Por Severino Moreira (Bagé, RS)
O fato que ora lhes conto se deu não lembro quando, só lembro que eu já
era guri taludo, mas ainda não estava empenujando a cara.
Era madrugada, e madrugada “muy” grande se bem me lembro, um vento norte
puxando chuva, desses ventos quentes de Janeiro, Fevereiro, no máximo podia ser
Março, pois já era ano novo, mas não tinha chegado a Semana Santa.
Dei uma bombeada pro lado “adonde” nasce o Sol e vi que vinha “arrecém”
querendo dar uma avermelhadinha no céu, quando enfiei um manojo de carqueja
seca e um punhado de lenha fina na boca do fogão. Lembro, ainda, que tirei “comprido”
um camundongo, que não parava de roer algum pedaço de osso caído na caixa de
lenha, antes de botar fogo na bunda d´uma chaleira cascurrenta, que “dormira”
cheia em cima da chapa.
Meu pai, foi ajeitando um mate, e eu saí porta afora, pra mode de dar uma
bóia pro bicharedo, que se inquietava ao derredor do rancho.
Botei uma ração bem cuiuda de aveia no embornal do picaço velho e peguei
uns ”restoios” já meio “podridos” p´ros bois mansos, pois em razão duma
enchente que botou o Camaquã a campo, a safra de milho tinha sido triste aquele
ano.
Depois fui dar um punhado de aveia pras galinhas e fiquei “bombeando” o
corre-corre dos bichos atrás da bóia, e foi quando dei pela falta de um galo
“nanico”, capão, que pode até parecer estranho era “capado” e tinha o instinto
maternal, de maneira que as galinhas tiravam os pintos e ele criava.
Para quem não sabe aqui explico, como eu capei esse galo, pois haveria de
ser que nessas artes de guri eu espetei a “sambiqueira” do bicho com um
aparelho de vacinar o gado e com isso acho que secou as “bolitas” do pobre
animal.
Tinha na época mais de trinta pintos de todos os “pêlos” e tamanhos e o
galo velho nanico, que tomava conta de todo o bicharedo, dormia com a pintaiada
no oitão do rancho, onde se formava um canto com o prolongamento das despensas,
embaixo de um meio tonel de querosene desses de duzentos litros, cortado em
forma de meia lua.
Olhei por baixo do tonel e ali estava o galo encorujado, crista roxa, que
nem galinha embuchada com cascudo “vira-bosta”.
Toquei com a ponta da “tamanca” e o galo caiu pro lado e embaixo apareceu
aquela cobra que lhe digo, oigalê cobra bem cuiuda, cousa nunca vista, bicho
pra dois metros sem exagero e lhe garanto que pela grossura, não passava nem
espremida pela argola de um mango. Decerto, nem por uma argola de cincha.
Virei o tonel de boca pra cima e a cobra meio dormente, escorregou pra
dentro e eu, apesar da “putiada” que levei do “pai”, que de nada sabia, passei
a mão na chaleira de água quente e despejei dentro.
A cobra se retorceu, de tudo quanto foi jeito na agonia das queimaduras,
até que pelas tantas sossegou, enquanto as patinhas dos pintos ficaram quase
aparecendo no couro da barriga dela, deixando o bicho parecido com uma
“sessenta pernas” de tamanho descomunal.
Cortei de faca a volta da cabeça, bem de contra o pescoço. Se é que cobra
tem pescoço e, tentei tirar com a mão o couro da danada, como não ouve jeito de
sair, atei uma ponta em um toco enquanto que a outra prendi na cincha do picaço
e com isso o saquei limpinho. E que n´outra hora, que me pegue com tempo eu
conto pra que serviu, mas foi pelo couro que fiz um cálculo aproximado do
tamanho da cobra, digo aproximado, pois pode até ter espichado um pouco com a
água quente, pois mediu três passos, dois palmos, um cabo de machado e ainda
cinco dedos, isso sem contar a folguinha que ficou entre os dedos e o cabo do
machado, e o fato do couro não estar estaqueado que termina sempre roubando um
pouquinho na “metragem”, mas pra encurtar o causo, eu afirmo que a corvada teve
no mínimo uma semana de bóia garantida com a carniça dessa cobra.
Bueno, da pintaiada não sobrou nada, isso é, sobrou unzinho só, mas era
um bichinho tão “arcaide” que foi igual a não sobrar, lhe falo em porcaria,
cruza garnizé, não sei com o quê, bichinho virado só em cola e crista, branco
que chegava a doer nos olhos e nanico pra maior dos pecados.
Terminei criando guacho, mas como já falei antes a bóia era escassa, de
modo que criei com farinha de amendoim e farelo de queijo feito com leite de
cabrita, e talvez, por isso tenha desenvolvido prematuramente, certos instintos
que só os adultos têm e lhe falo em bicho bem entonado, era pior que zebu “aluado”.
O fato é que com pouco mais de mês, já cantava de galo e arrastava a asa
pras galinhas, se tornando inimigo de morte do galo velho, embora em razão do
tamanho fosse um inimigo inofensivo, pois não alcançava nem a canela das
penosas.
Passou algum tempo, não sei se por amores não correspondidos ou porque, mas
o pintinho foi entristecendo, até que um dia sumiu e nem as penas achei.
Deixou saudades sabe, pois eu já estava acostumado com o canto do
galinho, mas o que mais me entristeceu foi o fato de nem as penas ter achado, e
por isso imaginei o quanto poderia ter sofrido nas unhas de algum “quiri-
quiri”, o pobrezinho.
Tempos passaram, um ano e pico talvez dois, e um dia eu “puxava uma
palha” embaixo de um pé de laranjeira, quando escutei um canto, que me pareceu
quase com certeza ser o galinho branco. Aquele canto eu conhecia, mas estranhei
que vinha lá das guias de uma guajuvira e aquilo era lugar de passarinho e não
de um galo cantar.
Quando fui ver de perto, me dei
conta que era um pombão branco que chegava a doer nos olhos, cruzado com
garnizé bichinho virado em cola e crista, e nanico p´ra maior dos pecados.
A única diferença para o meu galinho, é que as patinhas eram cor de rosa
e foi então que me dei conta que não podendo cruzar com as galinhas o bichinho
tinha cruzado com as pombas que vinham
mariscar no terreiro.