terça-feira, 1 de março de 2022

JOGOS DE RELAÇÃO

Por Elisa Augusta de Andrade Farina (Teófilo Otoni, MG)

 

 O século XXI caminha a passos largos e no seu bojo as tecnologias vão cada vez mais se aprimorando. A era da informação dos multimeios é a realidade que leva as pessoas a procurarem se informar a seu respeito. Por mais incrível que pareça, nunca tivemos uma situação tão caótica na comunicação interpessoal.

O que se falava "tete-a-tete", hoje se clica na internet, sem o famoso "olho no olho", uma verdadeira simulação de sentimentos, ocultando a verdade que hoje é quimera dos " sentimentaloides" (aqueles que prezam a ética e a boa convivência).

Os relacionamentos vão de mal a pior entre os homem e mulher, silêncio doloroso e persistente entre pais e filhos, clima pesado entre alunos e professores. Todos nós desastrados, ora tolhidos, ora dissimulados e na maior parte do tempo, mentindo uns aos outros.

Estamos assistindo impassíveis a agonia da verdade, deixando a falsidade campear livre, fazendo vítimas entre os inocentes e ingênuos. A civilização pós-moderna se firma cada vez mais no egoísmo, na vaidade, numa total indiferença: tudo para mim, para a satisfação do meu ego e o próximo que se dane!

O ser humano é incapaz de manter uma relação de amizade verdadeira, em compensação a maior relação se dá em sua tela de computador, seu círculo social resume-se no Instagram, Facebook ou no WhatsApp, etc.

As fofocas, o exibicionismo, a falta de privacidade, as imaturidades virtuais vilipendiam o tempo e as verdadeiras emoções do encontro face a face.

A verdade, onde se encontra? Nesse mundo de faz de conta está mais distante, marcada de dependência psicológica e afetiva, de ciúmes desvairados, de insegurança e traições virtuais, de promiscuidades e baladas regadas a bebidas, sexo, tirando a sanidade mental de todos. Nunca fomos tão frágeis, carentes e inseguros, a angústia é o marco das nossas relações inter e intrapessoais.

Cadê o olho no olho e a sabedoria de dizer "errei", "não sei", "não posso”, “não quero". Quanto mais roupa de grife, tatuagens, corpo sarado, imagem narcísica, maior a baixa autoestima, menos a paz de espírito, maior a nossa fragilidade. A espontaneidade faz parte de um passado, a nossa sociedade nos imputa uma "respeitabilidade" falsa, nos adestra como animais de circo para falar o que não pensamos, expressar o que não sentimos e fazermos o que não desejamos.

Vivemos em contraposição, uma era conflituosa nas nossas relações matrimoniais, na criação e no cuidado dos nossos filhos, nas escolas, no trabalho e entre as demais nações.

Dia virá em que as pessoas buscarão de fato a capacidade de descomplicar os atos que as impedem de pensar, amar, sentir e agir, tendo a aptidão de na maior parte do tempo, falarem o que pensam, expressarem o que sentem e de fazerem o que desejam, resgatando desta forma a busca da verdade.

O sonho de um tempo em que a energia do pensamento seja transmissível, nos tornando mais honestos, habita o recôndito do nosso ser, nos impulsionando a viver em paz, sem dissimulações, simplificando a nossa vida e as nossas relações de fato.

 

 

Sobre a autora: Elisa Augusta de Andrade Farina, é Professora, Escritora, Poetisa, Contadora de histórias, e Presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. 

TRILHAS DA PALAVRA (26.FEVEREIRO.2022)

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

"AMOR DE PERDIÇÃO", OBRA-PRIMA ESCRITA EM 15 DIAS

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)


Dos numerosos romances de Camilo, sobressai, o " Amor de Perdição", escrito na Cadeia da Relação do Porto, no quarto oito, em curto espaço de tempo – quinze dias.

O romancista fora detido por crime de adultério, que na época era escandaloso.

O Mestre dos Mestres, como afirmava – e bem, – António Feliciano de Castilho, encontrava-se encerrado numa pequena sala húmida e sombria, quando escreveu a obra-prima, que Miguel Unamuno considerava: " Uno de los libros fundamentales de la Literatura Ibérica" – " Por terras de Portugal y Espana"; e afirma na mesma obra: " Ler Camilo es viajar por Portugal, pero es Portugal de las almas."

Ana Plácida era casada com Manuel Pinheiro Alves, negociante abastado, muito mais velho do que ela. Casara com dezasseis anos!

Oito anos depois, amancebara-se com Camilo, levando o filho, Manuel Plácido.

O marido, ultrajado, apresentou queixa por adultério. Ana é presa em junho, e Camilo em outubro, do mesmo ano (1860).

Julgados pelo Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, pai de Eça, – foram, ambos, absolvidos.

O " Amor de Perdição" tem enredo de verdade e fantasia.

Simão realmente existiu. Era estudante na Universidade de Coimbra, vivia em Viseu, e era solteiro.

O crime de Simão foi de tentativa frustrada de homicídio, na pessoa de criado de servir, na Rua Direita (3 de agosto de 1804,) em Viseu. E não, como narra o romancista, assassino do pretendente de Teresa Albuquerque.

Simão foi auxiliado, durante a realização do crime, por José Jerónimo de Loureiro e Seixas, e não pelo ferrador João da Cruz, como assevera Camilo, no romance.

O Visconde de Valdemouro, membro da Família Albuquerque da Beira Alta, conta no: " Correia do Vouga ": que seu tio, D. António, escreveu indignado a Camilo, por ter usado o apelido da Família, no romance. Camilo respondeu-lhe: que utilizou o apelido, como poderia usar outro qualquer, visto os nomes próprios serem fantasiados. O nome de Teresa e Tadeu, foram, portanto, inventados pelo escritor, omitindo os verdadeiros.

Simão, como se sabe, era tio paterno de Camilo Castelo Branco.

Apesar do escritor não ser, entre os jovens, muito lido, é o maior prosador, em língua portuguesa – graças ao:" Extraordinário génio verbal e estilístico do escritor (...) e a admirável vernaculidade da linguagem de Camilo" – Vasco Botelho de Amaral. Rodrigues Lapa tem parecer semelhante sobre o romancista.

Termino com a magnífica imagem de Pinheiro Chagas: " A sua linguagem foi arrancada como puro mármore da pedreira nacional."

Já agora: por que não reler, nas próximas férias, o "Amor de Perdição"?

SILVÉRIO ESTÁ COM A NEURA

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Passava nesse domingo, de céu lavado, pela antiga Praça Nova, hoje da liberdade, quando deparei com Silvério recostado, nas grades férreas, do extinto Banco Ultramarino.

Acerquei-me com a mão direita esticada, e disse-lhe:

- "Dá cá um abraço, meu velho! O que é feito de ti? Há séculos que não te vejo!..." Empertigou-se. Olhou-me com olhos apagados, sem brilho, de ombros descaídos, e confessou-me:

- " Ando com uma neura, que não te digo. Estou triste, como a noite. Tu sabes o que me aconteceu? Não sabes; mas eu te conto: meu filho andava atrapalhado. Ganha pouco, e a senhoria queria-lhe aumentar o aluguer. Tive pena do rapaz. Como sabes sempre fui poupado – até fome passei! - Amealhei dinheirinho para a velhice. Ao vê-lo em dificuldades, resolvi pegar no que tinha e dei-lho, para comprar a casinha. Não calculas o que me custou ficar a zero. Mas ele merecia..."

Silvério fez curto silêncio. Depois continuou:

- "Digo: merecia...Tu sabes o que o malandro me fez? Apanhou-me o dinheiro. Comprou a casinha, e ainda me disse que, se pudesse me daria algum, todos os meses. Não quis, mas fiquei grato pelo gesto de amizade e gratidão. Pois agora desmudou-se: se antes era paizinho para aqui, paizinho para ali, agora mal fala comigo. Ainda a semana passada o fui visitar, Julgas que me deu atenção? Qual quê! Estava trombudo... Fugia de mim, como o diabo da cruz. Tive ai impressão que me queria ver-me pelas costas."

Respondi-lhe, animando-o, ao vê-lo assim angustiado:

- " Isso deve ser impressão tua..."

-" Não é " – retrucou com os olhos aguados – "Ainda dizem que devemos auxiliar os filhos...Por bem-fazer, mal haver... Tudo me parece negro. Ando triste. Muito triste... Quem me mandou dar o que tinha? Agora nem dinheiro tenho para entrar num lar... e perdi a amizade do Zé!... Está servido..."

Depois de o estreitar compungido contra o peito, com forte abraço, despedi-me do antigo companheiro com o coração apertado e mágoa infinita.

Na realidade, muitos ao verem-se servidos, esquecem-se dos pais, avós e amigos, que tudo fizeram para os ver felizes.

Silvério deu, como a viúva do Evangelho, o que lhe era necessário para velhice sossegada e confortável. Agora está pobre, abandonado por todos, até pelo filho, que pensava que o amava ternamente.

Quantos Silvérios haverão por esse mundo fora?!

SETE DE JANEIRO

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

Lá vem o Caboclo  com muita emoção 

Itaparica:  a ilha que fica 

No nosso coração, 

Sete de janeiro  glorifica 

A independência, união; 

 

Antes do outro  sete 

Teve a gente irmão! 

Foram dias de luta 

Para a expulsão... 

 

Os portugueses não ficaram 

Mandando nessa nação... 

Ainda nessa ilha os caboclos  

Meteram a mão. 

 

Era um bando de loucos 

Raça como poucos, então... 

A ilha em combustão 

Contra a escravidão. 

 

Hoje a gente comemora 

Da vitória em consumação 

A tocha que ilumina 

Grande combustão! 

 

Todos saem garbosos 

Da grande façanha, multidão... 

Onde no Campo Formoso 

Cantamos com emoção. 

 

A independência do Brasil 

Teve julho e setembro 

Mas teve janeiro, uma lição! 

De  que também luta 

Com o pouco que tem na mão. 

 

Velhos tempos de lutas e paz: 

-A nossa  Conjuração!... 

Dos anos depois da  vitória 

Perdidos na História 

Em meio à grande alienação! 

 

- “Mas deixe queto” 

Enquanto tiver vivente na ilha 

Sete de janeiro a gente bota “pilha” 

Com um “refresco” na memória do povão! 

 

 

A COLINA DE ROBERTO

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)


Sempre na segunda semana de janeiro, justamente na quinta-feira, como hoje, é feita a Lavagem do Bonfim, inicialmente era uma festa religiosa, onde candomblé e catolicismo se uniam  para fazer umas das mais tradicionais lavagens da Bahia, a Lavagem do Senhor do Bonfim.
Inicialmente quando juntou o religioso ao profano, chamavam de “A Festa dos Coroas” mas  a coisa foi se popularizando, tomando grandes proporções, que é conhecida até internacionalmente, nessa época de verão, é muita gente vindo ver.
Apesar da pandemia, ainda irão  uns teimosos que regado à muita folia, usam  como desculpa para segurar  uma “loira gelada”  com sua vestimenta tradicionalmente branca...
Não é por tudo isso que meu amigo Roberto, que veio do Rio Grande do Sul, utilizou esse subterfúgio para ir à Colina Sagrada à pé, comigo ?
Chegando do Sul, a pouco tempo, hospedado na casa da minha vizinha, aproveitou o ensejo para ir, onde eu era o cicerone, pois o cara não conhecia nada, não sabia dos percalços e dos detalhes de segurança.
Mesmo sem saber de nada disso, ainda potencializou sua inocência com o chamado “roupinol” que era uma bebia artesanal, feita de um monte de coisa que a gente nem imagina.
Eu o desaconselhei, beber  algo  que a gente não tem nem ideia...  mas o homem insistiu, saiu com a dita cuja na mão, uma garrafa de uma “bomba”  desconhecida...
Eu sei que ele nem chegou à metade  do litro que era  literalmente uma embalagem de plástico, daquelas que guardam álcool líquido...
A cada gole o cara pirava, desandou a paquerar todo mundo que passava, lá na Colina começou a claudicar nos passos, se arrastando...  quanto  mais se arrastava, mais bebia, quanto mais bebia, mas paquerava...
Ele via que era mulher, já era! Poderia ser de qualquer natureza, inclusive as acompanhadas, ele ia encima, eu não sabia mais o que fazer,  não queria largar aquele troço, não sabia andar na cidade, portanto  não poderia abandoná-lo à própria sorte, então quando o ébrio  investia nas mulheres acompanhadas, os seus respectivos namorados ou maridos, iam para cima dele a fim de  querer esmurrá-lo.
Eu interferia sempre com a mesma frase:
- Olhe o estado desse homem, ele não está sabendo o que faz está se arrastando, você vai querer bater num cara desses?
Sorte que as pessoas viam e compreendiam, porque se saísse murro, ele ia apanhar sozinho!
Quando não tinha mais jeito, eu o  chamei para retornar para casa, caminhando, pois o trânsito estava interditado  por causa do evento.
O dito cujo saiu se arrastando de lá até aqui na nossa morada, uns oito quilômetros, mesmo assim durante o percurso não largava a “mardita” saiu paquerando tudo pela frente, um verdadeiro horror, um trapo se arrastando com a garrafa na mão paquerando, com  aquele bafo etílico...
Quando chegamos aqui, ele estava com a chave do seu apartamento, que a quebrou ao tentar abrir a  porta, nisso  já era  noite, não tendo como entrar em contato, com a sua irmã, ficou ali mesmo, escornado no tapete de entrada, chegando até a dormir.
No outro dia, apareceu como se não tivesse acontecido nada, mas até hoje eu não esqueço  dessa grande lição, que Colina Sagrada com Roberto, não tem condição. 

 

 

O PARQUE SOLAR BOA VISTA!

Por Marcelo de Oliveira Souza (Salvador, BA)

 

No Parque Solar Vista

Tem a maior confusão,

Antiga casa de Castro Alves

Um grande Solar de alienação.

 

Nosso condoreirista

Morreria do Coração

Onde na sua jornada

Foi habitação.

 

Nos tempos aprazíveis

O bucolismo era sua razão

No meio das árvores

Fez-se habitação.

 

Tempos de outrora

Hoje é outra hora

O Parque virou túmulo

Que decepção!

 

O povo ri e chora

Com o desprezo de agora

Juliano Moreira sem casa

Do lado de fora.

 

Nessa magia sepulcral

Cabe mendigo, desvalido, marginal

Invasão de tudo quanto é jeito

Em meio ao matagal.

 

A gente clama e implora

No dia que um governante,

De dentro ou de fora

Feche essa ferida que vigora.

 

Todo mundo junto nessa corrente

A gente pensando para frente,

Até um dia, o Solar, volte a representar

Tudo de que era  antes, aqui é o nosso lugar!

 

 

LIMITE

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

Dor adiante 

Ainda constante 

Uma força inatingível 

Que às vezes atingimos 

Fora da medida, 

Numa dor desmedida. 

 

O corpo humano 

É máquina maravilhosa 

Músculos saltam doravante! 

Num exercício inconstante 

Chegando ao limite... 

      ... Para... 

E se recompõe num instante! 

CARNAVAL

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)


A alegria chegou 

O trio elétrico passou

A multidão também,

Alguém ficou

Caído no chão!

Uma arma de encontrão

Furou o pulmão 

Todos gritando

Indo atrás da atração.

Gente de montão

Felicidade de milhão!

Em todo lugar uma transmissão! 

Em outros lugares empurrão...

Ali no cantinho um chupão

Mais à frente cervejão!

O malhado valentão

Terminou na prisão,

Levou um cachação!...

Todo mundo vira multidão

Camarotes do barão

Folia bem diferente, não?

Mas também tem o folião

Dos blocos e do arrastão...

Nas cinzas ainda não basta, não!

A tristeza do cordão

Que virou cordeiro,

Trabalhou e dançou

Mas acabou sem dinheiro na mão!

Mais triste ainda quem gastou...

E nem  chegou a brilhar

Mas terminou a quarta feira

Beirando o caixão!

Esperando a reencarnação

Para voltar à folia

Com toda energia

Ver tudo recomeçar!

 

 

 

REFLEXÃO: AMAVA PORRA NENHUMA!

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Não sei o autor dessa frase "amava porra nenhuma", mas isso me fez pensei como as pessoas têm brincado muito com esse lance de amar. Por qual motivo dizem que amam e ferem os sentimentos das pessoas?

Tem um ser dentro de mim que diz que as pessoas não sabem lidar com o afeto e amor que outras pessoas lhe dão. Ou é medo de ser feliz ou é imaturidade. Porque nesse contexto todo tem sempre um porém: acho que te amo, talvez possamos ficar juntos, eu bem que queria estar com você, só faltou você aqui.

E não sobra espaço para dar uma certeza ao outro. Fica naquela indecisão.  Aí vem a pergunta certa que a razão faz ao coração: Vale a pena investir? Acho que esse "amava porra nenhuma" já lhe diz tudo.

Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, SC.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

JORNADA

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)


Madrugada chegou, silêncio no peito,

mente oscila, atrita voz silenciosa,

alma rasgando, grito calado de aflito

saudade daquele amor antigo, amigo.

***

No oceano de lamuria, insônia castiga

lembranças infindas ilusões, intrigas,

lágrimas caem no rosto, sob’ desgosto,

entrego, vivo, amo, universos opostos.

***

Nítido ver, quem n’alma chorou, sofreu

calado esperar, o amor que aflorou, viveu

do nada calou-se de amor padeceu!?

***

Não! Coração avisou, sofreu, revigorou,

seguiu sua jornada, amou, não negou!

Hoje a alma silenciosa, vive, sobreviveu...!


Fabiane Braga Lima é poetisa e cronista em Rio Claro, SP.

 Contato: bragalimafabiane@gmail.com

 

ANGELINA

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

O sargento Lopes escuta ao longe o som devastador das ondas a bater nas pedras. E o cheiro da maresia a lhe invadir as narinas e ele não pode deixar de pensar na infância pobre. Para o encontro com o genro tinha o policial militar o seu discurso mais que pronto: ‘’– Canalha, maldito, calhorda!’’ Diz Lopes para si mesmo, agora diante do genro, um branco total toma a mente do homem que um dia jurou defender a lei e a sociedade, mas a ideia de matar o jovem diante dele de repente lhe vem à cabeça, um lampejo apenas.

– Angelina minha filha, vem aqui, quero que tu também escutes o que eu tenho pra dizer. – Diz o policial militar em tom paternal para a filha que ainda permanecia no banco de passageiros do carro a poucos metros dele –. Olha rapaz, tive que emancipar a minha filha pra ela poder casar contigo – O policial militar para e retoma o fôlego, pois tinha que continuar – Agora que ela tá grávida, tu me aprontas uma deste rapaz. Vender a casa que comprei e mobiliei para vocês dois morarem e queimar as roupas do teu filho, que sequer nasceu ainda! Não vou te prender agora rapaz, mas creio que tu vai parar em cana logo e braba, bem logo rapaz! – O velho sargento se recusava em dizer o nome do genro.

Desde que foi apresentado aquele jovem rapaz, o sargento teve um pressentimento nada agradável! Não pelo fato dele ser negro, pois importava sim, o policial não gostava de negros, mas algo soava estranho demais. Agora diante daquele indivíduo estranho diante dele, as coisas pareciam se encaixar.

E de fato, poucos dias se passaram após esta conversa com André de Sousa Andrade. E André de Sousa Andrade que nunca cometera um ato ilegal na vida, foi preso após um assalto mal sucedido. E em sua nova residência foram encontrados armas, mercadorias roubadas e drogas.


Samuel da Costa é contista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br              

 

UMA FLOR CHAMADA MARGARIDA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


 Para Cheila Cristina Rita

 

Uma vida simples, bem ali no pé do morro, em uma pequena cidade. No fogão à lenha, uma chaleira avisa que a água está pronta para coar o café e lá fora a vida segue normalmente. E ela nem sabe que dia da semana é hoje.

Só sabe que lá fora pessoas vestidas de negro, municiadas com velas, em uma estranha procissão ganham as ruas estão a fazer muito barulho, ali bem perto, e seu velho marido resmungou do quarto: — Shara! Traz um café pro vô. — ‘’Que alívio! Chamou a neta e não eu’’! — diz Adélia em voz baixa e olhando para o chão meneando a cabeça.

A senhora de idade avançada fez as seguintes reflexões: Quem diria que, após tantos anos de convivência, muita luta, muita fome, filhos criados, netos e netas, bisnetos e bisnetas e agora é a solidão a dois. Justamente agora que temos um teto, graças a Deus’’. Adélia Caetano com seus sessenta anos de idade e sua cor de ébano vê a vida passar de forma bem lenta. Vez ou outra um filho, uma filha ou os netos e netas vem lhe fazer visitas rápidas ou mesmo passar um final de semana em sua humilde casa. Nesses breves períodos afasta-se a solidão.

E lá fora notícias, dão conta que o mandatário local não está mais no poder, coisas do mundo da política, dizem que ele roubou um monte de dinheiro do povo, coisas de políticos, coisas que não me meto diz para si mesma e para mais ninguém dona Delinha como é chamada Adélia de forma carinhosa pelos seus vizinhos e familiares.


Samuel da Costa é contista e poeta em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 


SOLAR

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)


Das vagas memórias que tenho da minha não muito distante infância, das mais abissais, das mais alvaresianas, é uma breve ida para a praia em família, que assombra. Apesar de viver em uma cidade praia e de veraneio, posso confessar que a minha família não era e ainda não é até hoje de aproveitar o sol à beira mar. Mas voltando aos vestígios de uma lembrança amarga que não deveria nunca sair da fossa abissal do meu palácio das memórias.

Conto em especial, de um dia tragicômico, sim uma tragédia cômica, se é que isto é possível. E como uma simples ida à praia em família pode ser uma roleta russa. Pois então só para situar as coisas, eu sou filha natural e legítima de um casal inter-racial. E isto por si só gera embaraços no cotidiano.

Onde vivo, em alguns ciclos, ter pai branco e mãe negra, e sinceramente é uma tragédia em si. E talvez o próprio casamento seja em si uma tragédia em algumas ocasiões. O verdadeiro drama é o lugar onde é aonde vivemos, e coloca muito aonde nisso aí, pois ser um ser deslocado no tempo e no espaço não é nada fácil, onde as pessoas parecem viver na idade das trevas.

Pois voltamos ao que interessa, a ida à praia, em um dia forte de sol de verão. Para mim, o fato de viver defronte a um enorme oceano por si só é uma tragédia. Pois lá está ela a imensidão oceânica sem fim e todos os dias na tua cara para te dizer o quanto eu sou pequena.

E sim saímos nós, uma pequena família, a pé de casa e cruzamos a avenida hiper movimentada. Eu sai correndo, depois de me desvencilhar do meu pai e quase causar múltiplos acidentes de trânsito. E na beira-mar mais uma vez eu sair correndo depois de mais uma vez de me desvencilhar dos cuidados materno e paterno e pôr os meus pequenos pés na areia escaldante, e descobrir como aquilo é quente.

Pois bem amigos e amigas lá estava eu com o meu infantil maiô infantil floral. Uma peça única, muito cafona, feita em poliamida e elastano. Com as duas alças finas e reguláveis, babadinho azul marinho, no busto e atrás, e com uma estampa mais que exclusiva. Nossa que coisa horrível, eu poder lembrar em detalhes exatos, pois a minha orgulhosa mãe simplesmente mostra até hoje uma fotografia minha, vestindo o trágico traje de banho, para as amigas, parentes e quem quer que seja.

Mas estou dispersa hoje, o que importa é lembrar que o meu pai protetor veio em meu socorro, ele veio correndo socorrer a garotinha dele que gritava sentindo as areias escaldantes que queimarem seus frágeis e pequenos pezinhos. E a minha mais que querida mãe? Se bem me lembro, estava mais ocupada que nunca, vendo um guarda da esquina dar uma dura em um motorista de um carro utilitário, que estacionou no quarteirão. Ora, um veículo com placa de outra cidade e sem alvará para vender bugigangas e alimentos variados, de origem duvidosa na beira mar não pode mesmo.

Mas deixamos o aparato repressivo do estado para lá, eu sã e salva nos braços fortes do meu pai herói, ato embalado aos estridentes sons das ondas que quebravam na orla da praia, gaivotas gorjeando no céu azul e muito barulho mecânico ao redor.

Gritos e mais gritos, altos que suplantaram os demais sons da natureza geológica, mecânico e do reino animal. Era uma jovem mãe, que aos prantos chorava pelo seu filho. Estava morto jogado no chão, na areia úmida da praia, tinha três guarda-vidas ao redor que só olhavam o menino morto. E até hoje não sei se foi um ataque de tubarões eu afogamento puro e simples.

Quanto a minha bela família? Pois o meu protetor pai colocava as mãos nos meus ouvidos e virava a minha cabeça para o lado oposto da cena terrível. Enquanto isso a minha mãe que procurava e acabou encontrando um lugar na areia da praia, ela queria pegar um pouco de sol.

 

Clarisse Cristal é bibliotecária em Balneário Camboriú, SC.

 


NINHO VAZIO

 

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

No escuro do meu quarto, não tinha como ver as flores do quintal, somente a subjunção do ninho vazio com o silêncio noturno e a voz embargada com os gritos presos.

Na cama, entre papéis e livros antigos, viu o tempo das horas como uma música perturbante. Aquele "tic tac" fazia pensar que tudo estava indo tão depressa que não podia mais ficar ali, entre comodismos e velhas histórias.

Dava para ver as transformações de algumas coisas, mas ainda restavam coisas antigas no seu canto como canções que viajam por séculos e não perdem o seu sentido. No rádio, Ivan Lins quebra a rotina e versa os seus pensamentos. Dá para dizer que a vida é do jeito que ousamos ser.

 

Clarisse da Costa é artesã e cronista, em Biguaçu, SC.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

MEU MENINO

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


(Ao Samuel Costa)

Depois dos ecos

Do silêncio

Entre o choro e a dor...

Do Amor nas incertezas do outro...

Da ilusão de pertencer

E a descoberta de não ser…

No deserto de palavras

Jogadas ao vento...

Eu vi algo novo,

Como flores novas desabrochando.

Olhei você

E lhe vi menino

Em teu caminho,

Feito moinho de vento,

Peregrino

Em todas as direções

A me sorrir;

A libertação de mim mesma 

No vazio do meu cotidiano!

Eu sorri contigo

Todos os sorrisos de esperança.

 

Clarisse da Costa é artesã e poetisa em Biguaçu, SC.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

 

NÃO VOU DEIXAR VOCÊ DAQUI

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

‘’No silêncio da madrugada, minha alma se propõe,

Ao bem, ou ao errado? Não sei.

Quem poderá me julgar?

No silêncio da madrugada,

É que minha mente é livre,

Para atacar ou recuar,

E quem virá me julgar?

Se a sabedoria viesse no silêncio,

Da madrugada,

Que bom seria, pois ali eu estaria. ’’

José Luis Grando

 

Os passageiros dividiam o espaço do vagão com correspondências e mercadorias advindas da cidade portuária. O trem estava a caminho do litoral para o interior. Os poucos passageiros, na maioria, eram trabalhadores pobres e maltrapilhos, estavam inertes em seus próprios mundos.

O silêncio ali imperava e reinava absoluto, em todos os sentidos, até o barulho da locomotiva parecia querer ficar lá fora. Sentada em um banco de madeira, uma menina usava um modesto vestido de chita floral rosa, incrivelmente limpo, um surrado laço amarelo na cabeça e os pés estavam desnudos. Ela parecia estar em estado catatônico, e um menino com pouco mais de um ano, enrolado em uma manta marrom, estava sentado no colo da menina, o menino dormia complacentemente o melhor de todos os sonos.

De repente o menino despertou e sorriu para os homens sentados na frente de ambos. Os três homens vestiam ternos pretos bem alinhados e feitos sob medida, sapatos engraxados, unhas bem feitas, cabelos bem cortados, dentes bem tratados e barbas feitas. Destoavam, em muito, dos restos dos passageiros vestidos modestamente. A menina, que até então, estava no seu mundo particular a olhar para o vazio, virou e olhou para os três homens bem alinhados. A menina viu as roupas dos homens cobertas de sangue, os sapatos cobertos de lama, exalavam um olor putrefato de cadáver e os olhos deles estavam injetados. O homem mais alto dos três então fez menção de pegar o menino que estava no colo da menina.

            ─ Não põe as tuas mãos sujas nele, seu animal imundo! ─ Gritou a menina, a plenos pulmões, a voz dela soou gutural e ecoou na mente dele de tal forma que o deixou tonto. Os demais passageiros pareciam nem se importar com o fato.

            ─ Calma, menina, eu só queria fazer graça com o teu irmãozinho! Não posso? ─ Armênio Vieira Souto se impressionou quando viu os olhos da menina, tinha um brilho estranho, pareciam sem vida, pareciam de uma pessoa morta.

            ─ Se tentar pôr as mãos nele de novo, eu te mato! Sua pestilência assassina, pústula maldita e infernal! 

 Os outros passageiros, não estavam entendendo nada do que acontecia. Armênio fez menção de chorar naquele momento.

            ─ O que há? O que foi irmão?

            ─ O que foi chefe? O senhor está bem? 

            ─ Nada seus idiotas, me deixem em paz! Estamos chegando à estação, afinal de contas? Falta muito ainda, pra gente chegar?

            ─ Estamos chegando chefe!        

            ─ Bom! Estou farto dessa gente preta ordinária! Queria mesmo é pegar o vapor.

            ─ Tas tolo seu abobado’’, tas falando do que afinal, meu irmão? ─ O irmão mais novo de Armênio, nunca viu o irmão em tal estado, tão fragilizado. Ele sempre foi tão forte.             

            ─ Ora! Ter que dividir o vagão, com toda esta gente preta e ordinária! Laudelino meu irmão, só não aguento mais é só isto! Da próxima vez, pegamos o vapor.

            ─ Que gente preta, irmão? Não tem preto algum com a gente! Tás falando do que? ─ Os demais passageiros, que até então estavam em seus mundos particulares, se voltaram para acompanhar a cena que se desenrolava.

Ao chegarem à estação, os três homens enfim se encaravam, era hora do derradeiro fim daquela parceria. Armênio estava em alerta total, estava estranhando as poucas pessoas na estação naquela hora do dia. Ele viu um soldado da polícia militar negro, bem alinhado, alto e corpulento, no ombro esquerdo uma carabina Mauser 98k, versão sniper. O militar negro estava conversando com teuto pequeno que usava roupas surradas e com olhos brilhantes, óculos com aro de tartaruga, segurava um caderno de notas. O homem estava tomando notas bem rápido do que o soldado falava. Armênio intuiu que ele era um jornalista. De repente o policial militar para de dar atenção para o jornalista e olhou profundamente para Armênio. Armênio teve a mesma sensação aterradora que teve a poucos minutos com os dois irmãos no trem. Mas o militar negro sorriu para Armênio e voltou a dar atenção ao jornalista como se nada houve acontecido.     

            ─ Aguinaldo as nossas coisas chegam ainda hoje. O vapor chega ao fim do dia. Nossa parceria acaba aí e agora. Boa sorte! E espero mesmo que respeite o doutor Irineu e fique longe do litoral. O serviço foi o último, não tem mais nada para nós por lá.

─ Norberto as nossas coisas chegam ainda hoje. O vapor chega ao fim do dia. A nossa parceria acaba aqui e agora. Boa sorte pra ti! Espero mesmo que respeite o doutor Gustav Blumenthal e fique bem longe do litoral, por um bom tempo. O serviço que fizemos foi o último e não tem mais nada para nós no litoral.  

            ─ Mas chefe?

            ─ Acabou Norberto! E não me olha com essa cara de burro quando foge!

            ─ O que faço da minha vida agora? O que faço Armando?

            ─ Te vira homem! E adeus! ─ retrucou Armando o irmão de Armênio com certo pesar na voz. Então os dois irmãos pegaram um carro de mola e desapareceu rua abaixo. Aguinaldo pegou o táxi com destino incerto.   

 

Samuel da Costa é contista, novelista e poeta, em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br 

 

 

ENTRE LÁGRIMAS, SILÊNCIO E AMOR...!

 

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Que os ventos da natureza me levem para onde possa repousar. Que os horizontes se abram acalentando meus versos feito com a alma e coração. Que    Que nada possa estar vazio, mais cheio de luz, para serem lidos com o indelével amor.

Que a poesia arranque toda dor de minha alma e coloque amor, que em cada palavra tenha sentimento, mesmo feito em lágrimas e cicatrizes que um dia se findou, se iludiu e se curou.

Que o vento me mostre a verdade de quem um dia se calou, mas em lágrimas chorou. Que na beleza da vida, cada verso possa se encaixar, fazendo a epopeia do poeta.

 

Fabiane Braga Lima é poetisa, em Rio Claro, SP.

Contato: bragalimafabiane@gmail.com

COISAS MAL RESOLVIDAS

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Não dá para

Virar as páginas

Do tempo

E reescrever

A mesma história.

Porque algumas histórias

Se vive uma única vez.

É um universo estranho,

Eu sei!

Parece que tudo

É tão singular nessa vida.

Somos tantos

Em coisas mal resolvidas.

O caminho nunca é o mesmo.

Vidas opostas…

Memórias rabiscadas na pele…

E eu nem sei onde cabe o amor

Nisso tudo.

 

Clarisse da Costa é cronista e poetisa, em Biguaçu, Santa Catarina.

Contatoclarissedacosta81@gmail.com

REZA DA RESISTÊNCIA

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

É por dias melhores

que eu rezo e luto;

Onde abita a minha fé

tem o Cristo preto.

Das mazelas

das favelas

crucificado pela sociedade;

Preto da periferia

a voz pela liberdade!

A minha reza também é

pela Mãe preta,

em peregrinação

com o terço nas mãos,

aquela que luta pelo seu filho

preto julgado por sua cor;

Maria da periferia,

dos excluídos e marginalizados;

Mãe dos aflitos

que descem as ladeiras

muitas vezes com pés descalços.

Rezo contra o racismo

para que possamos enfim

termos a nossa liberdade.


Clarisse da Costa é poetisa e artesã, em Biguaçu, Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com