Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)
Em repetição a vida transparece
imagens: do cavaleiro, a toalha
dobrada; do escudeiro, o copo
sobre a pia; do romântico, o aviso
pelo interfone: alegorias cedem
à realidade espaços onde a vida
é perdida: almofadas
campainhas
o estampido.
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
domingo, 10 de abril de 2011
quinta-feira, 7 de abril de 2011
LIÇÃO DE PORTUGUÊS
Por Luiz Otávio Oliani
A Patrícia Blower
amar, verbo transitivo?
amar é verbo de ligação
entre dois sujeitos
A Patrícia Blower
amar, verbo transitivo?
amar é verbo de ligação
entre dois sujeitos
ALTO-MAR
Por Luiz Otávio Oliani
teias de solidão
no oceano
o navio não mais atraca
de nada servem
a âncora enferrujada
o mastro sem bandeira
a quilha
o radar
todos se foram
só o mar permanece
cúmplice dos desamores do mundo
teias de solidão
no oceano
o navio não mais atraca
de nada servem
a âncora enferrujada
o mastro sem bandeira
a quilha
o radar
todos se foram
só o mar permanece
cúmplice dos desamores do mundo
FAXINA
Por Luiz Otávio Oliani
a menina varre os dias
tenta limpar
a própria escória
como espanar o pó,
livrar-se do fardo?
longe daquela casa
passa o amor
a menina varre os dias
tenta limpar
a própria escória
como espanar o pó,
livrar-se do fardo?
longe daquela casa
passa o amor
REINADO
Por Luiz Otávio Oliani
A Lêdo Ivo
enterra palavras
em alto-mar
como tesouro
às escondidas
qual pirata
faze das águas
a cidade de teus versos
A Lêdo Ivo
enterra palavras
em alto-mar
como tesouro
às escondidas
qual pirata
faze das águas
a cidade de teus versos
TRANSFORMAÇÃO
Por Luiz Otávio Oliani
A Antonio Carlos Secchin
toda linguagem
é selva
a ser devastada
toda linguagem
é terra
a ser adubada
toda linguagem
é pedra
a ser limada
A Antonio Carlos Secchin
toda linguagem
é selva
a ser devastada
toda linguagem
é terra
a ser adubada
toda linguagem
é pedra
a ser limada
NÁUTICA
Por Luiz Otávio Oliani
A Olga Savary
navego
em tua essência
mergulho nos seixos
que te habitam
mas não naufrago
o mar nos pertence
A Olga Savary
navego
em tua essência
mergulho nos seixos
que te habitam
mas não naufrago
o mar nos pertence
RABO-DE-ARRAIA
Por Luiz Otávio Oliani
A Igor Fagundes
ao som do berimbau
batuque ginga cadência
o poeta luta
capoeira
com a palavra
A Igor Fagundes
ao som do berimbau
batuque ginga cadência
o poeta luta
capoeira
com a palavra
FOME
Por Luiz Otávio Oliani
ao roçar a boca da solidão
entre auroras e estrelas
mastigo minha dor
em que língua nos falamos?
ao roçar a boca da solidão
entre auroras e estrelas
mastigo minha dor
em que língua nos falamos?
CASA
Por Luiz Otávio Oliani
faço do silêncio
a morada do ser
não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas
apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens
faço do silêncio
a morada do ser
não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas
apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens
MÃOS DESUNIDAS
Por Luiz Otávio Oliani
não serei o poeta do passado
embora dele me alimente
canto o presente
que Drummond não vê
nada de serafins
cartas de suicida
- os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras
as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores
não serei o poeta do passado
embora dele me alimente
canto o presente
que Drummond não vê
nada de serafins
cartas de suicida
- os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras
as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores
POETAS PREMIADOS EM CONCURSO LITERÁRIO
Em 27 de março de 2011, os poetas Augusto Sérgio Bastos e Luiz Otávio Oliani compareceram à premiação do 28º Concurso Literário Yoshio Takemoto, categoria poesia em língua portuguesa, promovido pela Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, em São Paulo. Os poemas vencedores, “O Vaso de Murano” de Augusto Sérgio Bastos e “Desatino” de Luiz Otávio Oliani foram publicados na revista da associação, no mês de março vigente.
Os autores fizeram jus a prêmio em dinheiro, medalha e à publicação dos textos.
Divulgação: Luiz Otávio Oliani
Parabéns aos poetas premiados, em particular ao poeta Luiz Otávio Oliani, colaborador da Revista Cerrado Cultural!
Paccelli José Maracci Zahler, editor.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
CICLO
Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)
Feito mortal
na forma com que se apresenta
explode vidas
carrega e hospeda
a infinitude
na morte desconsidera
o corpo: entrega à decomposição
a carcaça
e sobrevive em lembranças.
Feito mortal
na forma com que se apresenta
explode vidas
carrega e hospeda
a infinitude
na morte desconsidera
o corpo: entrega à decomposição
a carcaça
e sobrevive em lembranças.
CHUVAS
Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)
Na chuva
encharco
ensopo
destaco o guarda-chuva
ao cinza: empoço
o canto do pássaro
escondido
em vão
em vãos de telhados
eiras e beiras
ressurgem ninhos
de pássaros
cantando o final
da chuva: na hora
seco
resseco
destaco o guarda-chuva
em que me apoio.
Na chuva
encharco
ensopo
destaco o guarda-chuva
ao cinza: empoço
o canto do pássaro
escondido
em vão
em vãos de telhados
eiras e beiras
ressurgem ninhos
de pássaros
cantando o final
da chuva: na hora
seco
resseco
destaco o guarda-chuva
em que me apoio.
O "ENIGMA" DO WALDEMAR
Por Sérgio Moacir Pereira Fontana (Pelotas, RS)
Frederico era estudante do 8º ano no colégio dos padres em Rio Grande, RS. Tinha só 14 anos, mas já pensava em trabalhar para ajudar o pai a sustentar seus próprios estudos, aliviando desta forma o orçamento da família, enquanto "dona" Aracy, a mãe, cuidava dos dois irmãos menores e dos afazeres domésticos, como era costume na época. Ela, mesmo que quisesse, não teria tempo e, certamente, nem a permissão do marido para contribuir com trabalho remunerado fora de casa. "Seu" Agenor, o marido, costumava levar o filho mais velho aos sábados pela manhã para a repartição, onde o rapaz praticava a telegrafia, imaginando que alguns anos mais tarde poderia ser contratado pela Companhia de Navegação, espelhando-se no próprio pai que era telegrafista-chefe da empresa, e nela trabalhava desde a inauguração do Porto Novo, onde antes tinha sido estafeta. Depois, diante do conhecimento adquirido ao longo dos anos, foi galgado ao importante cargo de telegrafista.
Da ampla sala de mensagens, no último piso do edifício amarelo de três andares, com pé direito não inferior a 4,5 metros em cada andar, quase tudo podia ser avistado através das oito grandes janelas de madeira nobre, pintadas de ocre e direcionadas para o sol poente, e também das outras oito, opostas e idênticas, com vista para o estuário da Lagoa dos Patos. Mais um pouco, e se poderia ver o mar.
Já acostumado com a vista, e portanto alheio a ela, Frederico se concentrava - e muito - em seu treinamento no telégrafo. Para não interferir no trabalho desenvolvido pela empresa, não enviava mensagens, mas empenhava-se em decifrar as que chegavam, oriundas dos navios que se encontravam a poucas milhas da costa. Em casa, com um aparelho portátil, simulava enviar para alguém as mesmas mensagens que houvera decifrado anteriormente.
Quarta-feira, 13 de dezembro de 1939. Em férias escolares há quatro dias, Frederico resolveu acompanhar o pai no plantão de 18 horas, que começava às 13 horas e ia até as 07 da manhã do dia 14. Dois telegrafistas, por vez, eram destacados para o plantão; outros quatro cumpriam expediente das 07 às 13 horas; um outro entrava de folga. Em função do esgotamento mental produzido por suas atividades, a carga horária para cada um dos sete telegrafistas não deveria ultrapassar às 30 horas semanais, embora o serviço de telegrafia se mantivesse em funcionamento durante, ininterruptas, 24 horas.
Mesmo na madrugada o barulho das máquinas de telégrafo não cessava. Várias delas, sem nenhum operador, vibravam, por impulso elétrico induzido, com mensagens que nem eram dirigidas àquela estação, mas de uma embarcação para outra, nas proximidades.
Todavia, às 03:30 da manhã da madrugada do dia 14, a calmaria tomou conta do ambiente de trabalho. As mensagens - nenhuma delas urgente - foram rareando até que um silêncio, quase absoluto, predominou. Waldemar e Agenor, os telegrafistas do plantão, resolveram espantar o sono com café e biscoitos doces. A caminhada até a copa serviria também para esticar as pernas. Frederico adormeceu em uma confortável e bem torneada cadeira de carvalho, com espaldar e assento almofadado.
Quarenta e oito minutos se passaram entre a última mensagem recebida e a que começava agora a vibrar em um único aparelho de telégrafo, dentre os doze disponíveis. O sinal era fraco, mas se repetia, numa mesma seqüência, a um intervalo fixo de 60 segundos. Bateu uma, duas, três, quatro..., e provavelmente se repetiria mais vezes se não fosse uma repentina e forte "reação" de todas as máquinas de telegrafia, inclusive a que, instantes atrás, produzira os pulsos mais fracos. Os fortes sinais telegráficos matraqueavam em uníssono, acordando Frederico e alertando os plantonistas que se olharam sem nada entender. Era um código naval, mas este eles não conheciam.
Silêncio novamente. Em seguida, pulsos mais fracos começaram novamente a "cutucar" um dos aparelhos. Frederico colocou os fones de ouvido, pegou um lápis e uma folha do bloco de anotações, e começou a transcrever o que ouvia:
XERDR PGIEC FHBZE RJKGF HWQUP VEGJO UJFLL GFDHC HRHAR HGRIN LTSXT IUKKO ZLECN ZYHKV AMNFS JKSRG ZMHXB JKKEG GSHXK SVXBJ XUPEV TQWYT TLGMG TPN
E de novo:
XERDR PGIEC FHBZE RJKGF HWQUP VEGJO UJFLL GFDHC HRHAR HGRIN LTSXT IUKKO ZLECN ZYHKV AMNFS JKSRG ZMHXB JKKEG GSHXK SVXBJ XUPEV TQWYT TLGMG TPN
Atento, Waldemar, mais conhecido como "Polaco", foi ficando vermelho - talvez de nervoso que estava - e pediu para ver as anotações de Frederico. Nem bem pôs os olhos no papel, e todos os aparelhos tornaram a fazer barulho ao mesmo tempo, repetindo os sinais mais fortes.
Desta vez "seu" Agenor estava preparado. Copiou a mensagem e a comparou com a outra - a dos sinais fracos. Ambas tinham o mesmo formato-padrão, embora fossem diferentes. E nem uma, nem outra eram códigos conhecidos. Em seguida Waldemar, o polaco de quase 2 metros e mais - bem mais - de 100 Kg, sem dizer uma palavra, tratou de apagar todas luzes e ficou olhando através dos janelões, como se procurasse algo específico em algum prédio das proximidades. Só a tênue iluminação das ruas e, às vezes, o brilho da lua, quebravam a escuridão de céu semi-encoberto.
Nenhum edifício ou casa ao redor mostrava resquícios de iluminação interna. Waldemar, agora acompanhado por Agenor e Frederico, voltou-se para as janelas que davam para o lado do estuário. Viu uma fraca luz proveniente de um navio a vapor, ancorado no porto, e deve, nesse momento, ter achado o que procurava, pois desceu, correndo, as escadas de madeira que retumbaram até que ele chegasse à rua. Em seguida, tendo rodeado o prédio, reapareceu lá embaixo, caminhando, apressado, meio se esgueirando, em direção ao pequeno navio. Depois, sumiu no escuro.
Agenor reacendeu as luzes e, a partir das 5 da manhã, os serviços de mensagens voltaram ao normal, ao mesmo tempo em que os primeiros claros de manhã tentavam ultrapassar as nuvens do horizonte. Esqueceu-se, momentaneamente, de se preocupar com o Polaco, e pôs-se a trabalhar novamente, enquanto o filho, Frederico, desembaçava a janela com o punho, tentando reconhecer a silhueta de Waldemar que corria com dificuldade em direção ao edifício, trazendo, meio-envolto em um pano, um misterioso objeto que parecia ser maior e bem mais pesado do que uma máquina de escrever, embora parecesse se tratar de uma.
Extenuado, o Polaco precisou sentar-se tão logo adentrou à repartição. Lá embaixo, trancara a porta por dentro, e com a tranca de ferro.
- Está aqui a resposta! - disse ele.
- Mas o que é isto? - perguntou Agenor, com uma expressão bem assustada.
- "Isto" são as mensagens que captamos! Eu conheço muito bem esta máquina. Ela é um codificador/decodificador usado pelos nazistas há, pelo menos, uns seis anos. Meu irmão trabalhou na fábrica que a produziu inicialmente, e me ensinou como ela funciona. E antes que me perguntem, eu respondo: Sim, a máquina estava no navio; Sim, o operador está morto; e sim, nós estamos correndo perigo, mas ninguém me viu entrar ou sair de lá. Tragam-me as mensagens cifradas. Vou repetí-las na máquina, e ver o que obtemos quando mudarmos a posição do seletor para "decodificar".
Mensagem 1 (em código):
XERDR PGIEC FHBZE RJKGF HWQUP VEGJO UJFLL GFDHC HRHAR HGRIN LTSXT IUKKO ZLECN ZYHKV AMNFS JKSRG ZMHXB JKKEG GSHXK SVXBJ XUPEV TQWYT TLGMG TPN
Mensagem 1 (decodificada):
PANZERSCHIFF ADMIRAL GRAF SPEE ANNAHERUNG DER 30 PARALLELE. BERICHT MOGLICHE ANWESENHEIT DES FEINDES ENTLANG DER KUSTE.
- G-R-A-F S-P-E-E... - soletrou o Polaco.
- Que navio é este? - questionou Agenor.
- É um navio de guerra nazista. Eles querem saber se a passagem para o extremo sul do Oceano Atlântico está livre, mas eu não vou deixar que ele navegue incólume - respondeu, com raiva, o polonês. E continuou, mais vermelho do que nunca:
- Se eu puder atrasá-los um pouco, talvez a marinha inglesa consiga alcançá-lo e destruí-lo.
Mensagem 2 (em código):
CDBXR PSEEB LHNIW NPNLU NJQGJ XKBKV NCWDS GFWIH HSXUL EPZCS KLMNH LFBJO KVWML PVLIB LPABS SIILO LMXVF UGKLT KHQKP SYXAH XATCM INQYT TSCCP ZPWKA TVODP QIULV QUCSE UQZNE ZVYFJ OYWFG ZFKPJ IZYKS KSGZZ KHXED OLTBQ O
Mensagem 2 (decodificada):
IN DER NAHE FEIND SONDERN MIT REDUZIERTEM KRAFTE. KLARE WEG IN RICHTUNG SUDOSTEN SUDAMERIKA.
E complementou o polonês - vermelho de raiva:
- E "esta" é a resposta que partiu daquele navio ancorado ali, e diz mais ou menos assim: "Inimigo por perto, mas com força reduzida. O caminho está livre na costa sudeste da América do Sul".
Aparentemente, ninguém a bordo do vapor alemão tinha notado qualquer coisa de anormal. Waldemar contava com isso, mas não podia perder tempo. E antes de embrulhar a máquina com o pano e escondê-la num canto da grande repartição, ainda faltava fazer uma coisa. Poucos minutos faltavam para o término do seu expediente quando ele saiu e tratou de ir até a Delegacia de Polícia do Rio Grande. "Seu" Agenor, nervoso, esperou no local até às 7 da manhã, e quando seus colegas do turno diurno chegaram, respirou aliviado e mandou que Frederico fosse para casa. Uma hora depois a polícia veio. O sub-delegado, em exercício, um escriturário e mais dois policiais.
A máquina, reconhecida alguns anos mais tarde como sendo uma "Enigma", foi entregue às autoridades do município de Rio Grande, e o capitão e os 11 tripulantes, todos alemães, foram presos para interrogatório. Aparentemente eles estavam violando a então neutralidade do Brasil em relação à guerra.
Um pouco antes da polícia chegar, Waldemar transmitiu a seguinte mensagem ao Graf Spee:
IKHPF NBIEB VQQDY IEDJU HWQYZ ULISN QQLBX GXUVF QWHJR FAEIL EJGCD BNJTD MKNCL AIVIX VOLKN SQCZT RKIMU COCPT KSHXK SVLNZ PXTQO UJNIO VSCWA DHCOH GGDOD RKRBE IBXYN SFZIP ZAPTN LCCOO NWLDV VBDUC OMMZV PNBAE HPNMY HKJJD PMYR
A mensagem do Waldemar, decodificada grosseiramente, dizia:
FEINDLICHEN KRAFTE IN GROSSEN STUCKZAHLEN. WARTEN AUF UNBESTIMMTE ZEIT IN EINEM NEUTRALEN HAFEN.
“Forças inimigas em número muito grande. Aguarde por tempo indeterminado em porto neutro”.
Ecoou, dias depois, com grande estardalhaço nos noticiários brasileiros a notícia que o encouraçado de bolso alemão, o Graf Spee, acossado por uma incomensurável força inimiga, havia se internado no porto uruguaio de Montevidéu, e que no outro dia tinha sido afundado no Rio da Prata por seus próprios marinheiros, os quais temiam que a nau caísse, intacta, em poder dos aliados.
E assim quem, na verdade, decifrou o segredo da "Enigma", e selou o destino do grande navio de guerra alemão Admiral Graf Spee, foi o Waldemar, um simples, anônimo e vermelho - de tanta saúde que tinha - trabalhador polonês, radicado no Brasil, mais precisamente na cidade do Rio Grande, RS. Ele e "seu" Agenor viraram heróis na cidade, mas a façanha dos dois telegrafistas não repercutiu muito além dali.
O "guri", Frederico está aposentado há mais de 25 anos, e foi ele quem - com toda a calma do mundo - me contou este caso.
Frederico era estudante do 8º ano no colégio dos padres em Rio Grande, RS. Tinha só 14 anos, mas já pensava em trabalhar para ajudar o pai a sustentar seus próprios estudos, aliviando desta forma o orçamento da família, enquanto "dona" Aracy, a mãe, cuidava dos dois irmãos menores e dos afazeres domésticos, como era costume na época. Ela, mesmo que quisesse, não teria tempo e, certamente, nem a permissão do marido para contribuir com trabalho remunerado fora de casa. "Seu" Agenor, o marido, costumava levar o filho mais velho aos sábados pela manhã para a repartição, onde o rapaz praticava a telegrafia, imaginando que alguns anos mais tarde poderia ser contratado pela Companhia de Navegação, espelhando-se no próprio pai que era telegrafista-chefe da empresa, e nela trabalhava desde a inauguração do Porto Novo, onde antes tinha sido estafeta. Depois, diante do conhecimento adquirido ao longo dos anos, foi galgado ao importante cargo de telegrafista.
Da ampla sala de mensagens, no último piso do edifício amarelo de três andares, com pé direito não inferior a 4,5 metros em cada andar, quase tudo podia ser avistado através das oito grandes janelas de madeira nobre, pintadas de ocre e direcionadas para o sol poente, e também das outras oito, opostas e idênticas, com vista para o estuário da Lagoa dos Patos. Mais um pouco, e se poderia ver o mar.
Já acostumado com a vista, e portanto alheio a ela, Frederico se concentrava - e muito - em seu treinamento no telégrafo. Para não interferir no trabalho desenvolvido pela empresa, não enviava mensagens, mas empenhava-se em decifrar as que chegavam, oriundas dos navios que se encontravam a poucas milhas da costa. Em casa, com um aparelho portátil, simulava enviar para alguém as mesmas mensagens que houvera decifrado anteriormente.
Quarta-feira, 13 de dezembro de 1939. Em férias escolares há quatro dias, Frederico resolveu acompanhar o pai no plantão de 18 horas, que começava às 13 horas e ia até as 07 da manhã do dia 14. Dois telegrafistas, por vez, eram destacados para o plantão; outros quatro cumpriam expediente das 07 às 13 horas; um outro entrava de folga. Em função do esgotamento mental produzido por suas atividades, a carga horária para cada um dos sete telegrafistas não deveria ultrapassar às 30 horas semanais, embora o serviço de telegrafia se mantivesse em funcionamento durante, ininterruptas, 24 horas.
Mesmo na madrugada o barulho das máquinas de telégrafo não cessava. Várias delas, sem nenhum operador, vibravam, por impulso elétrico induzido, com mensagens que nem eram dirigidas àquela estação, mas de uma embarcação para outra, nas proximidades.
Todavia, às 03:30 da manhã da madrugada do dia 14, a calmaria tomou conta do ambiente de trabalho. As mensagens - nenhuma delas urgente - foram rareando até que um silêncio, quase absoluto, predominou. Waldemar e Agenor, os telegrafistas do plantão, resolveram espantar o sono com café e biscoitos doces. A caminhada até a copa serviria também para esticar as pernas. Frederico adormeceu em uma confortável e bem torneada cadeira de carvalho, com espaldar e assento almofadado.
Quarenta e oito minutos se passaram entre a última mensagem recebida e a que começava agora a vibrar em um único aparelho de telégrafo, dentre os doze disponíveis. O sinal era fraco, mas se repetia, numa mesma seqüência, a um intervalo fixo de 60 segundos. Bateu uma, duas, três, quatro..., e provavelmente se repetiria mais vezes se não fosse uma repentina e forte "reação" de todas as máquinas de telegrafia, inclusive a que, instantes atrás, produzira os pulsos mais fracos. Os fortes sinais telegráficos matraqueavam em uníssono, acordando Frederico e alertando os plantonistas que se olharam sem nada entender. Era um código naval, mas este eles não conheciam.
Silêncio novamente. Em seguida, pulsos mais fracos começaram novamente a "cutucar" um dos aparelhos. Frederico colocou os fones de ouvido, pegou um lápis e uma folha do bloco de anotações, e começou a transcrever o que ouvia:
XERDR PGIEC FHBZE RJKGF HWQUP VEGJO UJFLL GFDHC HRHAR HGRIN LTSXT IUKKO ZLECN ZYHKV AMNFS JKSRG ZMHXB JKKEG GSHXK SVXBJ XUPEV TQWYT TLGMG TPN
E de novo:
XERDR PGIEC FHBZE RJKGF HWQUP VEGJO UJFLL GFDHC HRHAR HGRIN LTSXT IUKKO ZLECN ZYHKV AMNFS JKSRG ZMHXB JKKEG GSHXK SVXBJ XUPEV TQWYT TLGMG TPN
Atento, Waldemar, mais conhecido como "Polaco", foi ficando vermelho - talvez de nervoso que estava - e pediu para ver as anotações de Frederico. Nem bem pôs os olhos no papel, e todos os aparelhos tornaram a fazer barulho ao mesmo tempo, repetindo os sinais mais fortes.
Desta vez "seu" Agenor estava preparado. Copiou a mensagem e a comparou com a outra - a dos sinais fracos. Ambas tinham o mesmo formato-padrão, embora fossem diferentes. E nem uma, nem outra eram códigos conhecidos. Em seguida Waldemar, o polaco de quase 2 metros e mais - bem mais - de 100 Kg, sem dizer uma palavra, tratou de apagar todas luzes e ficou olhando através dos janelões, como se procurasse algo específico em algum prédio das proximidades. Só a tênue iluminação das ruas e, às vezes, o brilho da lua, quebravam a escuridão de céu semi-encoberto.
Nenhum edifício ou casa ao redor mostrava resquícios de iluminação interna. Waldemar, agora acompanhado por Agenor e Frederico, voltou-se para as janelas que davam para o lado do estuário. Viu uma fraca luz proveniente de um navio a vapor, ancorado no porto, e deve, nesse momento, ter achado o que procurava, pois desceu, correndo, as escadas de madeira que retumbaram até que ele chegasse à rua. Em seguida, tendo rodeado o prédio, reapareceu lá embaixo, caminhando, apressado, meio se esgueirando, em direção ao pequeno navio. Depois, sumiu no escuro.
Agenor reacendeu as luzes e, a partir das 5 da manhã, os serviços de mensagens voltaram ao normal, ao mesmo tempo em que os primeiros claros de manhã tentavam ultrapassar as nuvens do horizonte. Esqueceu-se, momentaneamente, de se preocupar com o Polaco, e pôs-se a trabalhar novamente, enquanto o filho, Frederico, desembaçava a janela com o punho, tentando reconhecer a silhueta de Waldemar que corria com dificuldade em direção ao edifício, trazendo, meio-envolto em um pano, um misterioso objeto que parecia ser maior e bem mais pesado do que uma máquina de escrever, embora parecesse se tratar de uma.
Extenuado, o Polaco precisou sentar-se tão logo adentrou à repartição. Lá embaixo, trancara a porta por dentro, e com a tranca de ferro.
- Está aqui a resposta! - disse ele.
- Mas o que é isto? - perguntou Agenor, com uma expressão bem assustada.
- "Isto" são as mensagens que captamos! Eu conheço muito bem esta máquina. Ela é um codificador/decodificador usado pelos nazistas há, pelo menos, uns seis anos. Meu irmão trabalhou na fábrica que a produziu inicialmente, e me ensinou como ela funciona. E antes que me perguntem, eu respondo: Sim, a máquina estava no navio; Sim, o operador está morto; e sim, nós estamos correndo perigo, mas ninguém me viu entrar ou sair de lá. Tragam-me as mensagens cifradas. Vou repetí-las na máquina, e ver o que obtemos quando mudarmos a posição do seletor para "decodificar".
Mensagem 1 (em código):
XERDR PGIEC FHBZE RJKGF HWQUP VEGJO UJFLL GFDHC HRHAR HGRIN LTSXT IUKKO ZLECN ZYHKV AMNFS JKSRG ZMHXB JKKEG GSHXK SVXBJ XUPEV TQWYT TLGMG TPN
Mensagem 1 (decodificada):
PANZERSCHIFF ADMIRAL GRAF SPEE ANNAHERUNG DER 30 PARALLELE. BERICHT MOGLICHE ANWESENHEIT DES FEINDES ENTLANG DER KUSTE.
- G-R-A-F S-P-E-E... - soletrou o Polaco.
- Que navio é este? - questionou Agenor.
- É um navio de guerra nazista. Eles querem saber se a passagem para o extremo sul do Oceano Atlântico está livre, mas eu não vou deixar que ele navegue incólume - respondeu, com raiva, o polonês. E continuou, mais vermelho do que nunca:
- Se eu puder atrasá-los um pouco, talvez a marinha inglesa consiga alcançá-lo e destruí-lo.
Mensagem 2 (em código):
CDBXR PSEEB LHNIW NPNLU NJQGJ XKBKV NCWDS GFWIH HSXUL EPZCS KLMNH LFBJO KVWML PVLIB LPABS SIILO LMXVF UGKLT KHQKP SYXAH XATCM INQYT TSCCP ZPWKA TVODP QIULV QUCSE UQZNE ZVYFJ OYWFG ZFKPJ IZYKS KSGZZ KHXED OLTBQ O
Mensagem 2 (decodificada):
IN DER NAHE FEIND SONDERN MIT REDUZIERTEM KRAFTE. KLARE WEG IN RICHTUNG SUDOSTEN SUDAMERIKA.
E complementou o polonês - vermelho de raiva:
- E "esta" é a resposta que partiu daquele navio ancorado ali, e diz mais ou menos assim: "Inimigo por perto, mas com força reduzida. O caminho está livre na costa sudeste da América do Sul".
Aparentemente, ninguém a bordo do vapor alemão tinha notado qualquer coisa de anormal. Waldemar contava com isso, mas não podia perder tempo. E antes de embrulhar a máquina com o pano e escondê-la num canto da grande repartição, ainda faltava fazer uma coisa. Poucos minutos faltavam para o término do seu expediente quando ele saiu e tratou de ir até a Delegacia de Polícia do Rio Grande. "Seu" Agenor, nervoso, esperou no local até às 7 da manhã, e quando seus colegas do turno diurno chegaram, respirou aliviado e mandou que Frederico fosse para casa. Uma hora depois a polícia veio. O sub-delegado, em exercício, um escriturário e mais dois policiais.
A máquina, reconhecida alguns anos mais tarde como sendo uma "Enigma", foi entregue às autoridades do município de Rio Grande, e o capitão e os 11 tripulantes, todos alemães, foram presos para interrogatório. Aparentemente eles estavam violando a então neutralidade do Brasil em relação à guerra.
Um pouco antes da polícia chegar, Waldemar transmitiu a seguinte mensagem ao Graf Spee:
IKHPF NBIEB VQQDY IEDJU HWQYZ ULISN QQLBX GXUVF QWHJR FAEIL EJGCD BNJTD MKNCL AIVIX VOLKN SQCZT RKIMU COCPT KSHXK SVLNZ PXTQO UJNIO VSCWA DHCOH GGDOD RKRBE IBXYN SFZIP ZAPTN LCCOO NWLDV VBDUC OMMZV PNBAE HPNMY HKJJD PMYR
A mensagem do Waldemar, decodificada grosseiramente, dizia:
FEINDLICHEN KRAFTE IN GROSSEN STUCKZAHLEN. WARTEN AUF UNBESTIMMTE ZEIT IN EINEM NEUTRALEN HAFEN.
“Forças inimigas em número muito grande. Aguarde por tempo indeterminado em porto neutro”.
Ecoou, dias depois, com grande estardalhaço nos noticiários brasileiros a notícia que o encouraçado de bolso alemão, o Graf Spee, acossado por uma incomensurável força inimiga, havia se internado no porto uruguaio de Montevidéu, e que no outro dia tinha sido afundado no Rio da Prata por seus próprios marinheiros, os quais temiam que a nau caísse, intacta, em poder dos aliados.
E assim quem, na verdade, decifrou o segredo da "Enigma", e selou o destino do grande navio de guerra alemão Admiral Graf Spee, foi o Waldemar, um simples, anônimo e vermelho - de tanta saúde que tinha - trabalhador polonês, radicado no Brasil, mais precisamente na cidade do Rio Grande, RS. Ele e "seu" Agenor viraram heróis na cidade, mas a façanha dos dois telegrafistas não repercutiu muito além dali.
O "guri", Frederico está aposentado há mais de 25 anos, e foi ele quem - com toda a calma do mundo - me contou este caso.
NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA (poesia gauchesca)
Por Antônio Francisco de Paula (Brasília, DF)
Nos Campos de Cima da Serra
Nos pagos de Vacaria
Um Camponês certo dia
Queimava sua invernada
Estorricada pela geada
Na mais triste judiaria
O fogo lambeu as coxilhas
Varrendo léguas e léguas
Transformando em cinzas as macegas
Com a fúria das labaredas
E se apagando de vereda
Junto a um murchão de pedra
Numa reboleira de capim
Que o fogo não queimou
O Camponês encontrou
Bem no meio da touceira
Uma imagem de madeira
Da mãe do redentor
Trazendo uma inscrição
Bem legível no pedestal
O nome celestial
Nossa Senhora da Oliveira
A santinha milagreira
Oriunda de Portugal
Aquele humilde homem
Tomado pela emoção
Prostrou-se de joelhos no chão
Com os olhos rasos d’água
E rezou pra imaculada
Com fervor e devoção
Levou a imagem pro rancho
Pra junto de sua família
Contagiando de alegria
Toda gente do povoado
Que vinha de todos os lados
Adorar a santa mãezinha
Naquele rincão bendito
Entre os dois arroios vizinhos
Uruguaizinho e Carazinho
Onde a santa foi encontrada
Uma capelinha improvisada
Foi erguida com carinho
Cobertura de capim
Barreada de chão batido
Um altar todo florido
Adornando a imagem sagrada
Da virgem imaculada
Dos pobres e desvalidos
A notícia se esparramou
Por aquele sertão afora
Das graças e muitas glórias
Concebidas aos peregrinos
Aos devotos campesinos
Da virgem Nossa Senhora
Da pequena freguesia
Encravada na coxilha
Da lendária Baqueria
Dos frondosos pinheirais
Pago santo dos ancestrais
Da nossa raça caudilha
Dos índios primitivos
De Castela e Lusitanos
De Tropeiros e Vaqueanos
E dos Patrícios do além mar
Que mais tarde vieram povoar
O sagrado chão pampeano
E aqueles valentes gaúchos
Que ali fizeram morada
Construíram pra imaculada
Junto à praça principal
Uma linda Catedral
De pedra moura entalhada
Onde repousa a imagem
Da venerada santinha
A nossa querida mãezinha
Para toda a eternidade
Abençoando a comunidade
Da cidade de Vacaria
E assim foi consagrada
Pela fé dos habitantes
Pelo seu amor irradiante
Nossa Senhora da Oliveira
A virgem Santa Padroeira
Da porteira do Rio Grande.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 07, em 2008)
Nos Campos de Cima da Serra
Nos pagos de Vacaria
Um Camponês certo dia
Queimava sua invernada
Estorricada pela geada
Na mais triste judiaria
O fogo lambeu as coxilhas
Varrendo léguas e léguas
Transformando em cinzas as macegas
Com a fúria das labaredas
E se apagando de vereda
Junto a um murchão de pedra
Numa reboleira de capim
Que o fogo não queimou
O Camponês encontrou
Bem no meio da touceira
Uma imagem de madeira
Da mãe do redentor
Trazendo uma inscrição
Bem legível no pedestal
O nome celestial
Nossa Senhora da Oliveira
A santinha milagreira
Oriunda de Portugal
Aquele humilde homem
Tomado pela emoção
Prostrou-se de joelhos no chão
Com os olhos rasos d’água
E rezou pra imaculada
Com fervor e devoção
Levou a imagem pro rancho
Pra junto de sua família
Contagiando de alegria
Toda gente do povoado
Que vinha de todos os lados
Adorar a santa mãezinha
Naquele rincão bendito
Entre os dois arroios vizinhos
Uruguaizinho e Carazinho
Onde a santa foi encontrada
Uma capelinha improvisada
Foi erguida com carinho
Cobertura de capim
Barreada de chão batido
Um altar todo florido
Adornando a imagem sagrada
Da virgem imaculada
Dos pobres e desvalidos
A notícia se esparramou
Por aquele sertão afora
Das graças e muitas glórias
Concebidas aos peregrinos
Aos devotos campesinos
Da virgem Nossa Senhora
Da pequena freguesia
Encravada na coxilha
Da lendária Baqueria
Dos frondosos pinheirais
Pago santo dos ancestrais
Da nossa raça caudilha
Dos índios primitivos
De Castela e Lusitanos
De Tropeiros e Vaqueanos
E dos Patrícios do além mar
Que mais tarde vieram povoar
O sagrado chão pampeano
E aqueles valentes gaúchos
Que ali fizeram morada
Construíram pra imaculada
Junto à praça principal
Uma linda Catedral
De pedra moura entalhada
Onde repousa a imagem
Da venerada santinha
A nossa querida mãezinha
Para toda a eternidade
Abençoando a comunidade
Da cidade de Vacaria
E assim foi consagrada
Pela fé dos habitantes
Pelo seu amor irradiante
Nossa Senhora da Oliveira
A virgem Santa Padroeira
Da porteira do Rio Grande.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 07, em 2008)
RECONSTRUÇÃO (ensaio)
Por Vânia Moreira Diniz
A reconstrução do ser humano é muito importante. Estou falando da reconstrução interior quando alegrias, tristezas, os embates da vida, sonhos realizados ou não, certezas ou decepções ficaram ali e em alguns casos trouxeram seqüelas ou permaneceram simplesmente estáticos no tempo e na intensidade.
É muito importante a reconstrução de nossas almas e corações para continuar o caminho tendo nos alimentado da verdade e revisado valores reais, eliminando os outros que só serviriam para permanecer sem efeito em nossas novas concepções ditadas pela experiência maior e mais aperfeiçoada.
Muitas vezes houve desgastes, stress, dúvidas, perdas insuperáveis, alegrias que não se aprofundaram, informações equivocadas e a incompreensão que costumamos ter quando não se trata de nós mesmos. E ainda um sentimento de culpa, que o ser humano carrega mesmo quando objetivamente nada houve que pudesse justificá-lo.
Nós somos complexos em demasia, começando do nascimento na primeira aspiração de oxigênio que nos leva a chorar por não compreender o que está acontecendo, vindo do útero quente materno que protegeu e alimentou. Ali à luz do mundo o choque é imenso, é uma brusca mudança, o desconhecido, a vida que amará logo depois, mas que no momento é um sofrimento como deverá ser a morte depois que encontrarmos o outro lado do caminho.
Nós mantemos nossos aparelhos eletrônicos, carros e computadores em constante revisão para que funcionem adequadamente, mas não lembramos quase nunca de fazê-lo em nossa máquina perfeita e humana. Acima de tudo precisamos reinventar aquilo que se tornou inútil dentro de nós e procurar a felicidade aperfeiçoando nossas potencialidades intrínsecas e substituindo as desilusões e pesadelos por novos e encantadores sonhos e pela convicção que encontraremos no caminho um desempenho atual e vigoroso.
Não importam as ferramentas que usaremos, cada pessoa saberá aquela que mais ajudará a encontrar sua alma seja análise, terapia, reflexão, valorização do amor, trabalho, regressão, introspecção, imersão e principalmente conscientização de si mesmo, na mudança de seus conceitos, sensações ou procura.
Reconstrução é a busca incessante do renascer, brotando das cinzas e construindo um mundo interior cada vez mais solidificado e verdadeiro, em harmonia com o universo, cores, música e reestruturado, completo e muito mais apto a viver e doar, recebendo também os reflexos dessa luz renovada.
Reconstrução se dá no momento que abdicamos das incoerentes perspectivas, do egoísmo avassalador e partimos rumo ao sentido real da vida.
Sobre a autora:
Vânia Moreira Diniz é natural do Rio de Janeiro, RJ, porém, está radicada em Brasília, DF. Escritora, Humanista e Pesquisadora, fundou o Centro de Treinamento de Línguas em Brasília e dirigiu-o durante 10 anos. É formada em Letras, com pós graduação em Educação. Atua como palestrante nas áreas de educação, humanas e literária, tendo sido orientadora de várias teses e monografias. Mantém o Portal Vânia Diniz: http://www.vaniadiniz.pro.br. É presidenta da Academia de Letras do Brasil, Seccional DF.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 07, em 2008)
A reconstrução do ser humano é muito importante. Estou falando da reconstrução interior quando alegrias, tristezas, os embates da vida, sonhos realizados ou não, certezas ou decepções ficaram ali e em alguns casos trouxeram seqüelas ou permaneceram simplesmente estáticos no tempo e na intensidade.
É muito importante a reconstrução de nossas almas e corações para continuar o caminho tendo nos alimentado da verdade e revisado valores reais, eliminando os outros que só serviriam para permanecer sem efeito em nossas novas concepções ditadas pela experiência maior e mais aperfeiçoada.
Muitas vezes houve desgastes, stress, dúvidas, perdas insuperáveis, alegrias que não se aprofundaram, informações equivocadas e a incompreensão que costumamos ter quando não se trata de nós mesmos. E ainda um sentimento de culpa, que o ser humano carrega mesmo quando objetivamente nada houve que pudesse justificá-lo.
Nós somos complexos em demasia, começando do nascimento na primeira aspiração de oxigênio que nos leva a chorar por não compreender o que está acontecendo, vindo do útero quente materno que protegeu e alimentou. Ali à luz do mundo o choque é imenso, é uma brusca mudança, o desconhecido, a vida que amará logo depois, mas que no momento é um sofrimento como deverá ser a morte depois que encontrarmos o outro lado do caminho.
Nós mantemos nossos aparelhos eletrônicos, carros e computadores em constante revisão para que funcionem adequadamente, mas não lembramos quase nunca de fazê-lo em nossa máquina perfeita e humana. Acima de tudo precisamos reinventar aquilo que se tornou inútil dentro de nós e procurar a felicidade aperfeiçoando nossas potencialidades intrínsecas e substituindo as desilusões e pesadelos por novos e encantadores sonhos e pela convicção que encontraremos no caminho um desempenho atual e vigoroso.
Não importam as ferramentas que usaremos, cada pessoa saberá aquela que mais ajudará a encontrar sua alma seja análise, terapia, reflexão, valorização do amor, trabalho, regressão, introspecção, imersão e principalmente conscientização de si mesmo, na mudança de seus conceitos, sensações ou procura.
Reconstrução é a busca incessante do renascer, brotando das cinzas e construindo um mundo interior cada vez mais solidificado e verdadeiro, em harmonia com o universo, cores, música e reestruturado, completo e muito mais apto a viver e doar, recebendo também os reflexos dessa luz renovada.
Reconstrução se dá no momento que abdicamos das incoerentes perspectivas, do egoísmo avassalador e partimos rumo ao sentido real da vida.
Sobre a autora:
Vânia Moreira Diniz é natural do Rio de Janeiro, RJ, porém, está radicada em Brasília, DF. Escritora, Humanista e Pesquisadora, fundou o Centro de Treinamento de Línguas em Brasília e dirigiu-o durante 10 anos. É formada em Letras, com pós graduação em Educação. Atua como palestrante nas áreas de educação, humanas e literária, tendo sido orientadora de várias teses e monografias. Mantém o Portal Vânia Diniz: http://www.vaniadiniz.pro.br. É presidenta da Academia de Letras do Brasil, Seccional DF.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 07, em 2008)
A MINHOQUINHA TRISTE (conto infantil)
Por Maria Moraes Miranda
Era uma vez uma minhoquinha muito triste que vivia sozinha em um terreno baldio. A única coisa boa que existia nesse lugar era uma árvore grande e verde, abrigo predileto dos passarinhos que vivem sempre alegres, cantando e festejando a Natureza.
Mas, a festança das avezinhas não alegrava a minhoquinha nem um pouco. Ela ficava mais triste ainda por não ser igual aos passarinhos, que podem voar alto e para bem longe; sabem cantar e se divertem brincando nos parques, bosques e prados.
Pobre minhoquinha! Às vezes, ela ficava tão triste que até queria morrer.
Em um lindo dia de sol brilhante, ouviu-se um barulho de pancadas no chão, por ali onde estava a pobrezinha. Ao som das pancadas, a terra tremia em volta dela. A minhoquinha ficou apavorada e teve tanto medo! Se fosse uma criança parecida com algumas crianças que eu conheço, teria aprontado uma gritaria mais ou menos nesses termos: "Meu Deus, a terra está tremendo! O que está acontecendo? Será que o mundo está acabando? Estou com medo, tenho medo de morrer! Eu não quero morrer! Socorro, Papai do Céu, socorro!"
E as pancadas continuavam abalando cada vez mais. Sabem o que estava acontecendo?
Era um rapaz forte e corado que estava cavando o chão. E cavou, cavou, até que se desprendeu do solo um pedação de terra que se espatifou todo. Foi terra pra lá e pra cá, e• nessa confusão surgiu a minhoquinha se contorcendo desesperada, querendo fugir. O moço cavador falou contente:
- Oba! Achei uma minhoca! É mais uma operária que vai trabalhar na minha empresa. - Esse rapaz era um entusiasmado criador de minhocas.
(As minhocas desempenham uma atividade muito especial na formação do húmus, adubo orgânico que, misturado à terra, torna-a fofinha e fértil. Elas ingerem terra porque se alimentam de matéria orgânica. Seu tubo digestivo funciona como um laboratório bioquímico. Dejetam húmus elaborado com perfeição - rico em alimento para as plantas).
O jovem da nossa estória comercializava esse adubo natural. Juntando o útil ao agradável, ganhava honestamente o seu dinheiro. Esse fato explicava o seu empenho numa criação esquisita e sua alegria quando aumentava o número de suas auxiliares.
Impedindo a fuga da minhoquinha, ele pegou uma porção de terra, envolvendo-a com todo cuidado para não machucá-la, pondo-a em um balde que fazia parte dos seus apetrechos de serviço. Logo após, soltou-a no meio de uma quantidade enorme de minhocas.
Quando a minhoquinha se achou entre aquele número incontável de companheiras, recuperou as forças. Sentindo VIDA NOVA, começou a se mexer e a se virar e revirar junto com as outras.
Chegou então um primo do rapaz. Esse não criava minhocas, mas tinha um emprego na cidade e gostava muito de ler bons livros. Chegou e logo foi fazendo suas considerações:
- As minhocas continuam trabalhando para você, hein, seu folgado! Caramba, como você é esperto!
- Não sou esperto nem folgado! - Foi a resposta com voz altiva. Sou um ecologista preocupado com o meio ambiente, com a saúde da terra e com o nosso bem-estar. Não é só para mim que essas minhocas trabalham. Fique sabendo que elas estão trabalhando para o bem da Natureza.
Um tanto embaraçado, o moço afirmou:
- Tudo bem, tudo bem, já entendi! Eu não sou burro! Depois continuou:
- Primo, eu sei que sou inteligente como você, mas gosto muito de pensar. Às vezes, fico pensando durante horas e horas ... Agora me ocorreu um pensamento que parece ter lógica. Estou até comovido! Essas minhocas, insignificantes e desprezíveis aos olhos de muita gente, que valioso serviço prestam à humanidade! Enquanto se mexem e se reviram, estão cooperando com o homem no preparo da terra, ajudando as plantas a crescerem bonitas. Plantas que produzem legumes, verduras e frutos, que fazem bem à saúde, que produzem flores variadas, belas e multicores, que alegram os nossos olhos e a nossa vida ...
Se essas minúsculas trabalhadoras da terra exercem uma função específica, auxiliando a Natureza, elas estão servindo ao Criador, o Grande Autor das Leis da Criação.
Nosso planeta está enfermo. A Natureza sofre e se desequilibra porque os homens desrespeitam suas leis, agredindo o meio ambiente.
Não sei se você pode me entender, mas não consigo separar a Natureza do Reino de Deus. Lembro-me de ter lido numa página do Novo Testamento, a seguinte afirmação de Jesus: "O Reino de Deus está dentro de vós!" Existe tanta coisa boa e formidável neste mundo que muitos sabichões ignoram. E eu me comovo pensando no quanto é grandioso o Reino de Deus! Mas, para dar certo, depende também de coisas pequeninas, como por exemplo, uma simples minhoquinha.
Se cada componente do Reino de Deus, por menorzinho que seja, estiver no seu devido lugar, cumprindo sua verdadeira função, TUDO DARÁ CERTO! .
O jovem apaixonado pelo seu empreendimento, que ouvia, boquiaberto, todas aquelas reflexões, exclamou:
- Você está certo, certíssimo! Puxa, primo, você é filósofo, um grande pensador! É isso aí, primo! E eu acho que se as minhocas tivessem entendimento como os seres humanos, teriam um belo motivo para viverem sempre alegres e felizes.
Pois é, amigos da Sabedoria e da Verdade, esses primos eram mesmo muito sabidos. Porém eles nunca ficaram sabendo de um segredo que só eu sei e vou contá-lo agora para quem quiser saber. Foi fazendo o seu importante serviço no maravilhoso Reino da Natureza que a minhoquinha ficou alegre. Minhoquinha triste, já era!
Sobre a autora:
Maria Moraes Miranda é natural de Araçoiaba da Serra, SP,(16.maio.1921) escritora, poetisa, foi regente do Coral da Primeira Igreja Presbiteriana de Taguatinga e está radicada em Brasília, DF, há 46 anos. Faleceu em Brasília, DF, em 27.maio.2010.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 07, em 2008)
Era uma vez uma minhoquinha muito triste que vivia sozinha em um terreno baldio. A única coisa boa que existia nesse lugar era uma árvore grande e verde, abrigo predileto dos passarinhos que vivem sempre alegres, cantando e festejando a Natureza.
Mas, a festança das avezinhas não alegrava a minhoquinha nem um pouco. Ela ficava mais triste ainda por não ser igual aos passarinhos, que podem voar alto e para bem longe; sabem cantar e se divertem brincando nos parques, bosques e prados.
Pobre minhoquinha! Às vezes, ela ficava tão triste que até queria morrer.
Em um lindo dia de sol brilhante, ouviu-se um barulho de pancadas no chão, por ali onde estava a pobrezinha. Ao som das pancadas, a terra tremia em volta dela. A minhoquinha ficou apavorada e teve tanto medo! Se fosse uma criança parecida com algumas crianças que eu conheço, teria aprontado uma gritaria mais ou menos nesses termos: "Meu Deus, a terra está tremendo! O que está acontecendo? Será que o mundo está acabando? Estou com medo, tenho medo de morrer! Eu não quero morrer! Socorro, Papai do Céu, socorro!"
E as pancadas continuavam abalando cada vez mais. Sabem o que estava acontecendo?
Era um rapaz forte e corado que estava cavando o chão. E cavou, cavou, até que se desprendeu do solo um pedação de terra que se espatifou todo. Foi terra pra lá e pra cá, e• nessa confusão surgiu a minhoquinha se contorcendo desesperada, querendo fugir. O moço cavador falou contente:
- Oba! Achei uma minhoca! É mais uma operária que vai trabalhar na minha empresa. - Esse rapaz era um entusiasmado criador de minhocas.
(As minhocas desempenham uma atividade muito especial na formação do húmus, adubo orgânico que, misturado à terra, torna-a fofinha e fértil. Elas ingerem terra porque se alimentam de matéria orgânica. Seu tubo digestivo funciona como um laboratório bioquímico. Dejetam húmus elaborado com perfeição - rico em alimento para as plantas).
O jovem da nossa estória comercializava esse adubo natural. Juntando o útil ao agradável, ganhava honestamente o seu dinheiro. Esse fato explicava o seu empenho numa criação esquisita e sua alegria quando aumentava o número de suas auxiliares.
Impedindo a fuga da minhoquinha, ele pegou uma porção de terra, envolvendo-a com todo cuidado para não machucá-la, pondo-a em um balde que fazia parte dos seus apetrechos de serviço. Logo após, soltou-a no meio de uma quantidade enorme de minhocas.
Quando a minhoquinha se achou entre aquele número incontável de companheiras, recuperou as forças. Sentindo VIDA NOVA, começou a se mexer e a se virar e revirar junto com as outras.
Chegou então um primo do rapaz. Esse não criava minhocas, mas tinha um emprego na cidade e gostava muito de ler bons livros. Chegou e logo foi fazendo suas considerações:
- As minhocas continuam trabalhando para você, hein, seu folgado! Caramba, como você é esperto!
- Não sou esperto nem folgado! - Foi a resposta com voz altiva. Sou um ecologista preocupado com o meio ambiente, com a saúde da terra e com o nosso bem-estar. Não é só para mim que essas minhocas trabalham. Fique sabendo que elas estão trabalhando para o bem da Natureza.
Um tanto embaraçado, o moço afirmou:
- Tudo bem, tudo bem, já entendi! Eu não sou burro! Depois continuou:
- Primo, eu sei que sou inteligente como você, mas gosto muito de pensar. Às vezes, fico pensando durante horas e horas ... Agora me ocorreu um pensamento que parece ter lógica. Estou até comovido! Essas minhocas, insignificantes e desprezíveis aos olhos de muita gente, que valioso serviço prestam à humanidade! Enquanto se mexem e se reviram, estão cooperando com o homem no preparo da terra, ajudando as plantas a crescerem bonitas. Plantas que produzem legumes, verduras e frutos, que fazem bem à saúde, que produzem flores variadas, belas e multicores, que alegram os nossos olhos e a nossa vida ...
Se essas minúsculas trabalhadoras da terra exercem uma função específica, auxiliando a Natureza, elas estão servindo ao Criador, o Grande Autor das Leis da Criação.
Nosso planeta está enfermo. A Natureza sofre e se desequilibra porque os homens desrespeitam suas leis, agredindo o meio ambiente.
Não sei se você pode me entender, mas não consigo separar a Natureza do Reino de Deus. Lembro-me de ter lido numa página do Novo Testamento, a seguinte afirmação de Jesus: "O Reino de Deus está dentro de vós!" Existe tanta coisa boa e formidável neste mundo que muitos sabichões ignoram. E eu me comovo pensando no quanto é grandioso o Reino de Deus! Mas, para dar certo, depende também de coisas pequeninas, como por exemplo, uma simples minhoquinha.
Se cada componente do Reino de Deus, por menorzinho que seja, estiver no seu devido lugar, cumprindo sua verdadeira função, TUDO DARÁ CERTO! .
O jovem apaixonado pelo seu empreendimento, que ouvia, boquiaberto, todas aquelas reflexões, exclamou:
- Você está certo, certíssimo! Puxa, primo, você é filósofo, um grande pensador! É isso aí, primo! E eu acho que se as minhocas tivessem entendimento como os seres humanos, teriam um belo motivo para viverem sempre alegres e felizes.
Pois é, amigos da Sabedoria e da Verdade, esses primos eram mesmo muito sabidos. Porém eles nunca ficaram sabendo de um segredo que só eu sei e vou contá-lo agora para quem quiser saber. Foi fazendo o seu importante serviço no maravilhoso Reino da Natureza que a minhoquinha ficou alegre. Minhoquinha triste, já era!
Sobre a autora:
Maria Moraes Miranda é natural de Araçoiaba da Serra, SP,(16.maio.1921) escritora, poetisa, foi regente do Coral da Primeira Igreja Presbiteriana de Taguatinga e está radicada em Brasília, DF, há 46 anos. Faleceu em Brasília, DF, em 27.maio.2010.
(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 07, em 2008)
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