quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A VOZ DO AUTOR: JOSÉ CARLOS VIEIRA

JOSÉ CARLOS VIEIRA, POETA E ESCRITOR



(arte computacional por Paccelli José Maracci Zahler)

José Carlos Vieira é poeta, escritor, jornalista e editor dos cadernos "Divirta-se Mais" e  "TV+" do jornal CORREIO BRAZILIENSE, em Brasília, DF. É autor do livro "Poemas de Paixões e Coisas Parecidas", Geração Editorial, 2013, 100p.

CARDIOPATIA (OU RÉQUIEM PARA UM VELHO PUNK)

Por José Carlos Vieira (Brasília, DF)

Morreu numa madrugada quente.
a lua... talvez minguante

Ao lado, uma garrafa de vinho pela metade
a taça em cacos jazia no tapete cinza.
Perto do travesseiro
o livro Ao sul de lugar algum,
de Charles Bukowski:
"Randall era conhecido por ser
um solitário convicto, um bêbado,
um homem amargo,
mas seus poemas eram crus e honestos,
simples e selvagens... "   

Morreu
coração explodiu, apesar da pouca idade,
virou uma gelatina disforme dentro da carne enrugada.

Tinha uma amante mais velha:
a cada 15 dias, visitava-o  .
Entre os lençóis, ela gemia, urrava, suava, chorava, ria
e falava de eternidade.
Deixava sempre dinheiro  dentro do aquário
(vazio de água e  cheio de plantas de plástico)...
depois  ia embora em seu sedã dourado 
para a casa do marido.

um tumor poderia levá-lo mais tarde
uma facada de amor ao lado do baço também
um susto, um tique, um teco.

Morreu
como morre um inseto
cego diante da luz do automóvel
anjo no chão depois do pecado.
Os anéis de prata brilhavam nos dedos frios e entrevados
uma caneta, carta de amor por começar,
o papel em branco.

Sim, a morte era branca como aquela folha
inútil, vaga, vazia
inexorável vácuo sem volta

Morreu
diante do espelho silencioso
do quadro azul de Iolovitch
entre remédios e remorsos.

A vida é um clichê
uma mentira encenada no palco
para  a  plateia de medíocres  --
só os medíocres sobrevivem tanto

Era uma vida de pequenos suicídios diários:
acordar, mijar, gritar o nome da melhor mulher
voltar para a cama
tropeçando em amores deixados nas gavetas do passado
aaaahhh! desespero!!

Morreu
sem perdão para a culpa dos outros.
Não um canalha, um cristo, um buda
mas poeta enganado, desenganado
mito do rock sem comprimidos e seringas

não havia vida há muito
rastejava pelos bares
vomitava palavras nos esgotos dos saraus
enfrentava o hálito da morte todas as madrugadas
deixou cicatrizes em diversos seios
mordidas insanas em batom rouge
sinais cravados para sempre
em peles lisas e perfumadas

morreu...
o sol vai nascer...

e as moscas lambem os olhos secos...

INÉDITO

Por José Carlos Vieira (Brasília, DF)

Não presto para uma história de amor
Sou música velha que não encanta
Livro longe dos olhos
Artista sem moda

Não sirvo para namorar a lua
Dizer coisas bonitas
Pois a beleza dos meus versos
Há muito se perdeu

Não tenho dono nem colo
Vago à beira de uma trilha vazia
A sombra é única companheira

Grito para o destino
Mas ele não ouve
Sigo só

Aprendi que o espelho
Tem outro lado
E não me vejo, não me sinto

A solidão virou poema

Outra vez...

HIP-HOP

Por José Carlos Vieira (Brasília, DF)

enquanto o verbo
age
o adjetivo

sonha

A CHAROLA DE MARILÂNDIA

A CHAROLA DE MARILÂNDIA
CORTA FENDAS NO TEMPO PARA ESMOLECER

 Por Erivelta Diniz (Divinópolis, MG)

Cortar fendas no tempo para esmolecer, significa rasgar o tempo, fazer um atalho  para mudar do lugar de pecador para um lugar absolvição, de forma contrita, penosa, ‘jejuosa’, exercitando com a Charola pelas ruas, e esmolecendo  para ajudar materialmente na semana santa como se fossem  “Cirineu” aquele que  ajudou a carregar a Cruz de Nosso Senhor Jesus.  






 O povo tem sempre uma criatividade além da trama teológica, com respeito entendido e a seu modo os mais obscuros e encurvando se aos mistérios da divindade. Das tradições e de grupos nascem os consensos sociais. A religião é uma rede com seus buracos onde entram e saem outras indicações e outros rumos: somos todos filhos e filhas de Deus, mas cada um tem o seu Deus que imagina e acredita. O sujeito se vale da religião para aliviar os medos ansiedades e frustrações; a sociedade para manter e fortalecer os laços favoráveis à estabilidade social. “O homem varia muito sobre as noções de Deus: quando está triste, Deus é pai, quando desanimado, Deus é amor, e quando se está desesperado Deus é a única esperança. Indiferentemente se é ou não católico praticante[1]”.

A charola é a maior, e a mais pura  cultura,  que traz toda a história da salvação refletida no seu manifestar. “Um olhar de fé sobre a vida[2]”. Tanto a partir dos seus  relatos cantados, orações, abstinências, recolhimento, sacrifício, doação, suplicas e entrega. Tanto na sua maneira particular de seu povo. Nunca devemos considerar isolado os fenômenos culturais de vida de um povo expresso no seu contexto religioso sem estar evangelizando, expondo a dimensão histórica da salvação que a cultura trás, ainda “que fora das igrejas, porém, mostram sua criatividade original em orações bonitas, mas também esquisitas, talismã, nentinhos e folias.[3]



“ Perdão meu Jesus

Perdão meu Jesus
Estou confundido
Esse mar vôs pes
Estou confudido
Perdoa Senhor

Por esse már vôs pes
Fui eu causador
Por esse tantos
Perdoa Senhor![4]




            O esforço para sacralizar o próprio ser humano começava na dádiva do nome de cada pessoa, quase sempre invocando e homenageando um santo ou um anjo. Aos meninos, da dádiva do primeiro nome: José, João, Antonio etc; para as meninas, além do nome, os sobrenomes: as Rita do Espírito Santo, as Marias de Nazaré, Maria de Jesus, etc.

            Do século passado temos registros nos livros de óbitos e batismo de pessoas ricas levarem suas almas nos testamentos alforriando escravos mais idosos, destinando dinheiro para celebrar missas pela salvação da própria alma, e dos filhos, e claro deixando enorme saldo nos caixas das irmandades religiosas e igrejas, bem antecipado.

            Os bens do céu estavam diretamente ligados  com os bens terrenos. As pessoas mais ricas  seriam também os mais pecadores?  Por que então estão lançados nos livros de óbitos e irmandades  maior quantidade de missas?  “A religiosidade no tempo mais antigo era mais exacerbada. (BARRETO, 2015) .  O pessoal da Picada de Goiás iam abrindo caminhos e fundando os arraiais a partir de São João, São José e nomes que davam aos lugares eram sintomáticos de suas devoções e de suas esperanças: Santa Rita, Desterro, Santo Antônio, Divino Espírito Santo, São Gotardo, São Gonçalo, etc.

            De acordo com (BARRETO, 2015): “Freud observa que o principio popular da magia é a crença na onipotência da vontade humana. As ligações são imaginarias e não reais.  Os feiticeiros empregavam recursos temerários de São Cipriano.  “A cruz de Caravaca”. As orações arrepiavam as almas dos desterrados: com dois eu te vejo, com três eu te prendo com Caifás, Satanás e Ferrabrás[5] ( dizem que essa oração  era proferida com a vela acesa e uma faca de ponta em cada uma das mão, dá medo) . Ali no Desterro, Itapecerica e Carmo da Mata, regiões próximas nunca deixou de existir esses tais curandeiros. . As pessoas viviam em ambientes perigosos e num imaginário de  tentação arrepiante  dos demônios e salvas pelos santos nas procissões, encomendações das almas, etc. 

            A religião popular tem, além da refêrencia ao dogma católico, indiscutível acreditável, outras práticas são geralmente misteriosas. Em Marilândia, antigamente  Desterro existia e ainda existem os chamadores  de chuvas, os tiradores de maus olhados, os curadores dos mil males do corpo e da alma, como o próprio senhor Aníbal[6] da Charola é. O próprio senhor Aníbal nos afirma isso:
“tem um sujeito aqui que fala que o dia que eu fartá num vai ter mais. Mas tem que té fé. Um fazendeiro ali tem praga na lavora, tá estragando tudo. Se eu fô lá 10 hora e rezá cuando fô meio dia acabou tudo. Eu faço a prece e sara , num sei não! O carro para aqui na porta me leva pra Madeu Lacerda, Carmo da Mata, Quilombo, e sara. Terra cum cobra eu benzo. Duença quarqué, oio gordo. Gado fica doente . tem um fazendeiro aqui que pediu pra eu i lá, benzi, sarou as bicheira do gado tudo.... Nem vê eu aceito nada, eu faço com Deus. Deus num cobra um centavo de nóis. Eu faço minha parte e Deus vem e abençoa. Eu fico sartisfeito demias da conta da cobra num pegar um garrote seu! Assim o senhor num tem prejuízo, falo pra ele. Ele fala: eu quero te dar um garotinho... esse veio é direto, sem eu querer”.


Do nada tudo se resolve, as almas do outro mundo tomam conta da roça, do gado e da casa, nada mais é impossível a não ser Deus cometer algum pecado.

            A  manifestação através da Charola é uma pratica de sacrifício que está inserida dentro do ‘encantamento’ da semana santa.  É uma espécie de rito de purificação da alma através da busca de contribuição, através da esmola conquistada ou doada. Imitam o sacrifício de Cristo, “ autoflagelam-se na busca da remissão dos pecados”, ou para suplicar o perdão dos pecados, e ou ainda em sufrágio das almas do purgatório.

PERDÃO MEU JESUS
Perdão meu Jesus
Perdão Deus de amor
Perdão Deus Clemente
Perdoai Senhor






“no interior do Brasil, especialmente em Minas Gerais, onde não havia igreja, os fiéis comemoravam a semana santa utilizando um andor de nome charola no qual levavam, de casa em casa e em procissão, a imagem do Senhor dos Passos. O andor era como que um pequeno sacrário e, em lugar da porta, uma cortina quase sempre feita de tecido roxa, dedada a imagem. O termo ‘charola’ vem de ‘charão’ verniz de laca, oriundo da China e do Japão. Assim, na simplicidade de seu simbolismo, os fiéis procuravam como que embelezar e dar brilho de fé e amor àquela manifestação ao Senhor Bom Jesus dos Passos. [7]

Desde muitos e muitos anos a imagem do Senhor dos Passos  da Charola de Marilândia peregrinava no decorrer da quaresma, indo ao Ferrador, lugarejo distante de Marilândia, na divisa da Cidade do Carmo da Mata, ao arraial do  Lambari, na divisa da cidade de  Pedra do indaiá: na Comunidade rural de Boa Vista e no Quilombo, divisa com Carmo da Mata. O séquito era constituído de religiosos quase beatos, abandonavam a lavoura e seus afazeres para andarem pelos trilhos e caminhos, levando piamente o andor com a imagem – e só paravam para comer e dormir.

“ antigamente, não tinha dinheiro, era difici demais da conta de vê um, as coisas era muito mar difici. Eles fizeram a imagem e pos ela lá dentro da casinha, e saia com dois homi pras bandas de Carmo da Mata, dos Quilombos. A charola num é pra pagar promessa, é pra arrecadar esmola[8]”.


Durante toda essa caminhada não cortavam os cabelos, e nem faziam as barbas, de forma que no fim da Semana das Dores, véspera da Semana Santa, “regressavam ao Arraial; exaustos e desfeitos, barbudos e maltrapilhos, como os profetas do Velho testamento.

“ antigamente saia com a charola na quarta feira de cinza daqui da igreja e chegava na quarta feira santa, um meis e quinze dia, tudo para fazer a festa, eis fala festa da páscoa, que fala em festa tá errado, porque é reza da semana santa, a esmola que é nosso cumprimisso é pra ajudar no gasto da igreja, os que saia cum a charola ganhava o salario , a esmola que sobrava era pra fazer a festa, a reza. Eis tinha famia e largava a lida pra i, então tinha o salaro, . Tinha duas, a que ia pra cima com 2 homi, era mais estreitinha ainda, nois custava a segurá o cabo doandore. Essa ia pra outo lado lá pros Quilombos, Carmo da Mata, Sabarazinho, lamounier E Itapecerica”. A outa mais pesada que é essa qui, ia pra Santo Antonio do Monti, cum 3 homi. Nois pedia o ponteiro pra i na frente pedindo comida e poso. Quando era só os 2 era mais faci chegar quarqué hora sem avisá[9].”

   O séquito era chamado de Charola e era muito bem tratado por onde passava. - e no fim do périplo trazia muita esmola destinada a cobrir as despesas com a celebração da festa da Semana Santa[10].” Neste ano de 2016, segundo o vigário da paroquia Padre Paulo Sérgio, a Charola entregou sua esmola no valor superior à de R$1.700,00 reais em dinheiro, entregue por pedido do padre na segunda feira santa,  durante a celebração, no interior da Paroquia de Nossa Senhora do Desterro de Marilândia.

“ antigamente era na quarta, agora chega na segunda feira santa, chegada da charola, com esmola, procissão das Dores – Procissão do deposto”, a charola chega canatando, o povo fica de cabeça em pé, a charola virada para dentro, fica em cima da mesinha. O padre chega perto de mim e fala: “Sr Aníbal, assim que eu fizer a entrada  eu chamo a Charola, depois das orações principais”. Aí o padre fala: “A charola hoje vai fazer a entrega da esmola, vamos receber”. Aí nois entra devagarinho, aí quando para de rezar eu falo: Agora tá cumprido a nossa obrigação e missão, vamos rezar em agradecimento , agradecê a todo mundo que recebeu a charola em casa. Pedi a Deus e a padroeira Nossa Senhora do Desterro aque derrami benção nos seis tudo que deram esmola , os que tava em casa e os quenum tava tamém. Quando deu tempo nois foi. Vou entregar  o que nois deu conta de adquiri. A oferta nesse ano de 2016 foi de 1736,31 centavos. Assim caprichemo mais foi o que trazemo aqui. Esperemo ganhar mais saúde para ganhar mais. Passo pro presidente da igreja entregar o padre.. Nós da charola é de nossa responsabilidade, onde nos vai tirar para caminhada, será entregue aqui também, então tá todo mundo convidado pro próximo ano[11]”.


De acordo com o escritor (BARRETO, 2015): “A charola do Senhor dos Passos da Igreja do Desterro peregrinava por todo o Distrito, nos quarentas dias da quaresma, recolhendo donativos para cobrir os gastos da celebração da Semana Santa[12].  Os Charoleiros eram escolhidos a dedo na comunidade”: tinham que ser fortes e estóicos, crédulos e sensitivos, qualidades necessárias par que agüentassem a penosa peregrinação por caminhos tortuosos, pedregosos, espinhosos e incertos ( que de um ano para o outro acabavam ou mudavam de lugar). Silenciosos ou rezando e cantando em vozes altas, eles sofriam as intempérie do sol e da chuva, o ataque de reses, cobras, abelhas, dos marimbondos, dos borrachudos, das pulgas, bichos de pé, e pernilongos. As vezes eram forçados a baixarem o andor na sombra de um barranco e darem no pé na frente das mangangás, das arapuás, dos marimbondos. Deus é bom pai e também protegia a si mesmo, na sombra do barranco, sofrido antes mas agora ileso. Os Charoleiros corriam à toda brida mato afora e depois voltavam pelos rastros até reencontrarem o andor com a imagem momentaneamente abandonada, que agora parecia rir deles, perdoando”.
           
Durante o período da Quaresma em Marilândia, até hoje existe o costume de algumas pessoas de sair com a "Charola que na concepção do senhor Aníbal :

“Charola não foi criado em lugar nenhum, era tradição. Eu peguei ela, eu conheço desde que entendo por gente, eu ficava observando e fui aprendendo sozinho os cantos. Eu aprendi aqui, e o que eu aprendi aqui não vou sair nem depois de morto, já fisu até meu tumulo” ela foi criada aqui mesmo em Marilândia, pode pergunta quem ocê quisé, em Itapecerica, ninguém alembra dela não.”
                                                                                                 
Charola  significa andor ou padiola. Trata-se de um suporte onde se carrega uma pequena imagem de Nossa Senhor dos Passos; necessita de duas pessoas para carrega-la. Esse feito, os charoleiros deixa a cargo das mulheres, ou dos mais velhos.  O costume é de ir visitar as famílias e recolher donativos para ajudar a Matriz de Nossa Senhora do Desterro, durante as festividades da Semana Santa. A esmola é entregue ao padre na missa com todos os esmoleres da charola, onde era sempre na quarta-feira de cinzas E agora, em detrimento de uma certa organização da paroquia o padre solicita que seja entregue na segunda feira santa.  Ao perguntarmos ao Sr. Aníbal se a Charola beneficia a comunidade e seus integrantes da charola, ele nos respondeu dentro da sua sobriedade de mineiro:

   “eu sinto uma fé viva, uma pura verdade. Sou um homi de fé. Todo mundo aqui gosta de mim, não tenho inimigo, até o ladrão que cata aqui e ali, nenhum deles eu não tenho nada pra fala már. Elis num vêm aqui pra catá nada meu e nem da minha muié. Tem 2 ali que é fote eu chamo eis pra dividir até um “biete de sociedade do tituto de capitilizaçao se ganhar nois dividi. Eu sou amigo de todo mundo, tem 2 fazendeiro aqui dos bão, me vê na missa e chega perto pra pegar na minha mão da minha muié[13]"

Toda essas expressões populares contidas na Charola de Marilândia implicam convivência, agrupamento, são espontâneas e circulares dentro da fé, numa aliança de muita devoção, uma paixão de encantamento. Sempre seguidas por uma característica coesa de conhecimento herdado, intuitivas de uma herança familiar encrustada na raiz de sua própria alma: “Tudo que vem de cima é Deus que manda”, dizia o velho João Norico[14].

O senhor José Guimarães Rodrigues, mais conhecido como Sr. Aníbal, filho do Sr. Aníbal Guimarães, de 79 anos, chefe da Charola, disse que: “A charola anda 40 dias, desde o princípio da quaresma, termina o comércio com folga do dia. Toda noite ela sai, dependendo do dia, se chove num sai, aí a charola fica até o terceiro dia pousada na casa do ultimo visitado. Para cada parada um canto de caráter dolente, sem instrumentos, composta por seis integrantes das  vozes, que ele mesmo fez questão de enumera los e designa los, já que é o Sr. Aníbal o coordenador da Charola de Marilândia:

“Na Frente fica eu, Zé Anirbo faço a 2ª vozes, o Orival faz a 1ª, o Raimundo que é o “talão[15]” fais a terceira vois. Atráis , pariado fica o Zazá (Cumpadi Bartazá) fais a 1ª mais grossa, dispois o Wirton fais a 2ª, e o Lê  a 3ª. Eles tudo é meu cumpadi ...”


  A Charola segue com a matraca, um instrumento de percussão, feito de madeira, com uma plaqueta ou argola que gira em som barulhento em torno de um eixo. Esse instrumento é utilizado somente no tempo da quaresma, aliás o único som permitido nesse período. O som é bastante característico, fúnebre. O som da matraca fica impregnado no imaginário religioso católico como o anuncio da morte de Jesus. O som é seco e que quebra o silencio das noites tristes da quaresma. Os cantos são simples, e denominam alerta, pecador, remissão e arrependimento. Sempre entoados com as misturas das melodias dos índios, dos negros, e da igreja.

“ As melodias, eu vou mudando elas, de verso, e eles vai respondendo. Se tem muito verso, eu pico elas no meio. Quando entra na casa, eles fica de fora, entra só eu e a charola. Aí eu fico esperando os procedimento. Se vai dar esmola memo, aí se pedi oração ou mais um verso eu chamo eles pra entrar pra dentro. As veis a casa é muito apertada aí por isso nois dividi.[16]






Pecador Remir

Ô Jesus vós
E o pecado remido
É o sangue seu
Atendei o amor
Atendei humilhado Deus
Livrai-me dessa dor

Que devei quando sentir
Vendo meu Jesus Condenado
Caminhei pelo carvalho
Nesse madeiro pesado

Perdoa os meus pecados
O meu doce Jesus
Ver o meu Jesus Condenado
E ver seus ombros na cruz




            Essa manifestação religiosa existe desde a ereção da Capela, em 1716. Durante as visitas é recitado os versos através de um canto sofrido que relembra todo o sofrimento do Nosso Senhor Jesus Cristo, e do pecador arrependido”.  Senhor Aníbal relata que a equipe é formada por 6 integrantes para tirar os versos, responder e fazer o coral de fundo: um tirador (faz os cantos e a primeira voz); e o outro faz o dueto, segundo integrante com a segunda voz; o 3ºfaz a terceira voz, o restante responde em coral. Todas as musicas tem caráter dolente. A impressão é de um grande arranjo para várias vozes.
            Indaguei ao senhor Aníbal sobre os versos, pois não são “versos de idéias”, o que ele denomina para os cantos do Reinado e da Folia. Ele me respondeu afirmativamente:

“ Na charola é reza mesmo, não é verso de idéia.[17]




“JESUS PIEDOSO”

Jesus piedoso
Que na cruz morreu

 Bis [Dos filhos ingratos
        [O pior sou eu

Foi por nossa culpa
Que Jesus morreu

Bis [Dos filhos ingratos
        [O pior sou eu

Jesus Piedoso
Eu sou filho seu

Bis [Dos filhos ingratos
        [O pior sou eu

Foi por nossa culpa
Que morreu Jesus

Bis [Ele foi pregado
       [Nos braços da cruz







[1]  VERKUIJLEN. TEODORO. Frei Teodoro Verkuijlen, : 2005
Entrevista informal  concedida a Erivelta Diniz , secretaria do frei Bernardino Leers, no Convento Santo Antônio de Divinópolis.  

[2] ABRA A PORTA. Cartilha do povo de Deus. Ed. Paulinas.1985. p. 11
[3] LEERS. Bernardino. Rigorismo Moral e Humor Popular. Ed. Paulinas. 2007.p.59
[4] Canto da Charola durante os 45 dias da quaresma ; na recolhida das esmolas nas casas.
[5] Oração de Ferrabrás. (Isis Litteris), Com essa poderosa Oração de São Cipriano,o homem ou a mulher que amas não sairá do teu lado nunca e te venerarás para todo sempre... Cabra Preta Milagrosa que pelo monte subiu, trazei-me .r.s.t.a.r.p .que de minha mão sumiu. r.s.t.a.r.p., assim como o galo canta, o burro rincha, o sino toca e a cabra berra, assim tu hás de andar atrás de mim. Assim como Caifás, Satanás, Ferrabráz e o Maioral do Inferno que fazem todos se dominar, fazei r.s.t.a.r.p se dominar, para me trazer cordeiro, preso debaixo do meu pé esquerdo.r.s.t.a.r.p, dinheiro na tua e na minha mão não há de faltar, com sede tu nem eu não haveremos de acabar, de tiro e faca nem tu nem eu não há de nos pegar, meus inimigos não hão de me enxergar. A luta vencerei com os poderes da Cabra Preta Milagrosa. r.s.t.a.r.p, com dois eu te vejo, com três eu te prendo com Caifás, Satanás, Ferrabráz. Reza-se esta oração com uma vela de qualquer cor acesa e uma faca de ponta. Esta Oração deverá ser feita de preferência na hora em que voce se sentir mais à vontade e de preferência em que esteja sozinho longe de barulhos. Pode ser feito novena com ela.







[6] ANÍBAL. José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista informal  concedida a Erivelta Diniz .


[7] Dicionário frei chico página 209
[8] ANÍBAL. José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista informal  concedida a Erivelta Diniz .03/06/2016.
[9] Idem.
[10] Barreto. Lázaro. Memorial do Desterro.
[11]  ANÍBAL. José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista informal  concedida a Erivelta Diniz .03/06/2016.
[12] ANÍBAL. José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista informal  concedida a Erivelta Diniz . 03/06/2016.
[13] Idem.
[14] Antigo morador de Marilândia
[15] Os chaloreiros de Marlândia.MG,  denominam a “Tala” para os que fazem a terceira voz do primeiro grupo de vozes, conhecido o cantor de talão.
[16] Idem.
[17] Idem

COMO É FEITO O SUCESSO

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Uma das primeiras colaboradoras do blogue Luso-brasileiro: “PAZ” – colaboradora e entusiástica, que ajudou a sua divulgação, – era distinta poetisa.
Nesse tempo, o blogue, era publicado no site do semanário “SOL”.
Já lá vão muitos anos – uma década; – e todas as semanas, é atualizado com interessantes textos, de conhecidos intelectuais brasileiros.
É justo, também, lembrar, que a propagação do blogue, em terras de Santa Cruz, deve-se, em parte, a ex-jornalista do “ J.J.” e principalmente, ao escritor, autor de curiosas peças de teatro: Albino Júnior.
Ora certa vez, essa colaboradora, num ato de desabafo, contou-me como lançou seu primeiro livro:
Quando era jovem e colegial, entretinha-se a escrever versos, que na sua opinião – segundo me declarou, já nos últimos anos de vida, – eram incipientes, próprios da idade e de quem inicia carreira literária.
Soube o pai dessa inclinação, e quis fazer-lhe agradável surpresa.
Deu-se o caso de ser amigo de escritor, com nome feito e influente no meio literário. Mostrou-lhe os poemas e pediu-lhe apoio.
Este atendeu o desejo do amigo, tanto mais, que além de ser muito querido, tinha largos bens e era otimamente relacionado.
Logo falou com críticos, solicitando a sua colaboração; já que se tratava de menina, que desejava iniciar carreira literária.
A obra veio a lume – não sei se a edição foi paga pelo bolso paterno ou por livreiro amigo, – com pareceres de iminentes críticos da nossa praça, que gentilmente teceram largos elogios à jovem, augurando que viria a ser figura proeminente na literatura.
A menina – pela mão do pai, – foi convidada para apresentar o livro, na TV.
Muito tímida, apareceu nos estudos, onde, entrevistador tentou acalmá-la, prometendo ajudar, e guiar a conversa, para que tudo corresse bem.
Não é preciso dizer, que a obra foi um sucesso…e a menina ficou radiante, orgulhosa do talento.
Correram anos e anos…O pai falecera, a menina cresceu, e continuou a versejar; mas, agora, com outros conhecimentos: seus poemas ganharam beleza; outra graça; tornando-se dignos de aparecerem em seletas.
Publicou, depois, vários livros, mas – segundo me contou, – nenhum teve o sucesso do primeiro.
Faltava-lhe a influência paterna e o apoio do editor.

***

Outro assunto, mas o mesmo tema:
Já lá vão muitos anos, li, que houve seleção de futebol, de adolescentes, que deu brado na Europa. Os jogadores eram excelentes e esperava-se que todos, ou quase todos, viessem a ser incorporados na Seleção Nacional.
Não aconteceu. A maioria passou a jogar em pequenos clubes, e desapareceram… Só ficaram conhecidos três, que tiveram a sorte – seria sorte? – de  obterem empresários, que os lançaram em grandes clubes, que tinham excelentes treinadores.
Dizia Cruz Malpique, que o talento é feito: “de um por cento de inspiração e noventa e nove de transpiração”.

Concordo, mas acrescentaria: Como metade da beleza da moça, está na caixa – cosméticos, – também o sucesso não reside, apenas, no talento, mas nos “padrinhos”, que se obtém ao longo da vida, já que a maioria, só sabe pensar pela cabeça alheia.

O VELHO ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Havia na casa de meu pai, velho álbum de fotografias, coberto a madrepérola, de folhas grossas, de cartão amarelecido, como amarelecidas eram as fotos.
Deliciava-me, em menino, a folhear esse velho álbum. Algumas vezes, meu pai – que o manuseava com extremoso cuidado, pois fora de sua mãe, – ao mostra-me as fotos (que estavam e estão, porque ainda o tenho, muito velhinho com folhas a soltarem-se da lombada,) ia-me contando quem eram aqueles “ figurões” de largos bigodes, em poses estudadas, quase todos recostados a sólidas colunas de madeira.
Fascinava-me ouvir o que ele dizia dos senhores de bengala, que surgiam a cada virar de página:
- Este, foi teu trisavô – dizia meu pai, apontando a foto com dedo mindinho. - Chamava-se, José de Pinho. Teve carpintaria, na rua Direita. Combateu nas hostes de D. Pedro. Foi agraciado, pelo Rei, com alta condecoração. Este – continuava, virando a página, – era o Manuel. Foi para o Brasil, ainda criança. Dizem que casou com mulata, que o envenenou. Este, de chapéu de abas largas e botas à caçador, é o tio Caetano. Foi homem muito rico. Ficou com a carpintaria do pai e transformou-a em importante indústria madeireira. Casou com fidalga. Esta Senhora, é tua avó. – Continuava. - Foi excelente pianista, e muito aplaudida…
E, lentamente, ia virando as folhas. Diante de meus olhos curiosos, “desfilavam” graves cavalheiros, senhoras de grandes chapéus, e meninos de fatinho de marujo, que sorriam para mim.
Por vezes, aparecia, ao abrir o álbum, homem elegante, musculoso, de enormes bigodes, rosto voluntarioso, tostado pelo sol.
Era o tio Francisco.
Emigrara para o Brasil. Pouco se conhecia da sua vida, apenas que possuía importante frota de barcos, no rio Amazonas. Um dia desequilibrou-se, e morreu afogado.
O primo Alberto, que vivia em São Paulo, dizia que era muito rico: milionário. Como era solteiro, ninguém reclamou a herança. Foi direitinha para o Estado.
Os antigos álbuns amarelecidos, desbotados pelos anos, fazem parte da história da família.
São retratos de antepassados, que não conhecemos; mas são as nossas raízes. Sem sabermos seus nomes e o que fizeram, somos como órfãos.
São, os objetos, que passam de geração a geração; as tradições; os gestos heroicos, dos que nos antecederam, que nos dão identidade.
Neste tempo, em que se vive em pequenos apartamentos, que não permitem guardar invocadoras velharias. Neste tempo, em que se pretende esquecer o passado. Neste tempo, em que os avós, e até os pais, encontram-se em residenciais, mais ou menos luxuosas, consoante as possas, a coletividade, priva, as novas gerações, de conhecerem suas origens.
De conhecerem: histórias, factos, acontecimentos, que passavam, oralmente, de pais para filhos.

Os jovens do nosso tempo, desconhecem o prazer, que se sente, ao folhear os velhos álbuns de fotografias; fotografias de antepassados, que apesar de nunca os termos conhecido, fazem parte de nós. Certamente, sem eles, não existiríamos, pelo menos tal como somos.

TO SAY

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

Said from the end of the world
           the unappealable fear
           of not being
           here anymore

                         in the next
                         week:

said of unpostponable
              commitments

of study
    of children
        of long-term
            programmed
                 vacations


said of the end of all
and smiled unpayable
                            debts.



DIZER

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Disse do fim do mundo
            o medo irrecorrível
            de não estar
            mais aqui

                    na semana
                    próxima:

disse dos compromissos
                        inadiáveis

do estudo
     dos filhos
           das férias
                  programadas
                  no longo
                       prazo

disse do fim de tudo
e sorriu dívidas
              impagáveis.



TO WANT

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

I want you

author without an interpreter
of irrepressible desires

music
   silence
   externalized hour
   of countries

   with closed borders: I want you.

QUERER

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Quero-te

autor sem intérprete
dos desejos irreprimíveis

música
   silêncio
   hora externada
   de países fechados
   em fronteiras: quero-te.


GO AWAY

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

When going away knows:
                              there is no change
                              in nonexistent
                              rules

(the coffin weight
 the coffin weight
 the prison)

flies over the open place
in noises and on the street
realizes hidden figures

                                interspersed rules
                                in the air move
                                over the area

(the cold tile gets
lovers bodies: delivery goes away
                                      gradually).


IR EMBORA

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC) 

Ao ir embora sabe:
                       não se mudam
                       as regras
                       inexistentes

(o peso da paixão
 o peso do caixão
 a prisão)

sobrevoa o lugar aberto
em barulhos e na rua
percebe vultos escondidos

                        regras intercaladas
                        na jogada aérea
                        sobre a área

(o piso frio recebe corpos
 amantes: a entrega vai embora

                                aos poucos).

ÉS ESTRELA NUA (EM LIVRE UM VOAR)

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Vem estrela nua
Vem sem culpas
Sem medos
Mas vem rápido
E vem agora
Espero-te em chamas
Perdido no labirinto
Da alcova minha
***
Vem consorte minha
Vem imersa
De todos
Os milenares mistérios
Em imortais segredos
Vem completa
Em versos
Em prosas
***
Vem
Óh sacrossanta amásia
Vem sem choros
Sem medos
E sem lágrimas
Mas vem
Vem rápido
Mas vem agora
Não me deixe só