sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Podcast: Análise do filme "Meu Pai" (Florian Zeller, 2021)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Do Pó ao Pó

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)


Academia Cristã de Letras (vinheta)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Minha homenagem à Academia Cristã de Letras (ACL).


POUCA INTERESSAVA O DESTINO DA ATENAS

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Estava Demóstenes a desertar, do ambom, expondo os importantes negócios da cidade, quando, lhe chega aos ouvidos, sussurros e zunzuns abafados.

Alonga os olhos estupefacto, e verifica surpreso, que o ilustríssimo auditório, constituído por: políticos, anciões e povo, estavam abstratos. - Uns, dormitavam; outros, cochichavam; e ainda outros, bocejavam, escancarando a boca como púcaros destapados.

Então Demóstenes, estende o braço, espalma a mão direita, e sereno, declara:

- Vou interromper, para contar curta história...

O estadista, empertiga-se:

Ateniense necessita de negociar na cidade vizinha. Ajusta, com alquilador, preço, e aluga burrito.

Pelo ardor da tarde, o calor era abrasador. O rosto tisnado do comerciante reluzia de suor. A canícula era insuportável. Sufocado, o homem apeia-se e saboreia a sombra acolhedora do jerico.

O alquilador, que o acompanhava, energicamente, repostou:

- Eu aluguei-lhe o burro, mas não sua sombra... Se goza o sombreado, terá que negociar...

Atónico, o negociante, retruca iracundo:

- Ora essa! Quem aluga o burro, aluga também sua sombra!

Estavam na absurda altercação, quando...

Demóstenes aparta-se do púlpito; compõe a prega da túnica; desce, paulatino, o palanque; simula ausentar-se, como aparenta maestro, concluída a sinfonia.

A multidão curiosa cresce e em uníssono, reclama, gesticula, delira:

- Queremos saber o fim da história!...

Morosamente, o estadista, galga o estreito estrado; acerca-se do ambom e de semblante sombrio:

- Ao expor os interesses de Atenas, estavam enfastiados; agora que conto a história dum asno, acordais!...interessa-vos mais as aventuras de um jumento, que o destino da Pátria!...

Muitas vezes, povo e alguns políticos, animam-se mais com questões de lana-caprina, do que assuntos importantes para a nação, e benefícios para - trabalhadores, reformados, e para os infelizes, que não auferem qualquer rendimento.

A NOSSA "TENDA DE CAMPANHA"

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

  

O escritório de meu pai era, também, atelier de pintura. Nele havia duas pesadas poltronas e três extensas estantes de pinho, enegrecidas, recheadas de livros. Uns, trajavam fina pele, com letras gravadas a oiro; outros, meio-amador, e ainda outros, simples plebeus, brochados, que eram a maioria.

Eram milhentos, rondavam os dois mil volumes, que adquirira ao longo da vida. De tudo havia, mas primavam pela ausência de critério.

Nas derradeiras décadas, com o convívio de homens de letras, abandona o parecer de críticos, quase sempre mais políticos, que letrados.

Aposentado, peregrinava diariamente, pelo ardor da tarde ou pela frescura do entardecer, mesmo com céu taciturno, as livrarias preferidas.

Iniciava pela “Internacional”, na Rua de Santo António (Porto,) onde adquiria, livros em francês; passava pela “Divulgação”; e desembocava na Praça, na “Figueirinhas”, onde todos eram amigos, desde modesto empregado, aos proprietários.

Cumprimentava o Sr. Ferreira – chefe de balcão, – e encafuava-se no interior da livraria, catando nas colossais estantes, os volumes que mais lhe aguçavam a curiosidade.

Não comprava a eito. Lia o indexe e morosamente folheava a obra; na dúvida, levava-a na condição: se não lhe interessava, devolvia.

Na velhice, pouco lia, relia, os que considerava fundamentais. Junto ao leito havia estantezinha, onde perfilavam os preferidos; mal passavam da dúzia.

Era a "tenda de campanha", expressão que o terso Camilo usava para os livros inseparáveis.

Muitos homens de cultura recomendam pouca leitura, mas muita releitura, porque, em geral, os livros se repetem.

Marco Aurélio dizia: " Rejeita a sede dos livros.", e o mesmo recomendam: Sertillanges, Fulton Sheen, Jean Guitton, André Mourois, Ignace Leep,Karl Jaspers e igualmente o nosso Mário Gonçalves Viana.

O problema está em selecionar os tomos fundamentais. Bom professor de português é, em geral, bom mestre, mas corre-se o perigo de indicar só autores da sua ideologia política ou religiosa...

Boa seleta, pode ser ponto de partida. A idade, o convívio com homens de cultura, ajuda a criar, e de que maneira, a nossa " tenda de campanha".

O PODER DOS BRADOS

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Naquele tempo Jesus andava por terras de Israel, e o povo maravilhava-se com Suas palavras, e dizia: " Fala com autoridade e não como os escribas." – Mt.7:29

Muitos eram os milagres: os surdos ouviam; os cegos viam; os paralíticos andavam; os leprosos curavam-se...; e até os espíritos malignos obedeciam. – Lc.7:22

Mas uma noite, quando repousavam os discípulos, chegou a desgraça. - A Escritura avisara, mas os sacerdotes e os sábios, não sabiam interpretá-Las – M.14:43,46

E o príncipe dos sacerdotes e o conselho, no sinédrio, condenaram Jesus, levando-O à presença do procurador romano. – Mt. 26:57,68

Pilatos tentou inocentá-Lo; mas os brados da massa humana, que dias antes O aclamavam, queriam, agora, condená-Lo. -Mt.27:11,26

O procurador de Roma receou prejudicar a sua carreira política. O cargo valia mais do que a morte de um justo!...

Levaram-No para o pretório e os soldados escarneceram-No

Pilatos convocou os sacerdotes, os magistrados e o povo, na intenção de O soltar – Jo.18:38,40

Mas os gritos, os brados, cresceram, com eles a ameaça temida de não ser amigo de César. – Jo.19:12,13

No nosso conturbado tempo, também, os brados atordoam os ouvidos do Poder.

Basta clamar, gritar, para que se tenha razão, mesmo que não se tenha. Basta a mass-media dizer em parangonas, isto ou aquilo, para o vulgo acreditar, e o Poder ceder, se não encontrar força para o calar.

Aquilino, em " Um Escritor Confessa-se", referindo-se ao seu País, baseado na experiência de vida e de político, declara:" Na nossa terra basta esbracejar, dar murros na mesa, romper contra a corrente do bom senso, armar em teso, para ganhar fama de valente ou de superioridade e fama, que não é fácil de estripar com duas razões no bestunto do nosso próximo."

Assim faz o sindicalista papagaio, o político populista, e o presidente do clube desportivo, para entusiasmar os adeptos, e até o trabalhador espertalhão, quando pretende passar por inteligente.

Tentam convencerem – e quase sempre convencem, – que a ideia, a razão, o Projeto que apresentam, é o melhor.

O vulgo, que os ouve assim falar de cátedra, acredita ou teme, e "democraticamente", escancara a boca e diz: - " Como é inteligente!..."

Assim como os brados condenaram Jesus, no nosso século, os brados fazem calar os educados, e quem quer pensar pela própria cabeça.


APRECIA-SE O QUE NÃO SE CONHECE

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

  

Disse bem Jardiel Poncela, quando disse: “De lejos, todo parece más pequeno, a excepción del hombre inteligente, que de lejos parece mayor."

Disse bem, porque o sábio, o intelectual, é sempre mais admirado, se vive afastado, apartado no gabinete de trabalho.

A familiaridade, a intimidade, minimiza-os, quer seja – cientista, professor, artista ou escritor.

Aprecia-se o que não se conhece.

Raras vezes os familiares dão-lhes o devido valor. Para os filhos e para o conjugue, é quase sempre um excêntrico, " maluquinho", que usa o mesmo alojamento e os mesmos utensílios domésticos.

Por vaidade, orgulham-se de lhes correr nas veias o mesmo sangue, mas só por vaidade!...

Jesus não foi capaz de realizar milagres na Sua terra, porque sabiam de quem era filho, e conheciam-No desde a adolescência – Mt.13:55; Mc6:3

Poucos conheciam Guerra Junqueiro, quando a RTP foi a Freixo de Espada à Cinta. O repórter desceu à rua, e perguntou se sabiam quem era Junqueiro.

Uns sabiam que fora o dono da Quinta da Batoca. Velhinho, que o conhecera, disse – “que era baixinho, de enormes barbas, quase sempre trajado modestamente: Como pobre!..." Mas poucos o conheciam como poeta e escritor.

Já Jesus lembrava: " Não há profeta admirado na sua terra." - Mt13:57

Velhinha risonha, que fora criada de Alexandre Herculano, dizia muito divertida ao ser-lhe perguntado se conhecera o escritor. " Conheci, conheci, era um grande preguiçoso!..."

"Preguiçoso", admirado por Pedro II do Brasil, que prezava de o ter como amigo, chegando a almoçar em Vale de Lobos.

Por se dar muito valor ao que está longe, é que licenciados procuraram doutorar-se fora do seu país. O vulgo, admira e acredita mais, o que se obtêm no estrangeiro.

A rainha do Sabá não foi ouvir Salomão? Todavia os judeus tinham no seu seio quem foi maior que Salomão – Jesus. Mas não acreditaram Nele, porque era um deles – Lc11:31

Não escreveu Erasmo: " Duas coisas, sinto-o, se me tornam verdadeiramente necessárias: em primeiro lugar ir à Itália, para dar à minha cienciazinha a autoridade desta ilustre estadia; depois, obter o grau de doutor: ambas as coisas são igualmente absurdas: ninguém muda de espírito por atravessar o oceano, como diz Horácio, e não regressarei com mais sabedoria, nem como um cabelo. Mas os tempos são assim; ninguém, mesmo as pessoas mais sensatas, acredita no nosso mérito se não vos pode chamar Mestre?”

E o velho adágio, não diz: Que o pão da tia é sempre melhor do que o da mãe?

MEZINHA

 

Por Dias Campos (São Paulo, SP)

 

            Conversava, há pouco, com um amigo ao telefone. A certa altura, perguntei se ele teria alguma dica que me ajudasse a dormir, pois tive insônia na noite anterior e queria garantir um sono revigorante.

Ele respondeu que bastava ir de carona com a sogra ao supermercado.

Eu ri, mas insisti no pedido.

E ele teimou na resposta. E pediu que prestasse atenção. – Esta indicação, faço questão de compartilhar com você, amigo leitor, sobretudo nestes tempos de desilusões, em que rir é o melhor dos medicamentos.

            Em um determinado sábado, sua sogra teve a ideia de ir visitá-lo pela manhã. Na realidade, o que ela pretendia era rever a filha e o neto, e pedir para que ele a levasse ao supermercado, quando, então, faria dele o seu carregador.

            Antes de responder, meu amigo resolveu consultar sua esposa com um simples golpe de vista.

            Mas como ela permanecia de braços cruzados, sobrancelhas levantadas, e com a cabeça levemente inclinada para frente, alternativa não teve senão a de aceitar o pedido, buscando encobrir o sorriso amarelo.

No entanto, como não digerisse o terrível ônus de mão beijada, aproveitou a oportunidade para economizar combustível, justificando que teriam que ir com o carro dela, pois o seu estava mais sujo que um utilitário recém-saído de um rali.

Partiram logo depois do almoço. Ele foi no assento do carona, pois sua sogra jamais admitiria que dirigisse a sua preciosidade.

Só que sua sogra nunca foi uma condutora exemplar. Daí que toda vez que ela cometia uma barbeiragem, além de ter que engolir as frases solidárias que vinham dos outros motoristas, ela ainda teve que aguentar os seus olhares que, vindos de esguelha e acompanhados de um levíssimo sorriso, incomodavam bem mais do que o linguajar alheio.

Por óbvio que a alegria manteve-se durante as compras, pois sua sogra esforçava-se para agir como se nada tivesse acontecido, e ele desdobrava-se para não rir a cada vez que trocavam palavras.

O retorno não foi menos monótono que prazeroso.

Sua sogra despediu-se em torno das dezenove horas. E se você acha que ela saiu muito tarde, bem mais tarde teria saído se tivesse ficado para o jantar!

Quando foi para a cama, ensaiou relatar para a esposa todas as imprudências, imperícias e violações que sua mãe tinha cometido, sobretudo as que foram registradas pelas câmeras do CET.

No entanto, como sua esposa estava exausta, e morrendo de sono, o jeito foi deixar o relato para o dia seguinte.

Mas como o sono não vinha, resolveu refazer mentalmente a ida e a volta até o supermercado.

E a cada vez que se lembrava dos votos de felicidade que sua sogra recebia dos outros condutores, que calculava os pontos que acumularia na carteira de motorista, e que estimava o valor que teria que desembolsar para pagar as multas de trânsito, mais sorridente ficava, mais seu corpo relaxava, e mais sua alma preparava-se para uma noite de belos sonhos.

Daí foi só virar de lado, e dormir o sono dos justos.

Depois de rirmos, eu agradeci a sugestão, mas dela declinei, pois além de gostar muito da minha sogra, era obrigado a confessar que ela dirigia muito melhor do que eu. O jeito seria apelar para os barbitúricos, caso a insônia retornasse.

Ele, então, aconselhou que usasse esses venenos só em último caso, pois sempre ouviu dizer que diminuíam o tempo de vida.

Sendo assim, ouso abusar da sua paciência, leitor amigo, e peço uma indicação. Por acaso você sabe de alguma mezinha que me ajude a dormir?

INDIGENTE

Por Waldir de Melo Filho (Walldyr Philho) (São Paulo, SP)


A noite fora uma das mais frias aquele ano. A temperatura chegou a incríveis

4°Celsius, fato histórico para um país de clima temperado como o nosso. A sensação era que estávamos voltando à era do gelo. Tudo era novo, assustador até. O frio doía de forma severa, inclemente como um bárbaro impiedoso que desconhecia o sentimento de empatia humana. Ele estava, além disso, como se fosse superior aos mortais que os congelava! Pairava, corria, deslizava sobre o véu do tempo devorando horas, minutos e segundo costurando com a linha da vulnerabilidade no tecido rompido do espaço!

O frio arrotava arrogância, prepotência com um orgulho desmedido, altivo, implacável e fazia o corpo vivo desejar a inanição da morte. Sim, somente ela seria capaz de enfrentar e parar a dor que sentíamos. Humanos e bichos eram agora uma única espécie sem distinção, pois todos ao seu modo morriam em agonia causada pela fúria de um clima insano, desconhecido que beirava o sobrenatural. Um frio que uivava seu hálito como um lobo ferido em noites de luar!

Mal se podia enxergar alguma coisa. Casas, carros e quaisquer outras coisas, espécie viva ou inanimada que fora coberta pelo manto gélido saído das entranhas malditas do abismo do tempo estavam congelados, estáticos diante da petrificação do gelo.

Fogueiras tímidas tremulavam nas calçadas em tambores de metal sujos, alimentados com o combustível do desespero humano! Livros, caixas, madeira e qualquer outro objeto que se rendesse a carbonização das chamas eram usados para produzir calor diante do devaneio inclemente do frio.

O ar estava impregnado com a fumaça negra, fétida do medo produzido. Fumaça intragável que pairava o ar como um subproduto da dor, gritos saídos de gargantas roucas, inflamadas, temperadas com lágrimas grossas e frias que rompiam as membranas das órbitas e preces ignoradas. Uma fumaça densa e gordurosa que se apegava as roupas, a pele e a mente como um parasita do inferno! Uma fumaça que dançava com passos pesados a valsa macabra dos condenados, subindo aos céus como emoliente do sacrifício humano no holocausto maldito da extinção!

A névoa deixava no ar um halo de mistério pavoroso ao entrar em contato com as fracas luzes dos postes! Havia silêncio como as noites agourentas do cemitério. Nada se manifestava, nem bichos e nem bactérias, todos estavam encolhidos na sua insignificância vulnerável diante do inesperado. Somente os humanos falavam alguma coisa motivada pelo desgosto do abandono e desespero.

Eu o vi chorando! Falava palavras desconexas como os murmúrios de um druida eloquente recitando seus feitiços na presença do sinistro. Carregava um saco com algumas tralhas, espólios queridos e inestimáveis da sua vidamiserável! Sua pele ensujecida buscava abrigo protetor no casaco rasgado de tecido fino, barato e fétido como um elefante enlameado tentando se proteger dos parasitas nas savanas da existência! Caminhava com passos tropeços como um ébrio enlouquecido privado de dignidade. Passou em frente a uma igreja que estava de portas abertas concedendo abrigo e distribuindo alguns cobertores e sopa quente. Chegou tarde, não havia mais nada. Ele não tinha direito de beber o caldo quente e ralo da sopa do infortúnio e nem se aquecer envolto no cobertor macio e limpo do amparo. Ele, não! Antes pelo contrário, fora jogado no lixo perdido da existência humana, descartado pelo divino que não o queria como criatura, filho ou orbe sagrada que precisava ser guardado nos recônditos celeste.

Queria chorar mais não tinha lágrimas, elas estavam ressecadas, congeladas no calabouço das suas emoções esquecidas. Entendeu que o direito de chorar não lhe pertencia também! Olhou um cachorro magro, sujo e fedido como ele, cheirar um resto de sopa deixada por alguém em um vasilhame descartável e rejeitar. Saiu andando ignorando a iguaria que não estava à altura do seu fino e apurado gosto requintado de cachorro de rua. Saiu andando com desprezo, isso porque desconhecia talvez a inanição da fome, a ferocidade em que ela devorava suas entranhas de dentro para fora como um câncer agressivo que não se pode conter.

A fome o debilitava, estagnava a sua mente pregando a na parede fria da exposição da miséria como um troféu de caça qualquer.

Sentiu uma dor absurda arrebentando o seu peito! Não era a dor do frio exatamente, era uma dor nova, diferente, muito mais forte que a que estava acostumado a sentir. Era a dor da vergonha, da rejeição... Uma dor que zombava do seu caráter, destruía a sua moral, incinerando sua honra de homem e esmagando com o peso de uma cordilheira a sua étnica! Era uma dor que o obrigava a fazer o que não queria como um coronel ditador ao seu escravo!

-

Pegue e beba! Dizia a dor com a voz imperiosa, cheia de asco. Não era um nojo pelo prato disposto ao pé do poste na rua que fora rejeitado pelo cão. Era nojo dele que valia menos que o dejeto execrado da vida, nojo por alguém que perdera a identidade de ser gente e nem bicho conseguia ser! Era somente uma metamorfose ambulante que perambulava entre a sandice e lucidez, entre o certo e errado, entre o ébrio e sobriedade, entre o humano e animal.

Sentia aquela voz arder em sua consciência como uma oferenda agonizante do deus moloque. Ardia em seu corpo inteiro em uma dor reverberante que percorria cada célula do seu corpo, cada tendão, cada músculo arrebentando tudo, absolutamente tudo. E de forma inconsciente, se abaixou pegou a sopa descartada pela ignorância indiferente da ingratidão alheia e verteu seu caldo gelado como se bebesse o néctar divino dos deuses. Bebeu o caldo enriquecido da compaixão de alguém e do desprezo do cão que o rejeitou! Havia um osso de frango junto ao resto envolto em algumas fatias de couves cortadas grosseiramente... Seus olhos fundos e cinzentos brilharam ao vê aiguaria jogada. Sentiu a mesma alegria que um garimpeiro sente ao encontrar uma pepita preciosa.

Seu corpo já enfraquecido tremia a inanição e hipotermia, lutava para se manter de pé como um gladiador ferido na arena da morte. A dor veio forte, gritou com voz grave de ódio autoritária, feroz, impiedosa...

-

Pegue e roa! Dizia ela se referindo ao osso de frango!

Suas mãos enrijecidas pelo frio, sujas pela miséria pegou o achado, levou á boca e comeu! Seus dentes estraçalhavam o osso frágil em busca do caldo tutanoso do seu interior que o ajudasse a alimentar seu corpo faminto.

Comia os fragmentos do osso e bebia o caldo da sopa murmurando abstratos como um animal encurralado.

Ao fundo, uma mocinha entoava uma canção da cantora “Shirley Carvalhães”. Cantava lindamente um hino com letras fortes, diretas como se fora escrita exclusivamente para ele. Uma letra que o acusava, sentenciava como um condenado ouvindo a deliberação da sua morte eterna.

Fala com Deus

Nada vai bem, vai tudo mal

Tempo ruim, grande temporal

Desabou sobre ti tudo aquilo

O que você mesmo plantou pra você

A meteorologia da consciência te diz que vai continuar a chover.

Meu medo era esse, que entre os dias maus

Tu fostes apanhado por este temporal

Com a casa vazia das armaduras de Deus

Sem forças pra vencer o inimigo seu

Tua consciência te diz que o tempo não vai mudar

Mas eu digo que vai porque Deus ele é Deus...

Ele não conseguiu ouvir o resto da canção. Seu peito arrebentou de tanta dor e grunhindo como uma besta ferida chorou! Chorou forte, intenso como há muitos anos não fazia... Chorou a dor de ser abandonado pela família que não se importava com ele, que não ligava, não o procurava... Chorou a falta dos amigos que não tinha! A dor de ser esquecido por Deus! Dor por ser tratado como lixo, por valer menos que o cachorro de rua que rejeitou a comida... Chorou porque existia e ele não queria mais isso, não queria viver e ainda estava ali, o frio tão forte e denso da noite não foi capaz de acabar com seu sofrimento e por isso chorou! Era um choro selvagem que jorrava do interior esquecido, ignorado e brigava com sua essência querendo se libertar da transformação da aberração que era! Chorou tudo e enfraquecido, sujo, fedido e faminto, encolheu se no canto da miséria imunda da sua insignificância com seu peito acelerado, declinou a cabeça no poste e pereceu!

Não tinha direito a vida! Estava ali ocupando um lugar que não lhe pertencia como um usurpador!

Morreu sozinho, abandonado como um decrépito porque não lhe era permitido à companhia de alguém, de um amigo qualquer!

Morreu porque a vida enojada não o queria. Simplesmente morreu porque como bicho humano não tinha nenhuma serventia!

Walldyr Philho

Poeta/ Escritor

VALE A PENA ESPERAR

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Vale a pena esperar.

Se guardar para amar.

Amadurecer e florescer.

 

O tempo da espera,

Deus capacita você.

Não queira nada antes do tempo.

 

Floresça e amadureça.

Se prepara para a vida a dois.

Não é  fácil, mas é possível.

 

Não desista do amor.

Aprenda a se doar, amor.

Aprenda a respeitar e amar.

 

Vale apena confiar em Deus.

Vale a pena esperar.

Esperar o melhor de Deus.

 


Liécifran Borges Martins é  compositora, escritora, poetisa e parodista. Nascida em Vitória, ES, atualmente está radicada em Cariacica, ES.

 


"FRAGMENTOS" (DE VÂNIA MOREIRA DINIZ)

Por Taís Carvalho (Rio de Janeiro, RJ)

 

O livro  "Fragmentos", de autoria de Vânia Moreira Diniz,  proporciona aos leitores uma jornada literária repleta de magia e sensibilidade. Trata-se de uma coleção poética que se conecta com a essência humana ao revelar pequenas delicadezas e sentimentos universais no cotidiano. Ao mesmo tempo,  convida os leitores a mergulharem em uma experiência literária única, em que a combinação de memórias pessoais da autora com a prática da escrita diária cria um exercício profundo de reflexão. A cada página, os leitores são presenteados com versos que costuram uma linda tapeçaria poética, exalando emoção e inspirando uma nova forma de enxergar a vida.

O livro ganha destaque ao abordar a vida em suas mais diversas nuances, capturando momentos íntimos e singulares que ressoam de maneira tocante em todos os leitores. Com uma sensibilidade literária ímpar, Vânia Moreira Diniz, convida seu público a se reconectar com a magia escondida nas sutilezas do dia a dia, envolvendo-os em reflexões profundas e significativas.

 Vânia Moreira Diniz é uma escritora e poetisa reconhecida no cenário literário brasileiro. Nascida no Rio de Janeiro, com domicílio em Brasília, possui diversos trabalhos aclamados. Sua escrita cativa leitores ao abordar temas cotidianos de forma poética e envolvente. É fundadora da Academia de Letras do Brasil, Seção Distrito Federal e autora de obras como Laura, Ciganinha, Olhos Azuis, Coração em Versos, entre outras. Também é uma ativista cultural, autora de 18 livros e 5 e-books que já participou de mais de 40 antologias literárias. Possui uma página na internet, www.vaniamdiniz.com.br, onde reúne suas principais obras.

 


OPERA MUNDI (SEGUNDA): THE QUEEN OF SORROW

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC) e Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

‘’Que a celestial luz da poesia,

Arranque todas as dores de minha alma

E coloque no lugar o puro amor.’’

Fabiane Braga Lima

 

         A cair de alturas impossíveis, os pés de Luna alcançaram suavemente o chão. Ela, de olhos fechados, relutava em abri-los, não por medo de perder a única coisa, que era só dela e que raras vezes, ela se dava o direito de provar. Deixar o mundo em vigília, foi uma opção, ir até a terra dos sonhos, enquanto sonhadores acessavam este recanto obscuro, somente enquanto dormiam, Luna adensava a si mesma e sonhava acordada.

      Ao abrir os olhos, Luna percebeu que tudo estava lá, ou quase tudo, com os olhos embaçados viu o deserto da desolação sem fim, de Calibor, a terra do deus soberano raptor de almas. Ela não desejava fazer uma visita ao soberano, pois já tinha problemas demais com Hastur. Foi com desespero que Luna percebeu as alterações no deserto, o Páramo de Luna, onde ela queria andar de pés descalços pelas finas areias e mergulhar os delicados pés nos pequenos lagos azuis.

       A sonhadora em vigília, olhou para cima e viu uma ave Mori, Luna sabia que essas aves, só aparecem aos bandos e quando aparecem são presságios de grandes tragédias. A sonhadora em vigília, foi ao Páramo a procura de paz e tranquilidade, mas nuvens negras se avizinhavam e uma tempestade de dores e sofrimentos infindos não tardaria a cair.

       A sonhadora em vigília, olhou para dentro de sim e notou que estava usando uma leve túnica núbia, sandálias grego egípcio, braceletes e brincos núbios incrustado de rubis e safiras, um colar de ouro romano e um diadema amarelo incrustado de diamantes na cabeça. Os olhos castanhos rasgados deram lugar para intensos olhos azuis e apelo amendoada ainda estava lá.

Luna respirou fundo, avançou, adentrou no limiar do deserto, grasnares aves Moris forçaram a sonhadora em vigília, olhar para cima e se deliciar com a revoada macabra das aves agourentas.

         E ao retornar a marcha a quilômetros de distância, Luna viu o impossível, ela viu uma astronave, a nave batedora Queen Of Sorrow se deteriorava em pleno deserto. Aves Moris, bailavam acima da nave batedora, os animais místicos bailavam a poucos metros acima. Um pouco mais à frente um cemitério de embarcações e veículos de transportes, eram drakares, naus portuguesas, galeões espanhóis, astronaves de ataque Dukhais, naves de transportes bekamas, bigas romanas e caças russo mig 35. E umas infinidades de veículos de transportes militares, o pesadelo de Luna estava só começando.

 

Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Samuel da Costa, poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

 

 

FILHAS DE PRETA OBÁ

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


Se formos ao fundo da nossa história veremos a longa caminhada da mulher negra até aqui, uma caminhada de muita luta e acredito que nessa luta acabamos conhecendo muitas mulheres e obviamente suas histórias de superação. E para quem não conhece se faz necessário contar essas histórias. Eu mesma cresci sem conhecer, no meu conhecimento a mulher negra nunca passou de empregada doméstica. Ao pesquisar a fundo sobre a nossa história, a minha visão sobre nós tudo mudou.

Eu acho importante pesquisar sobre essas mulheres é trazer a luz do dia uma parte de nós. É tirar da invisibilidade a mulher negra.

Para começar quero dar exemplos de mulheres criadoras de produtos que você jamais fosse imaginar serem criados por mulheres. O primeiro produto é a tábua de passar roupas, ela foi criada por Sarah Boone em 1892. Em segundo temos o absorvente, criado por Mary Beatrice em 1956.

Já em 1980 temos o transmissor de ilusão mais conhecido como filme 3D, criado pela Valerie Thomas. Não podemos esquecer da desenvolvedora Viviane dos Santos, ela foi responsável em 2010 pela criação do catalisador que reduz a emissão de gases poluentes. São inúmeros os ícones que compõem a nossa história. Histórias de superação, filhas de Preta Obá.

 

Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

 

EU NO MORRO (SEGUNDA PARTE)

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)


Havia algo devorando a minha mente, algo ou alguma coisa me angustiava. Criei coragem e desci o morro, precisava conversar com a minha mãe. Chegando na casa da minha mãe, entrei sem bater na porta pois eu tinha a chave. Ao passar pela porta, fiquei intacta, como subitamente, em poucos minutos, tudo parecia estranho, a casa, os móveis, e até mesmo o cheiro. Naquele exato momento, faleci, mesmo estando viva. Mamãe desceu as escadas e olhou para mim.

— O Téo está aqui? — Questionou-me, muito preocupada.

— Está no serviço! Ele é um homem trabalhador e honesto! — Falei desolada.

— Querida, conheço Téo, realmente é um grande homem, sou muito grata a ele estar casado contigo! — Falou a minha mamãe cheia de entusiasmo.

Estava me sentindo mal, o perfume da casa me impregnava, o cheiro do incenso. Precisa voltar para casa, mesmo sem falar com a mamãe.

— Tenho que ir, voltar para casa!

— Já está de partida, posso saber o motivo?

— Tenho lembranças estranhas aqui. Adeus mãe! — Sussurrei sem olhar para ela. Dei meia volta e parti, deixando a minha outra vida para trás.

Apesar da beleza do bairro, tudo parecia ser um suplício. Voltei para casa às pressas, e como sempre, me arrastava, andava com pressa tentando me afastar dos moradores do morro. Via não querendo ver andando pelas mulheres seminuas, andando felizes, com as suas crianças de colo e os bares lotados. Precisava estar com Téo, somente ele me faz sentir protegida.

— Téo! Cheguei! — Falei alto ao chegar em casa.

— Ótimo, precisamos ter uma conversa! — Téo me interpelou ao me ver na porta.

— Fale, meu querido! — Falou forçando uma felicidade que eu não tinha e não sentia.

— Escute bem! Você precisa aprender a tolerar as pessoas, relembre sua história. — Disse Téo para mim sem eu não entender nada.

— Não, não, eu não me lembro de nada! — Falei desesperada.

— Então tente, tens pouco tempo, para se lembrar, ou eu irei embora. Lembre-se, querida.

 

Fabiane Braga Lima, é poetisa, contista e cronista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

 

 

EU NO MORRO (TERCEIRA PARTE)

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro,SP)

 

Parece que Téo me deu um ultimato. Uma semana para me lembrar de coisas que havia me esquecido completamente. Eu já não me sentia bem na casa de mamãe, então, resolvi voltar para casa e ficar perto de Téo e assim o fiz. E não tem como negar, ele me passa segurança e eu o amo muito.

Hoje estou de folga do serviço, quero dar uma volta, enfim esquecer certas complexidades da vida. Resolvi, então, ir até a mercearia, aqui no morro não existe um supermercado. O proprietário da mercearia, está realizando a limpeza do comércio. A água que ele usa no chão está completamente suja, tudo muito nojento, mas preciso de mantimentos para a casa.

— Está bem sujo o chão! — Falei sem pensar para o merceeiro

— Sim, tenho muitos clientes, e aqui morro, não há asfalto! — Justificou o comerciante.

— Bom, isso é verdade! — Acabei concordando com o homem.

Peguei os mantimentos, paguei e ao sair do comércio, Téo estava lá na frente da mercearia, com a cara fechada parecia estar me seguindo.

— Que bom que está aqui! — Falei sorrindo com os olhos.

— Faz tempo que cheguei, estava lhe admirando. — Disse com a voz que ele tem.

— Já que está aqui, vamos para casa, estou exausta, meu amor. — Sugeri.

— Não, não exausta, está humilhando pessoas, infelizmente só sabe fazer isso ultimamente.

 — Falou Téo e dando meia volta e se afastando de mim com muita pressa.

— Téo, volta aqui! — Gritei no meio da rua, chamando atenção de todos e todas à minha volta.

— Uma semana, lembre-se! — Gritou Téo a plenos pulmões.

Fiquei horas vagando a esmo, sem saber o que fazer, preciso mudar, ser uma pessoa mais digna, não um verme, como dá a entender Téo.

 

Fabiane Braga Lima, contista, poetisa e novelista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

EU NO MORRO: O FIM (OLHO PARA O CÉU E VEJO ESTRELA INFINDAS)

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Chegando em casa, Téo continuava a me evitar. Nada fazia sentido para mim, somos um casal afinal de contas, um casal apaixonado. Agora não passo de uma mulher repugnante para ele? Cheguei a uma conclusão que, vou evitá-lo, não quero ser como estas mulheres espalhadas pelo morro, as tais amizades dele.

Enfim, preciso de um tempo, para mim mesma, preciso me reconhecer, seria o mínimo, que posso e devo fazer para não machucar as pessoas à minha volta. Talvez, devo procurar um terapeuta, eu preciso e devo descansar, para que eu possa me renovar.

Após dois meses de terapia, voltei para casa e com o passar dos dias eu notei que Téo estava mais amoroso comigo. Mas algo me dizia, que eu ainda precisava mudar mais um pouco, ser mais humana. Apesar de estar com Téo no dia a dia, a saudade de ser uma família, era imensa. Como eu queria sentir as mãos de Téo, me acariciando e seus braços envoltos ao meu corpo. Notei que eu mudei profundamente, com a terapia, espero que eu continue assim.

— Estou com saudades, de nós dois! — Falei para Téo.

— Logo mataremos a saudade, meu amor! — Respondeu Téo com terno carinho.

No dia seguinte, escutei um choro de criança em algum lugar, que não sei onde e nem quando. E de repente, uma mulher acalma uma criança.

— Durma, meu filho, que a fome passará. Eu juro! — Dizia a mulher para a criança. Fiquei trêmula, sem saber como poderia ajudar.

— Téo! Me desculpe, eu quero viver, eu quero ser plena, meu amor! — Foi sincera com o meu marido e companheiro da vida.

— Que bom, minha querida, abriu a janela da vida e a sua mente também. — Confidenciou Téo, me chamando para perto dele e me abraçando.

— Estou trêmula. — Disse eu em puro desespero.

— A soberba cega as pessoas, minha querida! — Sussurrou Téo ao meu ouvido.

Enfim, Téo e mamãe, me mostraram o mundo distópico, em que eu vivia presa e me fizeram abraçar a realidade, por mais difícil que a realidade seja. Hoje sou grata aos dois, pois vivo lúcida. Uma semana se passou, e me tornei uma outra mulher, a mulher que eu amo. Hoje, olho para o céu, vejo estrelas infindas.

 

Fabiane Braga Lima é poetisa, contista e cronista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: QUANDO AS ÁGUAS BAIXARAM!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

A belíssima querubina* de ébano um dia me disse que: ‘’Tem duas coisas que são infinitas, o universo e a ignorância humana! ’’ É claro que eu tenho de discordar, pois sou adepto do marxismo, não, o universo tem limites sim, segundo a cosmologia moderna aponta e sim e ignorância humana se limita quando se esbarra com a realidade. Simples assim meus amigos e amigas!

Pois bem, como sou funcionário público efetivo de baixa escalão, sou agente de segurança, eu sou do aparelho do estado e não do governo. E ressalto aqui, quando um ente permanente se choca com um ente temporário, quando um agente do estado, se choca com um agente do governo um indicado ou mesmo eleito pelo voto direto.

Para ser mais simples e direto, lá estava eu, cumprindo o meu plantão em pleno carnaval. Em uma parte remota da cidade, eu estava na completa solidão e tarde da noite, guardando e resguardando um aparelho turístico de dez por dez metros quadrados, bem próximo a uma movimentada rodovia federal. O aparelho turístico localizado, em uma longa e importante avenida, que em tempos idos os populares apelidaram de Transilvânia, por ser desolada e escura.

O lugar em si, ficava em um deserto, pois no entorno somente havia, vários terrenos baldios e galpões de cargas, ladeado por favelas, ops, desculpe, um lugar com moradias de pessoas de baixa renda, um bairro periférico onde vivo alias. E ao cair da noite, ficava eu em meio ao comércio ilícito de produtos orgânicos e artificiais recreativos e diversões adultas.

E lá estava na beira da madrugada, no meu posto de trabalho, devidamente desuniformizado, e cabe ressaltar mais uma vez que, em pleno carnaval, eu macambúzio, esperando o meu chefe imediato. Até que ele surge e não estava sozinho, estava acompanhado, estava com o chefe do meu departamento. E de todos os muitos ridículos da vida, o querubim, um cargo indicado pelo alcaide local, o sujeito estava vestido a caráter, usava uma roupa carnavalesca, um traje de folião. O querubim usava short, sandálias romanas, camisa florida, um chapéu de tirolês de papelão e um adereço improvisado no pescoço um colar havaiano. Sim a cidade estava em festa, era carnaval.

Fora o ridículo das roupas de carnavalesco, do meu chefe de departamento, o que se segue foi ele ao me ver sem o meu empoeirado uniforme de trabalho, o querubim-mor me inquiriu, com o poder que o cargo que assim o conferia, ele perguntou porque estava sem o meu uniforme. Pois bem, no alto da minha pequenez, informei o querubim-mor, que o meu uniforme foi embora, as águas levaram junto com o meu guarda-roupas, máquina de lavar, a minha cama e as minhas outras coisas pessoais.

Explico, que há poucos meses a minha cidade tinha sofrido um enorme alagamento. Se o querubim tivesse olhado para o lado, ele veria o meu chefe imediato rindo, pois ele mesmo também tinha sofrido com a cheia e tinha perdido quase tudo que tinha com a cheia.

 

Fragmento do livro Dos Ridículos da Vida, de Samuel Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br


*Nota do editor: consideramos o termo "querubina" como uma licença poética, uma vez que o substantivo masculino "querubim" é comum de dois gêneros, segundo os dicionários.

 

METÁFORA

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Você pode ler o livro

"A culpa é das estrelas"

E achar que de fato

As culpadas são elas.

 

Você pode ver o filme

E chegar à conclusão que

Tudo tem um fim,

Muitas vezes sem respostas.

 

Mas se você não vira

As páginas dos capítulos

De sua vida

Tudo permanece imóvel

 

Sem perspectiva alguma.

O que seria uma metáfora.

Na verdade estaria sendo

Um livro chato!

 

Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

 

BRANQUEAMENTO NO BRASIL

Por Clarisse da Costa (Balneário Camboriú, SC)

 

A ideia de que não existe racismo no Brasil é pertinente na boca de algumas pessoas, talvez por não sentirem na pele o que passamos ou por não quererem enxergar o óbvio diante de seus olhos. Mas o racismo está bem presente e às vistas de todos, inclusive de nossas crianças. Esse lance de "estar tudo bem" é uma ideologia brasileira que agrega inúmeros fatores como o embranquecimento no Brasil. O embranquecimento vem com o objetivo de reproduzir que no Brasil não existiam diferenças raciais. Dando a todos a ideia de um país harmonioso e pacífico, sem conflito algum.

Mas qual era o objetivo principal dessa ideologia? Como sabemos o Brasil foi por décadas o país adepto ao trabalho escravo e essa história cruel nem preciso mencionar aqui os seus detalhes, pois de maneira errônea a sociedade brasileira distorce essa história até hoje. O que eu quero dizer é que o intuito do embranquecimento é de certa forma livrar o Brasil de sua culpa, ou seja, eximir a herança escravocrata. Para que isso fosse possível, o país incitou a entrada de imigrantes europeus. Aí vocês já sabem a resposta, o embranquecimento da população brasileira com a vinda dos europeus.

Essa ideologia não para por aí, entrando em outro contexto temos o embranquecimento cultural. O embranquecimento cultural é a falta de representatividade nas áreas da literatura, na dramaturgia, na teledramaturgia e no cinema.

 

Clarisse da Costa é poetisa, contista, cronista e designer gráfico em Biguaçu, Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

BRIAN: A VERDADE

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Brian mal sabia que Jane havia descoberto seu segredo bem guardado, segredo no qual ele escondia de todos e todas. Brian na verdade era um homem casado, há anos. Jane descobriu através de uma colega de trabalho, que conhecia Brian por anos. A colega em questão, a chamou em uma repartição da concessionária, que passava por reformas e se encontrava abandonada naquele começo de manhã de uma segunda-feira.

Não foi fácil para Jane, ao confrontar-se com a dura realidade, Jane que morria de amores por Brian. A executiva chorou, pois amava profundamente aquele homem.

E no decorrer da semana, Jane resolveu confrontar Brian. E como se tudo estivesse bem entre eles, ela bateu de leve na porta do escritório de Brian. Ele pediu para Jane entrar, pois sabia que era Jane no outro lado pela batida leve na porta.

— Estava com muitas saudades, meu amor! — Disse Jana, com uma voz doce tentando seduzi-lo assim que passou pela porta.

— Jane, minha garota, que bom que voltou, tire sua roupa e vamos nos amar aqui mesmo! — Falou Brian quase sussurrando e com o olhar cheio de desejo.

Jane trancou a porta do escritório e baixou as persianas, por dentro algo urrava. A palavra vingança surgiu com todas as forças do mundo.

— Tira as tuas roupas, pois tinha uma surpresinha para você. — Disse Jane e um tom ríspido e profundo. Brian se despiu obedecendo às ordens de Jane. Só que ele tinha se esquecido das câmeras de segurança, que havia mandado instalar no escritório recentemento

 

Fabiane Braga Lima, contista, poetisa e novelista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

DURVAL E LANA (PRIMEIRA PARTE)

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Durval acariciou os meus cabelos, naquela tarde de domingo e nos despimos na sala. Fizemos amor ali mesmo como se não houvesse amanhã. Em seguida, estávamos nós dois abraçados e nus na sala, não percebi que a porta estava aberta.

Na segunda-feira, novo dia, como de costume fomos trabalhar. Durval trabalha como corretor financeiro, na bolsa de valores eu trabalho como enfermeira. Bom, não era isto que meus pais queriam para mim, mas é o que gosto de fazer. Quem sabe mais para frente, eu possa estudar medicina e realizar o desejo dos meus pais e o meu também. Um intuito que tenho há tempos.

Anoiteceu no dia seguinte, hora de Durval chegar e a primeira coisa que ele fez foi ver o nosso filho Gael, que tem apenas três meses. Gael é uma criança especial. Infelizmente, é nossa dor no nosso ágamo. Não é fácil ver um filho vegetar na cama, sem perspectiva de melhoras.

Durval, parecia nervoso, deve ser stress no trabalho calculei. Deitou-se, sem ao menos tomar banho. Estranhei a quebra da rotina, ele é sempre tão asseado. Logo depois, deitei-me ao lado de Durval,

— Lana, preciso descansar! — Disse-me hostil, logo ele, sempre carinhoso e paciente comigo.

Acariciei seus cabelos.

— Chega, Lana! Indolente, também preciso dormir, estou fatigado. Amanhã será outro dia

— Durval, quero saber o que está acontecendo? — Perguntei nervosa.

— Queres saber a verdade? — Perguntou Durval ríspido.

— Lógico que quero meu amor...

— Perdi meu emprego! Está satisfeita?

 

Fabiane Braga Lima, contista, poetisa e novelista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com

 

CRÔNICA DO DIA: DO DIÁRIO DE UMA LOUCA, EM UMA TERÇA-FEIRA À TARDE!

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)

 

Em um dia que resolvi trabalhar em casa, e entre um intervalo e outro, eu fui me informar em uma velha tecnologia analógica. Fui ler um jornal impresso, fazer o que, se sou uma alma velha, carminada pelo tempo para ser mais sincera. A minha mãe, horrorizada, perguntou o que eu estava fazendo em casa, em uma quarta-feira em uma ensolarada tarde de sol, lendo um jornal local, na sala de estar. Creio que o meu gesto a fez lembrar alguém desagradável da vida dela.

Nem liguei para a minha mãe, o fato é que foi para nas páginas policiais e me deparei com uma reportagem no mínimo inusitada, até para um grande centro urbano. Em uma cosmopolita cidade praiana, apesar de pequena. Mas, o que dava conta da matéria? Vou resumir, pois entrar em detalhe seria um pouco maçante. A algaravia começou com um jovem empresário, no dia anterior, que queria se divertir, e resolveu pegar uma travesti, opis uma mulher trans. Não sou nem uma moralista de ocasião, pessoas adultas são livres, para se relacionarem como bem queiram. E voltando ao que interessa, o dito jovem empresário deu uma passada na avenida marginal leste. E ele encontrou o que queria, ou quase, pois o nosso herói acidental viu, o que para ele, era uma quase mulher, opis de novo, uma mulher trans. E ao se aproximar, abrir a porta do carro, colocar a profissional do sexo para dentro do carro de luxo. O nosso herói acidental, descobriu que a profissional do sexo era uma mulher de verdade, ops, mais uma vez, uma mulher cis.

Depois de um bate-boca intenso, entre o contratante e a contratada, o nosso aventureiro Terça-Ferino, foi expulso do próprio veículo. O nosso herói acidental, no chão, viu o seu patrimônio, de quatro rodas, levantar poeira indo em direção norte. E como era um carro automático, eu que não tenho carteira, não dirijo e nem quero dirigir. Eu nem sabia que isto existia, carros sem a tal de embreagem.

E para resumir bem, a história tragicômica e não cairmos em tecnicidade automobilísticas afins, houve um desastre.

A moça cis, meteu o carro caro e importado, em um murro a toda a velocidade possível e inimaginável. Eu poderia parar por aqui, mas relato que parei os meus inocentes olhos, na estampa do jovem empresário. E cheguei a pensar em perguntar para o meu pai, que é engenheiro de produção, se ele conhecia o menino prodígio. Mas não queria constranger mais ainda, pois tanto o contratante como a contratada, pois o jornal estampou a cara de ambos em fotografias enormes.

Eu jovem mulher adulta, vivendo na segurança tranquila, na minha Torre de Marfim, descobrir depois que o mercado livre do sexo pago, funciona vinte e quatro horas por dia e nas vias rápidas da cidade.

 

Clarisse Cristal é poetisa, contista, novelista e bibliotecária de Balneário Camboriú, Santa Catarina.

 

 

BRIAN: ADEUS, MEU QUERIDO!

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Jane sentiu uma vontade enorme de fumar um cigarro e beber um champanhe gelado, a executiva sênior nunca suportou o hábito de homens do mundo dos negócios, celebrarem suas conquistas com charutos e uísque. Jane preferia um bom champanhe rosé gelado e uma tragada de um cigarro aromático.

Jane procurou no bolso e encontrou seu maço de cigarros, puxou um até a boca, sacou de um isqueiro e pensou da visita que daqui a pouco chegaria. Mas antes, ela saiu do confortável escritório e andou poucos passos. Jane olhou para a concessionária do terceiro piso. A gerente executiva e sócia proprietária, olhou a sua equipe trabalhando, as mudanças que ela fez estavam funcionando bem.

— Berta! Não sensualize tanto! — Falou Jane no rádio comunicador, para a jovem vendedora, que estava atendendo um rico empresário. Brian tinha contratado meia dúzia de modelos, para atender os ricos clientes, como não entendiam nada de carros e motores. Jane contratou uma equipe especializada em vendas de carros e entendida de mecânica básica. E treinou os que vendedores que já trabalhavam na prática de vendas de carros de luxo.

Jane olhou o recém espaço para veículos esportivos, motocicletas e bicicletas motorizadas, os vendedores, que antes usavam rígidos uniformes impecáveis brancos. Jane trocou os uniformes por confortáveis roupas informais, para atender famosos surfistas, esqueitistas e jovens empresários ricos. Até o departamento de veículos elétricos e de carros populares e usados estava indo bem, apostar nas diversidades deu novos ares à concessionária.

No outro lado na rua a loja de bicicletas, não demoraria seria inaugurada, em suma a vida profissional estava indo bem. E Jane olhou para o relógio e pensou que não faltava muito.

— Andreas! Na escuta? Deixe-o passar, assim que ele chegar! Entendido? — Falou Jane no rádio ao seu chefe de segurança. Jane não esperou a resposta e desligou o rádio.

Jane voltou para o seu escritório e sentou na confortável cadeira, a executiva, de meia idade, olhou no relógio de pulso. E ele entrou pela porta que dava acesso ao terceiro andar e ele estava vestido com um uniforme de zelador. O homem estava nervoso e Jane apertou um botão embaixo da mesa ao vê-lo parado na frente da porta da gerência da concessionária.

— Como vai? Brian, meu querido! — Falou Jane de forma calma e levou um cigarro até a boca, tragou e aspirou a fumaça no ar. Os olhos de lince de Jane apavoraram Brian. — Já que tenho um bom cargo, aqui na empresa. Posso te ajudar?

— Serei breve! — Falou o desesperado Brian.

— Brian, esqueci de lhe contar algo. — Disse Jane com um tom glacial na voz

— Então me diga a verdade! Somente a verdade mulher ordinária! — Falou Brian como se sussurrar um segredo bem guardado ao pé do ouvido de um confidente.

— Tu esqueceste de desligar as câmaras do escritório, no nosso último encontro! Pobre da Susan, que viu tantas e tantas traições.

— Mulher falsa e repugnante és. Maldita sejas! — Esbravejou Brian a plenos pulmões. A pretensão acústica do escritório trancafiou ali o brado do antigo dono da concessionária.

Jane se levantou da cadeira e andou lentamente até Brian, Jane deu-lhe um beijo no rosto e colocou em seu bolso o anel de noivado com sua resposta.

— Jamais me casaria com um homem imundo do teu tipo! — Jane sussurrou no ouvido de Brian e continuou — Sorte que Susan descobriu sua verdadeira identidade. Espere, que aceite a vaga de faxineiro que te propus, terá muitos vasos sanitários para limpar! E gostei que tenha vindo me visitar a caráter. Vejo que te caiu bem. Apesar da minha proposta, deixe o teu currículo na portaria, eu entrarei em contato assim que possível. — Jane voltou lentamente para a mesa de trabalho, apertou um botão embaixo da mesa e dois corpulentos seguranças com seus ternos pretos, apareceram para escoltar o ex-patrão porta a fora.

Em um último ato Jane prendeu os cabelos, sem ao menos se despedir olhou para Brian com um misto de ódio e desprezo. Ela se considerava vítima de muita mentira e traição. Hoje, apesar da pouca idade todos a respeitam na empresa e fora dela, em o mercado de automobilísticos. Jane aprendeu a se valorizar.

Uma vez sozinha, ela lembrou dos passos que a levaram até ali, primeiro foi a colega de trabalho, outra vítima de Brian. Ela era uma excelente executiva que se perdeu de amores por Brian e ele a seduziu, a usou por um bom tempo e a descartou, sem aviso prévio. E foi ela que confidenciou sobre os negócios escusos de Brian, com suspeitos senhores italianos, espanhóis, franceses, gregos, colombianos e mexicanos. E foi ela que alertou Jane sobre as práticas de Brian, do diário íntimo de cada conquista, de cada caso que teve ao longo dos anos. A colega de trabalho, deu detalhes de cada reunião que Brian tivera com os senhores estrangeiros. E Jane, sem perder tempo, partiu para vasculhar os labirintos contábeis da concessionária. E tudo estava lá, a arrogância e certeza da impunidade, Brian deixará vestígios claros de seus negócios escusos com o mundo latino e mediterrâneo.

E do diário íntimo, a ex-amante de Brian, calculou que estava bem guardado em um cofre particular em um banco. Não o estúpido do Brian, pensou Jane e não precisou muito para encontrar o diário de Brian em uma gaveta no escritório do próprio Brian.

Brian sempre desligava as câmeras de segurança, todas as vezes que recebia uma amante. Jane recuperou as imagens do último encontro entre eles e Jane cobrou o próprio rosto nas imagens.

Provas reunidas, Jane teve uma longa conversa com Susan uma senhora de idade avançada, ela na época era a esposa de Brian. Jane confirmou um boato que rondava a pessoa de Brian, que ele tinha um sócio que era o real dono da concessionária e toda a fortuna dele. Susan e Jane se entenderam bem. E fechar a lavanderia de dinheiro de Brian não foi difícil, assim como denunciá-lo para as autoridades. Brian desapareceu, nunca mais foi visto depois da visita a sala de Jane. Jane soube tempos depois que os ex-parceiros de negócios de Brian estavam à procura dele.

 

Fabiane Braga Lima, contista, poetisa e novelista em Rio Claro, São Paulo.

Contato: debragafabiane1@gmail.com