quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O PINTO GUACHO

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

O fato que ora lhes conto se deu não lembro quando, só lembro que eu já era guri taludo, mas ainda não estava empenujando a cara.

Era madrugada, e madrugada “muy” grande se bem me lembro, um vento norte puxando chuva, desses ventos quentes de Janeiro, Fevereiro, no máximo podia ser Março, pois já era ano novo, mas não tinha chegado a Semana Santa.

Dei uma bombeada pro lado “adonde” nasce o Sol e vi que vinha “arrecém” querendo dar uma avermelhadinha no céu, quando enfiei um manojo de carqueja seca e um punhado de lenha fina na boca do fogão. Lembro, ainda, que tirei “comprido” um camundongo, que não parava de roer algum pedaço de osso caído na caixa de lenha, antes de botar fogo na bunda d´uma chaleira cascurrenta, que “dormira” cheia em cima da chapa.

Meu pai, foi ajeitando um mate, e eu saí porta afora, pra mode de dar uma bóia pro bicharedo, que se inquietava ao derredor do rancho.

Botei uma ração bem cuiuda de aveia no embornal do picaço velho e peguei uns ”restoios” já meio “podridos” p´ros bois mansos, pois em razão duma enchente que botou o Camaquã a campo, a safra de milho tinha sido triste aquele ano.

Depois fui dar um punhado de aveia pras galinhas e fiquei “bombeando” o corre-corre dos bichos atrás da bóia, e foi quando dei pela falta de um galo “nanico”, capão, que pode até parecer estranho era “capado” e tinha o instinto maternal, de maneira que as galinhas tiravam os pintos e ele criava.

Para quem não sabe aqui explico, como eu capei esse galo, pois haveria de ser que nessas artes de guri eu espetei a “sambiqueira” do bicho com um aparelho de vacinar o gado e com isso acho que secou as “bolitas” do pobre animal.

Tinha na época mais de trinta pintos de todos os “pêlos” e tamanhos e o galo velho nanico, que tomava conta de todo o bicharedo, dormia com a pintaiada no oitão do rancho, onde se formava um canto com o prolongamento das despensas, embaixo de um meio tonel de querosene desses de duzentos litros, cortado em forma de meia lua.

Olhei por baixo do tonel e ali estava o galo encorujado, crista roxa, que nem galinha embuchada com cascudo “vira-bosta”.

Toquei com a ponta da “tamanca” e o galo caiu pro lado e embaixo apareceu aquela cobra que lhe digo, oigalê cobra bem cuiuda, cousa nunca vista, bicho pra dois metros sem exagero e lhe garanto que pela grossura, não passava nem espremida pela argola de um mango. Decerto, nem por uma argola de cincha.

Virei o tonel de boca pra cima e a cobra meio dormente, escorregou pra dentro e eu, apesar da “putiada” que levei do “pai”, que de nada sabia, passei a mão na chaleira de água quente e despejei dentro.

A cobra se retorceu, de tudo quanto foi jeito na agonia das queimaduras, até que pelas tantas sossegou, enquanto as patinhas dos pintos ficaram quase aparecendo no couro da barriga dela, deixando o bicho parecido com uma “sessenta pernas” de tamanho descomunal.

Cortei de faca a volta da cabeça, bem de contra o pescoço. Se é que cobra tem pescoço e, tentei tirar com a mão o couro da danada, como não ouve jeito de sair, atei uma ponta em um toco enquanto que a outra prendi na cincha do picaço e com isso o saquei limpinho. E que n´outra hora, que me pegue com tempo eu conto pra que serviu, mas foi pelo couro que fiz um cálculo aproximado do tamanho da cobra, digo aproximado, pois pode até ter espichado um pouco com a água quente, pois mediu três passos, dois palmos, um cabo de machado e ainda cinco dedos, isso sem contar a folguinha que ficou entre os dedos e o cabo do machado, e o fato do couro não estar estaqueado que termina sempre roubando um pouquinho na “metragem”, mas pra encurtar o causo, eu afirmo que a corvada teve no mínimo uma semana de bóia garantida com a carniça dessa cobra.

Bueno, da pintaiada não sobrou nada, isso é, sobrou unzinho só, mas era um bichinho tão “arcaide” que foi igual a não sobrar, lhe falo em porcaria, cruza garnizé, não sei com o quê, bichinho virado só em cola e crista, branco que chegava a doer nos olhos e nanico pra maior dos pecados.

Terminei criando guacho, mas como já falei antes a bóia era escassa, de modo que criei com farinha de amendoim e farelo de queijo feito com leite de cabrita, e talvez, por isso tenha desenvolvido prematuramente, certos instintos que só os adultos têm e lhe falo em bicho bem entonado, era pior que zebu “aluado”.

O fato é que com pouco mais de mês, já cantava de galo e arrastava a asa pras galinhas, se tornando inimigo de morte do galo velho, embora em razão do tamanho fosse um inimigo inofensivo, pois não alcançava nem a canela das penosas.

Passou algum tempo, não sei se por amores não correspondidos ou porque, mas o pintinho foi entristecendo, até que um dia sumiu e nem as penas achei.

Deixou saudades sabe, pois eu já estava acostumado com o canto do galinho, mas o que mais me entristeceu foi o fato de nem as penas ter achado, e por isso imaginei o quanto poderia ter sofrido nas unhas de algum “quiri- quiri”, o pobrezinho.

Tempos passaram, um ano e pico talvez dois, e um dia eu “puxava uma palha” embaixo de um pé de laranjeira, quando escutei um canto, que me pareceu quase com certeza ser o galinho branco. Aquele canto eu conhecia, mas estranhei que vinha lá das guias de uma guajuvira e aquilo era lugar de passarinho e não de um galo cantar.

 Quando fui ver de perto, me dei conta que era um pombão branco que chegava a doer nos olhos, cruzado com garnizé bichinho virado em cola e crista, e nanico p´ra maior dos pecados.

A única diferença para o meu galinho, é que as patinhas eram cor de rosa e foi então que me dei conta que não podendo cruzar com as galinhas o bichinho tinha cruzado com as pombas que vinham  mariscar no terreiro.

 

 

 

 

 

 


BORRACHEIRA "MUNAIA"

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

Quem hoje ver o que sobrou da tapera da minha avó Lucídia e não conheceu aquele lugar nos tempos idos, por certo não há de imaginar o que existiu antes de virar escombros de pedras enterradas, parede caída e de troncos que ressecaram abraçados por erva de passarinho ou apodreceram abrigando colônias de formigas e enxames de abelhas.

Olhando os pés de umbus... Que engraçado, o umbu é talvez a única árvore de pátio que sobrevive à solidão, por que as demais quando o rancho fica tapera, a própria natureza se encarrega de ir consumindo aos poucos até não sobrar nada.

Eu fico então cismando. “Será que o Patrão Velho” entende que a sombra é de maior importância que o fruto, já que sombra é a única utilidade natural do umbu?

Não... Não deve ser, pois outras árvores de sombra, também se consomem com o tempo, então... deve ter o umbu o instinto de peão caseiro, ou talvez tenha uma proteção maior por parte do Patrão Santo, de modo que assinale na imponência do tronco, vestígios da raça humana retratados em mensagens escritas à ponta de faca.

Bueno, mas o causo que conto nada tem a ver com os pés de umbu, nem com o que sobrou da tapera, e sim com o que se passou, quando era um rancho cheio de vida, e os umbus eram apenas um pedaço da beleza, que existia, juntamente, com o resto do arvoredo, naquele paraíso verde e branco onde meus avós moravam.

O rancho era um dos maiores que existiam naquele, até então, distrito de Caçapava do Sul, hoje Santana da Boa Vista, e o arvoredo eu lhe digo, entre tantas outras árvores havia mais de cinqüenta pés de laranjeiras, de todos os tipos e sabores, desde laranja-do-céu até as laranjas azedas, que era como minha avó chamava as cidras de fazer doce.

Essas laranjeiras carregavam tanto, que os andejos apanhavam laranja a cavalo, não eram poucos os que enchiam malas de garupa, quando passavam, mesmo assim nem os bichos davam conta de consumir tantas, de modo que muitas findavam por apodrecerem caídas no chão.

A minha avó se dava ao trabalho de fazer, todos os anos, algumas dezenas de barris de vinho de laranja e não eram poucas dezenas, pois a vizinhança chegava a levar meia dúzia de barris cada um, além da quantidade enorme que era vendida em Caçapava. Isso sem contar, que meu avô Fausto Teixeira, que na época era o escrivão daquele distrito e em razão disso pouco saia de casa, tinha um cambicho enorme por um “vinhozito” caseiro.

Consumia mais vinho durante dia, do que os lampiões consumiam querosene durante a noite.

Bueno, quem já viu fazer vinho de laranja, por certo sabe que os barris cheios, já fermentados, vão acumulando no fundo uma borra, que precisa ser retirada, essa borra, de um gosto meio adocicado, se for consumida dá uma borracheira cousa mais triste, pois é onde se concentra a maior fermentação.

Pois a minha avó certa vez, depois de coar o vinho, pediu a meu avô que enterrasse ou jogasse em algum buraco a borra que sobrou, porém o velho que já havia despejado algumas canecadas do dito vinho goela abaixo, repassou o serviço aos guris, no caso meu primo Osmarino, mais conhecido por “Baixinho”, em razão da pouca estatura, apesar de ser guri já de quinze pra dezesseis anos, e meu tio e padrinho Amintas, o único irmão por parte de mãe, que a minha falecida mãe teve, já que minha avó era o segundo casamento do velho e só tivera dois filhos legítimos, apesar de haver criado quase uma dúzia de enteados.

Os guris não sei se por preguiça ou por “arteiros” mesmo, despejaram a borra nos cochos do bicharedo e nem queira imaginar o estrago que isso provocou.

Que borracheira “Munaia” deram nos pobres dos bichos.

Os passarinhos foi uma mortandade triste, os bichinhos levantavam o vôo, podres de bêbados e sem terem sentido de direção, erravam os galhos das árvores, e quando conseguiam pousar não se equilibravam caindo como trapos lá de cima. Lhes digo, as “papa-pintos” se empanturraram de tanto passarinho que comeram.

As galinhas chocas, abandonaram os ninhos, as criadeiras “desmamaram” os pintos e quanto ao resto botavam ovo, em qualquer lugar desde que fosse ao chão, pois as poucas que se aventuraram a subir no jirau, caiam lá de cima, e até os lagartos, comedores de ovos, se emborracharam, e lhes digo, é cousa linda um lagarto borracho, o bicho corre que nem louco com a cola de arrasto e por isso cai um tombo atrás do outro.

Gansos e marrecos morreram afogados no açude, pois não conseguiam manter a cabeça em pé e os perus ficaram loucos e saíram “galando” avestruz a campo fora.

Os cachorros, nem queira imaginar, pois são bichos de má bebida, e borrachos, pelearam três dias sem parar, até que tontos e cansados caíram no sono, com cada brecha no couro que não ouve “creolin” que chegasse p´ra curar. Olhem, quase se esvaíram em sangue.

Os porcos por mais esganados que eram levaram uma borracheira tão grande, que dormiram uma semana ao olho do sol, esparramados pelo meio do terreiro.

O mais espantoso... Foi o “Nanico e o Redondo”, os bois mansos, que viram os guris despejando os barris nos cochos e beberam até estufar a barriga, e com isso não escaparam da borracheira e, com isso pegaram um ressabio tão grande, que quando enxergavam a pipa de água, que por acaso era feita com barril igual aos de vinho, se enfiavam no mato e passavam mais de semana sem aparecer.

O pior mesmo foi quando passou a borracheira daquela bicharada toda, e aí veio uma ressaca que chegavam a andar com o focinho de arrasto, e uma sede daquelas "munaia".

Afirmo que a sede foi tanta que secaram o açude, a cacimba e, ainda, cortaram o arroio do pessegueiro. Por sorte não demorou a chover.

          

 

 

UMA ENCHENTE NO CAMAQUÃ

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

Estava eu, certa feita, lá no rancho do “vô Bira“. P´ra que melhor me entendam, assim era chamado o meu falecido avô paterno, Severino Moreira, ao qual herdei nome, sobrenome e as manias, inclusive as de contar causos, pescar e caçar tatu.

Acompanhado como sempre, do meu cachorrinho fumaça, de nome Respeito, cachorrinho esse, que me havia presenteado um mascate velho, conhecido por "João Figueiredo", vivente por demais conhecido no interior de Santaninha.

Era cachorrinho ainda novo, nem alçava a perna pra mijar e eu pra mode ensinar a caçar tatu, aproveitei os cachorros do falecido tio Sinval que era o irmão mais novo de meu pai e tinha dois tatuzeiros de fundamento, um tareco, cola aparada, de nome Pitoco e um cruza ovelheiro “unha perdida” de nome Boca Negra, e com eles me toquei em direção à costa do Camaquã.

Era um terno de cachorros farejando cada pé de carqueja que encontravam pelo caminho.

A lua era um dia de tão clara, fazia “Cheia”, desde uma noite antes e depois de quase três semanas, caindo água como baba de cavalo enfrenado na “Nova”, até que enfim fazia noite de céu claro.

 Noite buena para caçar tatu. Se era.

Saí pelos fundos da tapera da “Carlinda Velha” e depois quebrei pra esquerda em direção ao campo do Gonçalino Borba, pulando sanga, cortando mato e arrebentando japecanga com as botas, já molhado até o joelho, pois apesar de parada a chuva, vassoura branca e carqueja, ainda, era uma molhaceira só.

O Camaquã velho roncava ladeira abaixo, que se escutava a meia légua de distância, pois já tinha engolido as duas barrancas e andava a campo se espichando pros dois lados, encobrindo parte do “Rincão dos Moreira”, pelo lado de Santaninha, e parte do “Rincão dos Barbosa”, pelo lado das “Cacimbinhas”, até onde a vista não alcançava.

Lembro que nos fundos do rancho do Gonçalino, havia um mato com branquilhos, guajuviras e corunilhas de tamanho descomunal, além de mundaréu de moitas pequenas, desde o camboim até a imbira, e lhe digo, moita rasteira não aparecia nada e das mais cuiudas só as guias despontavam por cima daquele lençol de água, onde de quando em vez desciam árvores inteiras, arrastadas rio abaixo até sumirem na primeira curva.

Cruzei em frente ao ranchinho do João Machado, que já estava com a água lambendo os esteios do galpão e um caíque atado forcejava que nem cavalo “sentador” pra escapar embalado pela correnteza que o puxava, enquanto lá no meio d’água eu vi uma vaca mocha mascarada, na cincha de um cavalo que me pareceu, a distância, tordilho negro ou mouro, que por certo um caíra n’água e findara por arrastar o outro. Nadavam, mas por tristeza cada um no sentido de uma das barrancas sumidas, até que um galho de tarumã, passou entre os dois enganchando o seio do laço e arrastou os animais água abaixo.

O cavaleiro não vi, queira Deus que tenha escapado da fúria da correnteza antes dos bichos cairem.

Era de fato uma enchente bem “cuiuda”, acredito seja a maior que os “dourados” do Camaquã, já viram desde que eram ainda filhotinhos e eu fiquei ensimesmado pensando em quantos ninhos teriam sido arrastados por toda aquela água.

 Os tahãs, por certo não sobrara um pra contar, pois geralmente faziam ninhos em ilhotas e que sem duvidas estavam todas "encobertas". Os capinchos sei que escaparam, pois vi rastos e esterco em quase todos os lugares que havia passado, mas não esperava a mesma sorte para as mulitinhas, pois as furnas certamente estavam cheias d’água e filhote não devia ter sobrado nenhum.

Desci pela costa e atravessei uma lavoura, não sei se do velho João Machado ou de algum outro “chacreiro”, mas era uma lavourona “cousa” mais linda, pois apesar da metade embaixo d’água, ainda era pra mais de quarenta carretas só de abóbora e melancia, sem contar feijão, batata, mandioca, milho e até milho de pinto, que dava pra encher meia dúzia de despensas, isso sem contar ainda que os capinchos andassem a mais de semana de “pança cheia”. E olhem que era uma “tropa” de bichos e ainda tinha a invasão do gado e dos porcos por um pedaço da cerca derrubada por uma caneleira "munaia” ter caído em cima.

Já ia quase à metade da lavoura, quando meu cachorro deu um “ganiço” no meio de um “abobral” e já seguiu “cavoucando” como se o bicho estivesse muito perto.

Olhei, não havia nada, não tinha furna, “cisqueiro”, rastro, nem esterco, na verdade nenhum sinal de caça e, certamente, por isso imaginei que fosse alarme falso, ainda mais que os outros cachorros passaram a “lo largo” e eram animais vaqueanos em caçadas, enquanto que o meu cusquinho, era só um cachorrinho, ainda, meio bobo.

Ralhei com o cusquinho e segui em frente, mas o danado teimava em “cavoucar” no mesmo lugar.

Eu já com raiva da teimosia do guaipeca, fui procurar uma vara pra dar uns laçaços e foi, justamente, quando por fim o cachorro se enfiou no buraco, que ele mesmo cavara e sumiu chão adentro num alarido, que foi ficando abafado até que não mais se ouviu.

Encostei o ouvido na boca do buraco, tentando ouvir alguma coisa e bem ao longe se ouvia um ruído, assim como um balde atirado no poço, que por mais que se tentasse não se conseguia atinar o que era.

Olhei para o rio e ele parecia crescer “devagarzinho”.

Parecia não, estava subindo mesmo, pois cravei uma estaca no chão, onde a água beirava, e a dita sumiu num instante, é claro que a estaca não serviu de marca, pois a água levou, mas havia perto um tronco de guajuvira, meio sapecado pelo fogo, decerto desde quando “coivararam” a lavoura, que estava coberto e antes não estava.

Mas aquilo foi um instante só, então olhei para o buraco onde nem “abobral” tinha mais, apenas um monte de folhas e baraços pisoteados e vi, então, que os outros cachorros, também faziam carga no local, deixando claro que alguma coisa havia, mas o quê, eu nem imaginava, não poderia aquela lavoura ser assombrada, pois nessas coisas não creio, mas que havia alguma coisa estranha, havia.

Olhei de novo o tronco de guajuvira que voltara a aparecer, antes de olhar o retoço dos cachorros na boca do buraco, aonde vinha saindo o meu cachorrinho, trazendo de arrasto um “macaieiro” maior do que ele. Lhe digo, era bicho com unha na cola de tão velho e ressabiado, sem exagero, não cabia na boca “do forninho” nem espremido.

Peguei o tatu, quebrei o pescoço. Não sem forcejar e, então, voltei a olhar o tronco sapecado, que estava destapado até as raízes.

Só então eu entendi, que o “macaieiro” velho tinha se embretado com a entrada da água na furna e no desespero cavou tanto, que já andava lá no meio da lavoura por baixo do chão e meu cachorro, que “tinha muito ouvido” sentiu o movimento do bicho cavando e foi ao seu encontro, só que a água na toca era tanta, que quando meu cachorro bateu no tatu, ele tentou voltar pela boca da furna, empurrando a água de volta pro leito do rio, com isso aumentando o nível da água que saia da "caixa", mas no entanto, quando lhes faltava ar recuavam fazendo a água voltar pra toca e só por isso o rio baixava e subia.

Essa era a razão do nível d’água, às vezes tapar o tronco de guajuvira e outras não, até que pelas tantas o cachorro conseguiu tirar o tatu e o rio, então, continuou seu caminho correndo ladeira abaixo, enquanto a água acumulada dentro da toca subia e descia respingando as folhas de abóbora pisoteadas que ficaram no chão através do buraco onde o cachorro tirou o tatu.

Hoje, não me admira o tamanho daquele tatu, e sim a ligeireza que cavou para não se afogar e tem mais. Se alguém duvidar do que digo, eu ainda guardo lá no rancho, as patinhas desse bicho com as unhas "rombudas" de tanto cavar.

Para arrematar este causo. Passou-se uma semana sem chover e por conseqüência o rio voltou para a “caixa”, e vou lhes contar.

O céu ficou preto de tanto corvo que revoava e eu, por curioso, fui ver de perto.

Lhes digo, não se agüentava a “fedentina” de carniça pelas margens do Camaquã, mas também pudera havia peixe morto espetados em espinhos de” urumbeva”, “corunilha”, “mamica de cadela” e até alguns enredados em japecangas e “rapa-canela” ou engaiolados nas reboleiras das árvores.

“Tossores de peixe morto” e fedendo.

Pode parecer exagero, mas encontrei quinze “dourados” enredados em uma cerca de “arame de espinho” e ainda um outro que, quando a água baixou, ficou embretado em um chiqueiro de terneiro perto da casa do João Machado.

 Esse foi o único que se pode aproveitar, pois ainda estava vivo e afirmo que mesmo repartindo ao meio com o dono da casa, comemos peixe salgado duas semanas seguidas, sem contar que ainda apodreceu um pedaço grande.

A quem duvidar, ainda guardo, um espinho desse dourado em casa, e sem exagero é mais grosso do que um dos braços meus e inclusive tenho usado como socador de moirão.

 O osso da costela de um touro velho é coisa pouca perto desse espinho.

De tudo o que mais me entristece, é que isso que vi, com certeza é quase nada dos bichos que sucumbiram nessa enchente, essa é, sem dúvida, uma das maiores razões da escassez de peixes hoje no Camaquã. 

“Chô égua, que mortandade véia munaia”.                  

INVENTÁRIO


Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)




 

ARDER


 Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)




CONFIDÊNCIAS... NÃO MUITAS...

 Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal) 

 

Os meus amigos de infância, resumem-se a meia dúzia. Dessa meia-dúzia, destacam-se apenas três:

Não são propriamente de infância, mas de adolescência. Um, que me dava grande prazer, era moço, baixo e folgazão. Amava calcorrear as ruas e ruelas da antiga cidade, em busca de curiosidades, velharias, e casas brasonadas.

Conheci-o quando fazia preparatórios. Fomos colegas de turma. Pertencia à aristocracia, mas nada tinha de velha e empertigada fidalguia. Gostava de prosear sobre famílias de antanho, da história da cidade, e era versado em heráldica.

Éramos íntimos e trocávamos intimas confidências.

Terminado o preparatório, vispou-se…Escreveu-me, ainda, inflamados e sorumbáticos aerogramas, da Guiné.

Tornei-o a descobrir, doente, envelhecido, ligeiramente surdo, casado. Continuava o mesmo rapazinho prestável. Digo: “continuava”, porque faleceu. Ainda rezo, pungidamente, pela alma.

Os outros ou as outras, eram meninas:

Uma, era criança. Afeiçoou-se a mim, e eu a ela. Cresceu. Tornou-se formosa menina-moça…A fértil imaginação, refervia. Iludi-me. Queria divertir-se, e pela certa chasqueava a minha ingénua e platónica afeição.

A última, era mulher feita, graciosa, de faces rosadinhas, ameninadas, corpo de gazela e inteligência arguta.

Certa tarde ensolarada, saímos juntos. Acanhado, não lhe soube revelar o meu casto e pudico sentimento.

A mocinha arrufou, receando ficar para titia. Enfastiou-se.

A amizade não finara; ainda bordou com esmero, delicada toalhinha de linho, a algodão azul, cor romântica e significativa de miosóte, quando a amizade já esfriava…

Já que estou em época de confidências, tudo devo revelar, para que nada fique encoberto.

A minha adolescência, e a própria infância, ficaram enrodilhadas em manto negro, negríssimo, que estigmatizou- me para sempre.

Deixou-me: receoso, triste, medroso. Certo é, que houve centelhas inefáveis. Períodos, que fugazmente olvidaram as amarguras do infortúnio… Mas, extinguiam-se, como estrelinhas doiradas, que se desprendem, esvoaçando, enxameadas, do braseiro da vida.

A verdadeira felicidade – se há plena felicidade, – encontrei-a na velhice; no prelúdio do acaso, quando os derradeiros raios ensanguentados do crepúsculo, já desfalecem, na espessa cerração da noite negra, que sinto ou pressinto avizinharem-se, sem o desejar.

Dou graças a Deus, pelas bênçãos recebidas, assim como Sua divina proteção. Talvez imerecida…

Todos tentamos esconder, e eu não sou diferente, – as horas sombrias, que enlutaram a existência, receando, que os mundanos, se divirtam com nossas malogradas fraquezas.

Mas, não consigo silenciar, todas os segredos – pelo menos, os mais fúteis, – por isso, confidencios… em papel….

Recordar é viver; mas recordar, o passado, que passou, por vezes, faz-nos chorar. Chorar baixinho…para que não nos ouçam e não nos vejam…

VOCÊ TEM CURSO UNIVERSITÁRIO?

 Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)


Naquela macia manhã de domingo, fui com meu pai, à missa, na igreja de Santíssima Trindade. Era meio-dia, quando descíamos a ampla escada de granito, que dá acesso à ádito do templo.

Avizinhou-se de nós, homem, alto, elegante, bem trajado, de óculos reluzentes, de cor doirada, cabelo grisalho e rosto risonho, de braços abertos, que euforicamente, cumprimentou meu pai. Sem mais delonga, disse-lhe em afetuosa jovialidade:

- “ Ainda ontem falamos de si! …”

- “Sim?!” – Respondeu meu pai, segurando, com firmeza, os longos e finos dedos morenos do álacre cavalheiro.

Soube, mais tarde, que se tratava de insigne causídico da nossa cidade.

- “ Pois é verdade! Você é um jornalista genial! Escreve com estatura dos grandes prosadores; tem cultura invulgar; e é notável perito da História da cidade. Minha mulher - que é formada em Letras, - até me perguntou: -” Que curso terá esse Pinho da Silva, para ter tanto talento, e possuir admirável estilo?!”

Meu pai, surpreso, agradeceu o inesperado elogio e após breve pausa, declarou galhofeiramente:

- “ Não tenho curso algum…”

Disse a verdade, omitindo, porém, que cursara as Belas-Artes, e fora discípulo de ilustres e conhecidos Mestres.

O famoso jurisconsulto, mirou-o num relance, estupefacto, de cima a baixo, de olhos esbugalhados de espanto. Depois… tartamudeando palavras ininteligíveis, acabou asseverando, com sorriso compulsivo, nos descorados lábios:

- “ “ Pois não parece! …. Para quem não tem diploma superior, escreve bem. Muito bem… Continue…continue…que irá longe…mesmo sem curso! …

“E eu a pensar, que tinha cursado Letras! …”

O conhecido causídico, estampou expressão de espanto, e certamente pensou com seus bonitos botões doirados: “ Como é que consegue, sem ter frequentado os bancos universitários?! …” – As Belas-Artes, no tempo da juventude de meu pai, não pertenciam ao ensino superior.

O bom jurisconsulto, pensava, que para se ser bom escritor e bom jornalista, era preciso frequentar a Faculdade de Letras! …

Como se as Letras tivessem lá! …

Compreendo, assim, perfeitamente, porque pretendentes a deputado, inventem cursos e diplomas, que não possuem, para serem respeitados.

Quando realizei, numa publicação local, dezenas de entrevistas (quase duas centenas,) a figuras públicas; jovem deputado, confidenciou-me: que ia cursar Faculdade, para poder impor-se, no parlamento…

Vivemos num mundo de “canudos”. Marden, asseverou: que se dava mais valor ao diploma, que ao verdadeiro conhecimento.

E continua a ser verdade…

OLHOS LINDOS

Por Vivaldo Terres (Itajaí, SC)


Teus olhos são como o azul do céu,

Em noite enluarada.

Nunca vi em minha vida nesta longa caminhada,

Alguém com olhos tão lindos.

Sem que fosse minha amada.

*

Mas sei que também me amas,

Porque queres ser amada.

Com amor sincero e puro, para não seres enganada.

*

Quero que tenhas certeza,

Que és linda, és uma flor,

E que não são só teus olhos que são lindos um primor

Tua boca é bonita, teus cabelos encantados,

Tu tens a pele morena, teu nariz é afilado.

Enfim tu tens um corpo escultural.

Gostaria que me deste como presente,

Teu amor neste dia de Natal.



O BRASIL NÃO TEM POVO:

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Penso que o escritor Afonso Henriques de Lima Barreto, ou simplesmente Lima Barreto, não fazia ideia de como o Brasil seria um grande espetáculo cheio de público em pleno século XXI, com tantas modernidades e acesso ao conhecimento. Se naquele período ele tinha a certeza de que o Brasil não tem povo e sim público o que ele diria do nosso país hoje? O escritor nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881 e ali faleceu no dia 1 de novembro de 1922.

Hoje talvez dissesse novamente: "O Brasil não tem povo, tem público. Povo luta por seus direitos, público só assiste de camarote". Levando em conta o que disse o cronista carioca Lima Barreto na sua existência passo a crer que o nosso país é mesmo uma peça de teatro bem ensaiada com um grande público à prestigiar. Parece que as coisas andam por aqui quando alguém resolve lutar. Mas uma luta solitária muitas vezes não chega tão longe.

Um tempo atrás calar-se era sinônimo de medo, na minha opinião é sinônimo de comodismo. Se aquela pessoa está habituada a vida que tem talvez ela deixe de fazer algo a mais. Na sua percepção, se não está tão ruim pior não ficará.

E onde entra os nossos direitos nesse contexto? Vejamos... Quem não luta não sonha. Obviamente deixando de lutar não vai correr atrás de seus direitos e melhorias na sua vida. Ou seja, será apenas mais uma pessoa no camarote.

Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, SC

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (COVID-19)

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Se você não sabia vai ficar sabendo agora. Estamos quase todos com a vida parada por conta da pandemia. Muitas restrições no Brasil. Um grande número de mortes que se formos analisar metade da população brasileira está nos cemitérios agora.

Enquanto isso... Pasmem na China a vida acontece como se nada tivesse acontecido. Tiveram 3 semanas de férias. Depois a rotina voltou ao normal. Não tem isolamento social e nem distanciamento. As empresas e demais comércios funcionando normalmente. Será que nós brasileiros e outros povos não estamos sendo enganados?

Sim, o vírus está aí no ar, nós temos sim que nos preocupar e tomar cuidado, mas não tá havendo exagero no Brasil e demais países? Na China a única regra é o uso da máscara, mas lá como bem sabemos os chineses já nascem usando máscaras. É bem mais que Cultura é como respeito ao próximo, pois muitas doenças podem sim serem passadas pela salivação, espirros. O caso é que muitas pessoas estão morrendo. No entanto nem todas são casos de Covid-19.

Soube de um caso de um senhor com complicações do coração faleceu e o hospital disse aos familiares que era mais uma vítima do Covid-19. A médica que o atendeu nem exames fez. A mulher deste homem não aceitou o laudo. Reclamou. A médica continuou a dizer a mesma coisa. Eles já iam colocar ele num saco de lixo e sem roupa.

A esposa procurou um advogado, eles entraram na justiça e o hospital foi obrigada a fazer o teste no falecido. Resultado, ele não tinha morrido de Covid-19 e sim do coração e infecções que deram nele.  Estou falando isso não para você sair de casa como se tivesse de férias ou o vírus fosse uma mentira dos governantes, mas sim para que fiquemos espertos e atentos. Para uma resposta concreta. Meu pai todos dias me fala: ATÉ HOJE NINGUÉM DISSE DE ONDE VEIO ESSE VÍRUS COMO ACONTECEU ISSO. Pare e pense.

 

Clarisse da Costa é poetisa e cronista em Biguaçu S/C.

 

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

RODA DE CHIMARRÃO

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

 

Enquanto a carne assava na brasa

Daquele fogo de chão,

A chaleira chamuscada chiava

Com a água quente do chimarrão.

 

Quatro peões cansados

Da lida de um longo dia,

Sentados ao redor da fogueira,

Chimarreavam, charlavam,

Davam risadas faceiras.

 

E contavam histórias,

Umas felizes, outras tristes,

De morte e assombração,

Dos campos daquela estância,

Testemunhas de lutas e revolução.

 

Os tempos eram outros,

As dificuldades imensas.

Tudo era improvisado

E feito à braço e mão.

Só a cada quinzena ou mês

Era possível receber

Mais mantimentos do patrão.

 

A carne assando, a gordura escorrendo,

A algaravia dos quatro peões,

 

O céu estrelado, a lua cheia,

O chimarrão passando de mão em mão,

O sono chegando com mansidão...

 

O vento frio da Campanha

Levando e trazendo lembranças

Para aqueles corpos cansados,

Abrigados ali no chão.


CASÓRIO DE RICO

 Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

A tia Carmelina, também, conhecida pelo apelido de “Boca de Traíra”. Isso de tão “faladeira” que era, na verdade, não era minha tia e sim aparentada longe de meu pai e na ocasião deste fato acontecido que hora, lhes conto, já era viúva “havia” alguns anos, pra felicidade do falecido Lucrécio. “Que Deus o tenha na boa graça”

Tinha, a dita cuja, uma língua que, lhes afirmo, cortava mais do que faca de charqueada e de sobra, ainda, era mais intrometida do que filhote de marimbondo em bunda de aranha morta.

Mas, como se sabe, por instinto e por experiência, toda a china linguaruda e metida a saber demais e, ainda, se achar pouco mais grossa do que cantiga de frango, tem por vezes a sorte da traíra, vindo morrer pela boca, e foi assim que se deu, o causo da tia Carmelina que hora lhes conto.

Era um casório que lhe digo, cousa nunca vista de tão grande, pois a noiva, segundo comentários ouvidos, era aparentada de gente grande “nas políticas” lá por Santaninha da Boa Vista, o que devia ser verdade a julgar pela fartura da festa e o gentirío que se fez presente.

Bueno, só pra não pecar em exagero lhe digo, de carroça, carreta e até algum auto vindo da cidade, se enfiasse o nariz d´um no recavém do outro se ia a quase meia légua, isso fazendo o cálculo aproximado, por que precisar era impossível.

Encheram o potreiro da frente e, ainda, ficou um lote de “condução” no corredor.

Amigos, parentes, amigos de parentes, conhecidos, vizinhos, bajulador e até amigos de bajulador, “Que trocando em miúdos, é pra lá de puxa- saco” num entrevero de pêlo duro e cola fina que dava gosto de se ver e um horror de “escuitá”

Foram mais de trinta vacas, mais de vinte leitões e ainda um lote de borregos carneados, além de galinhas e até peru, que nunca se soube a quantia. Isso é saber eu sei, mas se for contar eu varo a noite no mesmo causo, de modo que vou amiudar um pouco o assunto, dizendo que as mesas de tábuas pregadas, eu até que tentei medir com os olhos, mas posso afirmar que se estendiam até onde a vista não alcançava e já tinha mais de dúzia de cavalos encilhados só para indiada encarregada de servir a bóia.

A sombra, também, era até onde a vista não alcançava, porém em razão do comprimento das mesas, ficava mais da metade delas no sol e lhe falo de sol bem cuiudo, desses que mutuca voa em bando, pra mode de refrescar umas nas asas das outras.

Lembro, ainda, que um burro “choro”, que se aventurou ao pasto espichou palmo e meio de língua para fora da boca. Para quem conhece posso dizer que ficou igual a cachorro campereando no ponto do meio-dia, e digo mais, o calor era tanto, que dava para tomar mate com a água do açudezinho ao lado do rancho. Até a “sapaiada tava” morta, e de barriga pra “riba”.

O pai da moça, com aquela torreira infernal e com tantos convidados ilustres para atender, estava vendo a coisa “enferruscada”, pois também os menos “remediados” precisavam ser bem tratados, pois o vivente tinha ambições políticas, de maneira que quem não era partidário era pelo menos um possível eleitor.

Aquele gentirío todo não caberia na metade da sombra existente, e no sol, certamente, ficariam igual a "pesco" seco.

Tinha que pensar em uma maneira de todos serem bem atendidos...

Foi quando a tia Carmelina, que na hora depenava umas galinhas lá na cozinha, apareceu esfregando as mãos em um avental velho, encardido de causar dó e, subindo num toco de guajuvira cortado mais ou menos na altura de um metro, bateu palmas p´ra chamar a atenção e prendeu-lhe o grito.

“Bueno seus burros, o negócio é ir se “quarteando” p´ra comê, de modos que premero come os noivos e as criança, depois come as muié e atráis come os home”.

“E tá resorvida a pendenga”.

Chô égua... Cambada de burros!

 

 

 

 

 

 

 

AS OVELHAS COLUDAS

 

Por Severino Moreira (Bagé, RS)

 

     Pra quem mal me conhece, eu sou cria de Santana da Boa Vista. A minha querida Santaninha do Carrapato, como aliás é conhecida por muitos, pelo fato de ser uma região típica de pecuária. Embora muitos conterrâneos não gostem, eu particularmente simpatizo com esse apelido, afinal se tem carrapato tem gado e se tem gado tem riquezas.

      Nasci e me criei num ranchito ali na costa do arroio, próximo ao Passo do Pessegueiro, entre Saracuras e Graxains, e não há por lá quem não ouvisse falar em mim.

     Sou o sétimo, dos treze que vingaram da filharada do meu pai, já que um foi “mordido” de cobra lá no potreiro da furna ainda gurizote, outro quebrou o pescoço na rodada de um cavalo veiaco. “Não que não soubesse sair, é que o bamburral era dos brabos”. Tinha, ainda, o mais velho que “pelaram a chiba” em uma tocaia lá na costa do rio Camaquã e até desconfia-se até de parentes de uma pinguancha, que tempos depois apareceu de “bucho cheio”, sem nunca aparecer o pai do guri, mas como isso era só desconfiança, e não se derrama sangue alheio devalde, ficou tudo por isso mesmo, apesar da “parecensa” do piá.

     Isso que nem estou contando os três que nasceram mortos, não sei se por descuido da parteira ou por falta de recursos naqueles grotões, onde me criei, pois ali acho que até o "Tinhoso" tinha medo de entrar.

     Bueno, o campo do meu pai tinha mais de quadra e meia, mas por certo não chegava a duas quadras. Digo por que não entendo dessas coisas de alqueires de terra, palmos e muito menos, desses tais “equetáres” que os “cola-fina” tanto falam de modo que assim ao meu jeito vou explicando mais ou menos de modo que me entendam.

     Estende-se este campo, desde a costa do Pessegueiro até se emendar com o campo da Vó Lucídia, lindando pelo outro lado com meu primo Aristeu Moreira da Fonte, o que na verdade não tem a ver com o “causo” hora contado.

     Meu pai tinha por costume, “regalar” a cada filho que nascia com uma terneira pra modo de começar uma criaçãozinha e em razão da diferença de idade de uns para outros, alguns já tinham vaca de cria, outros vaca de cria com cria, e alguns até vaca bisavó de vaca com cria, não sei se me entenderam, mas se preciso for eu explico de novo.

    “Viuvou” de minha mãe ainda com um lote de filhos pequenos para criar, de modo que, não demorou muito a "matrimoniar-se" de novo, dessa vez com uma prima carnal como costumava a dizer, e desse casório vieram mais quatro filhos. O mais velho, pra lhe encurtar o causo, é meu compadre.

     Sentindo-se meio “atempado”, já quase nos oitenta de idade, reuniu de certa feita toda a filharada, já que alguns e entre eles me encontro, eram filhos da falecida e propôs deixar algumas "coisitas" a mais para a velha, pois além de algum leitão guacho ou alguma galinha no terreiro a coitada não tinha nada que fosse dela.

    Com a concordância dos filhos, ficou definido que lhes daria todas as borregas que nascessem no ano seguinte. E se não me falha a memória, naquele ano, vingaram umas quinze borregas bueníssimas, isso sem contar uma que os sorros comeram ainda pequena.

   Acontece que para diferenciar das demais, a velha pediu que deixassem seu rebanho de cola comprida. Coisa estranha, já que por costume, de cola só ficavam os machos destinados ao abate. Mas, afinal, eram dela, de modo que fizesse como melhor achasse.

    Passou-se o tempo, meu pai encarneirou as borregas, mas por desgraça falharam todas, o que até seria normal, pois borregas por vezes, não entram em cio, mas assucede-se que nos anos seguintes falharam de novo, de modo que, já havia ovelha, dois anos mais novas, de cria e as "arcaides", não tiravam um cordeiro que fosse.

    Parecia até praga de madrinha.

    Alguns anos depois, já ovelha velha, emprenhou a primeira delas, justamente uma cruza merino, mais enrugada que lombo de maranduvá e que em razão de um pegão da tesoura na esquila pegou uma bicheira braba, bem no tronco da cola vindo a ficar rabona.

    Só então se descobriu que o carneiro, já velho, cheio de catarata “nos zoio” e sempre com uma “ranheira” danada pendurada no focinho que nem “fenotiasina” era capaz de curar, não chegava perto das ovelhas pensando que eram machos.

 

 

AMADA

Por Gustavo Dourado (ATL, Taguatinga, DF)


 

EMBARCAÇÃO

Por Márcia Duro Melo (MEB, Bagé, RS)


 

MAGMA

 Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)



Sobre o assunto

assunto o oráculo

no feérico instante:

 

sem resposta

sou oposto ato

 

reflito na pedra

o veio estratificado

 

sei da vida inacabada

da montanha magnífica

quando aflora.

 


PAI

Por Vivaldo Terres (Itajaí, SC)

 

O pai não é somente,

 

Aquele homem que veio

 

Ao mundo

 

 para garantir a espécie,

 

É também o amigo

 

que está sempre pronto

 

A dar a seu filho,

 

Amor, proteção, amparo...

 

E abrigo.

 

***

 

Mesmo incompreendido

 

Por muitos,

 

Por não entenderem

 

As suas razões,

 

Sofre, chora, vai à luta...

 

Às vezes desempregado

 

Não deixa que falte a família,

 

Um pedaço de pão.

 

***

 

Pai é este homem valoroso,

 

Cujo nome nem sempre

 

É reconhecido,

 

Mas que continua lutando!

 

Para não ficar totalmente esquecido.