Por Paccelli José Maracci Zahler
Aparecida Teixeira de FÁTIMA
PARAGUSSÚ, acadêmica, historiadora, pesquisadora, escritora, poetisa, cantora,
compositora, musicista, folclorista, dicionarista, em suma, multitalentosa,
natural de Santa Cruz de Goiás, GO.
RCC: A senhora teve uma infância
difícil, marcada pela pobreza. Quando foi seu primeiro contato com os livros?
Fátima: Aos seis anos de idade, quando
aprendi, com meu irmão, ler e
escrever.
RCC: Como era a sua vida na Rua de
Baixo, em Santa Cruz
de Goiás?
Fátima: Era só alegria! A não ser,
quando passava boiada; morríamos de medo do estouro! Ou à noite quando era
necessário sair e passar frente ao Beco da Venda Grande: local de desova dos ¹[1]banguês.
Éramos seis irmãos (três homens, três mulheres); eu era a
caçula das mulheres e Antonio, o caçula geral.Tínhamos tarefas diárias: ajudar
mamãe fazer farinha, polvilho; buscar lenha para o fogão caipira e água da ²biquinha
para beber; cuidar dos afazeres domésticos e levar comida para os peões que
ajudavam papai a limpar a roça de arroz...Tudo isso depois da escola.
Com onze anos, eu já ensinava os meus colegas de classe e
ia à fazenda de Noêmia - mais ou menos um km; a pé- três vezes por semana,
ensinar sua filha a ler e escrever.
Com sete anos de
idade fui para escola e também aprendi a cozinhar. Subia em uma cadeira, não
alcançava as panelas no fogão. Era movimentada a minha casa! Um fazendeiro
deixava ovos caipiras, empalhados; frango, queijo para mamãe vender. Tínhamos
uma boa freguesia! Aos sábados, areávamos as panelas com bucha feita de palha
de milho esgarçada com garfo e areia fina; trocávamos os forros da prateleira. Ficava
lindo! Tudo brilhando! Varríamos o terreiro da rua (assim chamávamos a frente
da casa). Os vizinhos também varriam os seus; longo trecho, limpo e acolhedor,
emendado. Depois do trabalho, as brincadeiras de roda, pique - pega, finca,
baliza...; aos domingos, boneca de pano e cozinhadinha.
Não me lembro das dificuldades. O que permeia minha memória é a música Moendo
Café, de Poly E Seu Conjunto; És Tu, Balalaica – folclore alemão; Poeira e
tantas outras, tocadas na imponente radiola, acomodada em uma mesa, o único
móvel de nossa sala de estar. Lembro o som do carro de boi: ralentava o canto
para deixar em casa, jacás e jacás de mandioca para fazer farinha e polvilho.
Lembro - me com emoção o guizo dos
cavalos da cavalhada, no quintal da pensão da Donana. Minha casa ficava ao
fundo desta pensão. Ali se preparavam para apresentarem. De repente ouvia a
valsa Quinze Encontros, dobrados, canções executadas pela Banda Lira Oito de
Dezembro, anunciando a festa que acontecia na rua de cima.
Nosso primeiro fogão a gás, vermelho, para combinar com a
geladeira. A primeira televisão, preto e branco. Chuviscava tanto! Imagem
horrível! Para fazer de conta colocávamos plástico colorido.
Aos 16 anos, terminei o ginásio; não tinha idade para fazer
magistério em Catalão. Minhas irmãs foram; eu fiquei. Queria estudar, ganhar o
meu dinheiro; fugir da torração de farinha que acabava com os olhos pelo excesso
de fumaça. Passei a ministrar aulas em dois turnos, na minha casa. Atendia alunos
do grupo escolar e do ginásio municipal. De manha, alunos que estudavam no
período vespertino; à tarde, do matutino. Passavam umas quatro horas estudando
– reforço escolar- Mamãe preparava beiju casado, tapioca ou mexido feito com a
sobra do almoço para a turma lanchar. Era uma festa! Tornou-se meu ganho, até
eu passar no concurso dos correios, aos 18 anos.
RCC: Sua mãe foi alfabetizada na idade
adulta, pois trabalhava lavando e passando roupa e fazendo polvilho e farinha
de mandioca para ajudar no sustento da família. Partiu dela o incentivo para
estudar?
Fátima: Sim. Aprendeu pela TV
(Telecurso). Já em voga o Ensino a Distância. Assistia às aulas e fazia as
tarefas até aprender. Tinha sabedoria e participava de nossa vida em tempo integral.
Quando ficamos sabendo que estudava de madrugada, já estava lendo e escrevendo.
Fez tudo em surdina. Certo dia nos chamou para uma surpresa; leu uma carta que
acabara de receber. Ficamos encantados com ela!
RCC: Seu pai era agricultor, encanador
e músico. Foi ele quem despertou seu interesse pela música?
Fátima: Em parte, sim. A família dele
era de músicos. Mesmo não os conhecendo, ouvia falar muito deles. Gostava de
ver a banda local tocar; imaginava, como podia, alguém olhar aquelas bolinhas e
transformar em musica! O papai gostava de ouvir música e isso lembro bem.
RCC: A senhora fez parte da primeira
turma do Curso Ginasial de Santa Cruz de Goiás. O que isso significou?
Fátima: Realização do sonho de estudar.
Foi a partir daí que as portas começaram a se abrir. Oito alunos formados,
dançando valsa! Tenho, até hoje, o dicionário que ganhamos do padrinho da
turma. Tivemos ótimos professores e foram eles quem me incentivaram a ensinar.
Diziam que eu tinha o perfil de professora. Quando terminei o ginasial,
novamente a frustração de não continuar os estudos.
RCC: A senhora concluiu o Curso
Ginasial no período em que ele equivalia ao Magistério e habilitava os formando
a ministrar aulas?
Fátima: Sim. Só que fiz contabilidade.
Queria ser contadora e advogada.
RCC: Quando a senhora começou a
trabalhar na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos?
Fátima: Não lembro o ano. Sei que
trabalhei 4 anos.
RCC: Chegou a trabalhar na agência de
Pires do Rio, GO, para fazer o Segundo Grau?
Fátima: Trabalhava nos correios de
Santa Cruz. Ia para aula em Pires do Rio em uma Kombi, chamada Cacilda. Pagava
mensalmente o transporte.
RCC: A conclusão do Segundo Grau foi em
Goiânia, GO?
Fátima: Sim.
RCC: O que a motivou largar os Correios
e montar um salão de beleza?
Fátima: Não deu certo nos correios. O
salão me deixava mais livre para viajar.
RCC: Naquele período a senhora já
estudava música?
Fátima: Comecei a tocar violão vendo
outras pessoas tocarem; repetia os movimentos e aprendia os ritmos. As
primeiras noções de partitura foi pelo Instituto Universal Brasileiro, quando
trabalhava nos correios em Santa Cruz, aproveitava para estudar a distância;
não tinha professor presencial. Quando saí dos correios e montei salão de beleza, em Goiânia, comecei a estudar
música, de fato.
RCC: A senhora fez vestibular para
Relações Públicas, porém, graduou-se em História. Essa guinada se deu pelo fato
de Santa Cruz de Goiás ter sido uma das primeiras povoações do Estado?
Fátima: Não só por ter sido uma das
primeiras povoações, mas por ser a minha Terra Natal. A mola mestra para a mudança
de rumo foi compreender as várias
Histórias que Santa Cruz de Goiás
carrega.
RCC:
Como foi a sua experiência na política?
Fátima: Aprendi muito, porém, era
“pequena em política”. Não sabia como tudo se dava nos bastidores. A sigla
partidária é quem decide as ações. À época
eu sofri com isso; acreditava que conseguiria mudar algumas situações.
Infelizmente, não consegui.. Fui a primeira mulher vereadora e presidente da
Câmara. Bem votada! Hoje, tento devolver com trabalho, a confiança em mim
depositada.
RCC: A senhora liderou o movimento que
resultou na eleição de Santa Cruz de Goiás como uma das Sete Maravilhas do
Estado de Goiás. Como foi que isso aconteceu?
Fátima: Recebi o telefonema de um amigo
falando do concurso. De imediato disse que deveríamos inscrever Santa Cruz pela
sua História; por outros atrativos iam aparecer muitos concorrentes. Assim,
fizemos. Ligamos, passamos emails; fizemos uma campanha acirrada mostrando como
votar, como indicar. As redes sociais ajudaram muito. Sugerimos visita ao site www.santacruzdegoias.net para quem não conhecia a cidade. Visitamos os postos de
venda do jornal O Popular para confrontar as pessoas que ali frequentavam e
pedir votos.
RCC: Poderia comentar sobre o seu
trabalho na promoção das culturas populares?
Fátima: Esse olhar para as culturas
populares surgiu da convivência e participação em conferências, fóruns e, principalmente,
por presenciar atores exibidos em telões de seminários, congressos; sendo,
apenas, objeto de estudo de doutores, mestres..., e nunca convidados a
participarem dos eventos que eram exibidos. Jamais falaram por eles mesmos. A minha defesa
é por políticas públicas com recorte para esse segmento; empoderamento e
valoração de uma cultura legitima. Hoje,
estou mediadora suplente do Colegiado Nacional de Culturas Populares do CNPC.
RCC: O que vem a ser a Escola do
Sintipismo da qual a senhora é seguidora?
Fátima: Fernando Oliveira, pai do poema
sintipo, composto, de um titulo, mais duas quadras e um verso para arrematar,
que deve rimar com o titulo, além de um verso solto no centro, sem rima, mas em
concordância com o tema. As duas quadras devem rimar: a primeira em decrescendo
e a segunda em crescendo, e os versos rimados devem ter a mesma energia fônica,
de preferência com rimas ricas.
Meu
primeiro sintipo “Azul e Vermelho” em homenagem a Guajará Mirim/RO, fronteira
com Bolívia, quando fui jurada do Festival Bumba Meu Boi - azul do boi Malhadinho e vermelho do Boi Flor
do Campo - Azul e Vermelho inundaram a
cidade,; além, das “voadeiras” que transitavam
no rio Mamoré levando e trazendo
pessoas da Bolívia.
AZUL E VERMELHO
O
bailar das águas umedece a fronteira,
Emociona mesmo quem não queira.
A aragem refrescante do rio,
O glamour das voadeiras... arrepio.
As
folhas dançam... pululam serenamente.
Lágrimas,
alegoria, estandarte, toada,
Sol, lua, estrela, noite... madrugada.
O destino seu rumo segue, em remoinhos,
Pássaros em revoadas, procuram seus ninhos.
A
imagem da cidade refletida no espelho
.RCC: Como é o seu trabalho de
assistência espiritual em hospitais?
Fátima: Um trabalho desenvolvido anos a
fio no HC junto a duas ex-alunas de violão ( enfermeira e fonoaudióloga do
hospital) Cantávamos pelos corredores, nos quartos, UTI... Tínhamos um coral da
Hemodiálise, toda quarta-feira à noite. Todos os segmentos religiosos
trabalham: Dois dias da semana para católicos, dois para evangélicos e dois
para espíritas. Uma vez ao ano reúnem-se para confraternização.
Os
assistentes espirituais são capacitados para atender o doente sem impor dogmas.
RCC: Como foi a emoção de tornar-se
membro fundador da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal?
Fátima: Não acreditei! Quando recebi o
convite da escritora e humanista Vânia Diniz, perguntei a ela: ‘Por que eu? O
que eu fiz para merecer tudo isso?´. Imortalizar-me! Ao discursar durante a
posse, não me esqueci de reverenciar os mestres das culturas populares. Meu
Patrono, Mário de Andrade, cantou comigo naquele momento!
RCC: Quais os projetos para 2013 da
Seccional Santa Cruz de Goiás da Academia de Letras do Brasil, presidida pela
senhora?
Fátima: Estamos organizando o Ponto de
Leitura Viva e Reviva Santa Cruz que fica na sede da Associação dos Amigos de
Santa Cruz. São projetos correlatos Por enquanto estamos, junto ao Departamento
Municipal de Cultura, implantando o Sistema Municipal de Cultura e seus
complementos. Essa é a prioridade para esse ano. Ação que favorecerá a
Academia.
[1] Redes usadas para
transportar defuntos da zona rural para sepultamento na cidade
² Mina de água natural; servia água potável à
população. Situada em uma fazenda dentro
da cidade.