinha ficado para trás, na capital da República. Nada mais deveria lhe prender ao passado. Só os pensamentos inevitáveis continuavam a infringir-lhe o sofrimento psicológico em patamares de terríveis angústias. Ah, as perdas! A tentativa do esquecimento dos entes queridos! A tortura das saudades! E o tão acostumado conforto do homem classe média bem superior? Não lhe doía também largar tudo? Daí o impenetrável silêncio a que se impunha. Era o calar como uma penitência pelo sofrimento impingido, também, aos seus familiares então abandonados. Entretanto, a sua mais profunda dor era a decepção com o gênero humano em geral. Na sua concepção muito pessoal, íntima e por assim dizer filosófica, o bicho homem era o único projeto inviável de Deus!
Apenas uns três ou quatro meses tinha se afastado de tudo e como não mais podia ficar na cidade, preferia sair sem aviso; assim como se tivesse morrido para o mundo. Pretendia ser mais um anônimo entre os milhares que existem na categoria de moradores de rua; sem casa, sem bens, sem identidade; nada que o enquadrasse novamente na faixa dos cidadãos normais com renda certa e residência em local certo, sabido e determinado. Se sua vontade fosse cumprida desapareceria mesmo depois de morto; só restariam as cinzas impessoais espargidas em qualquer lugar, pouco importaria. Coitado! De passado honrado, tinha ultrapassado os limites de gastos familiares e chegara ao ponto final dos ilícitos fiscais. Estava sendo envolvido, cada vez mais, no mundo perigoso e desgraçado da delinqüência perante a tenebrosa Receita Federal!
No treinamento a que se impôs, aquele estranho ser passou pelos perigosos caminhos da despersonalização. A rejeição da identidade própria. Um alheamento proposital do concreto por não mais desejar uma realidade incômoda, sobretudo desagradável. Para isso, para alienar-se, abraçara um treinamento com disciplina na exata medida dos pontos que visava: passar por morto ou amnésico. Furtar-se dos traumas financeiros, terminar os poucos anos restantes da vida sem atropelos emocionais. E o mais importante de tudo, materializar aquela sua fixação por uma quimera invasora desde a infância e que não se apagou até na hoje distante juventude. Este desejo, antes da morte por sua cardiopatia grave, era, por assim dizer, o último objetivo que reacende, e emerge, com força e total descontrole, para o qual o velho partia agora em aventurosa conquista.
Além de outras esquisitices, costumava fingir para os conhecidos ser tomado por surtos de esquecimentos de fatos e ocorrências óbvias. E, mais ainda, vinha fazendo uma meticulosa série de registros mentais de cunho técnico. Algo que era de extrema significação para materializar aquele sonho mais almejado: estudar tudo que se relacionasse com as rotinas e negócios da Petrobras! Para esse propósito já tinha passado longas noites no site da daquela empresa do ramo do petróleo. Realizava, insone, passeios virtuais por dentro dos navios petroleiros, estudando os respectivos detalhes mais escondidos dos corredores, praça das armas, todos os acessos ou vias de escape e inclusive o posicionamento das centenas de câmeras de vigilância espalhadas estrategicamente nos navios.
O Armazém 18 era-lhe um local mágico por especiais e antigas emoções! Afinal, naquele mesmo local, no antigo portão 18, há cerca de sessenta e seis anos, algo de fantástico tinha acontecido com o então menino, agora um claudicante senhor de cabelos nevados. Mas essa coincidência de local de atracação do Netumar não impediu que o maduro e disciplinado senhor das barbas brancas se descuidasse de aprofundar as pesquisas. Com essas salvaguardas de dados e informações objetivas, o velho homem considerava-se pronto para penetrar sorrateiramente no sofisticado petroleiro, para fazer a viagem na qualidade de passageiro clandestino. Só assim daria início aos primeiros passos para realizar a sua íntima quimera. A sua particular fantasia acalentada há tantos anos e que só poderia se efetivar em New York.
Como um sorrateiro pretendente a passageiro clandestino poderá adentrar, sem ser notado, em um navio com as características de segurança do Netumar? Essa angustiosa questão vinha martelando a consciência e a tranqüilidade do futuro viajante clandestino, até que uma formidável, mas enganosa, solução surgiu como por milagre. “Ora! – imaginou com otimismo irresponsável – ”e por onde sempre subiram os ratos nos navios?" Será que um abatido homem beirando oitenta anos poderia fazer o mesmo caminho dos ratos de cais? Subir, lépido, na escuridão protetora, as grossas cordas da amarração para galgar esconderijo no Netumar? Essa crucial questão vinha sendo psicologicamente desprezada com o propósito de não melar o entusiasmo do trôpego internauta. “Cada coisa em seu momento!” – deveria ruminar em silêncio enquanto dava andamento às pesquisas fazendo verdadeiro tour virtual – “Cada coisa em seu momento!” Após muitas noites de “navegar” na Internet, expressando para si um sorriso de irônica vitória no rosto e boca encarquilhados, o velho homem conseguira localizar o ponto certo onde se daria a toca-esconderijo para a viagem de quinze dias, partindo do Rio de Janeiro até a atracação no porto de New York. Isso sem ser descoberto, com possibilidades de uma boa alimentação, duchas quentes, e até observar os tripulantes nas tratativas e conversas para troca de turnos e mais o que possa interessar a um passageiro clandestino. Sem o perigo de ser flagrado e lançado de volta na água, conforme a tradicional, embrutecida e consuetudinária Lei do Mar!
Naquela tarde chuvosa do dia 19 de junho, o frio na avenida Rodrigues Alves, logo à frente, indicava que a noite não seria das mais agradáveis. Era um dia úmido típico anunciado para o Rio de Janeiro. Pararam, finalmente, bem defronte ao Armazém 18 do cais do porto! Apenas por um aceno antipático e demonstrando enfado tal como uma continência militar, o velho agradece enquanto o caminhoneiro, talvez aliviado da péssima carona concedida, continua em direção da praça Mauá. Esqueceu, ou fingiu-se desmemoriado, de pagar o preço da carona? Por isso, com muita razão, apregoam os entendidos das coisas humanas: “Como é difícil ser ético em tempos das vacas magras”.
Ali ele espera a oportunidade da escuridão que se aproxima para entrar na área do cais. “Bem atrás do alto muro e do armazém” – imaginou com emoção contida – “deverá estar atracado o Netumar!”
A noite avançava e o senhor permanecia firme encostado ao portão. Não poderia adormecer nem que quisesse. Os ruídos dos guindastes embarcando no Netumar os contêineres e suas lembranças de menino são mais poderosas que o sono. Com emoção do silêncio na alma, ele remonta a pensamentos distantes no tempo! Naquele mesmo ponto, em agosto de 1941, o então garoto tinha vivido a aventura de sua primeira viagem por mar! Era a Segunda Guerra que se aproximava e as tropas brasileiras tinham sido deslocadas para as praias do Nordeste. Não se sabia o destino; era segredo de Estado. Ao velho, agora, restava relembrar e reviver imagens do local, seus pais, alguns muitos alegres, outros angustiados com as incertezas de um mundo que anunciava entrar em convulsão. Daquele agosto de 1941 em diante, a vida arrastou os meninos de então, os jovens, e o agora provecto homem, por acidentados caminhos. O seu mundo e os sonhos ingênuos de realizações mágicas se foram desagregando no desânimo, no cansaço e na decepção com toda a humanidade na louca caminhada. “E agora?” – pensava tristonho enquanto esperava o momento para galgar o muro em busca do seu último sonho – “E agora?” Será que tudo tinha se perdido para ele? Os seus bens? Os seus queridos? O seu nome? Nada mais lhe restava? “Não!”– imaginava resoluto na friíssima escuridão na qual se escondia da cruel realidade de sua vida particular – “Não! Quero aliviar o meu anelo e estou quase em New York!” – balbuciou para si, emocionado, como um desvairado que acredita no impossível, na obstinada crença irracional diante do avassalador abandono auto-imposto.
Antes da aurora, ainda sob a proteção do negrume na frígida madrugada, tal como um atleta terminal em penúltimo esforço para a chegada na sua meta, eis o homem dentro do pátio do porto. A poucos metros, menos de trinta talvez, lá está atracado sob intensa luz matutina o Netumar! Mas os cabos de amarração parecem-lhe, então, de inclinação exagerada. Imaginava que seria fácil, na mesma agilidade tal como um rato, subir no costado. Em vez de desanimar-se com a decepcionante constatação que não mais conseguiria seguir o plano criteriosamente idealizado, prefere cuidar-se para não ser surpreendido à luz do dia que surge. E assim vai ficando até que uma sugestão caia do céu; como inexplicável milagre, lhe dê uma idéia de como entrar no navio sem rastejar pela íngreme corda até o topo do costado rubro do ambicionado navio. Alguns minutos se passam, até que as vozes de dentro do armazém são perfeitamente audíveis: mas uma voz diferente, plena de sotaque estrangeiro, pode ser destacada: “Vocês são uns calhordas! Isso é o mesmo que uma conjuração!” Era a voz do encarregado dos suprimentos de boca que reclamava contra a má vontade dos estivadores para levar para bordo a carga. O preocupado empresário, um turco, não se lembrava que aquele momento era sagrado para os brasileiros? A seleção brasileira estava em campo na Venezuela disputando a Copa das Américas, ora bolas! Era uma espécie de greve relâmpago por, pelo menos, noventa minutos. O turco estava desesperado e continuava gritando: “Vagabundos! Calhordas!”
Aquela conjuração era o milagre dos céus que o velho homem escondido esperava. A falta de braços indicava-lhe a oportunidade para aproveitar da confusão reinante aos primeiros acordes do hino nacional, para aproximar-se do turco e oferecer seus préstimos, para ajudar carregar até o interior do Netumar a bendita carga. O turco, meio atordoado pela balburdia dos gritos de “Pra frente Brasil!”, só perguntou, sem mais delongas, se o estranho e obsequioso velho conhecia os caminhos até as duas bodegas do Netumar. Confirmado que conhecia com detalhes os caminhos para onde ia a carga de alimentos, o turco aceitou a oferta e pôs nas mãos do novo estivador um macacão cor laranja para que iniciasse, apenas os dois, a subida da carga.
A um grito do turco, o marinheiro aciona o dispositivo que abre o portaló ao nível do cais por onde devem entrar. Por ali, em carrinhos de mão, vão levando as caixas das variadas carnes, as das frutas, as das dúzias de ovos. Para espanto e secreta satisfação do improvisado estivador, até caixas de finas cervejas eram embarcadas! O velho agora metido no seu macacão profissional não tinha dificuldades para localizar, em pontos extremos, as bodegas onde deveria estar cada mercadoria selecionada pelo turco. Era um daqueles turcos-brasileiros, dono da pequena empresa internacional de suprimentos para navios. Por cada corredor do complexo caminho, até a bodega principal onde se encontra o refeitório geral, o turco prefere seguir atrás, para não se perder do velho com seu carrinho abarrotado. O turco sente-se confiante, pensando que o velho é um ex-embarcadiço e presta serviços esporádicos por amor às coisas do mar. O rápido elevador vai direto ao terceiro deck sem parada. O último deck onde serão descarregadas as mercadorias fica a aproximadamente uns quinze metros do nível da água! Ninguém os segue pelos caminhos no interior do navio. A marujada e os comandos estão desviados à frente dos telões de televisão. Enfim, chegam ao destino com os últimos carregamentos. Naquele ambiente limpo, com as câmaras frigoríficas, os refrigeradores, pias, mesas e fogões, tudo em aço escovado, o velho imagina com seus botões: “Era isso mesmo que eu esperava! Nada diferente!” – não só pensou, mas sorriu, sem-cerimônia, para surpresa de um turco curioso com a atitude do seu estivador ocasional – “Ali está minha toca como um útero de aço, de onde serei parido para o meu sonho!”. O velho olha para cima da parede metálica e vê o local vazio, onde a manutenção da Transpetro deveria ter instalado um aparelho de ar condicionado e que não foi efetivado. Tudo isso, essa falha da tradicional e inescrupulosa engenharia de manutenção da empresa, o velho já sabia via Internet. Por isso, sorriu por primeira vez nos últimos cinco dias da viagem de Brasília até o Rio de Janeiro.
Nas intermináveis noites daquele único isolado passageiro, o velho de magérrimo corpo tentava de ajustar inutilmente as nádegas ao apoio de ferro, para tornar menos torturante o trajeto até a meta intermediária antes da realização do sonho de tantos anos. No silêncio do imenso oceano, antes de chegar ao porto de New York, o clandestino ficava cotejando os pedaços da própria história, as razões e os porquês tinha se fixado naquele sonho absurdo: seria por que na infância, na juventude e na fase adulta sempre ouvia, em êxtase, as grandes orquestras e as óperas através da Voz da América de Washington ou a BBC de Londres? Agora não tinha mais retorno; seguia para realizar o anelo. Seria assim tão compulsiva a realização do seu desejo? Ou tinha tornado-se uma quimera inalcançável?
Após ultrapassar a linha do equador, navegando no hemisfério norte, o calorento esconderijo vinha exigindo que o velho saísse com mais freqüência da penosa clausura. Só fazia escapadelas do local de resguardo obrigatório na escuridão do refeitório após o jantar e bem depois da limpeza realizada pelos taifeiros. Valia-se dos restos da farta alimentação e regava, furtivamente, suas noites com as maravilhosas cervejas para embriagar-se e desfrutar de infindáveis sonhos menores, mas sempre no aguardo e esperançoso daquele sonho maior.
Quase em New York, percebe que pode afrouxar a guarda e aproveitar das noites embalado na cavitação, provocada pelas poderosas hélices do navio, e aproveitar muito mais das latas de cervejas geladas ao seu alcance. Doces embalos, ninando-o no útero cauteloso antes do problemático e perigoso desembarque quando chegasse no porto da sua tresloucada quimera! Mas, como entrar nos Estados Unidos sem qualquer documento? Ora, o velho planejador tinha pensado em tudo! Afinal, por que o cálculo para sair em um navio até o dia 20 de junho e aportar no dia 4 de julho; pontualmente no grande feriado americano? Velho sabido!
O baque surdo no costado bombordo anunciou para o fatigado velho clandestino que o Netumar estaria sendo empurrado pelos rebocadores da capitania dos portos até encostar, seguro às amarras, no cais a estibordo Era a sua chegada tão esperada nas águas da desembocadura do rio Hudson, para atracar na ilha de Manhattan. Dali seria só um pulo até o local, para efetivar, de vez, um sonho de longínquos tempos! Como desembarcar e passar pela imigração dos Estados Unidos da América? “Vamos esperar pelo momento certo e único” – ruminou o exausto clandestino brasileiro. “Enquanto não chegar o momento exato, tenho de descansar para a empreitada, sem passar pela imigração”. Por que o velho tinha escolhido o esconderijo a bombordo? Ora! É óbvio que qualquer entendido em petroleiro sabe que a atracação e conseqüente desembarque nos portalós estão sempre localizados a estibordo; tudo bem ajustado ao cais! E o esconderijo, criteriosamente escolhido, ficou ao lado do mar, à esquerda no navio. Ponto bem discreto, para jogar-se na água à guisa de desembarque espetacular, quando chegasse no seu destino em New York. Notaram como o velho de barbas brancas é espertalhão?!
Caminhando em direção ao norte, já em solo firme na ilha de Manhattan, o velho sentia-se tomado de quase euforia, pois aproximava-se cada vez mais do seu objetivo há anos perseguido. De qualquer forma, ainda ressoava em seus ouvidos o estrondo, quando jogou-se da estreita vigia do Netumar até chocar-se com a água. Os seus cálculos e estimativas foram exatos: naquela noite das comemorações do tradicional 4 de Julho americano, os indefectíveis fogos de artifícios de toda a redondeza abafariam o seu ruidoso baque noturno nas águas do rio Hudson. Quem estaria interessado em saber se aquele velho de cabelos grisalhos estaria se contorcendo para passar pela sumária vigia e depois largar-se nas alturas para entrar nos Estados Unidos da América? “Ainda bem” – imaginou passando as mãos pelas ralas e alvas melenas bem úmidas – “que o meu regime proposital de emagrecimento funcionou!” O baque foi formidável e a entrada em solo americano estabeleceu-se sem qualquer problema com a imigração. Agora era só ir antegozando os maravilhosos dias antes da meta-sonho e, por momentos, as paisagens das ruas da ilha em dia de festa. Enquanto isso, já longe do navio, do cais e de qualquer acontecimento de desagrado pela imigração ilegal, o calor da noite ia encarregando-se de secar o macacão laranja do resoluto caminhante. A única preocupação do homem, que há poucos minutos tinha surgido espetacularmente do ventre do Netumar, foi desanuviada quando verificou que nos bolsos do macacão, ainda encharcado, lá estava o dinheiro trazido para sua sobrevivência nos primeiros tempos em New York: Quinhentos dólares trocados em notas de cinco, dez e dois daquela moeda corrente nos Estados Unidos da América. Assim mesmo, com tanto dinheiro disponível, ele pára, ainda bem perto do cais, para verificar um pequeno papel sob os seus pés que tinha aparência de uma cédula de um dólar. A despeito da relativa escuridão reinante no local onde pára no sentido recolher a suposta nota de um dólar, ele pôde ler que se trata de um cartão de seguro social onde estão os dados do proprietário do valioso documento perdido. Forçando a vista cansada dos quase oitenta anos, o macróbio sortudo identifica que o perdedor do cartão é um tal de Mister Lawrence Gibson Calhoun, nascido no ano de 1927, em Wilmington, North Carolina.
Passam-se os dias e o velho vai adaptando-se, pouco a pouco, com a vida e os ritmos da enlouquecida cidade. Na primeira noite foi impossível dormir com a balburdia dos desfiles, ruídos dos canhoneios festivos e, sobretudo, com o calor do novo esconderijo. Os túneis de aeração do metrô ainda não eram os lugares mais adequados e confortáveis para dormir no período de julho. Mas eram os mais seguros e ninguém, nem mesmo as autoridades, atrapalham os milhares de desabrigados da gigantesca metrópole ali alojados. Durante o dia os miseráveis, como o velho brasileiro, vagam pelo centro de cidade e arredores em busca de trabalho eventual, e à noite escondem-se, tal como os ratos e baratas, nos túneis do metrô novaiorquino. No inverno, é a única salvação para quem não consegue uma vaga junto ao aconchegante e seguro bafo quente nos milhares de quilômetros dos trens subterrâneos.
Com algum tempo na cidade-monstro o velho de gaforinhas desbotadas sente que o seu dinheiro ia desaparecendo. No templo do consumismo, mesmo contra a vontade, eram-lhe necessárias algumas roupas para o inverno próximo e um instrumento para o trabalho escolhido. Nas centenas de brechós pelas avenidas dispunha-se, a preços ínfimos, de vestimentas variadas. Com o tempo, o barbudo foi abrindo a mão e, em um dos brechós onde já era mais conhecido, chegou a pedir que lhe fosse reservado um kit completo tipo smoking. Incluindo-se, obviamente, um par de calçados italianos Scatamachia negro-verniz em cromo alemão. E explicou, no seu duvidoso e péssimo inglês, para espanto do atendente que achou muita graça no pedido: “But I´m looking for one smoking of the same kind used by Mister Fred Astaire, well?”. Na mesma loja brechó, o barbudo já tinha adquirido, pelo preço inacreditável de dois dólares, um espanador, evidentemente bastante usado, mas de penas de avestruz africano! Esse era o seu instrumento de trabalho que o arrastou para as proximidades da vestibular chegada ao seu grande sonho! The Metropolitan Opera House of New York!
Mesmo vivendo no centro das manias exorbitantes de consumismo, o velho já tinha amealhado com o seu trabalho humilde e insistente às portas do mais famoso teatro de New York, alguns milhares de dólares. Com o inverno penetrando nos seus ossos, ele sentiu que não poderia resistir mais até a realização do sonho psicótico. O bafo do metrô não estava sendo suficiente para esquentar as suas poucas carnes e poderia agravar ainda mais a insuficiência cardíaca. A solução era abrir um pouco mais a ranzinza mão avarenta e buscar uma pousada salvadora. Eis que surge à sua frente quando caminhava por perto de Times Square, ali pela 45Th West, um anúncio chamativo para a venda de peças de um centenário hotel em demolição. Ele entra no antigo lobby do Piccadilly Hotel. Quando se dispõe a sair em direção da rua, um serviçal do hotel pergunta se ele estaria interessado em desfrutar dos últimos dias do famosíssimo hotel. Explica o empregado ali no lobby que, dos antigos setecentos quartos do hotel, restam uns cem ainda intactos para locação ao preço simbólico de US$2.00 a diária. “Não temos mais os nossos elevadores.” – continua justificando o promotor do velho hotel – “Mas as acomodações ficam aqui até o sétimo andar. Para pessoas da sua idade, reservamos as unidades do segundo piso.” Não houve mais necessidade de outros convites ou justificativas. O senhor enregelado aproximou-se do balcão, estendeu o cartão do seguro social para registrar-se, e ocupou um quarto pagando US$14.00 à vista. Era a exigência costumeira por uma semana inteira de hospedagem. Todas as manhãs, quando de saída para a contínua busca de mais dinheiro em troca de espanar carros estacionados pela redondeza, sempre casmurro, a saudação naquele lobby transformado em bazar de antiguidades: “Bom dia Mister Calhoun!”. Na volta, pela madrugada, após o mesmo labor defronte do Metropolitan Opera, renovavam-se os cumprimentos do porteiro de turno, sem obter qualquer resposta do ensimesmado hóspede: ”Boa noite, Mister Calhoun, durma bem!”. Mas pelas manhãs, muito bem cedo, antes do sol acordar a ilha de Manhattan, era possível ouvir a voz daquele velho em renitente solfejar por minutos, quebrando o silêncio do hotel na sua agonia da desestruturação. Eram os longos dóooo, réeee, míiii, fáaaa, sooool, láaaa, síiii, para quem se dispusesse ouvir a única manifestação vocal do morador eventual.
Eis que vem se aproximando a temporada das sessões de inverno no Metropolitan Opera e o barbudo tem de preparar o pulo final para entrar nas portas do céu: a realização plena do seu desejo! Já dispõe do dinheiro de avaro guardado e conseguido após muito sacrifício pessoal. Privações, renúncias, em um mundo de tentações e gastos não lhe faltaram. Quantas maravilhas gastronômicas e as exorbitantes vitrines ao longo das luzentes avenidas da cidade!
Na pequena fila formada diante do guichê de venda dos ingressos para a temporada de inverno, lá está o ex-barbudo para compra da coleção de ingressos para toda a semana. Ninguém reconhece o tira-pó de limusines, pois o mesmo tinha passado por uma transformação. Irreconhecível! Submeteu-se a um ritual premeditado para estar bem conforme tinha visto a si em um espetáculo imaginário: um sonho acordado; um desejo arraigado no fundo de sua alma, como uma doença incurável. Por isso, eram necessárias as providências de transformação daquela imagem de vagabundo, barba mal-tratada, cabelos enormes e desgrenhados. Dias antes de entrar na fila do Metropolitan Opera, pediu ao barbeiro que raspasse totalmente a imunda barba e lhe acertasse a cabeleira ao modo e estilo dos famosos da Big Apple. Pelo milagre corriqueiro dos salões masculinos da cidade-tentação, o velho caquético, barbudo e enjambrado transmutara-se em outro homem. Nem de longe lembrava mais aquela figura mal-amanhada. Poder-se-ia até dizer, sem exagero, que era agora uma de estampa charmosa: magra-esguia para atlética, assim tipo Fred Astaire como queria; nem feio nem bonito; tolerável à vista sem preconceitos. Para dizer a verdade, para o velho ex-barbudo ser considerado como gente da importância do grand monde, era só imaginar-lhe metido em um completo, bom e fino traje smoking. Mas essa providência estava sendo zelosamente guardada em um decadente quarto do segundo piso do Piccadilly Hotel, para as noites de entradas nas sessões das óperas. Será que o incontrolável desejo do velho seria ficar por perto do palco e meter-se entre os tenores e barítonos? Seria um tresloucado desejo seu, também soltar a voz no palco mais famoso do mundo?
Quando chega o momento de adquirir os sete ingressos para toda a semana na frisa ao custo total de US$1,400.00, as novas medidas de segurança em toda a cidade exigem uma identificação para ser impressa nas entradas individuais do Metropolitan Opera. O atlético ex-barbudo não tem problema: exibe para o vendedor o “seu” cartão do seguro social e fica tudo resolvido.
Aquela era a primeira noite que o misterioso hóspede, o silencioso e calado velho Mr. Calhoun, entrava em uma limusine negra estacionada bem junto da porta do Piccadilly Hotel. O paciente chauffeur já o aguardava há cerca de trinta minutos. Enfim, o elegante magriço, de ajeitada cabeleira branca, seguramente um gentilhommen, aparece da espiralada escadaria de mogno maciço. Atravessa o lobby para surpresa, quase assombro, dos porteiros. Alguns serviçais mais temerosos do que curiosos espreitam, com discrição, por trás das colunas de mármore verde-musgo, o elegante homem de smoking de largas lapelas de seda negra brilhante. Agora, todos que tinham curiosidade e se interrogavam sobre os segredos do molangueirão da distante da North Carolina tinham certeza: não se trata de um mocorongo qualquer.
Mas na noite da primeira chegada para a sessão de óperas em comemoração a alguma data importante da Polônia, o novo gentleman sentia que estava, de fato, agora realizando o seu grande desejo: entrar tal como um ator de cinema para o glamouroso mundo das encenações das finas artes no The Metropolitan Opera House of New York! Logo ao desembarcar da limusine, viu-se surpreendido pela gentileza, quase ironia, do chauffeur, que sabia ser o locador do veículo nada menos que um residente de um hotel espelunca na zona mais desprestigiada da cidade. Além do mais – para seu encantamento –, logo ao desembarcar sob o toldo às portas da casa de ópera, o negro porteiro trajando libré, em largo sorriso, deu-lhe as boas vindas ao verificar o bilhete de entrada, dizendo com delicadeza subserviente: “Seja bem-vindo Mister Calhoun! Aproveite a noite!”
Por todas as noites daquela semana, o elegante velho metido no seu smoking achava que estaria protegido do mundo na exclusiva frisa de mil e quatrocentos dólares. Ledo engano. Os acordes e as vibrações rompem a velha carcaça e invadem de forma impiedosa o âmago do velho. Nem mesmo os intervalos eram suficientes para acalmar a sua alma em agitada e estonteante manifestação de deslumbramento. No imenso hall, no meio da mais fina sociedade de New York, o velho, mesmo cambaleante das doses de champanhe, insistia continuar vivendo o seu sonho pueril de grandeza imaginária. Só ele, no grande hall marmóreo, no piso entre negro e róseo, desfilava isolado entre os demais casais distintos. Estava tudo correndo como ele próprio desejou por toda a vida: a materialização de um momento numinoso, personalíssimo e ímpar. Só ele, no seu mutismo e alumbramento, poderia defrontar e sentir o Self. Um deus deixando aflorar o verdadeiro Deus interno, aterrador e formidável de todo homem!
Na última sessão dos desempenhos da mais pura arte, após noites de sofrimentos acompanhados de gozosos encantos, o homem não suporta mais as emoções. Escasseiam-se os medicamentos trazidos do Brasil e aproximam-se dolorosos eventos de angina pectoris.
A polícia é chamada para identificar um velho e elegante senhor de dedos crispados, quase dilacerando o caríssimo delicado velvet do requintado acabamento dos braços da poltrona, na exclusiva frisa. No bolso interno do smoking, um cartão esverdeado do serviço social revela tratar-se de Mister Lawrence Gibson Calhoun. Mas, em consulta ao banco de dados do Estado do Carolina do Norte, as autoridades locais constatam imediatamente que o verdadeiro Mister Calhoun é um professor de Psicologia da North Carolina State University e, naquele instante, está ditando uma aula na longínqua instituição. O elegante homem ali pálido, transparecendo ao livor mortis, sem vida e sem nome, é um farsante. A polícia encaminha o imponderável cadáver para o crematório da cidade de New York. Do sonho vivido pelo velho de Brasília, restam apenas, para sempre congeladas, a pele das pontas de todos os dedos.
De alma feliz – imagina o velho flutuante – “Tudo deu certo; até minhas cinzas navegam por lugares ignotos; vagabundeiam sem destino, talvez, quem sabe, na certeza de outros retornos mais seguros na terra ou noutros planetas de maior agrado!”
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
Aquele repetido ritual prestimoso do encanecido homem ia caminhando para compor um cenário quase picaresco, bem junto às imponentes portas do Metropolitan Opera House. Ali no coração da ilha de Manhattan, em noites das temporadas dos grandes concertos, as negras limusines estacionadas eram submetidas ao ritual de limpeza discreta, quase carinhosa, por meio do enorme espanador confeccionado em penas de avestruz africano. Observadores maldosos poderiam até insistir que o ritual era mesmo de um pícaro, mas que tinha utilidade e era rendoso para o velho homem no papel de flanelinha, isso todos reconheciam como uma outra verdade!
Cada chauffeur que aguardava o rico passageiro ao término das noites de grande gala, não se prestaria a ficar tirando o pó superficial do longo e lustroso veículo. Preferiam deixar o trabalho por conta daquele estranho homem, que, no seu mutismo, nem sequer agradecia aos centavos pagos à guisa de propina da providencial limpeza já rotineira.
Eram dezenas, por assim dizer, às vezes, quase centenas de veículos que o senhor grisalho ia, na sua evidente pachorra, espanando, mesmo sem autorização ou nada pedir. Mas recebia, sempre apático, as tilintantes moedas de cinqüenta centavos de dólar colocadas em suas engelhadas mãos. Imagine-se a quantia já amealhada pelo misterioso homem das brancas barbas nas repetidas noites de ópera em New York!
Quando em vez, apenas de soslaio, o grisalho do espanador observava os esnobes casais que desciam das tentadoras, espaçosas e exclusivas limusines. Os bem trajados e elegantes ocupantes adentravam rápidos e sorridentes, sumindo na escuridão das imponentes portas do Metropolitan Opera, sem nunca olhar para o humilde serviçal que, afinal – na sua importância –, portava um espanador das Áfricas! Quando muito, os gentilhommens, de braços dados com suas damas, cumprimentavam o porteiro de libré. Este, mais parecendo general de espalhafatosa vestimenta, nos sorrisos às escâncaras, fazia entrega em contrapartida do custoso ingresso, um fino libreto para a noite de arte e encantamento.
Naqueles furtivos olhares oblíquos direcionados aos elegantes casais, o tira-pó de limusine não conseguia conter um certo sentimento de quase inveja pecaminosa. Mas não passava de um simples pecadilho, para alento de suas noites de trabalho. Mas, justiça se faça: a quase inveja também não passava de um estímulo para que ele se mantivesse sempre firme na busca do seu sonho, há tanto tempo anelado. “Um dia eu também consigo!” – repetia, anexando em si a obstinação de tonalidade psicótica – “Um dia eu também consigo!” Será que o aparente pobre homem estaria desejando comprar mesmo uma limusine ao preço, por baixo, de cerca de meio milhão de dólares?! Se bem que, na verdade, um número considerável daquelas imponentes limusines eram de serviço de frete, apenas para a exibição humana e com a finalidade de ostentar, ao menos por uma noite, uma provável riqueza, ou fingir uma fineza inexistente. Isso, essa qualidade humana e suas manias, o velho limpador com espanador já tinha conhecimento. Quem sabe, por isso, ele também achasse possível e conveniente ser confundido, pelo menos por uma noite, como gente fina, de poder financeiro ou homem também das artes?
No mais das vezes, durante a tarefa do espanar as dezenas de carros por noite, o homem, no seu mutismo, ficava imaginado como tinha sido árdua a caminhada até aquele ponto para poder culminar um sonho de infância. E como tinha sido longa a viagem! “Mas – pensava com a mente ainda ágil para os quase oitenta anos – estou atingindo o grand monde!” Entretanto, o que mais o impressionava era mesmo aquele ponto no centro de Manhattan, onde agora chegara depois da viagem há meses iniciada no distante país. Nem mesmo os sofrimentos morais recém-surgidos foram capazes ou tiveram poder de sopitar-lhe a vontade para materializar-se naquele local, vestíbulo para um sonho de tempos passados.
Para os chauffeurs, todos enfatiotados na demorada espera dos patrões, poderia até ser motivo de comodismo e satisfação ficar olhando as caríssimas limusines ser tão bem tratadas pelo espanar daquele homem com seu instrumento de penas de avestruz vindas da África! Sabia-se em New York que um espanador daquela categoria deveria custar uns duzentos dólares! Talvez por isso eram pródigos, dando sempre, nas repetidas sessões de limpeza, a gorjeta ao estranho e conveniente homem de todas as noites.
Na esperança, talvez, de uma companhia agradável para a longa viagem até o destino, o dono do caminhão tinha concordado em dar aquela carona ao estranho homem, mas ao custo combinado de vinte reais até o Rio de Janeiro. Figura impressionante pela brancura da barba e cabelos esquálidos, que quase escondiam os ombros descarnados. Ledo engano do esperançoso caminhoneiro. O ocasional acompanhante revelou-se de um mutismo irritante. Nos primeiros cem quilômetros, bem perto de Cristalina, no Estado de Goiás, apenas uma ação de concordância como resposta. O grisalho ao lado tinha concedido à guisa de atendimento ao pedido para baixar o vidro da janela. Saíram bem cedo, mas o dia estava quente e a cabine metálica apresentava o calor típico da anteporta do inferno.
O vento que fustigava a basta cabeleira tinha para o passageiro uma conotação de carinho natural que ele necessitava. Afinal, todo o seu bem querer da atribulada vida tinha ficado para trás, na capital da República. Nada mais deveria lhe prender ao passado. Só os pensamentos inevitáveis continuavam a infringir-lhe o sofrimento psicológico em patamares de terríveis angústias. Ah, as perdas! A tentativa do esquecimento dos entes queridos! A tortura das saudades! E o tão acostumado conforto do homem classe média bem superior? Não lhe doía também largar tudo? Daí o impenetrável silêncio a que se impunha. Era o calar como uma penitência pelo sofrimento impingido, também, aos seus familiares então abandonados. Entretanto, a sua mais profunda dor era a decepção com o gênero humano em geral. Na sua concepção muito pessoal, íntima e por assim dizer filosófica, o bicho homem era o único projeto inviável de Deus!
Apenas uns três ou quatro meses tinha se afastado de tudo e como não mais podia ficar na cidade, preferia sair sem aviso; assim como se tivesse morrido para o mundo. Pretendia ser mais um anônimo entre os milhares que existem na categoria de moradores de rua; sem casa, sem bens, sem identidade; nada que o enquadrasse novamente na faixa dos cidadãos normais com renda certa e residência em local certo, sabido e determinado. Se sua vontade fosse cumprida desapareceria mesmo depois de morto; só restariam as cinzas impessoais espargidas em qualquer lugar, pouco importaria. Coitado! De passado honrado, tinha ultrapassado os limites de gastos familiares e chegara ao ponto final dos ilícitos fiscais. Estava sendo envolvido, cada vez mais, no mundo perigoso e desgraçado da delinqüência perante a tenebrosa Receita Federal!
No treinamento a que se impôs, aquele estranho ser passou pelos perigosos caminhos da despersonalização. A rejeição da identidade própria. Um alheamento proposital do concreto por não mais desejar uma realidade incômoda, sobretudo desagradável. Para isso, para alienar-se, abraçara um treinamento com disciplina na exata medida dos pontos que visava: passar por morto ou amnésico. Furtar-se dos traumas financeiros, terminar os poucos anos restantes da vida sem atropelos emocionais. E o mais importante de tudo, materializar aquela sua fixação por uma quimera invasora desde a infância e que não se apagou até na hoje distante juventude. Este desejo, antes da morte por sua cardiopatia grave, era, por assim dizer, o último objetivo que reacende, e emerge, com força e total descontrole, para o qual o velho partia agora em aventurosa conquista.
Além de outras esquisitices, costumava fingir para os conhecidos ser tomado por surtos de esquecimentos de fatos e ocorrências óbvias. E, mais ainda, vinha fazendo uma meticulosa série de registros mentais de cunho técnico. Algo que era de extrema significação para materializar aquele sonho mais almejado: estudar tudo que se relacionasse com as rotinas e negócios da Petrobras! Para esse propósito já tinha passado longas noites no site da daquela empresa do ramo do petróleo. Realizava, insone, passeios virtuais por dentro dos navios petroleiros, estudando os respectivos detalhes mais escondidos dos corredores, praça das armas, todos os acessos ou vias de escape e inclusive o posicionamento das centenas de câmeras de vigilância espalhadas estrategicamente nos navios.
O Armazém 18 era-lhe um local mágico por especiais e antigas emoções! Afinal, naquele mesmo local, no antigo portão 18, há cerca de sessenta e seis anos, algo de fantástico tinha acontecido com o então menino, agora um claudicante senhor de cabelos nevados. Mas essa coincidência de local de atracação do Netumar não impediu que o maduro e disciplinado senhor das barbas brancas se descuidasse de aprofundar as pesquisas. Com essas salvaguardas de dados e informações objetivas, o velho homem considerava-se pronto para penetrar sorrateiramente no sofisticado petroleiro, para fazer a viagem na qualidade de passageiro clandestino. Só assim daria início aos primeiros passos para realizar a sua íntima quimera. A sua particular fantasia acalentada há tantos anos e que só poderia se efetivar em New York.
Como um sorrateiro pretendente a passageiro clandestino poderá adentrar, sem ser notado, em um navio com as características de segurança do Netumar? Essa angustiosa questão vinha martelando a consciência e a tranqüilidade do futuro viajante clandestino, até que uma formidável, mas enganosa, solução surgiu como por milagre. “Ora! – imaginou com otimismo irresponsável – ”e por onde sempre subiram os ratos nos navios?" Será que um abatido homem beirando oitenta anos poderia fazer o mesmo caminho dos ratos de cais? Subir, lépido, na escuridão protetora, as grossas cordas da amarração para galgar esconderijo no Netumar? Essa crucial questão vinha sendo psicologicamente desprezada com o propósito de não melar o entusiasmo do trôpego internauta. “Cada coisa em seu momento!” – deveria ruminar em silêncio enquanto dava andamento às pesquisas fazendo verdadeiro tour virtual – “Cada coisa em seu momento!” Após muitas noites de “navegar” na Internet, expressando para si um sorriso de irônica vitória no rosto e boca encarquilhados, o velho homem conseguira localizar o ponto certo onde se daria a toca-esconderijo para a viagem de quinze dias, partindo do Rio de Janeiro até a atracação no porto de New York. Isso sem ser descoberto, com possibilidades de uma boa alimentação, duchas quentes, e até observar os tripulantes nas tratativas e conversas para troca de turnos e mais o que possa interessar a um passageiro clandestino. Sem o perigo de ser flagrado e lançado de volta na água, conforme a tradicional, embrutecida e consuetudinária Lei do Mar!
Naquela tarde chuvosa do dia 19 de junho, o frio na avenida Rodrigues Alves, logo à frente, indicava que a noite não seria das mais agradáveis. Era um dia úmido típico anunciado para o Rio de Janeiro. Pararam, finalmente, bem defronte ao Armazém 18 do cais do porto! Apenas por um aceno antipático e demonstrando enfado tal como uma continência militar, o velho agradece enquanto o caminhoneiro, talvez aliviado da péssima carona concedida, continua em direção da praça Mauá. Esqueceu, ou fingiu-se desmemoriado, de pagar o preço da carona? Por isso, com muita razão, apregoam os entendidos das coisas humanas: “Como é difícil ser ético em tempos das vacas magras”.
Ali ele espera a oportunidade da escuridão que se aproxima para entrar na área do cais. “Bem atrás do alto muro e do armazém” – imaginou com emoção contida – “deverá estar atracado o Netumar!”
A noite avançava e o senhor permanecia firme encostado ao portão. Não poderia adormecer nem que quisesse. Os ruídos dos guindastes embarcando no Netumar os contêineres e suas lembranças de menino são mais poderosas que o sono. Com emoção do silêncio na alma, ele remonta a pensamentos distantes no tempo! Naquele mesmo ponto, em agosto de 1941, o então garoto tinha vivido a aventura de sua primeira viagem por mar! Era a Segunda Guerra que se aproximava e as tropas brasileiras tinham sido deslocadas para as praias do Nordeste. Não se sabia o destino; era segredo de Estado. Ao velho, agora, restava relembrar e reviver imagens do local, seus pais, alguns muitos alegres, outros angustiados com as incertezas de um mundo que anunciava entrar em convulsão. Daquele agosto de 1941 em diante, a vida arrastou os meninos de então, os jovens, e o agora provecto homem, por acidentados caminhos. O seu mundo e os sonhos ingênuos de realizações mágicas se foram desagregando no desânimo, no cansaço e na decepção com toda a humanidade na louca caminhada. “E agora?” – pensava tristonho enquanto esperava o momento para galgar o muro em busca do seu último sonho – “E agora?” Será que tudo tinha se perdido para ele? Os seus bens? Os seus queridos? O seu nome? Nada mais lhe restava? “Não!”– imaginava resoluto na friíssima escuridão na qual se escondia da cruel realidade de sua vida particular – “Não! Quero aliviar o meu anelo e estou quase em New York!” – balbuciou para si, emocionado, como um desvairado que acredita no impossível, na obstinada crença irracional diante do avassalador abandono auto-imposto.
Antes da aurora, ainda sob a proteção do negrume na frígida madrugada, tal como um atleta terminal em penúltimo esforço para a chegada na sua meta, eis o homem dentro do pátio do porto. A poucos metros, menos de trinta talvez, lá está atracado sob intensa luz matutina o Netumar! Mas os cabos de amarração parecem-lhe, então, de inclinação exagerada. Imaginava que seria fácil, na mesma agilidade tal como um rato, subir no costado. Em vez de desanimar-se com a decepcionante constatação que não mais conseguiria seguir o plano criteriosamente idealizado, prefere cuidar-se para não ser surpreendido à luz do dia que surge. E assim vai ficando até que uma sugestão caia do céu; como inexplicável milagre, lhe dê uma idéia de como entrar no navio sem rastejar pela íngreme corda até o topo do costado rubro do ambicionado navio. Alguns minutos se passam, até que as vozes de dentro do armazém são perfeitamente audíveis: mas uma voz diferente, plena de sotaque estrangeiro, pode ser destacada: “Vocês são uns calhordas! Isso é o mesmo que uma conjuração!” Era a voz do encarregado dos suprimentos de boca que reclamava contra a má vontade dos estivadores para levar para bordo a carga. O preocupado empresário, um turco, não se lembrava que aquele momento era sagrado para os brasileiros? A seleção brasileira estava em campo na Venezuela disputando a Copa das Américas, ora bolas! Era uma espécie de greve relâmpago por, pelo menos, noventa minutos. O turco estava desesperado e continuava gritando: “Vagabundos! Calhordas!”
Aquela conjuração era o milagre dos céus que o velho homem escondido esperava. A falta de braços indicava-lhe a oportunidade para aproveitar da confusão reinante aos primeiros acordes do hino nacional, para aproximar-se do turco e oferecer seus préstimos, para ajudar carregar até o interior do Netumar a bendita carga. O turco, meio atordoado pela balburdia dos gritos de “Pra frente Brasil!”, só perguntou, sem mais delongas, se o estranho e obsequioso velho conhecia os caminhos até as duas bodegas do Netumar. Confirmado que conhecia com detalhes os caminhos para onde ia a carga de alimentos, o turco aceitou a oferta e pôs nas mãos do novo estivador um macacão cor laranja para que iniciasse, apenas os dois, a subida da carga.
A um grito do turco, o marinheiro aciona o dispositivo que abre o portaló ao nível do cais por onde devem entrar. Por ali, em carrinhos de mão, vão levando as caixas das variadas carnes, as das frutas, as das dúzias de ovos. Para espanto e secreta satisfação do improvisado estivador, até caixas de finas cervejas eram embarcadas! O velho agora metido no seu macacão profissional não tinha dificuldades para localizar, em pontos extremos, as bodegas onde deveria estar cada mercadoria selecionada pelo turco. Era um daqueles turcos-brasileiros, dono da pequena empresa internacional de suprimentos para navios. Por cada corredor do complexo caminho, até a bodega principal onde se encontra o refeitório geral, o turco prefere seguir atrás, para não se perder do velho com seu carrinho abarrotado. O turco sente-se confiante, pensando que o velho é um ex-embarcadiço e presta serviços esporádicos por amor às coisas do mar. O rápido elevador vai direto ao terceiro deck sem parada. O último deck onde serão descarregadas as mercadorias fica a aproximadamente uns quinze metros do nível da água! Ninguém os segue pelos caminhos no interior do navio. A marujada e os comandos estão desviados à frente dos telões de televisão. Enfim, chegam ao destino com os últimos carregamentos. Naquele ambiente limpo, com as câmaras frigoríficas, os refrigeradores, pias, mesas e fogões, tudo em aço escovado, o velho imagina com seus botões: “Era isso mesmo que eu esperava! Nada diferente!” – não só pensou, mas sorriu, sem-cerimônia, para surpresa de um turco curioso com a atitude do seu estivador ocasional – “Ali está minha toca como um útero de aço, de onde serei parido para o meu sonho!”. O velho olha para cima da parede metálica e vê o local vazio, onde a manutenção da Transpetro deveria ter instalado um aparelho de ar condicionado e que não foi efetivado. Tudo isso, essa falha da tradicional e inescrupulosa engenharia de manutenção da empresa, o velho já sabia via Internet. Por isso, sorriu por primeira vez nos últimos cinco dias da viagem de Brasília até o Rio de Janeiro.
Nas intermináveis noites daquele único isolado passageiro, o velho de magérrimo corpo tentava de ajustar inutilmente as nádegas ao apoio de ferro, para tornar menos torturante o trajeto até a meta intermediária antes da realização do sonho de tantos anos. No silêncio do imenso oceano, antes de chegar ao porto de New York, o clandestino ficava cotejando os pedaços da própria história, as razões e os porquês tinha se fixado naquele sonho absurdo: seria por que na infância, na juventude e na fase adulta sempre ouvia, em êxtase, as grandes orquestras e as óperas através da Voz da América de Washington ou a BBC de Londres? Agora não tinha mais retorno; seguia para realizar o anelo. Seria assim tão compulsiva a realização do seu desejo? Ou tinha tornado-se uma quimera inalcançável?
Após ultrapassar a linha do equador, navegando no hemisfério norte, o calorento esconderijo vinha exigindo que o velho saísse com mais freqüência da penosa clausura. Só fazia escapadelas do local de resguardo obrigatório na escuridão do refeitório após o jantar e bem depois da limpeza realizada pelos taifeiros. Valia-se dos restos da farta alimentação e regava, furtivamente, suas noites com as maravilhosas cervejas para embriagar-se e desfrutar de infindáveis sonhos menores, mas sempre no aguardo e esperançoso daquele sonho maior.
Quase em New York, percebe que pode afrouxar a guarda e aproveitar das noites embalado na cavitação, provocada pelas poderosas hélices do navio, e aproveitar muito mais das latas de cervejas geladas ao seu alcance. Doces embalos, ninando-o no útero cauteloso antes do problemático e perigoso desembarque quando chegasse no porto da sua tresloucada quimera! Mas, como entrar nos Estados Unidos sem qualquer documento? Ora, o velho planejador tinha pensado em tudo! Afinal, por que o cálculo para sair em um navio até o dia 20 de junho e aportar no dia 4 de julho; pontualmente no grande feriado americano? Velho sabido!
O baque surdo no costado bombordo anunciou para o fatigado velho clandestino que o Netumar estaria sendo empurrado pelos rebocadores da capitania dos portos até encostar, seguro às amarras, no cais a estibordo Era a sua chegada tão esperada nas águas da desembocadura do rio Hudson, para atracar na ilha de Manhattan. Dali seria só um pulo até o local, para efetivar, de vez, um sonho de longínquos tempos! Como desembarcar e passar pela imigração dos Estados Unidos da América? “Vamos esperar pelo momento certo e único” – ruminou o exausto clandestino brasileiro. “Enquanto não chegar o momento exato, tenho de descansar para a empreitada, sem passar pela imigração”. Por que o velho tinha escolhido o esconderijo a bombordo? Ora! É óbvio que qualquer entendido em petroleiro sabe que a atracação e conseqüente desembarque nos portalós estão sempre localizados a estibordo; tudo bem ajustado ao cais! E o esconderijo, criteriosamente escolhido, ficou ao lado do mar, à esquerda no navio. Ponto bem discreto, para jogar-se na água à guisa de desembarque espetacular, quando chegasse no seu destino em New York. Notaram como o velho de barbas brancas é espertalhão?!
Caminhando em direção ao norte, já em solo firme na ilha de Manhattan, o velho sentia-se tomado de quase euforia, pois aproximava-se cada vez mais do seu objetivo há anos perseguido. De qualquer forma, ainda ressoava em seus ouvidos o estrondo, quando jogou-se da estreita vigia do Netumar até chocar-se com a água. Os seus cálculos e estimativas foram exatos: naquela noite das comemorações do tradicional 4 de Julho americano, os indefectíveis fogos de artifícios de toda a redondeza abafariam o seu ruidoso baque noturno nas águas do rio Hudson. Quem estaria interessado em saber se aquele velho de cabelos grisalhos estaria se contorcendo para passar pela sumária vigia e depois largar-se nas alturas para entrar nos Estados Unidos da América? “Ainda bem” – imaginou passando as mãos pelas ralas e alvas melenas bem úmidas – “que o meu regime proposital de emagrecimento funcionou!” O baque foi formidável e a entrada em solo americano estabeleceu-se sem qualquer problema com a imigração. Agora era só ir antegozando os maravilhosos dias antes da meta-sonho e, por momentos, as paisagens das ruas da ilha em dia de festa. Enquanto isso, já longe do navio, do cais e de qualquer acontecimento de desagrado pela imigração ilegal, o calor da noite ia encarregando-se de secar o macacão laranja do resoluto caminhante. A única preocupação do homem, que há poucos minutos tinha surgido espetacularmente do ventre do Netumar, foi desanuviada quando verificou que nos bolsos do macacão, ainda encharcado, lá estava o dinheiro trazido para sua sobrevivência nos primeiros tempos em New York: Quinhentos dólares trocados em notas de cinco, dez e dois daquela moeda corrente nos Estados Unidos da América. Assim mesmo, com tanto dinheiro disponível, ele pára, ainda bem perto do cais, para verificar um pequeno papel sob os seus pés que tinha aparência de uma cédula de um dólar. A despeito da relativa escuridão reinante no local onde pára no sentido recolher a suposta nota de um dólar, ele pôde ler que se trata de um cartão de seguro social onde estão os dados do proprietário do valioso documento perdido. Forçando a vista cansada dos quase oitenta anos, o macróbio sortudo identifica que o perdedor do cartão é um tal de Mister Lawrence Gibson Calhoun, nascido no ano de 1927, em Wilmington, North Carolina.
Passam-se os dias e o velho vai adaptando-se, pouco a pouco, com a vida e os ritmos da enlouquecida cidade. Na primeira noite foi impossível dormir com a balburdia dos desfiles, ruídos dos canhoneios festivos e, sobretudo, com o calor do novo esconderijo. Os túneis de aeração do metrô ainda não eram os lugares mais adequados e confortáveis para dormir no período de julho. Mas eram os mais seguros e ninguém, nem mesmo as autoridades, atrapalham os milhares de desabrigados da gigantesca metrópole ali alojados. Durante o dia os miseráveis, como o velho brasileiro, vagam pelo centro de cidade e arredores em busca de trabalho eventual, e à noite escondem-se, tal como os ratos e baratas, nos túneis do metrô novaiorquino. No inverno, é a única salvação para quem não consegue uma vaga junto ao aconchegante e seguro bafo quente nos milhares de quilômetros dos trens subterrâneos.
Com algum tempo na cidade-monstro o velho de gaforinhas desbotadas sente que o seu dinheiro ia desaparecendo. No templo do consumismo, mesmo contra a vontade, eram-lhe necessárias algumas roupas para o inverno próximo e um instrumento para o trabalho escolhido. Nas centenas de brechós pelas avenidas dispunha-se, a preços ínfimos, de vestimentas variadas. Com o tempo, o barbudo foi abrindo a mão e, em um dos brechós onde já era mais conhecido, chegou a pedir que lhe fosse reservado um kit completo tipo smoking. Incluindo-se, obviamente, um par de calçados italianos Scatamachia negro-verniz em cromo alemão. E explicou, no seu duvidoso e péssimo inglês, para espanto do atendente que achou muita graça no pedido: “But I´m looking for one smoking of the same kind used by Mister Fred Astaire, well?”. Na mesma loja brechó, o barbudo já tinha adquirido, pelo preço inacreditável de dois dólares, um espanador, evidentemente bastante usado, mas de penas de avestruz africano! Esse era o seu instrumento de trabalho que o arrastou para as proximidades da vestibular chegada ao seu grande sonho! The Metropolitan Opera House of New York!
Mesmo vivendo no centro das manias exorbitantes de consumismo, o velho já tinha amealhado com o seu trabalho humilde e insistente às portas do mais famoso teatro de New York, alguns milhares de dólares. Com o inverno penetrando nos seus ossos, ele sentiu que não poderia resistir mais até a realização do sonho psicótico. O bafo do metrô não estava sendo suficiente para esquentar as suas poucas carnes e poderia agravar ainda mais a insuficiência cardíaca. A solução era abrir um pouco mais a ranzinza mão avarenta e buscar uma pousada salvadora. Eis que surge à sua frente quando caminhava por perto de Times Square, ali pela 45Th West, um anúncio chamativo para a venda de peças de um centenário hotel em demolição. Ele entra no antigo lobby do Piccadilly Hotel. Quando se dispõe a sair em direção da rua, um serviçal do hotel pergunta se ele estaria interessado em desfrutar dos últimos dias do famosíssimo hotel. Explica o empregado ali no lobby que, dos antigos setecentos quartos do hotel, restam uns cem ainda intactos para locação ao preço simbólico de US$2.00 a diária. “Não temos mais os nossos elevadores.” – continua justificando o promotor do velho hotel – “Mas as acomodações ficam aqui até o sétimo andar. Para pessoas da sua idade, reservamos as unidades do segundo piso.” Não houve mais necessidade de outros convites ou justificativas. O senhor enregelado aproximou-se do balcão, estendeu o cartão do seguro social para registrar-se, e ocupou um quarto pagando US$14.00 à vista. Era a exigência costumeira por uma semana inteira de hospedagem. Todas as manhãs, quando de saída para a contínua busca de mais dinheiro em troca de espanar carros estacionados pela redondeza, sempre casmurro, a saudação naquele lobby transformado em bazar de antiguidades: “Bom dia Mister Calhoun!”. Na volta, pela madrugada, após o mesmo labor defronte do Metropolitan Opera, renovavam-se os cumprimentos do porteiro de turno, sem obter qualquer resposta do ensimesmado hóspede: ”Boa noite, Mister Calhoun, durma bem!”. Mas pelas manhãs, muito bem cedo, antes do sol acordar a ilha de Manhattan, era possível ouvir a voz daquele velho em renitente solfejar por minutos, quebrando o silêncio do hotel na sua agonia da desestruturação. Eram os longos dóooo, réeee, míiii, fáaaa, sooool, láaaa, síiii, para quem se dispusesse ouvir a única manifestação vocal do morador eventual.
Eis que vem se aproximando a temporada das sessões de inverno no Metropolitan Opera e o barbudo tem de preparar o pulo final para entrar nas portas do céu: a realização plena do seu desejo! Já dispõe do dinheiro de avaro guardado e conseguido após muito sacrifício pessoal. Privações, renúncias, em um mundo de tentações e gastos não lhe faltaram. Quantas maravilhas gastronômicas e as exorbitantes vitrines ao longo das luzentes avenidas da cidade!
Na pequena fila formada diante do guichê de venda dos ingressos para a temporada de inverno, lá está o ex-barbudo para compra da coleção de ingressos para toda a semana. Ninguém reconhece o tira-pó de limusines, pois o mesmo tinha passado por uma transformação. Irreconhecível! Submeteu-se a um ritual premeditado para estar bem conforme tinha visto a si em um espetáculo imaginário: um sonho acordado; um desejo arraigado no fundo de sua alma, como uma doença incurável. Por isso, eram necessárias as providências de transformação daquela imagem de vagabundo, barba mal-tratada, cabelos enormes e desgrenhados. Dias antes de entrar na fila do Metropolitan Opera, pediu ao barbeiro que raspasse totalmente a imunda barba e lhe acertasse a cabeleira ao modo e estilo dos famosos da Big Apple. Pelo milagre corriqueiro dos salões masculinos da cidade-tentação, o velho caquético, barbudo e enjambrado transmutara-se em outro homem. Nem de longe lembrava mais aquela figura mal-amanhada. Poder-se-ia até dizer, sem exagero, que era agora uma de estampa charmosa: magra-esguia para atlética, assim tipo Fred Astaire como queria; nem feio nem bonito; tolerável à vista sem preconceitos. Para dizer a verdade, para o velho ex-barbudo ser considerado como gente da importância do grand monde, era só imaginar-lhe metido em um completo, bom e fino traje smoking. Mas essa providência estava sendo zelosamente guardada em um decadente quarto do segundo piso do Piccadilly Hotel, para as noites de entradas nas sessões das óperas. Será que o incontrolável desejo do velho seria ficar por perto do palco e meter-se entre os tenores e barítonos? Seria um tresloucado desejo seu, também soltar a voz no palco mais famoso do mundo?
Quando chega o momento de adquirir os sete ingressos para toda a semana na frisa ao custo total de US$1,400.00, as novas medidas de segurança em toda a cidade exigem uma identificação para ser impressa nas entradas individuais do Metropolitan Opera. O atlético ex-barbudo não tem problema: exibe para o vendedor o “seu” cartão do seguro social e fica tudo resolvido.
Aquela era a primeira noite que o misterioso hóspede, o silencioso e calado velho Mr. Calhoun, entrava em uma limusine negra estacionada bem junto da porta do Piccadilly Hotel. O paciente chauffeur já o aguardava há cerca de trinta minutos. Enfim, o elegante magriço, de ajeitada cabeleira branca, seguramente um gentilhommen, aparece da espiralada escadaria de mogno maciço. Atravessa o lobby para surpresa, quase assombro, dos porteiros. Alguns serviçais mais temerosos do que curiosos espreitam, com discrição, por trás das colunas de mármore verde-musgo, o elegante homem de smoking de largas lapelas de seda negra brilhante. Agora, todos que tinham curiosidade e se interrogavam sobre os segredos do molangueirão da distante da North Carolina tinham certeza: não se trata de um mocorongo qualquer.
Mas na noite da primeira chegada para a sessão de óperas em comemoração a alguma data importante da Polônia, o novo gentleman sentia que estava, de fato, agora realizando o seu grande desejo: entrar tal como um ator de cinema para o glamouroso mundo das encenações das finas artes no The Metropolitan Opera House of New York! Logo ao desembarcar da limusine, viu-se surpreendido pela gentileza, quase ironia, do chauffeur, que sabia ser o locador do veículo nada menos que um residente de um hotel espelunca na zona mais desprestigiada da cidade. Além do mais – para seu encantamento –, logo ao desembarcar sob o toldo às portas da casa de ópera, o negro porteiro trajando libré, em largo sorriso, deu-lhe as boas vindas ao verificar o bilhete de entrada, dizendo com delicadeza subserviente: “Seja bem-vindo Mister Calhoun! Aproveite a noite!”
Por todas as noites daquela semana, o elegante velho metido no seu smoking achava que estaria protegido do mundo na exclusiva frisa de mil e quatrocentos dólares. Ledo engano. Os acordes e as vibrações rompem a velha carcaça e invadem de forma impiedosa o âmago do velho. Nem mesmo os intervalos eram suficientes para acalmar a sua alma em agitada e estonteante manifestação de deslumbramento. No imenso hall, no meio da mais fina sociedade de New York, o velho, mesmo cambaleante das doses de champanhe, insistia continuar vivendo o seu sonho pueril de grandeza imaginária. Só ele, no grande hall marmóreo, no piso entre negro e róseo, desfilava isolado entre os demais casais distintos. Estava tudo correndo como ele próprio desejou por toda a vida: a materialização de um momento numinoso, personalíssimo e ímpar. Só ele, no seu mutismo e alumbramento, poderia defrontar e sentir o Self. Um deus deixando aflorar o verdadeiro Deus interno, aterrador e formidável de todo homem!
Na última sessão dos desempenhos da mais pura arte, após noites de sofrimentos acompanhados de gozosos encantos, o homem não suporta mais as emoções. Escasseiam-se os medicamentos trazidos do Brasil e aproximam-se dolorosos eventos de angina pectoris.
A polícia é chamada para identificar um velho e elegante senhor de dedos crispados, quase dilacerando o caríssimo delicado velvet do requintado acabamento dos braços da poltrona, na exclusiva frisa. No bolso interno do smoking, um cartão esverdeado do serviço social revela tratar-se de Mister Lawrence Gibson Calhoun. Mas, em consulta ao banco de dados do Estado do Carolina do Norte, as autoridades locais constatam imediatamente que o verdadeiro Mister Calhoun é um professor de Psicologia da North Carolina State University e, naquele instante, está ditando uma aula na longínqua instituição. O elegante homem ali pálido, transparecendo ao livor mortis, sem vida e sem nome, é um farsante. A polícia encaminha o imponderável cadáver para o crematório da cidade de New York. Do sonho vivido pelo velho de Brasília, restam apenas, para sempre congeladas, a pele das pontas de todos os dedos.
De alma feliz – imagina o velho flutuante – “Tudo deu certo; até minhas cinzas navegam por lugares ignotos; vagabundeiam sem destino, talvez, quem sabe, na certeza de outros retornos mais seguros na terra ou noutros planetas de maior agrado!”
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05/2009)
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
ENTREVISTA: JORGE AMÂNCIO
Por Paccelli José Maracci Zahler
A data de 20 de novembro foi estabelecida pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, como o Dia Nacional da Consciência Negra, pois nesse dia, em 1695, morria Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.
Para comemorar a data, entrevistamos o professor, poeta, acadêmico da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal, e ativista do movimento negro, Jorge Amâncio.
A entrevista foi feita por correio eletrônico.
Em nosso nome e em nome da Revista Cerrado Cultural, agradecemos ao Prof. Jorge Amâncio a gentileza de receber-nos virtualmente.
RCC: Antes de vir para Brasília, em 1976, o senhor já se dedicava à poesia ou foi o ambiente da cidade que o inspirou?
JA: O interesse pela poesia veio desde cedo. Creio que no jardim de infância, na igreja de São Sebastião do Rio de Janeiro, em Ramos , uma poesia que lembro até hoje me fisgou ... o sapo sapinho/é nosso amiguinho/repare nas flores/ não são uns amores /pois fique sabendo /que o sapo sapinho /é nosso amiguinho/ele cuida das flores/ dos insetos daninhos/o sapo sapinho/é nosso amiguinho. A paixão começou com os poemas publicadas pelo Jornal do Brasil, no caderno B, cujo redator era o poeta Reinaldo Jardim, nos anos 60, junto com os festivais de música e a descoberta da “black music”. Arriscava alguns poemas, sem qualquer compromisso, desde a adolescência. Brasília me mostrou a possibilidade de todas as poesias, de todos os poemas. Os concertos Cabeça, a Hora do Arroto na UnB , a geração mimeógrafo de Brasília, a cidade fervia em poesia e comecei a ter acesso a novos e “velhos” poetas brasilienses e, quando dei por mim, a poesia era parte de mim. A primeira publicação foi no jornal do Movimento Negro Unificado do DF, chamado Raça,e optei pela poesia engajada com a vida, com a minha negritude.
RCC: Sua biografia é marcada por uma forte ligação com o movimento negro. Na sua opinião, tem havido avanços na luta contra o preconceito racial?
JA: A queda do mito da democracia racial, a criação de um movimento negro organizado, a admissão de que, no Brasil, o negro ocupa o primeiro lugar nos cárceres, nas favelas, nos miseráveis.
Essas conquistas foram um grande avanço.
Agora, as consequências trazidas dessas conquistas, ainda deixam a desejar e, nós, negros, continuamos excluídos, herdeiros de uma fatia do bolo da escravidão, numa sociedade de valores escravistas. A intolerância religiosa, o combate às ações afirmativas governamentais ou não governamentais existentes hoje, são barreiras a serem vencidas. A busca do reconhecimento da igualdade exige educação do negro e do não negro, uma educação institucional, familiar, uma mudança de valores, uma libertação da herança do pensamento escravagista. São 123 anos da abolição outorgada pela Lei Áurea em quase meio século de escravidão.
RCC: Como o negro é visto pela sociedade brasileira atualmente?
JA: O racismo no Brasil produziu inúmeras facetas de se mostrar e a mais cruel é a negrofobia. Nós negros somos vítimas de negrófobos no dia a dia: ao sentarmos num ônibus e o passageiro ao lado grudar na bolsa como se guardasse a vida: ao entrarmos numa loja,somos seguidos pelo segurança; ao abrirmos a porta da nossa casa, nos perguntarem pelos patrões;quando ligamos a TV e não nos vemos. O Negro é invisível na sociedade brasileira.
RCC: O senhor poderia nos historiar as atividades do Centro de Estudos Afro-brasileiros e do Grupo Cultural Asé Dudu dos quais é fundador?
JA: O CEAB, Centro de Estudos Afro Brasileiros, foi fundado no ano 1978, e seu primeiro presidente foi o Dr. Carlos Moura, que mais tarde viria a ser o primeiro presidente da Fundação Palmares. O CEAB foi o primeiro movimento negro organizado de Brasília, com sede própria no Edifício Rádio Center, onde funcionou até os anos 90, hospedou um acervo de artes plásticas com obras expressivas da comunidade negra , exerceu influência política cultural no cenário nacional e internacional. O Grupo Cultural Axé Dudu surgiu em Brasília num protesto de carnaval. A música "Fuxico", um sucesso baiano, que trata a mulher negra pejorativamente. Em Brasília, um grupo de pessoas lideradas por Lecino Ferreira, criou o bloco Afro Asé Dudu em 1986. No ano seguinte, ingressei na no bloco e fundamos o Grupo Cultural ASÉ DUDU que, na capital, com ensaios, apresentações no Bar Bom Demais, todos os sábados, tornou-se um ponto de referência para a comunidade negra do DF. O Grupo desfila nos dias de Carnaval, mostrando a cultura afro-brasileira ao DF. Hoje, o Grupo é sediado em Taguatinga, está ligado à religiosidade afro-brasileira. Apresenta-se e desfila no Carnaval brasiliense. "Asé Dudu" significa "Força Negra" em yorubá, onde o “ésse” (s) tem um ponto embaixo e soa como um xis .
RCC: Como filiado ao Sindicato dos Escritores do Distrito Federal – SEDF, o senhor ocupou o Departamento do Negro em 2005. Poderia nos falar sobre o trabalho desenvolvido e sobre os resultados obtidos?
JA: Foi na gestão da Drª Meireluce Fernandes como presidente da entidade. Realizamos três saraus na Feira do Livro de Brasília, onde um dia era dedicado â causa negra. O público prestigiava pelo desconhecido, pela surpresa. Na atual gestão, o Departamento do Negro foi extinto sem qualquer comunicado. A causa negra sofre pelo isolamento dentro de qualquer entidade que a aceita. “Dei a chance agora cabe ao negro correr atrás”. Fato que ocorre nas esferas governamentais, nas esferas sociais, em todas as esferas onde exista o negro e o não negro. Foi assim na abolição – “ ...declaro livre todos os escravos e descendente de escravo, agora se virem...” .
RCC: Ocupando a cadeira nº 16 da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal, o senhor escolheu como patrono Solano Trindade. O que o inspirou na escolha? Poderia nos falar sobre a importância do seu patrono na Literatura Brasileira?
JA: A escolha de Francisco Solano Trindade para meu patrono na ALB- DF é por ele ter sido um Homem das Artes, que o diga a cidade de Embu das Artes, e, principalmente por sua poesia de linguagem direta, carregada de negritude, uma poesia que mostra a cor da fome, o descaso com o ser humano, um poeta da resistência negra. O poeta preocupava-se com o povo, com a valorização da cultura negra e a desigualdade racial no Brasil. Pernambucano de Recife, Solano Trindade foi um ser humano de grande carisma e visão, para quem a arte representava parte essencial da vida. Em Embu, Solano virou nome de uma rua no centro expandido da cidade. Nesse mesmo município, sua filha Raquel criou o Teatro Popular Solano Trindade e, juntamente com ela, netos e bisnetos do artista cuidam para que a memória do Poeta do Povo permaneça viva. No Recife, cidade natal do escritor, uma estátua de Solano, em tamanho natural, feita pelo escultor Demétrio, encontra-se no Pátio de São Pedro. No Rio de Janeiro, uma biblioteca leva seu nome e, no Museu Afro-Brasil, dentro do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, uma foto (“feia”, na opinião de Raquel) e um quadro relembram o artista. Seus poemas transpuseram fronteiras, fazendo com que ele conquistasse admiradores em países como Tchecoslováquia e Polônia. Solano Trindade transcende a literatura brasileira foi um homem das Artes.
RCC: Sua ligação com a Umbanda transparece um desejo forte de ligação com os seus ancestrais ou uma forma de consolidar sua identidade afro-brasileira, como expressa no poema RELIGÁFRICA?
JA:Cresci com a simbologia e a religiosidade da Umbanda. Quem me trouxe ao mundo é uma Yalorixá, Mãe de Santo umbandista, na casa do Caboclo Guiné. Hoje, minha mãe está com 87 anos, em pleno exercício de sua missão. Sou filho legítimo de Mãe de Santo, cresci com Oxalá na imagem de Jesus Cristo, Xangô como São João, Yansã é Santa Bárbara, Ogum é São Jorge. Cresci sabendo que a África é o útero da humanidade, que religião é religar, religar ao primo ponto, o big bang da humanidade.
RCC: Embora ativista do movimento negro, sua poesia MUNDO SEM FRONTEIRAS, quebra a dicotomia marcada pelo preconceito de raças, religiões, posições sociais. O senhor diria que foi o resultado de um amadurecimento do poeta por um mundo mais igualitário?
JA: A fome, a miséria, o analfabetismo têm cor nesse mundo, neste planeta dominado pela ganância, pelas armas, pela distribuição do capital. A Paz tem no caminho a igualdade, a igualdade requer mais do que um olhar, requer justiça.
Quando opto por falar em discriminação, em injustiça social, em intolerância religiosa, quero a Paz Universal e creio que a Paz, passa necessariamente pela igualdade, pela justiça. Somente abolindo as fronteiras (interiores e exteriores) a Paz será atingida. "Mundo sem Fronteiras" é um poema para Paz, para que o homem independente de credo, cor, sexo, veja o outro como semelhante.
RCC: Fale-nos sobre o evento POEMAÇÃO coordenado pelo senhor e pelo Sr. Marcos Freitas e que ocorre no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília desde 2009.
JA: O Poemação surgiu durante a primeira Bienal Internacional de Poesia – BIP, realizada de 3 a 7 de setembro de 2008. O Poemação, projeto idealizado por Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília e idealizador do evento, consistia em sessões de recital de poesia e de canção, além de projeções de vídeos poéticos, em sequência de apresentações, com programação pré-definida para poetas da cidade, nacionais e estrangeiros, mas abrindo também espaço a apresentações espontâneas de outros interessados em participar.
Na I BIP, o Poemação foi realizado no Café do Conjunto Cultural da República, no Café Literário da Feira do Livro de Brasília, no circuito noturno da cidade, em espaços como: Café Martinica; Bistrô Bom Demais (CCBB); Rayuela Bistrô e Livraria; Café com Letras, assim como no SESC Taguatinga e na Casa do Cantador (Ceilândia), entre outros.
No desejo de continuar o projeto, o professor Antonio Miranda convidou os poetas Marcos Freitas e Jorge Amancio para coordenar o Poemação, no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília.
Jorge Amancio e Marcos Freitas vinham da montagem do primeiro e último Sarau Ponta da Asa, um espaço para a Poesia Brasiliense, no Espaço Cultural Café Itália, abrindo suas portas na primeira terça-feira de maio, dia 5, para o 1º SARAU PONTA DA ASA, com o projeto de mostrar a poesia brasiliense na sua totalidade. Apenas o primeiro foi realizado.
O Poemação tem presença garantida poetas de Brasília, Ceilândia, Gama, Guará, Planaltina, São Sebastião, Taguatinga e outras Brasílicas. A poesia em suas diversas facetas é apresentada pelo Poemação. Poetas brasilienses são homenageados, com a obra revisitada. O Poemação privilegia a poesia e o poeta divulgando e revelando talentos. Está na sua vigésima quarta edição, em dezembro de 2011.
O primeiro Poemação foi realizado no dia 4 de agosto de 2009, terça-feira, no auditório do 2º andar, da Biblioteca Nacional de Brasília, tendo como poeta homenageado Antonio Miranda; seguiram-no Ruiter Lima e Carlinhos Piauí, com um recital poético-musical nordestino; Cristiane Sobral com a poesia negra; Marina Andrade com uma leitura musical de Augusto dos Anjos, e ainda Ivan Monteiro, Meireluce Fernandes e Menezes y Morais. E até hoje - no vigésimo quarto sarau videoliteromusical Poemação - inúmeros poetas mostraram seus trabalhos. Músicos, cantores, atores e atrizes também nos deram a honra de suas participações. Poetas como Nicolas Behr, Angélica Torres, Chico Alvim, Ézio Pires, Vânia Diniz, Cristiane Sobral, Anderson Braga Horta, Antonio Miranda e outros, foram homenageados pelo Poemação e José Santiago Naud será o próximo homenageado, no dia 6 de dezembro de 2011
Os coordenadores do Poemação Marcos Freitas e Jorge Amancio agradecem a colaboração de todos os poetas, organizadores de saraus, músicos e atores que participaram dessas vinte quatro edições do Poemação.
RCC: Sempre se houve falar que não existe espaço para a poesia, pois ela não consegue conquistar leitores. Qual a sua opinião a respeito?
JA: Leitores e poetas existem aos milhares. Quem não escreveu uma poesia na vida? Creio ter havido um movimento para colocar a poesia em um plano abaixo das outras formas literária pelas editoras. Congelando a poesia a “alguns” poetas, colocando a poesia como uma forma de difícil entendimento, estigmatizando a poesia. Em Brasília, a lei Orgânica do Distrito Federal (art 235 § 2º) recomenda o ensino da Literatura brasiliense nas escolas. Sugiro a modificação para a "obrigatoriedade", visto que pouquíssimas escolas no DF trabalham com os autores locais e que esta "obrigatoriedade" seja expandida para todos os Estados do Brasil. A poesia não perdeu espaço. Hoje, lê-se muito mais poesia. Se ela não vende, culpo as editoras, as distribuidoras, a mídia literária, os professores que, estáticos, não perceberam que a poesia é dinâmica, é o reflexo da sociedade. Brasília, pela sua multiplicidade, produz, hoje, uma poesia nova, interativa com o mundo atual. No último concurso do SESC, em âmbito nacional, para a escolha de 35 poetas do Brasil, 12 (doze) eram brasilienses. Um terço dos poetas é daqui e isso é significativo. O Poemação, nesses anos, tem conseguido lotar o auditório da Biblioteca Nacional de Brasília "Leonel de Moura Brizola", o que prova que poesia tem público, tem leitores. A internet possui inúmeros sites, blogs, grupos, comunidades voltadas para a poesia. O que falta são novas estratégias, novos olhares, pois, espaço a poesia tem.
A data de 20 de novembro foi estabelecida pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, como o Dia Nacional da Consciência Negra, pois nesse dia, em 1695, morria Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.
Para comemorar a data, entrevistamos o professor, poeta, acadêmico da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal, e ativista do movimento negro, Jorge Amâncio.
A entrevista foi feita por correio eletrônico.
Em nosso nome e em nome da Revista Cerrado Cultural, agradecemos ao Prof. Jorge Amâncio a gentileza de receber-nos virtualmente.
RCC: Antes de vir para Brasília, em 1976, o senhor já se dedicava à poesia ou foi o ambiente da cidade que o inspirou?
JA: O interesse pela poesia veio desde cedo. Creio que no jardim de infância, na igreja de São Sebastião do Rio de Janeiro, em Ramos , uma poesia que lembro até hoje me fisgou ... o sapo sapinho/é nosso amiguinho/repare nas flores/ não são uns amores /pois fique sabendo /que o sapo sapinho /é nosso amiguinho/ele cuida das flores/ dos insetos daninhos/o sapo sapinho/é nosso amiguinho. A paixão começou com os poemas publicadas pelo Jornal do Brasil, no caderno B, cujo redator era o poeta Reinaldo Jardim, nos anos 60, junto com os festivais de música e a descoberta da “black music”. Arriscava alguns poemas, sem qualquer compromisso, desde a adolescência. Brasília me mostrou a possibilidade de todas as poesias, de todos os poemas. Os concertos Cabeça, a Hora do Arroto na UnB , a geração mimeógrafo de Brasília, a cidade fervia em poesia e comecei a ter acesso a novos e “velhos” poetas brasilienses e, quando dei por mim, a poesia era parte de mim. A primeira publicação foi no jornal do Movimento Negro Unificado do DF, chamado Raça,e optei pela poesia engajada com a vida, com a minha negritude.
RCC: Sua biografia é marcada por uma forte ligação com o movimento negro. Na sua opinião, tem havido avanços na luta contra o preconceito racial?
JA: A queda do mito da democracia racial, a criação de um movimento negro organizado, a admissão de que, no Brasil, o negro ocupa o primeiro lugar nos cárceres, nas favelas, nos miseráveis.
Essas conquistas foram um grande avanço.
Agora, as consequências trazidas dessas conquistas, ainda deixam a desejar e, nós, negros, continuamos excluídos, herdeiros de uma fatia do bolo da escravidão, numa sociedade de valores escravistas. A intolerância religiosa, o combate às ações afirmativas governamentais ou não governamentais existentes hoje, são barreiras a serem vencidas. A busca do reconhecimento da igualdade exige educação do negro e do não negro, uma educação institucional, familiar, uma mudança de valores, uma libertação da herança do pensamento escravagista. São 123 anos da abolição outorgada pela Lei Áurea em quase meio século de escravidão.
RCC: Como o negro é visto pela sociedade brasileira atualmente?
JA: O racismo no Brasil produziu inúmeras facetas de se mostrar e a mais cruel é a negrofobia. Nós negros somos vítimas de negrófobos no dia a dia: ao sentarmos num ônibus e o passageiro ao lado grudar na bolsa como se guardasse a vida: ao entrarmos numa loja,somos seguidos pelo segurança; ao abrirmos a porta da nossa casa, nos perguntarem pelos patrões;quando ligamos a TV e não nos vemos. O Negro é invisível na sociedade brasileira.
RCC: O senhor poderia nos historiar as atividades do Centro de Estudos Afro-brasileiros e do Grupo Cultural Asé Dudu dos quais é fundador?
JA: O CEAB, Centro de Estudos Afro Brasileiros, foi fundado no ano 1978, e seu primeiro presidente foi o Dr. Carlos Moura, que mais tarde viria a ser o primeiro presidente da Fundação Palmares. O CEAB foi o primeiro movimento negro organizado de Brasília, com sede própria no Edifício Rádio Center, onde funcionou até os anos 90, hospedou um acervo de artes plásticas com obras expressivas da comunidade negra , exerceu influência política cultural no cenário nacional e internacional. O Grupo Cultural Axé Dudu surgiu em Brasília num protesto de carnaval. A música "Fuxico", um sucesso baiano, que trata a mulher negra pejorativamente. Em Brasília, um grupo de pessoas lideradas por Lecino Ferreira, criou o bloco Afro Asé Dudu em 1986. No ano seguinte, ingressei na no bloco e fundamos o Grupo Cultural ASÉ DUDU que, na capital, com ensaios, apresentações no Bar Bom Demais, todos os sábados, tornou-se um ponto de referência para a comunidade negra do DF. O Grupo desfila nos dias de Carnaval, mostrando a cultura afro-brasileira ao DF. Hoje, o Grupo é sediado em Taguatinga, está ligado à religiosidade afro-brasileira. Apresenta-se e desfila no Carnaval brasiliense. "Asé Dudu" significa "Força Negra" em yorubá, onde o “ésse” (s) tem um ponto embaixo e soa como um xis .
RCC: Como filiado ao Sindicato dos Escritores do Distrito Federal – SEDF, o senhor ocupou o Departamento do Negro em 2005. Poderia nos falar sobre o trabalho desenvolvido e sobre os resultados obtidos?
JA: Foi na gestão da Drª Meireluce Fernandes como presidente da entidade. Realizamos três saraus na Feira do Livro de Brasília, onde um dia era dedicado â causa negra. O público prestigiava pelo desconhecido, pela surpresa. Na atual gestão, o Departamento do Negro foi extinto sem qualquer comunicado. A causa negra sofre pelo isolamento dentro de qualquer entidade que a aceita. “Dei a chance agora cabe ao negro correr atrás”. Fato que ocorre nas esferas governamentais, nas esferas sociais, em todas as esferas onde exista o negro e o não negro. Foi assim na abolição – “ ...declaro livre todos os escravos e descendente de escravo, agora se virem...” .
RCC: Ocupando a cadeira nº 16 da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal, o senhor escolheu como patrono Solano Trindade. O que o inspirou na escolha? Poderia nos falar sobre a importância do seu patrono na Literatura Brasileira?
JA: A escolha de Francisco Solano Trindade para meu patrono na ALB- DF é por ele ter sido um Homem das Artes, que o diga a cidade de Embu das Artes, e, principalmente por sua poesia de linguagem direta, carregada de negritude, uma poesia que mostra a cor da fome, o descaso com o ser humano, um poeta da resistência negra. O poeta preocupava-se com o povo, com a valorização da cultura negra e a desigualdade racial no Brasil. Pernambucano de Recife, Solano Trindade foi um ser humano de grande carisma e visão, para quem a arte representava parte essencial da vida. Em Embu, Solano virou nome de uma rua no centro expandido da cidade. Nesse mesmo município, sua filha Raquel criou o Teatro Popular Solano Trindade e, juntamente com ela, netos e bisnetos do artista cuidam para que a memória do Poeta do Povo permaneça viva. No Recife, cidade natal do escritor, uma estátua de Solano, em tamanho natural, feita pelo escultor Demétrio, encontra-se no Pátio de São Pedro. No Rio de Janeiro, uma biblioteca leva seu nome e, no Museu Afro-Brasil, dentro do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, uma foto (“feia”, na opinião de Raquel) e um quadro relembram o artista. Seus poemas transpuseram fronteiras, fazendo com que ele conquistasse admiradores em países como Tchecoslováquia e Polônia. Solano Trindade transcende a literatura brasileira foi um homem das Artes.
RCC: Sua ligação com a Umbanda transparece um desejo forte de ligação com os seus ancestrais ou uma forma de consolidar sua identidade afro-brasileira, como expressa no poema RELIGÁFRICA?
JA:Cresci com a simbologia e a religiosidade da Umbanda. Quem me trouxe ao mundo é uma Yalorixá, Mãe de Santo umbandista, na casa do Caboclo Guiné. Hoje, minha mãe está com 87 anos, em pleno exercício de sua missão. Sou filho legítimo de Mãe de Santo, cresci com Oxalá na imagem de Jesus Cristo, Xangô como São João, Yansã é Santa Bárbara, Ogum é São Jorge. Cresci sabendo que a África é o útero da humanidade, que religião é religar, religar ao primo ponto, o big bang da humanidade.
RCC: Embora ativista do movimento negro, sua poesia MUNDO SEM FRONTEIRAS, quebra a dicotomia marcada pelo preconceito de raças, religiões, posições sociais. O senhor diria que foi o resultado de um amadurecimento do poeta por um mundo mais igualitário?
JA: A fome, a miséria, o analfabetismo têm cor nesse mundo, neste planeta dominado pela ganância, pelas armas, pela distribuição do capital. A Paz tem no caminho a igualdade, a igualdade requer mais do que um olhar, requer justiça.
Quando opto por falar em discriminação, em injustiça social, em intolerância religiosa, quero a Paz Universal e creio que a Paz, passa necessariamente pela igualdade, pela justiça. Somente abolindo as fronteiras (interiores e exteriores) a Paz será atingida. "Mundo sem Fronteiras" é um poema para Paz, para que o homem independente de credo, cor, sexo, veja o outro como semelhante.
RCC: Fale-nos sobre o evento POEMAÇÃO coordenado pelo senhor e pelo Sr. Marcos Freitas e que ocorre no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília desde 2009.
JA: O Poemação surgiu durante a primeira Bienal Internacional de Poesia – BIP, realizada de 3 a 7 de setembro de 2008. O Poemação, projeto idealizado por Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília e idealizador do evento, consistia em sessões de recital de poesia e de canção, além de projeções de vídeos poéticos, em sequência de apresentações, com programação pré-definida para poetas da cidade, nacionais e estrangeiros, mas abrindo também espaço a apresentações espontâneas de outros interessados em participar.
Na I BIP, o Poemação foi realizado no Café do Conjunto Cultural da República, no Café Literário da Feira do Livro de Brasília, no circuito noturno da cidade, em espaços como: Café Martinica; Bistrô Bom Demais (CCBB); Rayuela Bistrô e Livraria; Café com Letras, assim como no SESC Taguatinga e na Casa do Cantador (Ceilândia), entre outros.
No desejo de continuar o projeto, o professor Antonio Miranda convidou os poetas Marcos Freitas e Jorge Amancio para coordenar o Poemação, no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília.
Jorge Amancio e Marcos Freitas vinham da montagem do primeiro e último Sarau Ponta da Asa, um espaço para a Poesia Brasiliense, no Espaço Cultural Café Itália, abrindo suas portas na primeira terça-feira de maio, dia 5, para o 1º SARAU PONTA DA ASA, com o projeto de mostrar a poesia brasiliense na sua totalidade. Apenas o primeiro foi realizado.
O Poemação tem presença garantida poetas de Brasília, Ceilândia, Gama, Guará, Planaltina, São Sebastião, Taguatinga e outras Brasílicas. A poesia em suas diversas facetas é apresentada pelo Poemação. Poetas brasilienses são homenageados, com a obra revisitada. O Poemação privilegia a poesia e o poeta divulgando e revelando talentos. Está na sua vigésima quarta edição, em dezembro de 2011.
O primeiro Poemação foi realizado no dia 4 de agosto de 2009, terça-feira, no auditório do 2º andar, da Biblioteca Nacional de Brasília, tendo como poeta homenageado Antonio Miranda; seguiram-no Ruiter Lima e Carlinhos Piauí, com um recital poético-musical nordestino; Cristiane Sobral com a poesia negra; Marina Andrade com uma leitura musical de Augusto dos Anjos, e ainda Ivan Monteiro, Meireluce Fernandes e Menezes y Morais. E até hoje - no vigésimo quarto sarau videoliteromusical Poemação - inúmeros poetas mostraram seus trabalhos. Músicos, cantores, atores e atrizes também nos deram a honra de suas participações. Poetas como Nicolas Behr, Angélica Torres, Chico Alvim, Ézio Pires, Vânia Diniz, Cristiane Sobral, Anderson Braga Horta, Antonio Miranda e outros, foram homenageados pelo Poemação e José Santiago Naud será o próximo homenageado, no dia 6 de dezembro de 2011
Os coordenadores do Poemação Marcos Freitas e Jorge Amancio agradecem a colaboração de todos os poetas, organizadores de saraus, músicos e atores que participaram dessas vinte quatro edições do Poemação.
RCC: Sempre se houve falar que não existe espaço para a poesia, pois ela não consegue conquistar leitores. Qual a sua opinião a respeito?
JA: Leitores e poetas existem aos milhares. Quem não escreveu uma poesia na vida? Creio ter havido um movimento para colocar a poesia em um plano abaixo das outras formas literária pelas editoras. Congelando a poesia a “alguns” poetas, colocando a poesia como uma forma de difícil entendimento, estigmatizando a poesia. Em Brasília, a lei Orgânica do Distrito Federal (art 235 § 2º) recomenda o ensino da Literatura brasiliense nas escolas. Sugiro a modificação para a "obrigatoriedade", visto que pouquíssimas escolas no DF trabalham com os autores locais e que esta "obrigatoriedade" seja expandida para todos os Estados do Brasil. A poesia não perdeu espaço. Hoje, lê-se muito mais poesia. Se ela não vende, culpo as editoras, as distribuidoras, a mídia literária, os professores que, estáticos, não perceberam que a poesia é dinâmica, é o reflexo da sociedade. Brasília, pela sua multiplicidade, produz, hoje, uma poesia nova, interativa com o mundo atual. No último concurso do SESC, em âmbito nacional, para a escolha de 35 poetas do Brasil, 12 (doze) eram brasilienses. Um terço dos poetas é daqui e isso é significativo. O Poemação, nesses anos, tem conseguido lotar o auditório da Biblioteca Nacional de Brasília "Leonel de Moura Brizola", o que prova que poesia tem público, tem leitores. A internet possui inúmeros sites, blogs, grupos, comunidades voltadas para a poesia. O que falta são novas estratégias, novos olhares, pois, espaço a poesia tem.
MINHAS MÃOS
Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)
Transformo minhas mãos em dádivas,
Ocultando o que afaguei em silêncio,
Libertando-me do calor que transformou
Em brasas o que já dorme em minha alma.
Sinto nelas o poder intenso da carícia,
Que nas pontas dos dedos escorre,
No sangue a latejar quente e célere,
Desenhando a escultura imaginada.
Minhas mãos que ritmadas desenham,
A imagem estranha que me transformou,
Em artista a elaborar fantasiosas miragens,
Já voam em busca da objetiva essência.
Encontro em seu toque o deleitoso prazer,
Tantas vezes em sensualidade transformado,
E a carícia simbolizada em energias,
Elabora na natureza seu poder de criação.
Minhas mãos encontram a fortaleza,
No simples tato doce e poderoso,
Evocando o vôo dos belos pássaros,
A procurarem no espaço a liberdade.
Sobre a autora: Vânia Moreira Diniz,Ph.I.,é escritora, poetisa e presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal - ALB/DF
Transformo minhas mãos em dádivas,
Ocultando o que afaguei em silêncio,
Libertando-me do calor que transformou
Em brasas o que já dorme em minha alma.
Sinto nelas o poder intenso da carícia,
Que nas pontas dos dedos escorre,
No sangue a latejar quente e célere,
Desenhando a escultura imaginada.
Minhas mãos que ritmadas desenham,
A imagem estranha que me transformou,
Em artista a elaborar fantasiosas miragens,
Já voam em busca da objetiva essência.
Encontro em seu toque o deleitoso prazer,
Tantas vezes em sensualidade transformado,
E a carícia simbolizada em energias,
Elabora na natureza seu poder de criação.
Minhas mãos encontram a fortaleza,
No simples tato doce e poderoso,
Evocando o vôo dos belos pássaros,
A procurarem no espaço a liberdade.
Sobre a autora: Vânia Moreira Diniz,Ph.I.,é escritora, poetisa e presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal - ALB/DF
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
É POSSÍVEL VIVER COMO ESCRITOR NO BRASIL? (REPORTAGEM, REDE APARECIDA)
A escritora Ruth Guimarães, eleita imortal da Academia Paulista de Letras em 2008, e o escritor José Maurício falam sobre a situação dos escritores no Brasil No programa "Et Cetera" da REDE APARECIDA.
Fonte: YouTube.
Assinar:
Postagens (Atom)