Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
quinta-feira, 1 de dezembro de 2016
JOSÉ CARLOS VIEIRA, POETA E ESCRITOR
(arte computacional por Paccelli José Maracci Zahler)
José Carlos Vieira é poeta, escritor, jornalista e editor dos cadernos "Divirta-se Mais" e "TV+" do jornal CORREIO BRAZILIENSE, em Brasília, DF. É autor do livro "Poemas de Paixões e Coisas Parecidas", Geração Editorial, 2013, 100p.
CARDIOPATIA (OU RÉQUIEM PARA UM VELHO PUNK)
Por José Carlos Vieira (Brasília, DF)
Morreu numa madrugada quente.
a lua... talvez minguante
Ao lado, uma garrafa de vinho pela metade
a taça em cacos jazia no tapete cinza.
Perto do travesseiro
o livro Ao sul de
lugar algum,
de Charles Bukowski:
"Randall era
conhecido por ser
um solitário
convicto, um bêbado,
um homem amargo,
mas seus poemas eram crus e honestos,
simples e selvagens...
"
Morreu
coração explodiu, apesar da pouca idade,
virou uma gelatina disforme dentro da carne enrugada.
Tinha uma amante mais velha:
a cada 15 dias, visitava-o
.
Entre os lençóis, ela gemia, urrava, suava, chorava, ria
e falava de eternidade.
Deixava sempre dinheiro
dentro do aquário
(vazio de água e
cheio de plantas de plástico)...
depois ia embora em
seu sedã dourado
para a casa do marido.
um tumor poderia levá-lo mais tarde
uma facada de amor ao lado do baço também
um susto, um tique, um teco.
Morreu
como morre um inseto
cego diante da luz do automóvel
anjo no chão depois do pecado.
Os anéis de prata brilhavam nos dedos frios e entrevados
uma caneta, carta de amor por começar,
o papel em branco.
Sim, a morte era branca como aquela folha
inútil, vaga, vazia
inexorável vácuo sem volta
Morreu
diante do espelho silencioso
do quadro azul de Iolovitch
entre remédios e remorsos.
A vida é um clichê
uma mentira encenada no palco
para a plateia de medíocres --
só os medíocres sobrevivem tanto
Era uma vida de pequenos suicídios diários:
acordar, mijar, gritar o nome da melhor mulher
voltar para a cama
tropeçando em amores deixados nas gavetas do passado
aaaahhh! desespero!!
Morreu
sem perdão para a culpa dos outros.
Não um canalha, um cristo, um buda
mas poeta enganado, desenganado
mito do rock sem comprimidos e seringas
não havia vida há muito
rastejava pelos bares
vomitava palavras nos esgotos dos saraus
enfrentava o hálito da morte todas as madrugadas
deixou cicatrizes em diversos seios
mordidas insanas em batom rouge
sinais cravados para sempre
em peles lisas e perfumadas
morreu...
o sol vai nascer...
e as moscas lambem os olhos secos...
INÉDITO
Por José Carlos Vieira (Brasília, DF)
Não presto para uma história de amor
Sou música velha que não encanta
Livro longe dos olhos
Artista sem moda
Não sirvo para namorar a lua
Dizer coisas bonitas
Pois a beleza dos meus versos
Há muito se perdeu
Não tenho dono nem colo
Vago à beira de uma trilha vazia
A sombra é única companheira
Grito para o destino
Mas ele não ouve
Sigo só
Aprendi que o espelho
Tem outro lado
E não me vejo, não me sinto
A solidão virou poema
Outra vez...
A CHAROLA DE MARILÂNDIA
A CHAROLA DE MARILÂNDIA
CORTA FENDAS NO TEMPO PARA
ESMOLECER
Por Erivelta Diniz (Divinópolis, MG)
Cortar fendas no tempo para esmolecer, significa rasgar o tempo, fazer um
atalho para mudar do lugar de pecador
para um lugar absolvição, de forma contrita, penosa, ‘jejuosa’, exercitando com
a Charola pelas ruas, e esmolecendo para
ajudar materialmente na semana santa como se fossem “Cirineu” aquele que ajudou a carregar a Cruz de Nosso Senhor
Jesus.
O povo tem sempre uma criatividade
além da trama teológica, com respeito entendido e a seu modo os mais obscuros e
encurvando se aos mistérios da divindade. Das tradições e de grupos nascem os
consensos sociais. A religião é uma rede com seus buracos onde entram e saem
outras indicações e outros rumos: somos todos filhos e filhas de Deus, mas cada
um tem o seu Deus que imagina e acredita. O sujeito se vale da religião para
aliviar os medos ansiedades e frustrações; a sociedade para manter e fortalecer
os laços favoráveis à estabilidade social. “O homem varia muito sobre as noções
de Deus: quando está triste, Deus é pai, quando desanimado, Deus é amor, e
quando se está desesperado Deus é a única esperança. Indiferentemente se é ou
não católico praticante[1]”.
A charola é a maior, e a mais pura
cultura, que traz toda a história
da salvação refletida no seu manifestar. “Um olhar de fé sobre a vida[2]”.
Tanto a partir dos seus relatos
cantados, orações, abstinências, recolhimento, sacrifício, doação, suplicas e
entrega. Tanto na sua maneira particular de seu povo. Nunca devemos considerar
isolado os fenômenos culturais de vida de um povo expresso no seu contexto
religioso sem estar evangelizando, expondo a dimensão histórica da salvação que
a cultura trás, ainda “que fora das igrejas, porém, mostram sua criatividade
original em orações bonitas, mas também esquisitas, talismã, nentinhos e
folias.[3]”
“ Perdão meu Jesus
Perdão meu Jesus
Estou confundido
Esse mar vôs pes
Estou confudido
Perdoa Senhor
Por esse már vôs pes
Fui eu causador
Por esse tantos
Perdoa Senhor![4]”
O esforço para sacralizar o próprio
ser humano começava na dádiva do nome de cada pessoa, quase sempre invocando e
homenageando um santo ou um anjo. Aos meninos, da dádiva do primeiro nome:
José, João, Antonio etc; para as meninas, além do nome, os sobrenomes: as Rita
do Espírito Santo, as Marias de Nazaré, Maria de Jesus, etc.
Do
século passado temos registros nos livros de óbitos e batismo de pessoas ricas
levarem suas almas nos testamentos alforriando escravos mais idosos, destinando
dinheiro para celebrar missas pela salvação da própria alma, e dos filhos, e
claro deixando enorme saldo nos caixas das irmandades religiosas e igrejas, bem
antecipado.
Os bens do céu estavam diretamente
ligados com os bens terrenos. As pessoas
mais ricas seriam também os mais
pecadores? Por que então estão lançados
nos livros de óbitos e irmandades maior
quantidade de missas? “A religiosidade
no tempo mais antigo era mais exacerbada. (BARRETO, 2015) . O pessoal da Picada de Goiás iam abrindo
caminhos e fundando os arraiais a partir de São João, São José e nomes que
davam aos lugares eram sintomáticos de suas devoções e de suas esperanças:
Santa Rita, Desterro, Santo Antônio, Divino Espírito Santo, São Gotardo, São
Gonçalo, etc.
De acordo com (BARRETO, 2015):
“Freud observa que o principio popular da magia é a crença na onipotência da
vontade humana. As ligações são imaginarias e não reais. Os feiticeiros empregavam recursos temerários
de São Cipriano. “A cruz de Caravaca”.
As orações arrepiavam as almas dos desterrados: com dois eu te vejo, com três
eu te prendo com Caifás, Satanás e Ferrabrás[5] (
dizem que essa oração era proferida com
a vela acesa e uma faca de ponta em cada uma das mão, dá medo) . Ali no
Desterro, Itapecerica e Carmo da Mata, regiões próximas nunca deixou de existir
esses tais curandeiros. . As pessoas viviam em ambientes perigosos e num
imaginário de tentação arrepiante dos demônios e salvas pelos santos nas
procissões, encomendações das almas, etc.
A religião popular tem, além da
refêrencia ao dogma católico, indiscutível acreditável, outras práticas são
geralmente misteriosas. Em Marilândia, antigamente Desterro existia e ainda existem os
chamadores de chuvas, os tiradores de
maus olhados, os curadores dos mil males do corpo e da alma, como o próprio
senhor Aníbal[6] da
Charola é. O próprio senhor Aníbal nos afirma isso:
“tem um sujeito aqui que fala que o
dia que eu fartá num vai ter mais. Mas tem que té fé. Um fazendeiro ali tem
praga na lavora, tá estragando tudo. Se eu fô lá 10 hora e rezá cuando fô meio
dia acabou tudo. Eu faço a prece e sara , num sei não! O carro para aqui na
porta me leva pra Madeu Lacerda, Carmo da Mata, Quilombo, e sara. Terra cum
cobra eu benzo. Duença quarqué, oio gordo. Gado fica doente . tem um fazendeiro
aqui que pediu pra eu i lá, benzi, sarou as bicheira do gado tudo.... Nem vê eu
aceito nada, eu faço com Deus. Deus num cobra um centavo de nóis. Eu faço minha
parte e Deus vem e abençoa. Eu fico sartisfeito demias da conta da cobra num
pegar um garrote seu! Assim o senhor num tem prejuízo, falo pra ele. Ele fala:
eu quero te dar um garotinho... esse veio é direto, sem eu querer”.
Do nada tudo se resolve, as almas do outro mundo tomam conta da roça, do
gado e da casa, nada mais é impossível a não ser Deus cometer algum pecado.
A
manifestação através da Charola é uma pratica de sacrifício que está
inserida dentro do ‘encantamento’ da semana santa. É uma espécie de rito de purificação da alma
através da busca de contribuição, através da esmola conquistada ou doada.
Imitam o sacrifício de Cristo, “ autoflagelam-se na busca da remissão dos
pecados”, ou para suplicar o perdão dos pecados, e ou ainda em sufrágio das
almas do purgatório.
PERDÃO MEU JESUS
Perdão meu Jesus
Perdão Deus de
amor
Perdão Deus
Clemente
Perdoai Senhor
“no interior do
Brasil, especialmente em Minas Gerais, onde não havia igreja, os fiéis
comemoravam a semana santa utilizando um andor de nome charola no qual levavam,
de casa em casa e em procissão, a imagem do Senhor dos Passos. O andor era como
que um pequeno sacrário e, em lugar da porta, uma cortina quase sempre feita de
tecido roxa, dedada a imagem. O termo ‘charola’ vem de ‘charão’ verniz de laca,
oriundo da China e do Japão. Assim, na simplicidade de seu simbolismo, os fiéis
procuravam como que embelezar e dar brilho de fé e amor àquela manifestação ao
Senhor Bom Jesus dos Passos. [7]”
Desde muitos e muitos anos a imagem do Senhor dos Passos da Charola de Marilândia peregrinava no
decorrer da quaresma, indo ao Ferrador, lugarejo distante de Marilândia, na
divisa da Cidade do Carmo da Mata, ao arraial do Lambari, na divisa da cidade de Pedra do indaiá: na Comunidade rural de Boa
Vista e no Quilombo, divisa com Carmo da Mata. O séquito era constituído de
religiosos quase beatos, abandonavam a lavoura e seus afazeres para andarem
pelos trilhos e caminhos, levando piamente o andor com a imagem – e só paravam
para comer e dormir.
“ antigamente, não tinha dinheiro, era
difici demais da conta de vê um, as coisas era muito mar difici. Eles fizeram a
imagem e pos ela lá dentro da casinha, e saia com dois homi pras bandas de
Carmo da Mata, dos Quilombos. A charola num é pra pagar promessa, é pra
arrecadar esmola[8]”.
Durante toda essa caminhada não cortavam os cabelos, e nem faziam as
barbas, de forma que no fim da Semana das Dores, véspera da Semana Santa,
“regressavam ao Arraial; exaustos e desfeitos, barbudos e maltrapilhos, como os
profetas do Velho testamento.
“ antigamente saia com a charola na
quarta feira de cinza daqui da igreja e chegava na quarta feira santa, um meis
e quinze dia, tudo para fazer a festa, eis fala festa da páscoa, que fala em
festa tá errado, porque é reza da semana santa, a esmola que é nosso cumprimisso
é pra ajudar no gasto da igreja, os que saia cum a charola ganhava o salario ,
a esmola que sobrava era pra fazer a festa, a reza. Eis tinha famia e largava a
lida pra i, então tinha o salaro, . Tinha duas, a que ia pra cima com 2 homi,
era mais estreitinha ainda, nois custava a segurá o cabo doandore. Essa ia pra
outo lado lá pros Quilombos, Carmo da Mata, Sabarazinho, lamounier E
Itapecerica”. A outa mais pesada que é essa qui, ia pra Santo Antonio do Monti,
cum 3 homi. Nois pedia o ponteiro pra i na frente pedindo comida e poso. Quando
era só os 2 era mais faci chegar quarqué hora sem avisá[9].”
O séquito era chamado de Charola
e era muito bem tratado por onde passava. - e no fim do périplo trazia muita
esmola destinada a cobrir as despesas com a celebração da festa da Semana Santa[10].”
Neste ano de 2016, segundo o vigário da paroquia Padre Paulo Sérgio, a Charola
entregou sua esmola no valor superior à de R$1.700,00 reais em dinheiro,
entregue por pedido do padre na segunda feira santa, durante a celebração, no interior da Paroquia
de Nossa Senhora do Desterro de Marilândia.
“ antigamente
era na quarta, agora chega na segunda feira santa, chegada da charola, com
esmola, procissão das Dores – Procissão do deposto”, a charola chega canatando,
o povo fica de cabeça em pé, a charola virada para dentro, fica em cima da
mesinha. O padre chega perto de mim e fala: “Sr Aníbal, assim que eu fizer a
entrada eu chamo a Charola, depois das
orações principais”. Aí o padre fala: “A charola hoje vai fazer a entrega da
esmola, vamos receber”. Aí nois entra devagarinho, aí quando para de rezar eu
falo: Agora tá cumprido a nossa obrigação e missão, vamos rezar em
agradecimento , agradecê a todo mundo que recebeu a charola em casa. Pedi a
Deus e a padroeira Nossa Senhora do Desterro aque derrami benção nos seis tudo
que deram esmola , os que tava em casa e os quenum tava tamém. Quando deu tempo
nois foi. Vou entregar o que nois deu
conta de adquiri. A oferta nesse ano de 2016 foi de 1736,31 centavos. Assim
caprichemo mais foi o que trazemo aqui. Esperemo ganhar mais saúde para ganhar
mais. Passo pro presidente da igreja entregar o padre.. Nós da charola é de
nossa responsabilidade, onde nos vai tirar para caminhada, será entregue aqui
também, então tá todo mundo convidado pro próximo ano[11]”.
De acordo com o escritor (BARRETO, 2015): “A charola do Senhor dos Passos
da Igreja do Desterro peregrinava por todo o Distrito, nos quarentas dias da
quaresma, recolhendo donativos para cobrir os gastos da celebração da Semana
Santa[12]. Os Charoleiros eram escolhidos a dedo na
comunidade”: tinham que ser fortes e estóicos, crédulos e sensitivos,
qualidades necessárias par que agüentassem a penosa peregrinação por caminhos
tortuosos, pedregosos, espinhosos e incertos ( que de um ano para o outro
acabavam ou mudavam de lugar). Silenciosos ou rezando e cantando em vozes
altas, eles sofriam as intempérie do sol e da chuva, o ataque de reses, cobras,
abelhas, dos marimbondos, dos borrachudos, das pulgas, bichos de pé, e
pernilongos. As vezes eram forçados a baixarem o andor na sombra de um barranco
e darem no pé na frente das mangangás, das arapuás, dos marimbondos. Deus é bom
pai e também protegia a si mesmo, na sombra do barranco, sofrido antes mas
agora ileso. Os Charoleiros corriam à toda brida mato afora e depois voltavam
pelos rastros até reencontrarem o andor com a imagem momentaneamente
abandonada, que agora parecia rir deles, perdoando”.
Durante o período da Quaresma em Marilândia, até hoje existe o costume de
algumas pessoas de sair com a "Charola que na concepção do senhor Aníbal :
“Charola não foi criado em lugar nenhum, era
tradição. Eu peguei ela, eu conheço desde que entendo por gente, eu ficava
observando e fui aprendendo sozinho os cantos. Eu aprendi aqui, e o que eu
aprendi aqui não vou sair nem depois de morto, já fisu até meu tumulo” ela foi
criada aqui mesmo em Marilândia, pode pergunta quem ocê quisé, em Itapecerica,
ninguém alembra dela não.”
Charola significa andor ou
padiola. Trata-se de um suporte onde se carrega uma pequena imagem de Nossa
Senhor dos Passos; necessita de duas pessoas para carrega-la. Esse feito, os
charoleiros deixa a cargo das mulheres, ou dos mais velhos. O costume é de ir visitar as famílias e
recolher donativos para ajudar a Matriz de Nossa Senhora do Desterro, durante
as festividades da Semana Santa. A esmola é entregue ao padre na missa com
todos os esmoleres da charola, onde era sempre na quarta-feira de cinzas E
agora, em detrimento de uma certa organização da paroquia o padre solicita que
seja entregue na segunda feira santa. Ao
perguntarmos ao Sr. Aníbal se a Charola beneficia a comunidade e seus
integrantes da charola, ele nos respondeu dentro da sua sobriedade de mineiro:
“eu sinto uma fé viva, uma pura verdade. Sou um homi de fé. Todo mundo
aqui gosta de mim, não tenho inimigo, até o ladrão que cata aqui e ali, nenhum
deles eu não tenho nada pra fala már. Elis num vêm aqui pra catá nada meu e nem
da minha muié. Tem 2 ali que é fote eu chamo eis pra dividir até um “biete de
sociedade do tituto de capitilizaçao se ganhar nois dividi. Eu sou amigo de
todo mundo, tem 2 fazendeiro aqui dos bão, me vê na missa e chega perto pra
pegar na minha mão da minha muié[13]"
Toda essas expressões populares contidas na Charola de Marilândia
implicam convivência, agrupamento, são espontâneas e circulares dentro da fé,
numa aliança de muita devoção, uma paixão de encantamento. Sempre seguidas por
uma característica coesa de conhecimento herdado, intuitivas de uma herança
familiar encrustada na raiz de sua própria alma: “Tudo que vem de cima é Deus
que manda”, dizia o velho João Norico[14].
O senhor José Guimarães Rodrigues, mais conhecido como Sr. Aníbal, filho
do Sr. Aníbal Guimarães, de 79 anos, chefe da Charola, disse que: “A charola
anda 40 dias, desde o princípio da quaresma, termina o comércio com folga do
dia. Toda noite ela sai, dependendo do dia, se chove num sai, aí a charola fica
até o terceiro dia pousada na casa do ultimo visitado. Para cada parada um
canto de caráter dolente, sem instrumentos, composta por seis integrantes
das vozes, que ele mesmo fez questão de
enumera los e designa los, já que é o Sr. Aníbal o coordenador da Charola de
Marilândia:
“Na Frente fica eu, Zé Anirbo faço
a 2ª vozes, o Orival faz a 1ª, o Raimundo que é o “talão[15]”
fais a terceira vois. Atráis , pariado fica o Zazá (Cumpadi Bartazá) fais a 1ª
mais grossa, dispois o Wirton fais a 2ª, e o Lê
a 3ª. Eles tudo é meu cumpadi ...”
A Charola segue com a matraca, um
instrumento de percussão, feito de madeira, com uma plaqueta ou argola que gira
em som barulhento em torno de um eixo. Esse instrumento é utilizado somente no
tempo da quaresma, aliás o único som permitido nesse período. O som é bastante
característico, fúnebre. O som da matraca fica impregnado no imaginário
religioso católico como o anuncio da morte de Jesus. O som é seco e que quebra
o silencio das noites tristes da quaresma. Os cantos são simples, e denominam
alerta, pecador, remissão e arrependimento. Sempre entoados com as misturas das
melodias dos índios, dos negros, e da igreja.
“ As melodias,
eu vou mudando elas, de verso, e eles vai respondendo. Se tem muito verso, eu
pico elas no meio. Quando entra na casa, eles fica de fora, entra só eu e a
charola. Aí eu fico esperando os procedimento. Se vai dar esmola memo, aí se
pedi oração ou mais um verso eu chamo eles pra entrar pra dentro. As veis a
casa é muito apertada aí por isso nois dividi.[16]”
Pecador Remir
Ô Jesus vós
E o pecado
remido
É o sangue seu
Atendei o amor
Atendei
humilhado Deus
Livrai-me dessa
dor
Que devei quando
sentir
Vendo meu Jesus
Condenado
Caminhei pelo
carvalho
Nesse madeiro
pesado
Perdoa os meus
pecados
O meu doce Jesus
Ver o meu Jesus
Condenado
E ver seus
ombros na cruz
Essa manifestação religiosa existe
desde a ereção da Capela, em 1716. Durante as visitas é recitado os versos
através de um canto sofrido que relembra todo o sofrimento do Nosso Senhor
Jesus Cristo, e do pecador arrependido”.
Senhor Aníbal relata que a equipe é formada por 6 integrantes para tirar
os versos, responder e fazer o coral de fundo: um tirador (faz os cantos e a
primeira voz); e o outro faz o dueto, segundo integrante com a segunda voz; o
3ºfaz a terceira voz, o restante responde em coral. Todas as musicas tem
caráter dolente. A impressão é de um grande arranjo para várias vozes.
Indaguei ao senhor Aníbal sobre os
versos, pois não são “versos de idéias”, o que ele denomina para os cantos do
Reinado e da Folia. Ele me respondeu afirmativamente:
“ Na charola é
reza mesmo, não é verso de idéia.[17]”
“JESUS PIEDOSO”
Jesus piedoso
Que na cruz
morreu
Bis [Dos filhos ingratos
[O pior sou eu
Foi por nossa
culpa
Que Jesus morreu
Bis [Dos filhos
ingratos
[O pior sou eu
Jesus Piedoso
Eu sou filho seu
Bis [Dos filhos
ingratos
[O pior sou eu
Foi por nossa culpa
Que morreu Jesus
Bis [Ele foi
pregado
[Nos braços da cruz
[1] VERKUIJLEN. TEODORO. Frei Teodoro Verkuijlen,
: 2005
Entrevista informal concedida a Erivelta Diniz , secretaria do
frei Bernardino Leers, no Convento Santo Antônio de Divinópolis.
[2] ABRA A
PORTA. Cartilha do povo de Deus. Ed. Paulinas.1985. p. 11
[3] LEERS.
Bernardino. Rigorismo Moral e Humor Popular. Ed. Paulinas. 2007.p.59
[4] Canto da
Charola durante os 45 dias da quaresma ; na recolhida das esmolas nas casas.
[5]
Oração de Ferrabrás. (Isis Litteris), Com essa poderosa Oração de São
Cipriano,o homem ou a mulher que amas não sairá do teu lado nunca e te
venerarás para todo sempre... Cabra Preta Milagrosa que pelo monte subiu,
trazei-me .r.s.t.a.r.p .que de minha mão sumiu. r.s.t.a.r.p., assim como o galo
canta, o burro rincha, o sino toca e a cabra berra, assim tu hás de andar atrás
de mim. Assim como Caifás, Satanás, Ferrabráz e o Maioral do Inferno que fazem
todos se dominar, fazei r.s.t.a.r.p se dominar, para me trazer cordeiro, preso
debaixo do meu pé esquerdo.r.s.t.a.r.p, dinheiro na tua e na minha mão não há
de faltar, com sede tu nem eu não haveremos de acabar, de tiro e faca nem tu
nem eu não há de nos pegar, meus inimigos não hão de me enxergar. A luta
vencerei com os poderes da Cabra Preta Milagrosa. r.s.t.a.r.p, com dois eu te
vejo, com três eu te prendo com Caifás, Satanás, Ferrabráz. Reza-se esta oração
com uma vela de qualquer cor acesa e uma faca de ponta. Esta Oração deverá ser
feita de preferência na hora em que voce se sentir mais à vontade e de
preferência em que esteja sozinho longe de barulhos. Pode ser feito novena com
ela.
[7]
Dicionário frei chico página 209
[8] ANÍBAL.
José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista
informal concedida a Erivelta Diniz
.03/06/2016.
[9] Idem.
[10]
Barreto. Lázaro. Memorial do Desterro.
[11] ANÍBAL. José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista informal concedida a Erivelta Diniz .03/06/2016.
[12] ANÍBAL.
José. Charoleiro de Marilândia. Entrevista
informal concedida a Erivelta Diniz .
03/06/2016.
[13] Idem.
[14] Antigo
morador de Marilândia
[15] Os
chaloreiros de Marlândia.MG, denominam a
“Tala” para os que fazem a terceira voz do primeiro grupo de vozes, conhecido o
cantor de talão.
[16] Idem.
[17] Idem
COMO É FEITO O SUCESSO
Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Uma das primeiras colaboradoras
do blogue Luso-brasileiro: “PAZ” – colaboradora e entusiástica, que ajudou a
sua divulgação, – era distinta poetisa.
Nesse tempo, o blogue, era
publicado no site do semanário “SOL”.
Já lá vão muitos anos – uma década;
– e todas as semanas, é atualizado com interessantes textos, de conhecidos
intelectuais brasileiros.
É justo, também, lembrar, que a
propagação do blogue, em terras de Santa Cruz, deve-se, em parte, a
ex-jornalista do “ J.J.” e principalmente, ao escritor, autor de curiosas peças
de teatro: Albino Júnior.
Ora certa vez, essa
colaboradora, num ato de desabafo, contou-me como lançou seu primeiro livro:
Quando era jovem e colegial,
entretinha-se a escrever versos, que na sua opinião – segundo me declarou, já
nos últimos anos de vida, – eram incipientes, próprios da idade e de quem
inicia carreira literária.
Soube o pai dessa inclinação, e
quis fazer-lhe agradável surpresa.
Deu-se o caso de ser amigo de
escritor, com nome feito e influente no meio literário. Mostrou-lhe os poemas e
pediu-lhe apoio.
Este atendeu o desejo do amigo,
tanto mais, que além de ser muito querido, tinha largos bens e era otimamente
relacionado.
Logo falou com críticos,
solicitando a sua colaboração; já que se tratava de menina, que desejava
iniciar carreira literária.
A obra veio a lume – não sei se
a edição foi paga pelo bolso paterno ou por livreiro amigo, – com pareceres de
iminentes críticos da nossa praça, que gentilmente teceram largos elogios à
jovem, augurando que viria a ser figura proeminente na literatura.
A menina – pela mão do pai, –
foi convidada para apresentar o livro, na TV.
Muito tímida, apareceu nos
estudos, onde, entrevistador tentou acalmá-la, prometendo ajudar, e guiar a
conversa, para que tudo corresse bem.
Não é preciso dizer, que a obra
foi um sucesso…e a menina ficou radiante, orgulhosa do talento.
Correram anos e anos…O pai
falecera, a menina cresceu, e continuou a versejar; mas, agora, com outros
conhecimentos: seus poemas ganharam beleza; outra graça; tornando-se dignos de
aparecerem em seletas.
Publicou, depois, vários
livros, mas – segundo me contou, – nenhum teve o sucesso do primeiro.
Faltava-lhe a influência
paterna e o apoio do editor.
***
Outro assunto, mas o mesmo
tema:
Já lá vão muitos anos, li, que
houve seleção de futebol, de adolescentes, que deu brado na Europa. Os
jogadores eram excelentes e esperava-se que todos, ou quase todos, viessem a
ser incorporados na Seleção Nacional.
Não aconteceu. A maioria passou
a jogar em pequenos clubes, e desapareceram… Só ficaram conhecidos três, que
tiveram a sorte – seria sorte? – de
obterem empresários, que os lançaram em grandes clubes, que tinham
excelentes treinadores.
Dizia Cruz Malpique, que o
talento é feito: “de um por cento de inspiração e noventa e nove de
transpiração”.
Concordo, mas acrescentaria:
Como metade da beleza da moça, está na caixa – cosméticos, – também o sucesso
não reside, apenas, no talento, mas nos “padrinhos”, que se obtém ao longo da
vida, já que a maioria, só sabe pensar pela cabeça alheia.
O VELHO ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS
Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Havia na casa de meu pai, velho
álbum de fotografias, coberto a madrepérola, de folhas grossas, de cartão
amarelecido, como amarelecidas eram as fotos.
Deliciava-me, em menino, a
folhear esse velho álbum. Algumas vezes, meu pai – que o manuseava com
extremoso cuidado, pois fora de sua mãe, – ao mostra-me as fotos (que estavam e
estão, porque ainda o tenho, muito velhinho com folhas a soltarem-se da
lombada,) ia-me contando quem eram aqueles “ figurões” de largos bigodes, em
poses estudadas, quase todos recostados a sólidas colunas de madeira.
Fascinava-me ouvir o que ele
dizia dos senhores de bengala, que surgiam a cada virar de página:
- Este, foi teu trisavô – dizia
meu pai, apontando a foto com dedo mindinho. - Chamava-se, José de Pinho. Teve
carpintaria, na rua Direita. Combateu nas hostes de D. Pedro. Foi agraciado,
pelo Rei, com alta condecoração. Este – continuava, virando a página, – era o
Manuel. Foi para o Brasil, ainda criança. Dizem que casou com mulata, que o
envenenou. Este, de chapéu de abas largas e botas à caçador, é o tio Caetano.
Foi homem muito rico. Ficou com a carpintaria do pai e transformou-a em
importante indústria madeireira. Casou com fidalga. Esta Senhora, é tua avó. – Continuava.
- Foi excelente pianista, e muito aplaudida…
E, lentamente, ia virando as
folhas. Diante de meus olhos curiosos, “desfilavam” graves cavalheiros,
senhoras de grandes chapéus, e meninos de fatinho de marujo, que sorriam para
mim.
Por vezes, aparecia, ao abrir o
álbum, homem elegante, musculoso, de enormes bigodes, rosto voluntarioso,
tostado pelo sol.
Era o tio Francisco.
Emigrara para o Brasil. Pouco
se conhecia da sua vida, apenas que possuía importante frota de barcos, no rio
Amazonas. Um dia desequilibrou-se, e morreu afogado.
O primo Alberto, que vivia em
São Paulo, dizia que era muito rico: milionário. Como era solteiro, ninguém
reclamou a herança. Foi direitinha para o Estado.
Os antigos álbuns amarelecidos,
desbotados pelos anos, fazem parte da história da família.
São retratos de antepassados,
que não conhecemos; mas são as nossas raízes. Sem sabermos seus nomes e o que
fizeram, somos como órfãos.
São, os objetos, que passam de
geração a geração; as tradições; os gestos heroicos, dos que nos antecederam,
que nos dão identidade.
Neste tempo, em que se vive em
pequenos apartamentos, que não permitem guardar invocadoras velharias. Neste tempo,
em que se pretende esquecer o passado. Neste tempo, em que os avós, e até os
pais, encontram-se em residenciais, mais ou menos luxuosas, consoante as
possas, a coletividade, priva, as novas gerações, de conhecerem suas origens.
De conhecerem: histórias,
factos, acontecimentos, que passavam, oralmente, de pais para filhos.
Os jovens do nosso tempo,
desconhecem o prazer, que se sente, ao folhear os velhos álbuns de fotografias;
fotografias de antepassados, que apesar de nunca os termos conhecido, fazem
parte de nós. Certamente, sem eles, não existiríamos, pelo menos tal como somos.
TO SAY
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
Said from
the end of the world
the unappealable fear
of not being
here anymore
in the next
week:
said of
unpostponable
commitments
of study
of children
of long-term
programmed
vacations
said of
the end of all
and smiled
unpayable
debts.
DIZER
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Disse do fim do mundo
o medo
irrecorrível
de não
estar
mais aqui
na semana
próxima:
disse dos compromissos
inadiáveis
do estudo
dos filhos
das férias
programadas
no
longo
prazo
disse do fim de tudo
e sorriu
dívidas
impagáveis.
TO WANT
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
I want you
author
without an interpreter
of
irrepressible desires
music
silence
externalized hour
of countries
with closed borders: I want you.
QUERER
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Quero-te
autor sem intérprete
dos desejos irreprimíveis
música
silêncio
hora externada
de países fechados
em fronteiras:
quero-te.
GO AWAY
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
When going
away knows:
there is no
change
in nonexistent
rules
(the
coffin weight
the coffin weight
the prison)
flies over
the open place
in noises
and on the street
realizes
hidden figures
interspersed
rules
in the air move
over the area
(the cold
tile gets
lovers
bodies: delivery goes away
gradually).
IR EMBORA
Por
Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Ao
ir embora sabe:
não se mudam
as regras
inexistentes
(o
peso da paixão
o
peso do caixão
a
prisão)
sobrevoa
o lugar aberto
em
barulhos e na rua
percebe
vultos escondidos
regras intercaladas
na jogada aérea
sobre a área
(o
piso frio recebe corpos
amantes:
a entrega vai embora
aos poucos).
ÉS ESTRELA NUA (EM LIVRE UM VOAR)
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Vem estrela nua
Vem sem culpas
Sem medos
Mas vem rápido
E vem agora
Espero-te em chamas
Perdido no labirinto
Da alcova minha
***
Vem consorte minha
Vem imersa
De todos
Os milenares mistérios
Em imortais segredos
Vem completa
Em versos
Em prosas
***
Vem
Óh sacrossanta amásia
Vem sem choros
Sem medos
E sem lágrimas
Mas vem
Vem rápido
Mas vem agora
Não me deixe só
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