Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
NOVOS TEMPOS
Por Paccelli José Maracci
Zahler
Se eu não telefonar
E fingir não lembrar,
Não é pra estranhar:
- O telefone subiu!
Se não te convidar
Pra sair e jantar,
Não é pra estranhar:
- O cardápio subiu!
Se eu não postar
Uma carta e gritar,
Não é pra estranhar:
- O selo subiu!
Se eu não te olhar
E tergiversar,
Não é pra estranhar:
- O salário sumiu!
Se tudo mudar
E eu comemorar,
Não é pra estranhar:
- O Presidente caiu!
METRÓPOLE DO CERRADO
Por Gustavo Dourado (ATL, Taguatinga, DF)
Brasília aos 56 vai além do Plano:
Taguatinga lhe refestela pela veia
Dói do Sol Nascente ao Pôr do Sol
A verve sertânica nordestina na teia
O Gama floresce a voz de Santa Maria
Itapoã fora dos Eixos,Cidade Estrutural
Sobradinho,Varjão,Paranoá,Riacho Fundo
Águas Claras, Recanto, Planaltina, Fercal
Ceilândia carrega no suor da argamassa
O sangue do candango que fez história
Brazlândia,Guará,V Pires,São Sebastião
Candanga - Bandeirante em sua trajetória
Samambaia ruge fogo a longas distâncias
Valparaíso e Santo Antônio do Descoberto
Aguas Lindas, Luziânia,Pedregal Céu Azul
O Entorno a cada dia fica muito mais perto...
ALÉM DO GEN
Por Gustavo Dourado (ATL, Taguatinga, DF)
O tempo em defasagem
Na pilotagem do espaço
Tudo e nada em simphonia
Buracos negros na imagem
Na compostagem do solo
Geme o gen ante a visagem
O mouse rói a mensagem
Felídios no subsolo
Na decupagem de éolo
Resmungo zen de Apolo
Palavra gen vem no colo
No dorso da parola gen
DESCRENÇA
Poe Ridamar Batista (ALB, Anápolis, GO)
Se brilha o sol num solitário
ardor
a alma vivente em turba
desvairada
ofusca a claridade que nasce
nas entranhas
independente de luz ou sol ou
céu
caminha a humanidade sem
freios
rumo ao caminho das
encruzilhadas
e afasta cada vez mais do
ponto certo
onde a partida foi elaborada e
coesa
e foge a luta e range dentes e
sofre
e olha para o céu e clama pela
luz
que brilha inadvertidamente
sempre
e solitária esquenta a
multidão sofrida
que não consegue ver o quanto
de sol
e luz e vida e alegria renasce
a cada dia
independente de crença, fé ou
doença
vai rompendo a estrada
costumeira
queira ou não queira o homem
este eterno descrente.
ESPIRAL
Por Maria Félix Fontele (ALB,
Brasília, DF)
Sigo a caminhar entre pedras e
plumas
A contornar muros, cais e
solidão
Em busca de mim, a vasculhar
oceanos
Onde me encontrar nessa
imensidão?
Sigo a velar pelos mortos e
pelos vivos
A tirar dos silêncios o mais
puro sim
Sigo, apenas sigo numa espiral
sem fim
Pois minha alma não cabe
somente em mim!
EM SILÊNCIO
Por Maria Félix Fontele
Hoje dialoguei com as flores
Em silêncio, contemplamos o
vazio
Todo preenchido de luz divina
A nos guiar por esse mundo
sombrio!
Hoje não falarei de dores e de
humores
Nem do tempo e das certezas da
vida
Ficarei leve e muda, a imitar
as flores
Que tanto ouvem os sons do
infinito!
AMANTES
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú SC)
Sobre a morte dos amantes
conto a história iniciada
em encontros ocasionais
de pessoas próximas
em cidades pequenas
encontros em cumprimentos
nas artimanhas de encontros
transformados em contatos
de corpos encantados
amantes vislumbram instantes
de saciedade no oculto olhar
sobre a rua de barulhos repetidos
em medos intercalados ao gozo
destituído de lógica e racionalidade.
LOVERS
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois,
English version)
About the lovers’ death
I tell a story that
begun
In occasional meetings
of close people
in small towns
meetings and greetings
in meetings wiles
turned into liaison
of enchanted bodies
lovers catch a glimpse
of repleition
instants of the inner
look
on the repeated noisy
street
with intercalary fears
and pleasure
dismissed of logic and
rationality.
NADA
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
O início
da temporada
encerra
a expectativa
de que o ciclo
se
renove
na
permanência
da temporada
que conhecemos
nova.
A novidade nos desconforta
em haveres desconhecidos
até
termos certeza
de que o início
continua o nada.
NOTHING
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois,
English version)
The beginning
of the season
ends
the expectation
that the cycle
is renewed
from the season
which we met
new.
The novelty causes us
discomfort
in unknowns assets
until
we are sure
that the beginning
carries on the
nothingness.
ABARCAR
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Abarco o
todo
em
naufrágios
menores de
riachos
veios d'água
inundam imagens
(submersas)
- falamos sobre camisas, calças e roupas
de baixo: que
sustentam camisas
e calças -
a revista
imagem
sobre a pedra polida
em acolhidos abraços.
TO COVER
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois,
English version)
I cover the whole
in shipwrecks
smaller than streams
water veins
flood images
(submerged)
- we talked about
shirts, trousers and
underwear: which support shirts
and pants -
the inspected image
on the polished stone
in welcomed arms.
FINAIS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Parasse
de escrever
agora
parasse
de pensar
agora
parasse
agora.
FINALES
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois,
English version)
If I stopped
writing
now
stopped
thinking
now
stopped
now.
REGÊNCIA DO ASTRO REI
Por Maria
Loussa (Posse, GO)
É um
momento lindo
de
contemplação
o pôr
do sol
que
enche os nossos olhos,
a
nossa alma também,
trazendo-nos
à reflexão
sobre
a grandeza divina,
o dia
vivido
e tudo
que nos foi permitido.
Logo
vem o anoitecer
toda a
criação se recolhe
prepara
para o descanso,
meditar
e agradecer pelo filme
projetado
durante o dia,
que
proporcionou grande prazer.
Após a
noite tranquila,
tudo
vai recomeçar
e o
sol de novo vai brilhar
reger
o dia para nossa alegria
trazendo beleza,
enriquecendo
a natureza.
O FLORESCER DA PRIMAVERA
Por Maria Loussa (Posse, GO)
Um
mundo multicolorido
desperta
o coração adormecido,
é a
primavera que chega
floresce
nosso viver.
Traz
boas novas de alegria,
novas
canções invade os corações.
Novas
sementes vão germinar
para
abrandar o furor
esquecer o desamor.
Lindos
buquês se abrem
em
linda flor unindo todos
nos
fazendo enxergar
como
andar, tratar nosso irmão
e a
importância de nossa união.
Quanta
beleza
os
campos e árvores floridas,
o ar
perfumado,
a vida
cheia de amores,
o mundo salpicado de cores
sorriso,
esperança, quimera
que
bom seria sempre primavera!
ELLIZABETH BISHOP E O BRASIL: O ACONCHEGO E A MELANCOLIA
Por
Adalberto Queiroz (Goiânia, GO)
A norte-americana
Elizabeth Bishop nasceu em Worcester, Massachusetts, em 8 de fevereiro de 1911,
e morreu 68 anos depois (em Boston (EUA). Em 1951, depois de ter chegado de
navio, ao porto de Santos, Elizabeth encantou-se pelo país, sobretudo pelas
montanhas de Petrópolis e lá permaneceu por longos quinze anos. Durante esse
período, escreveu numerosos registros e poemas, nutriu uma relação afetiva com
a paisagista Lota (Maria Carlota Costellat Macedo Soares) – que a manteve ligada ao Brasil,
onde a poeta teve o aconchego que lhe proporcionou “os mais felizes dias de sua vida”.
Se estiver certo o
pensador francês Gaston Bachelard quando cita Pierre Jean-Jouvet: “poesia é uma alma inaugurando uma forma”
– tarefa que daria ao poeta “enorme poder e dignidade humana”,
eis-nos diante da oportunidade única de redescobrir, de desvelar a alma de uma
poeta de alta qualidade que se expressou com grande “intuição criativa”.
“Quis o destino que Elizabeth Bishop comesse
um caju assim que chegou ao Brasil em 1951...” – diz Felipe Fortuna em “A
próxima Leitura” – para concluir que, a poetisa, mesmo confusa em muitos
momentos na relação com o país, teria admitido ter aqui vivido “os anos mais felizes de [minha] vida” e
como poeta ter provado mais que um fruto proibido: “provou que é possível escrever grande poesia mesmo quando se encontram
problemas de informação e apreciações confusas sobre outras culturas”.
A conclusão de Felipe Fortuna vem da apreciação escrita que do país fez
Elizabeth Bishop – num texto composto pela poetisa “e editado por mãos severas da redação de um grupo de jornalistas da
revista Life”. Mesmo que o
livro, hoje fora de circulação e desatualizado, contenha outras informações que
não advindas da pena de Bishop, na essência ao ser cotejado com as cartas aos
amigos norte-americanos, prova que as idiossincrasias, incluindo um certo
mau-humor com alguns aspectos da vida nacional, sua sobre a visão da poeta
estrangeira a respeito do país está eivada de problemas de apreciações confusas
e às vezes geocêntricas.
Há muitos momentos
de mal-entendidos e subentendidos em sua avaliação sobre o país e, segundo ela
própria, em matéria de poesia esse ingrediente faltava no Brasil. É o que
Elizabeth Bishop constata em cartas, diários e na introdução à Antologia da
poesia brasileira do século XX, que editou com Manuel Brasil (1972). Se
constata que há muitos poetas e muito apreço pela poesia no Brasil, termina por
ridicularizar o próprio Bandeira (a quem dedica o livro) bem como o “tratamento
respeitoso que os poetas tinham no Brasil”, segundo Fortuna como “algo de
ridículo e ultrapassado”.
- “Apesar de tudo isso, vale a pena ler e escrever sobre
Elizabeth Bishop e sua poesia nos dias de hoje?” Sim. É minha resposta
entusiasmada, porque tendo passado alguns dias em férias nos EUA, tendo a
poesia de Bishop como minha segunda companheira, eu afianço ao leitor que ela
merece ser lida e relida, entendida e, por que não, amada.
O problema que se coloca desde o início é o mesmo diante do
qual sofre o biógrafo: a perspectiva. “Um dos maiores problemas para quem
escreve a biografia de um poeta é a questão da perspectiva, do ângulo, ou
ângulos, que o biógrafo toma para tentar alcançar a essência deste poeta” –
adverte-nos Paul Mariani, biógrafo de vários poetas norte-americanos (Lowell,
William Carlos Williams, Hart Crane e John Barryman, além do excelente “God and the Imagination”, livro sobre
“poetas, poesia e o inefável”).
Se em uma biografia o foco é um problema a resolver, em um
artigo chega a ser uma barreira quase insuperável. A menos que se projete uma
série de artigos, este seria uma espécie de “arrancar o véu” à poesia
de Elizabeth Bishop.
- Há um filme sobre a vida dela, responde-me de pronto uma leitora-amiga.
Desinteressado (e distante das salas) de cinema, desejo
outra forma de expressão, o ensaio, uma pequena contribuição crítica – cada vez
mais ausente de nossos jornais; e assim, espero propor um diálogo intercultural
e não um ensaio de comportamento e relações. Eis, pois, um bom porquê.
Não há como deixar de escrever sobre Elizabeth Bishop, nem
que fosse por gratidão à poeta que aqui viveu por quinze longos anos,
estabeleceu vínculos emocionais com o Brasil e os brasileiros, registrou seu
encantamento, suas diferenças culturais e suas surpresas com as mais diversas
facetas do ser brasileiro e da geografia – que é um dos temas animadores de sua
poesia, mesmo que tenha cometido tantas confusões e subapreciado um sem-número
de detalhes, talvez até porque tenha decidido ser sempre estrangeira, por
exemplo, não aprendendo a falar a língua do país adotado.
O Mapa – Elizabeth Bishop, trad. Paulo Henriques Britto.
Terra entre águas, sombreada de
verde.
Sombras, talvez rasos, lhe
traçam o contorno,
uma linha de recifes, algas
como adorno,
riscando o azul singelo com seu
verde.
Ou a terra avança sobre o mar e
o levanta
e abarca, sem bulir suas águas
lentas?
Ao longo das praias pardacentas
será que a terra puxa o mar e o
levanta?
A sombra da Terra Nova jaz
imóvel.
O Labrador é amarelo, onde o
esquimó sonhador
o untou de óleo. Afagamos essas
belas baías,
em vitrines, como se fossem
florir, ou como se
para servir de aquário a peixes
invisíveis.
Os nomes dos portos se espraiam
pelo mar,
os nomes das cidades sobem as
serras vizinhas
— aqui o impressor experimentou
um sentimento semelhante
ao da emoção ultrapassando
demais a sua causa.
As penínsulas pegam a água
entre polegar e indicador
como mulheres apalpando pano
antes de comprar.
As águas mapeadas são mais
tranquilas que a terra,
e lhe emprestam sua forma
ondulada:
a lebre da Noruega corre para o
sul, afobada,
perfis investigam o mar, onde
há terra.
É compulsório, ou os países
escolhem as suas cores?
— As mais condizentes com a
nação ou as águas nacionais.
Topografia é imparcial; norte e
oeste são iguais.
Mais sutis que as do historiador são do cartógrafo as cores.
Poema original - The Map (E.Bishop)
Land lies in water; it is shadowed green.
Shadows, or are they shallows, at its edges
showing the line of long sea-weeded ledges
where weeds hang to the simple blue from green.
Or does the land lean down to lift the sea from under,
drawing it unperturbed around itself ?
Along the fine tan sandy shelf
is the land tugging at the sea from under?
The shadow of Newfoundland lies flat and still.
Labrador’s yellow, where the moony Eskimo
has oiled it. We can stroke these lovely bays,
under a glass as if they were expected to blossom,
or as if to provide a clean cage for invisible fish.
The names of seashore towns run out to sea,
the names of cities cross the neighboring mountains
— the printer here experiencing the same excitement
as when emotion too far exceeds its cause.
These peninsulas take the water between thumb and
finger
like women feeling for the smoothness of yard-goods.
Mapped waters are more quiet than the land is,
lending the land their waves’ own confirmation:
and Norway’s hare runs south in agitation,
profiles investigate the sea, where land is.
Are they assigned, or can the countries pick their
colors?
— What suits the character or the native waters best.
Topography displays no favorites; North’s as near as
West.
More delicate than
the historians’ are the map-makers’ colors.
Quando chegou ao Brasil, Elizabeth Bishop procurava por
algo mágico, espiritual, uma visão, uma nova geografia, mas a turista
inadvertida encontra numa fruta (caju) o atrativo traiçoeiro, que capaz de
transformar a turista em portadora de visto permanente, por quinze anos, também
a fez entender os dissabores de provar a fruta tropical. Elizabeth teve uma alergia
e precisou de socorro médico, daí em diante, mais do que advertir os futuros
turistas sobre o que podiam esperar do Brasil, Bishop conviveu com uma elite
pensante, traduziu poemas, viveu uma paixão por outra mulher e atraiu outros
escritores (como Robert Lowell) para conhecer o país e a nossa literatura.
A “estrangeira” Bishop pagaria o preço da dificuldade de compreensão e como tal
é “estranha” ao “dimensionamento das pequenas coisas do cotidiano” (Fortuna),
seja no plano das relações sociais, seja no plano do funcionamento tropical e
das características étnicas – digo com base em Felipe Fortuna que acentua não
haver “em Elizabeth Bishop qualquer
impulso de integração ou de imersão na cultura e sociedades locais”.
Esse distanciamento (a)crítico da poeta se confirma na
observação de Paulo Henriques Britto sobre as relações de Bishop e o Brasil: “o que realmente a fascinava no Brasil era a
natureza; os costumes da gente simples despertavam nela uma curiosidade
distanciada; e a high culture brasileira pouco a interessava, com exceção de um
número muito reduzido de escritores” – que frequentavam a casa de Lota e da
poeta seja no Rio ou na Casa Mariana (hoje casa-museu em Ouro Preto).
Embora pouco traduzida no Brasil, Bishop é lida por “dois entre mil*” – os poucos leitores de
poesia abaixo do Equador (ou os leitores em língua portuguesa) nos originais que
são facilmente encontrados em sebos e em livrarias online. Se divulgada
massivamente e tendo sua poesia disponível para um grande público como se fez
agora com sua vida em “Flores Raras”, Elizabeth poderia ser vista como a
poetisa do detalhe, a artesã que era capaz de deixar em suspenso por anos a fio
um poema, à espera do que lhe parecia o tom perfeito (One Art teria consumido
25 anos da escritora); corrigia detalhes em poemas publicados – de uma edição a
outra – “era essencial para Elizabeth Bishop que as palavras numa frase poética
fossem precisas e exatas”, afirma o ficcionista Colm Tóibín em “On Elizabeth”
(2014). “No Detail too Small” – título
retirado de um verso do poema Sandpiper (O maçarico).
Em uma carta ao amigo, o poeta Robert Lowell, Bishop defendia essa disciplina
quase maternal (no entanto de comandante naval) com as palavras: “Já que estamos navegando em um mar
desconhecido [fazer Poesia], é aconselhável analisar cuidadosamente tudo que
flutua em nossa direção; quem saberá dizer quanto poderemos depender desse
detalhe” - teria assim a palavra como tábua de salvação.
Para Tóibín, em
Elizabeth Bishop “a word was a tentative
form of control”. Essa forma de controle é que permitiria à poeta
– de resto a todos os bons poetas – navegar com segurança no mar da arte que
pratica. Em Bishop, as palavras e suas estruturas, sua escolha criteriosa
parece sempre conspirar para que mesmo de forma hesitante, tímida ou
experimental se estabelecesse quem está no controle – aprende-se com Tóibín e
com a leitura atenta da poesia de Bishop.
Da terra dos avós no Canadá (Nova Escócia), Elizabeth teria
herdado a economia de meios. Segundo Tóibín, que é irlandês, originário de um
mesmo costume, em certas sociedades fala-se pouco e expressa-se com eficácia.
Chegada em Santos (Arrival at Santos) – um guia para o turista
incauto ou: alerta ao que vai chegar ao Brasil (na época os navios eram o meio
de transporte mais utilizado para a chegada) – a tradução é de Paulo Henriques
Britto.
Chegada em Santos
Eis uma costa; eis um porto;
após uma dieta frugal de horizonte, uma paisagem:
morros de formas tão práticas, cheios - quem sabe?
[de autocomiseração,
tristes e agrestes sob a frívola folhagem,
uma igrejinha no alto de um deles. E armazéns,
alguns em tons débeis de rosa, ou de azul,
e umas palmeiras, altas e inseguras. Ah, turistas,
então é isso que este país tão longe ao sul
tem a oferecer a quem procura nada menos
que um mundo diferente, uma vida melhor, e o imediato
e definitivo entendimento de ambos
após dezoito dias de hiato?
Termine o desjejum. Lá vem o navio-tênder,
uma estranha e antiga embarcação,
com um trapo estranho e colorido ao vento.
A bandeira. Primeira vez que a vejo. Eu tinha a impressão
de que não havia bandeira, mas tinha que haver,
tal como cédulas e moedas - claro que sim.
E agora, cautelosas, descemos de costas a escada,
eu e uma outra passageira, Miss Breen,
num cais onde vinte e seis cargueiros aguardam
um carregamento de café que não tem mais fim.
Cuidado, moço, com esse gancho! Ah!
não é que ele fisgou a saia de Miss Breen,
coitada! Miss Breen tem uns setenta anos,
um metro e oitenta, lindos olhos azuis, bem
simpática. É tenente de polícia aposentada.
Quando não está viajando, mora em Glen
s Falls, estado de Nova York. Bom. Conseguimos.
Na alfândega deve haver quem fale inglês e não
implique com nosso estoque de bourbon e cigarros.
Os portos são necessários, como os selos e o sabão,
e nem ligam para a impressão que causam.
Daí as cores mortas dos sabonetes e selos -
aqueles desmancham aos poucos, e estes desgrudam
de nossos cartões-postais antes que possam lê-los
nossos destinatários, ou porque a cola daqui
é muito ordinária, ou então por causa do calor.
Partimos de Santos imediatamente;
vamos de carro para o interior.
(Tradução de Paulo Henriques Britto)
Como diz Paulo Henriques Britto é lamentável que toda a
obra da poeta não tenha ainda sido traduzida ao nosso idioma. “Das injustiças do Brasil com Elizabeth,
tem-se a publicação apenas parcial de sua obra. Segundo Paulo Henriques Britto,
nenhum livro foi publicado integralmente no país e os poemas só aparecem em
duas coletâneas, Poemas do Brasil, de 1999, atualmente esgotada, e Poemas
Escolhidos, de 2012, ambas da Companhia das Letras. Mesmo agora, que a editora
prepara o lançamento de um livro com a produção em prosa da poetisa para 2014 —
que inclui alguns textos inéditos–, houve uma seleção, feita por Britto. Mas,
se o país não está na lista de seus maiores leitores, ao menos pode se orgulhar
de ter sido fundamental para uma das poetisas mais importantes do século XX”.
É, pois do mais importante tradutor de Bishop, que deixo o leitor com alguns
poemas em conclusão a este artigo.
O primeiro é talvez seu poema mais conhecido, uma forma ítalo-francesa
(villanelle), poema no qual a poetisa trabalhou longos 25 anos. One Art (Uma
Arte) é considerado um verdadeiro manual de perdas – assunto no qual a poeta
foi ao longo de sua vida, uma especialista e anotadora cruel e detalhista –
Susan McCabe chega a dizer que Bishop logrou construir uma “poética da perda”.
O poema, é pois, o resumo de uma vida, tal como quer o crítico Lloyd Schwartz
sobre a obra de Bishop: “ela vive(u)
através de seus poemas”.
Se foi feliz apenas na Nova Escócia dos avós e no aconchego
que lhe proporcionou o amor de Lota Macedo (no Brasil), Elizabeth Bishop
faz-nos, detalhista que é – extasiados diante da melancólica epifania. A nós,
seus leitores, Elizabeth nos conduz num mar de palavras como pessoas menos
interessadas em hábitos, escolhas ou decisões amorosas; e, sim, mais afeitos ao
detalhe e ao “silencioso e concentrado
esforço” da expressão poética – lendo ou escrevendo – estamos com Elizabeth
Bishop presos “numa conspiração afetiva”
entre escritor(a) e leitor.
____
Uma Arte (One Art), trad. de P. Henriques Britto.
A arte de perder não é nenhum
mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
(Elizabeth Bishop;
tradução de Paulo Henriques Brito)
_____
(*) (*)A expressão em destaque acima é de Regina Przybycien, tradutora da poeta
polonesa Wislawa Szymborska,
ganhadora do prêmio Nobel de 1996). “Alguns
–/ ou seja nem todos./ Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria./ Sem contar
a escola onde é obrigatório/ e os próprios poetas/ seriam talvez uns dois em
mil.” É assim que a polonesa Wislawa Szymborska ri da própria impopularidade
como poeta nos primeiros versos de “Alguns Gostam de Poesia”, publicado em 1993
– três anos antes de conquistar o Prêmio Nobel de literatura. Embora a poesia
não seja realmente um dos gêneros literários mais consumidos, não se pode negar
o valor desses “dois apreciadores”. Principalmente porque um deles é a
curitibana Regina Przybycien, professora convidada da Universidade de Cracóvia
responsável por traduzir esses e outros versos da autora para o português, na
coletânea de poemas da autora recentemente publicada pela Companhia das Letras
(Wislawa Szymborska [poemas]).
Com as facilidades digitais de hoje, proponho ao leitor que
domina a língua inglesa a experiência de ver/ouvir a leitura de um dos poemas
mais representativos da minúcia, do detalhe em Elizabeth Bishop que é o poema Sandpiper - (“no detail too small”) - o título
Sandpiper refere-se ao pássaro maçarico ou maçariquinho), YouTube, via link
abaixo – poema falado (e ilustrado) por Fred Proud. https://www.youtube.com/watch?v=bFGT97dynnE
Outra pérola digital está no projeto 92|Y On Demand, com a leitura pela própria Elizabeth Bishop de alguns poemas: http://92yondemand.org/75-at-75-colm-toibin-on-elizabeth-bishop
----
Livros
citados: “A próxima Leitura”, Felipe Fortuna; “On Elizabeth” Colm Tóibín;
“Poems”, Elizabeth Bishop, Farrar, Strauss & Giroux (2011); “How to Read a
Poem and Fall in Love with Poetry (Edward Hirsch, 1999). Elizabeth Bishop:
Poemas escolhidos, Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques
Britto.
Arquivo de fotos: https://goo.gl/photos/rLp5zFAgAA3nnzDV9
Assinar:
Postagens (Atom)