Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Em memória de João Carlos
Pereira
‘’Eu prefiro as certezas do sim!
Do que a incertezas
do talvez.’’
Clarisse da Costa
Uma vaga
e leve fragrância de flores de laranjeiras misturado com um forte olor
almiscarado estava pairando no ar. E uma explosão de fortes e vívidas cores
irritou muito o agente de segurança, que vagava a esmo pelo salão de eventos. O
vai e vem de pessoas negra, de gente latino e vários tons de peles escuras, nos
pulsos argolas e pulseiras reluzentes, enormes brincos nas orelhas, expressivos
lenços nas cabeças, turbantes variados e as roupas berrantes e chamativas.
E
o som baixo e discreto de eufônicas de variadas línguas estrangeiras que
falavam simultaneamente e que se lançavam no ar e intercambiavam entre as
pessoas que ocupavam os espaços como se fosse uma perfeita sinfonia. O agente
de segurança, de idade avançada, sentiu um frio percorrer a espinha como nunca
tinha sentido antes. Ele ligou o sinal de alerta!
— Aquieto-me para recomeçar um novo
ciclo professor Muteia. O texto parece, com o de uma falecida, autora escritora
desconhecida do grande público. Mas a obra é minha com toda a certeza, compus
com o meu sangue! — O rascunho estava na mesa, Adérito Muteia relutava em pegar
o manuscrito para ler. O literato africano, já tinha recebido e lido uma cópia
em mídia digital. Algo gritava dentro do texto, para além do texto e, de forma
desesperada. Aquela mulher na frente dele deixava-o nervoso.
— Senhorita Fabiana de Lima, não
creio que posso satisfazer os vossos anseios literários, da senhorita, não
neste exato momento.
O palavrório afetado, com leve
sotaque luso, irritou a jovial escritora, vestida sobriamente como uma aluna de
pós-graduação a apresentar uma tese, com seu tailleur Chanel azul limão. E os
olhos castanhos em chamas dela, cravaram profundamente na mente de Muteia, o
africano devolveu semicerrando os olhos negros profundos. Seria uma reunião e
tanto pensou Muteia àquela hora extrema.
O agente de segurança passou ao
lado da mesa onde Fabiana e Muteia foram se alojar. O homem da lei, muito idoso
para um agente de campo, parou abruptamente e voltou os olhos de para o
casal. Mil vozes mínimas, em puro
desespero, urraram dentre dele, o casal impassível sequer deu pela existência
do homem idoso, impecavelmente vestido, que andava com a ajuda de uma bengala e
de óculos escuros. Cansado o homem sai da salão de exposição, assim como quem
foge para salvar a vida cambaleando e lânguido.
— Então irá fazer mudanças no
texto? Olha o miúda, eu não tenho muito tempo para aspirantes a escritores, és
ambiciosa demais e não creio que...
— Balela professor Muteia! — Falou
em tom de desafio — Não vim de tão longe, para ter a sua aprovação pessoal!
— Não me interrompa de novamente ò
miúda! Não vou e não quero te dar aprovação alguma, não é este o meu papel,
entenda logo!
Muteia,
estava falando com a jovem adulta, na frente dele como se estivesse de novo em
campo de batalha. O adido militar já tinha visto isso antes, bem falantes e
corajosos, aspirantes jovens combatentes, recém saídos de campos e academias de
treinamento, sempre apressados, com fome e sede de ação. Desesperados, os
jovens combatentes choraram, gritavam e se escondiam quando os combates
começavam de fato.
— Não quero ser grosseira com o
professor, me desculpe, eu vim de muito longe e quero ser publicada, eu também
quero ser mais útil! — O tom conciliador de Fabiana não comoveu o experiente
professor.
Muteia sentiu um zumbido que
crescia e crescia, um drone pensou, dois drones na verdade calculou o professor
africano, um bem perto e outro um pouco mais longe. E o literato africano,
ficou mais relaxado e pensou em um charuto, sentia a necessidade de um charuto
a bem da verdade.
E não demorou muito, um jovem
secretário indiano bem alinhado com seu multicolorido traje típico, veio com
uma bandeja de madeira, com as bordas artesanalmente decoradas. Nela uma caixa
de madeira pintada a mão de charutos caribenhos, um de copo de cristal
artesanalmente decorado, nela havia chá de lima-da-pérsia gelado. O jovem de
cabelos negros, um pequeno piercing no nariz e olhos negros vivazes serviu o
casal e desapareceu tão rápido quanto chegou.
— Miúda não é somente querer, pensar
ou mesmo desejar! Na verdade, é tudo isto junto, temperado com as casualidades
que a vida nos impõe! E temos que viver e conviver não somente com as nossas
escolhas, mas também temos que viver e conviver com as escolhas alheias, que
não são nossas.
O zumbido ficou mais alto, e o literato esperou e esperou enquanto pegou
o cortador de charutos Don Emmanuel e o isqueiro à querosene com tanque de óleo
transparente. O professor, literato e adido militar preparou e acendeu o
charuto cubano que tinha levado à boca e deu uma demorada baforada.
A jovem escritora levantou a mão
fechada em punho na frente do Muteia, abriu e fechou! O drone parado a poucos
metros dos dois se esmigalhou e caiu no meio da rua, caiu na calçada e não
atingiu ninguém. Muteia dá uma segunda baforada seguida de um discreto sorriso
de marfim e bate palmas.
— És uma jovem e impulsiva! E nada
discreta pelo que vejo!
O segundo drone parado a
quilômetros de distância caiu lentamente, foi parar em uma densa mata fechada,
do que seria um jardim de uma luxuosa casa, muito abandonada. Muteia, muito
tempo se acostumou em lidar com alunos deste naipe, estes jovens impulsivos.
— Vamos ver com mais cuidado o que
temos aqui. — Muteia pegou o manuscrito em cima da mesa e leu em voz alta: — Eu
não falo com estátuas! Eu vivo no além dos astros-mortos!
Samuel
da Costa é contista, poeta e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina
Contato:
samueldeitajai@yahoo.com.br