quinta-feira, 1 de abril de 2021

ISOLAMENTO SOCIAL (audioconto)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

O DOUTOR (miniconto)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Morava na cobertura com piscina e estava com o saldo devedor além das suas possibilidades.

A taxa de condomínio estava atrasada e a taxa extra, em execução judicial.

Tinha carro do ano, financiado em 60 meses.

Tinha celular de última geração, financiado em 24 meses.

Tinha cachorro de raça cheio de pulgas e com problemas de desnutrição.

Nas reuniões do condomínio, fazia exigências e botava banca, ameaçando entrar na justiça contra quem falasse qualquer coisa dele ou de suas contas atrasadas.

Não respeitava a faixa de pedestres e ainda xingava quem fazia sinal para parar.

Gostava de azucrinar a vizinhança fazendo barulho nas altas horas da madrugada.

Para mostrar a sua virilidade, pagava para as garotas de programa gritarem e gemerem como se ele estivesse arrasando na cama e lhes proporcionando prazer.

Exigia que os empregados humildes o tratassem por “doutor”.


O EMPRÉSTIMO (miniconto)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)


Ele ocupava um cargo de alta direção, mas vivia atolado em dívidas.

Quem o via, dizia que ele estava bem. Mas ele aparentava mais do que realmente tinha.

Dirigiu-se a um amigo e pediu:

- Me empresta R$ 20 mil?

- Posso te emprestar, porém, não por muito tempo!

- Eu te pago logo, pois ainda tenho alguns papagaios para pagar no banco.

E o amigo emprestou.

Passaram-se dias, meses...

- Pedro, e aquele dinheiro que te emprestei? Quando me irás pagá-lo?

- Estás me chamando de caloteiro? Não falo mais contigo. Não sou mais teu amigo.

 

Não falou mais, nem pagou o empréstimo.

OPRESSÃO, A DURA REALIDADE... (miniconto)

Por Paccelli José  Maracci Zahler (Brasília, DF)

 

-Mãos na cabeça e documentos!

 

- Sou um trabalhador registrado! Vejam meus documentos!

 

- Cala a boca, vagabundo! Mãos na parede!

 

- Ok, pode liberar!

 

- Sim, sargento!

 

A honra e a dignidade de um humilde cidadão assalariado jogadas na lata do lixo.

A ORIGEM DO CHIBO (Adaptado)

 

A ORIGEM DO CHIBO (Adaptado)

(De Vagner Garcia “Seu Negro”)

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

O "Tio Negro", como é chamado pela “parentalha inteira” é um índio por demais conhecido nos arredores de Bagé, onde tem uma "chacrita", ali perto do cemitério dos Azevedos, e vive, até hoje, puchando teto de umas vaquinhas e vendendo leite na cidade.

Pois, ora vejam “que certa feita” eu estava mateando com esse vivente, à sombra de um guabijuzeiro, ao lado da vivenda da chácara, quando começou a me assuntar dos sacrifícios que na vida já havia passado.

Segundo o próprio há algum tempo fora dono de um pedaço de campo, de tamanho bem regular, ali no Passo do Tigre, que na verdade é um dos galhos do rio Jaguarão e nesse campinho criava uma média de cinqüenta a sessenta cabeças de gado.

Acontece que o campo era praticamente improdutivo, pois as enchentes, de quando em vez, levavam uma safra inteira água abaixo, e na região ainda havia muita paca, cutia, capincho lebre e veados tudo bichos "flor de roceiro" que chegavam a andar aos bandos lambendo tudo o que o vivente plantasse, e se não bastasse o campo era virado em pajonal que fazia com que o gado vivesse bordado de carrapatos, e para piorar a sorte tinha cada sumidouro que, de quando em vez, achava alguma vaca só com as aspas para fora dos atoleiros.

Resolveu, então, vender o gado e povoar o campo com umas borregas bueníssimas, todas na casa de um ano, no máximo ano e meio. Rebanho de encher os olhos, e como ovelha não é pra mato, e tampouco anda em banhados, estavam livres dos carrapatos e dos atoleiros.

Dividiu o rebanho em vários potreiros, cada lote de quinze ou vinte com um dos carneiro contrabandeado do Uruguai, bichos de raça apurada que, certamente, se traduziriam em uma bela safra de cordeiros para esquilar no ano seguinte.

Bueno, passou um ano e a safra de cordeiro não foi além de meia dúzia, e no ano seguinte a coisa não melhorou muito.

Imaginou ter feito um mau negócio em contrabandear os carneiros. Tinham boa raça, mas provavelmente fossem animais de baixa fertilidade por alguma razão desconhecida, e por isso trocou a carneirada por borregos de procedência conhecida, só que a produção foi ainda menor.

 Desiludido capou os carneiros e começou a carnear as ovelhas, em uma média de duas ou três por semana e foi vendendo a carne na cidade, mas à medida que o rebanho foi diminuindo começaram a aparecer ovelhas prenhas, e para não pecar por exagero, digo que das ultimas trinta, não falhou nenhuma.

Era estranho, mas imaginou ter deixado algum carneiro mal capado, pois na vizinhança ninguém criava ovelha. Assim mais por curiosidade do que por ambição, nos cordeiros, o resto das ovelhas se livraram da faca.

Lhes conto, e acredite se quiser, nasceu uma bela cordeirada mas não tinham lã, e sim uma certa pelagem, algumas baias, outras brancas e lhes digo o pelo chegava a luzir quando no Sol.

Só, então, se descobriu que as ovelhas entravam no cio, mas não emprenhavam porque os carneiros e os veados ficavam peleando pelo domínio do rebanho, mas uma vez castrados, os carneiros perderam o interesse pelas ovelhas e os veados assumiram definitivamente o domínio.

O problema é que nunca se viu uma cordeirada mais arisca e roceira, não tinha cerca que segurasse, nem lavoura que durasse e como gostavam de um lajeado aqueles bichos.

Hoje, já acostumado com a idéia, e aproveitando todo o tempo que teve para pensar no assunto, chegou a conclusão que...

“Dessa cruza vem a origem do cabrito”.

 É como diz o Tio Negro, “morro de véio e não aprendo tudo o que o mundo tem p´ra ensinar”.

 

 

 

CARNEIRO GUACHO

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

O Bonifácio Lopes era um índio campeiraço, que vivia changueando, naquelas campanhas lá de Santaninha da Boa Vista, na época distrito de Caçapava do Sul.

Dizia ser meu parente, por eu ter, embora não assine, o sangue dos Lopes correndo nas veias, parentesco esse até possível, pois o cuera era do tipo “guri abandonado” e não sabia quem fora a mãe, muito menos o pai, que o tinha botado no mundo. E se tinha nome e sobrenome, era porque um estancieiro apiedado lhes recolhera ainda guri, batizara e lhes dera vida de gente.

Era peão pra todo o serviço, campeiro como poucos, desses acostumados a pealar lebre a campo fora. “Dizem até” que certa feita laçou um avião em pleno vôo e quase se “estrepou”, o que não sei se é verdade, mas sei que era carpeteiro e assanhado por um baile, apesar de não ser de muita sorte no namoro decerto por ser além de pobre, mais grosso que canto de galo novo.

Mas, existem dias que até o diabo amanhece à soga e a sorte vira pelo avesso. Foi num desses dias que, num fandangaço lá na casa do Lovegildo Brião, a chininha Edmunda, bonita de cara “e de todo o resto”, na verdade, a mais linda das filhas da viúva Ambrósia, embora cobiçada pela rapaziada toda, foi se derreter de amor, justamente, pelo Bonifácio, apesar de feio, grosso e desengonçado.

A moça era, realmente, cheia de predicados, a mãe apesar de solita, tinha pelas filhas o maior desvelo, e dentro da pobreza que a viuvez lhe permitia, as criara a altura de qualquer filho de patrão, tal era a conduta das moças.

“E a beleza incrusive”, dizia o Bonifácio.

Fim de baile, despedidas tristes, com uma esperança baguala corcoveando por dentro do peito, se foi o Bonifácio de volta pro rancho, assobiando uma “coplita”, que até me pareceu entender... “Vou m’imbora, prenda minha”...

Bueno, passou uma semana e o índio andava que nem cusco à soga, num desespero de saudade, não via a hora de pegar o rumo de Santaninha, onde dona Ambrósia tinha um ranchinho de barro e santa-fé, erguido pela própria e as filhas com todo o sacrifício a custa de lavados, alguma costura e a ajuda de pessoas de bom coração que por lá nunca faltaram.

Acontece que da estância até Santaninha, se estendiam seis ou sete léguas de chão e o coitado era mal a cavalo que dava pena, pois tinha um tordilho velho melado, que só a mango espora e, ainda, puxado a cabresto pra mexer os quartos de tão ruim que era, num matungo assim, ia levar uma semana pra chegar à casa da moça, de sorte que emprestei um baio ruano, ainda, de rédea, mas cavalo com um estado de causar inveja.

Madrugada “muy” grande foi pegar o Bonifácio já com algumas léguas no rasto de modo que bem antes do meio dia, estava desencilhando em frente ao rancho da viúva.

Deu uma ração bem caprichada pro ruano, passou uma água nas fuças, numa gamela que havia ao lado de um quartinho erguido nos fundos do galpão, para as visitas mais cerimoniosas e se chegou pro rancho pra tomar uns mates, comer uma bóia bem caprichada, um prato de mogango com leite, pra só então “empeçar” o bendito namoro, que se estendeu pela tarde e adentrou a noite. até que em razão do adiantado das horas a Dona Ambrósia educadamente, temendo os falatórios, pediu ao moço que se recolhesse aos aposentos a ele arrumados, era o dito quartinho, lá nos fundos do galpão, onde um catre “até com cheiro de Cashemere” lhe esperava.

Mais contrariado do que boi da verga, sentou no catre, tirou as botas e as bombachas decidido a dormir pra mode de dar uma aligeirada na noite.

Mas, deixa estar que quando se esticou de todo o tamanho no catre, sentiu umas reviravoltas nas tripas e com medo de algum acidente que pudesse acontecer durante o sono, resolveu visitar as moitas.

Era noite de lua ausente, de modo que saiu do jeito que estava, só de ceroulas, dessas feitas de saco tingido, com as tintas trazidas pelos mascates. A ceroula tinha sido preta um dia, mas já estava parda, onde até se podia ler, na região sul do índio, “moinhos rio-grandense”, e tem mais, o buraco menor era, sem duvidas, o de enfiar a perna.

Pegou o rumo de um chircal, que havia nos fundos do rancho, mas ao cruzar na porta da cozinha, escutou a conversa das gurias, e viu que vazava luz por algumas frestas que havia nas tábuas da porta.

Não resistiu e resolveu dar uma "frestiada" no que as gurias faziam.

Escolheu como observatório, a fresta maior que havia na porta, mais ou menos a altura de um cabo de pá até o chão, e a cena que viu fez o Bonifácio morder os beiços, pois estava uma das moças a cavalo em uma gamela de corticeira, no maior descuido, dando um capricho naquelas partes, que por haver crianças na volta não vou dizer, mas os maiores entendem bem o fundamento da coisa. Ou a falta, de fundamento da atitude do rapaz.

O retrato não podia ser mais bonito, e o pobre Bonifácio já estava numa tremura quando, chegou a vez da sua flor ocupar o trono daquela gamela, de modo que nessa hora quase enfiou o olho pelo buraco.

A moça arregaçou o vestido até acima da cintura, já sem nada por baixo, enquanto o peão já quase no limite da loucura, tentava achar um ponto de visão que fugisse de qualquer sombra do lampião, e com isso acabou ficando com o próprio recavém arrebitado para cima.

Foi nesse exato momento, que um carneiro criado guacho, enxergou o Bonifácio e recuando quatro ou cinco passos para ganhar impulso atropelou metendo uma marrada na região "sul" do coitado, enfiando com porta, tramela e tudo para dentro, fazendo afocinhar na gamela, e com a melena roçando o entre - pernas da moça.

Não sei se de susto, mas a moça só atinou a dizer, que tinha água num jarro no bidê do quartinho, imaginando decerto que o namorado estivesse com sede, até porque com o susto, ainda, não atinara que o pobre estava só de ceroula.

Bueno, para encurtar o causo, o meu baio amanheceu na mangueira banhado em suor, o que prova que o galope foi puxado, e o Bonifácio, mal se despediu, e desde então, não mais foi visto. Há quem diga que anda se justando em estâncias no Uruguai e na Argentina, enquanto que a moça mais cobiçada daquele rincão nunca mais namorou ninguém.

Tudo por causa de um carneiro guacho e, ainda, dizem que ovelha é um bicho abençoado. Pode isso?

A TRILOGIA DO AMOR, DA PAIXÃO E DO DESEJO

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

NÃO POSSO FUGIR

 

Não posso fugir da verdade...

Crueldade! Amo sem vaidade.

Meu corpo intacto, padece….

Vejo-lhe distante, sinto saudade.

Nesse meu querer adormeço!

Sinto-me serva desse desejo.

Guardo n’alma infindo segredo,

Tocar-lhe e no oculto buscar.

Madrugada afora não lhe vejo.

Resignei! Finjo ser rude, forte,

De sua boca palavras sem nexo!

No meu coração tanto sentimento,

Indelével! Como não querer, almejar,

Amo-lhe, em todo momento…!

 

 

MEU ANJO

Um anjo de luz me abraçou!

Aceitei, pois estava ferida.

Sem permissão me beijou,

Sua essência transbordou.

Naquele dia conheci o amor

Minha dor se calou, o senti.

Minha alma se alegrou,

Despiu-me sem permissão.

Hoje, sinto sua presença

Chega sem que eu perceba,

Em minha poesia, ou crença.

Meu anjo, onde moras!?

Coração incauto implora,

Traz-me magia na poesia…!

 

 

REFÉM

 

Fez-me refém de tua loucura,

Grito contido, desejo omitido.

Preciso possuir teu corpo.

                                                            Insanidade!         

***

És a primícias que ofereço aos deuses,

Mistério que toma meu corpo,

Invadi meus desejos libidinosos,

Transbordando de vasta saudade.

Mas não lhe sinto,

Se esconde em versos profanos,

 Heresia, me faz teu atroz pecado!

***

Imploro!

 Deixe-me sentir teu corpo sobre o meu.

 Diga-me se é loucura, fantasia!?

 Não me torture.

Afasta-se do nada, deseja-me intensamente,

E ignora-me. Juro!

 Não consigo desvendar tuas inúmeras faces,

 Nem ao menos lhe esquecer.

***

Complexidade que alimenta,

Paixão que aos poucos machuca,

Minha cura, sem juras...!

    Desatino ou destino!?


 Contato: bragalimafabiane@gmail.com

 

LONGOS BEIJOS

Por Vivaldo Terres (Itajaí, SC)

 

Como podes ser tão deslumbrante e bela.

 

Com tanto fascínio que a todos encanta.

 

Queria eu ter o privilégio

 

De te beijar a boca.

 

***

 

Se assim fosse...

 

Um dos meus sonhos seria realizado!

 

Pois um beijo como o teu...

 

Jamais foi me dado.

 

***

 

Quem sabe um dia possa acontecer,

 

De algo maravilhoso a nos envolver.

 

Então terei a certeza

 

Que esse dia chegara,

 

E longos beijos iremos trocar.

 

 

DO REMINISCENTE BILHETE PARA LAURA

 

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

O tempo apagou

As nossas memórias

Benquistas

***

O tempo curou

As nossas doridas feridas

Mais que profundas

Benfazeja amiga

***

O tempo passou e encaneceu

Os nossos sibilinos cabelos

Estimada

***

Mas outono chegou por fim

Nas nossas vidas cotidianas

E revelou o quão leve

São as nossas

Doces lembranças reminiscentes

E o quão pesadas

São as nossas amarguras

***

O tempo apagou

Todas as nossas memórias

Juvenis



 

MULHER PRETA, SIM!

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


Muitas vezes parece que a gente está militando o tempo todo, mas na verdade o que a gente está buscando é apenas respeito.  Ao me ver não cabe mais em pleno século XXI a pessoa de pele escura ser chamada de mulata. Mesmo que um costume cultural e que muitos não vejam isso como ofensivo, as pessoas deveriam ter a consciência de que nem todas as mulheres negras gostam de serem chamadas assim, mesmo que para muitos seja apenas um elogio. 

Eu recebi e continuo recebendo esse elogio. E sinto que as pessoasquerem que eu me convença de que não sou mulher preta. Eles olham a pele clara que tenho com estranheza. Há aquele certo questionamento com relação à isso. Se não sou branca, não sou preta, o que eu sou? 

No entanto, eu sei a resposta, não vou negar as minhas origens por conta das pessoas. Sou mulher preta sim, mulher de pele clara. 

Acho que as pessoas deveriam procurar saber mais antes de falarem qualquer coisa. Quantos documentários, jornais, filmes e programas abordaram esse tema! Mulata ou mulato não é elogio. Mesmo que a pessoa não tenha falado em tom de maldade, é ofensivo do mesmo jeito. Eu estou cansada de todo mundo me chamarem assim. É como se dissessem para mim o tempo todo que eu não sou mulher preta. 

Sobre a autora: Clarisse da Costa poetisa e militante do movimento negro em Biguaçu, SC, contato: clarissedacosta81@gmail.com