sábado, 1 de abril de 2023

HOMENAGEM À VÂNIA MOREIRA DINIZ


Vânia Moreira Diniz, escritora, poetisa, acadêmica, musa e incentivadora da Revista Cerrado Cultural e, sobretudo, amiga.

MUSA

(à Vânia Moreira Diniz)

 

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

 

Ó, Vânia Moreira Diniz,

Poetisa de alma luminosa,

Com tua pena, fazes feliz

Quem mergulha na tua prosa.

 

Em teus versos, sentimos

Pulsar da vida e a emoção,

As palavras que escolhemos,

Refletem a tua inspiração.

 

Da Revista Cerrado Cultural,

És a musa inspiradora,

Com teu talento especial,

Encantas cada leitor(a).

 

És a voz do coração,

Cantas as belezas do Amor,

Com teus versos, dás emoção,

Ao cotidiano desolador.

 

Ó, Vânia Moreira Diniz,

Em teus versos espelhas,

A riqueza da nossa raiz,

E a magia que nos rodeia.

 

 




 

AOS 102 ANOS DO IMBA

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

 

Instituto Municipal de Belas Artes,

Tua história é centenária e rica,

Promoves a cultura com maestria,

Inspiras gerações com tua magia.

 

Da música erudita à popular,

Com instrumentos diversos,

A dança tem seu lugar,

Encantando com gestos universos.

 

São 102 anos de dedicação,

À promoção do Belo e da emoção,

Fazendo de Bagé um Polo Cultural.

 

E assim, segues em frente,

Ensinando e encantando a gente,

E deixando um legado imortal.

 

 

 

HINO À ACADEMIA CRISTÃ DE LETRAS - ACL

Por Paccelli José Maracci Zahler (Correspondente, Brasília, DF)

 

Ó, Academia Cristã de Letras,

Que honra exaltar tuas obras,

Nascidas de mãos habilidosas,

Geradas por mentes iluminadas.

 

Ó, Academia Cristã de Letras,

Com a humildade e a gratidão

De São Francisco de Assis,

Fomos chamados à missão

 

De levar a Luz

Pelos caminhos de Trevas,

Abençoados pelo Senhor

Cujo Amor nos conduz.

 

Ó, Academia Cristã de Letras,

A Literatura nos une,

A busca do Saber nos move,

O Senhor sempre nos unge.

 

Ó, Academia Cristã de Letras,

És um tesouro da nossa Cultura,

Um fulgor de Sabedoria,

Materializado em cada Tertúlia.

 

HINO AO MOVIMENTO DOS ESCRITORES BAGEENSES - MEB

Por Paccelli José Maracci Zahler (MEB, Brasília, DF)

 

Ao som dos versos que ecoam

Da cidade de Bagé,

Unidos somos Escritores

Do nosso povo e nossa Fé.

Com nossas palavras construímos

Mundos mágicos sem igual,

Deixando a nossa marca

Na história cultural.

 

Com nossas Letras poderosas

Despertamos emoções,

Mostrando o que há de belo

Nas nossas tradições.

Somos um Movimento forte

Que busca sempre avançar,

Divulgando nossos talentos

E nosso jeito de criar.

 

E assim, seguimos em frente,

Com a poesia a nos guiar,

Honrando a nossa cidade

E o nosso povo, sem cessar.

Bagé, és o nosso berço,

Nosso chão, nosso lugar,

E nós, escritores bageenses,

Com orgulho vamos te exaltar!

QUANDO O ANALFABETO ERA MESTRE DA LÍNGUA

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)


Nas férias – grandes, abalava no ronceiro comboio do Douro, para Trás – os – Montes, na companhia de meus pais. Aí, ouvia com espanto, expressões e linguarejar desconhecido e estranho, que jamais escutara na escola.

Meu pai achava graça a certos termos e apontava-os, religiosamente, num bloquinho verde, para não os esquecer. A gente da aldeia, agastada, ficava acobardada, e tentava exprimir-se à moda da cidade.

Mais tarde, já homem feito, ao ler os clássicos, topei as mesmíssimas palavras, em: Frei Luís de Sousa e Francisco Rodrigues Lobo.

Camilo – Mestre dos Mestres – enxameou os magníficos romances com termos usados pelo povo simples e analfabeto. Colhia-os, escutando o prosear de lavradores ou em seroadas à lareira, enriquecendo assim seus escritos.

Ouvi, com magoa, no Brasil, semicultos, que se gabavam de respeitados letrados, rirem-se de nordestinos que desceram à Pauliceia, por empregarem vocábulos a que chamavam, depreciativamente, de caipiradas. Rapidamente constatei, que se entroncavam em boa cepa da língua – Camões e Bernardim.

Em " Enfermaria do Idioma", João de Araújo Correia, aborda o tema, recordando que o letrado reconhece no analfabeto: " Preciosa mina de ensinamentos. Índole da língua, frases expressivas, imagens claras."

E Castilho, assevera, também, em: " O Presbitério da Montanha": "Troca-se mais português de lei, mais riqueza de vocabulário, fraseado e construção, numa seroada de inverno ou num palrar de sesta de segadores entre carvalheiras rústicas, ao estridor das cigarras amadas de Anacreonte, do que entre o ranger dos prelos e o resfolegar das balas, num ano inteiro da melhor tipografia de Lisboa."

E confirma Aquilino em: " Arcas Encouradas": " Fala-se ainda na Beira uma língua viva, buliçosa e branca como água que sai da rocha, que deve entroncar em Fernão Lopes, passando por cima de renascentistas, trabalhadores ao torno, e de toda a casta de literatos que se venderam à francesia. É cheia de expressões breves e diretas, admiráveis quanto a traduzir cor, estado de alma."

Não admira, portanto, que Antero de Figueiredo, escreva em: " Jornadas em Portugal" – " Com que gosto vou partir para aprender, ouvindo-a (a língua portuguesa,) arejada e leal, da boca livre do povo, onde espontaneamente, acodem termos incisivos e esbeltos modos de dizer."

Infelizmente, com a difusão da mass-media, os " doutores “ da província começaram a falar chique, à moda de Lisboa. Agora catedraticamente marchetam o palrar com vocábulos anglo-saxónicos, para passarem por eruditos e ilustres intelectuais; desprezando belas e castiças expressões, bebidas na infância, de mães e avós analfabetas, mas sábias.

Hoje, tudo e todos se igualam, infortunadamente, pela ralé: na forma como se exprimem, na educação, e conduta de vida.

Assim se perdem os bons costumes e a boa linguagem, assim como os valores que sempre enobreceram os nossos avós, e orgulhosamente nos diferenciavam dos demais povos.

ENTRE O ANELO E O SUSPIRO

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

Aflição de ser água em meio à terra

e ter a face conturbada e imóvel.

Hilda Hilst

 

Tenho um gosto especial pelos diários, principalmente aqueles escritos com a mais fina pena da literatura. Como não lembrar Carolina Maria de Jesus e seu “Quarto de despejo, o diário de uma favelada”? O que falar de “Memorial de Aires”, um dos meus livros preferidos de Machado de Assis? Ou mesmo “Drácula”, de Bram Stoker, todo escrito em forma de diários pelos personagens da trama em idas e vindas, questionamentos e respostas ao tecerem um impressionante relato intercalando-se uns aos outros?

Todos esses diários são eternizados nas memórias de quem os leram, alguns ficcionais, outros reais e outros ainda mistos. Vá entender a cabeça de um escritor! Mas há um no pedestal dos apaixonados por essas linhas inicialmente pessoais e despretensiosas a chamar-me curiosa atenção: o diário de Anne Frank. Isso mesmo! É o nome do que se tornou um dos livros mais emocionantes do mundo inteiro. A história da pequena Anne, assassinada pelos nazistas depois de passar anos escondida com sua família e outras pessoas no sótão de uma casa em Amsterdã, onde funcionava a fábrica de seu pai.

Mas não irei falar aqui sobre essa triste história, que não deve ser esquecida; daí também a importância dos diários. Antes falarei de uma peculiaridade simples, mas genial: Anne não escrevia ao léu, mas para Kitty, uma amiga imaginária. O que isso tem de extraordinário? Tudo! Ao direcionar a escrita a alguém, ela se torna, além de íntima, confidencial. Ainda mais se esse “alguém” for bem construído, com uma vida pregressa, profissão, família, amizades, escolhas… Isso o torna uma pessoa em potencial de não apenas escutar a sua fala, mas dialogar com as suas alegrias e dores. Como? Nas suas próprias digressões. É possível supor qual seria a resposta, mesmo que não concorde com ela.

Por isso, não me custa nem um pouco confessar: furtei a ideia de Anne. Mas não me julgueis mal. Jorge — sim, o “meu Ktty” se chama Jorge — é alguém que conviveu e convive comigo há muitos anos. Bem antes de adentrar-me no universo dos diários já detinha com ele longas conversas. Almoçava com ele, ria com ele, chorava e até brigava. Chegamos a ficar alguns anos sem nos falarmos, embora ele sempre me aparecia em sonhos, mesmo em silêncio, a abrir-me as janelas da minha alma. Engana-se quem pensa que era eu uma criança. Estou a referir de quando já era bem crescidinho. E como foi ele a escolher-me e não eu a ele dei-lhe um presente: um romance — Janelas da Alma — no qual Jorge, com toda a sua destreza, fundiu-me ao seu modo de pensar e de sentir. Tornou-se o personagem principal.

Caso se interesse em ler ficaremos felizes. Por hora, gostaria de apresentar-lhe o nosso primeiro encontro que passou a ser, também, após o livro ser publicado, o início do nosso diário. O chamo de “Entre o anelo e o Suspiro”.

Há momentos de mais puro esquecimento, esses momentos entre os quais nossa alma se liberta em princípio de estado. Como é doce o não ter que ser… Era o pensamento de Jorge ao me olhar pela primeira vez. Queria não ter que ser sempre, entregar-se a ele mesmo como as flores se entregam ao orvalho da manhã sem trocas e sem medos.

Sempre teve [ou tive?] a visão desse encontro: ora era a flor, ora o orvalho, como ora era o escritor, ora o personagem, sem preferências ou escolhas a vir destruir os versos existentes “entre o anelo e o suspiro”, como dizia aquela poesia guardada em um naco de memória.

Já era noite e toda noite era assim: preparávamo-nos, eu e Jorge, para esquecer, nunca lembrar. No esquecimento, não há sonhos – essa arrogância do pensamento. Isso já era eu a achar, em comunhão com meu personagem, a essa altura sem saber quem era ele e quem era eu.

Não importa. Calávamos um para o outro no momento exato do esquecimento, fragrância milimétrica de tempo entre o estar acordado e o começar a dormir. Pronto. Já foi. O barulho recomeça e o sonho invade os nossos pensamentos.

 

Boa noite, Jorge.

Amanhã

volto

a

escrever-te.

REFLEXÕES II

 Por Valéria Gurgel (Nova Lima, MG)



O SILÊNCIO  DA POESIA

A poesia das flores  não busca palavras
Para expressar  o inexpressível 
Pétalas recitam versos
Rimam em cores a delicadeza  da vida  perfumada  em silêncio. 




AMOR BEM CONJUGADO

Eu me amo
Tu te amas
Ela se ama
Nós  nos amamos
Vós vos amais
Elas se amam!
Aprender a conjugar o verbo amar no tempo certo, na ordem certa e de forma correta, é essencial para entender bem o que é  Amor Próprio!










NAS ENTRELINHAS

 Por Dias Campos (São Paulo, SP)

 

            Ah!... Como é difícil para mim, que sou prosador, versejar sobre a mulher. Falta-me, como escreveu Voltaire, o dom dos poetas.

            Mas se nasci sem esse carisma, nada me impede de tomá-lo emprestado. Daí me socorro de José de Alencar, quem melhor cantou as vozes das florestas brasileiras: “A mulher é uma flor que se estuda, como a flor do campo, pelas suas cores, pelas suas folhas e, sobretudo, pelo seu perfume.”

            Mas se é verdade que os poetas não se enganam quanto à divina fragrância que delas exala, o mesmo não se pode dizer quanto à sua origem. Neste sentido, se para Lessing “A mulher é a primeira obra do Universo”, para Gonçalves Dias ela se localiza no extremo oposto: “A mais perfeita das criaturas, porque foi a última que caiu das mãos do Eterno, quando ele quis completar o quadro variado e magnífico das suas maravilhas com a maior de todas elas.”

            Aposto que a justificativa para tamanha discrepância estaria no efeito personalíssimo que o divinal olor causa em cada espírito.

 Seja como for, ter sido a primeira ou a última obra na criação pouco importará aos olhos dos que transcendem a só contemplação da abóbada recamada, pois, como bem afirmou Víctor Hugo, “Nós olhamos as estrelas por dois motivos, porque são luminosas e porque são impenetráveis. Mas temos perto de nós uma luz bem mais doce e um mistério maior, a mulher.”

            E pegando esse gancho, creio que ninguém poderá contestar que “A mulher põe no mundo toda a poesia e toda a doçura”, como bem retratou Leon Daudet.

Quanto ao mistério, ouso afirmar, porém, e o faço com o auxílio da Condessa de Ségur, que pelo menos um deles já me foi revelado: “O homem pratica os grandes feitos. É a mulher que os inspira.”

Com efeito, devo tudo o que sou à minha única mulher, Mônica.

ANIVERSÁRIO DA CIDADE DE SALVADOR

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

Dia de feira

Tô com fome

Vou ali comprar!

São Joaquim, Sete Portas

Ali é o lugar.

Santo Antônio, Bonfim

Hora de rezar.

 

Campo da Pólvora, Curuzu

Você vai  ficar.

Cidade baixa, na Ribeira

Tem sorvete lá!

Cidade Alta, no Lacerda

Vou te enxergar.

 

Todos os Santos

Na baía, é de  encantar

Do Centro Histórico ou

Da Barra, a gente vai lembrar.

Tudo bonito,

Tem sorriso de encantar.

 

Sou carioca ou baiano

Aqui vou morar

Essa cidade é muito linda

Vamos nos deleitar!

É da garota ou menina

Salvador, aniversário

Você  vai gostar.

 

No seu dia

É todo dia

Tem tudo de encantar...

Trio elétrico, carnaval,

Caruru, acarajé e vatapá...

Numa poesia...

Um mundo,  uma alegria

Salvador contagia

Eu vou comemorar!

POESIA DA ALMA

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

A música é poesia da alma

Letras combinadas

Que acalma,

Vai entrando no âmago do ser

Tudo para a gente se reconhecer.

 

Entramos em um grande transe

A música na nossa palma

Alegra e entristece

A música,

Todo mundo conhece.

 

Alguns esquecem

Que música é poesia

De noite e de dia

A música vai fazendo parte

Da nossa arte.

 

A música e a poesia

Parceria todo dia

Que enriquece a nossa alma

Que  nos acalma.

 

A música também dá inspiração

A poesia que vira canção

A canção que vira poesia

E no final das contas

No final do dia

A música que é literatura

Faz toda nossa alegria

Virando a derradeira canção.

 

UMBRAL DO MAL

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

Mesmo no umbral

Lições se aprendem

Contra o mal

O aprendizado não é fatal.

 

Flores podem surgir

Do lamaçal

Pragas soltas na lavoura

Nos cortam como tesoura...

 

Tudo nessa escuridão

O mal estoura

Numa grande e friorenta solidão

Terror simples e puro!

 

Isso nos  remete à concentração

O medo de seguir é grande

Mas Deus sempre nos dá a mão,

Essa nebulosa não impede oração!

 

Chuvas de tormenta

Tormenta praguejada, sofrimento,

É o caminho difícil do momento.

 

Mas o raio de sol aponta

Criaturas vis "apronta"

Até um certo momento,

A alma fica tonta!

 

Jamais ela desfalece,

Um dia vencerás, você merece!

E o umbral do mal

Será lembrança em cada prece!

UM BRINDE À MULHER

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

Na confusão do dia a dia

Muita coisa se perde

Muita coisa se cria,

A mulher aparece...

 

Toma o seu lugar

E muito se esquece...

Num corpo ela faz tudo,

Pondo-se a amar.

 

Sonha, trabalha, procria

Uma perfeita sinfonia,

Diante dessa postura

O homem esquece...

A mulher é mulher!

 

Tem que ser amada e cuidada,

Quando ela sofre,

Enfrenta o seu drama isolada.

 

Apanha, chora e ninguém faz nada!

Pois os covardes à espreita

Estrangulam a independência da mulher

De uma forma desvairada.

Brindemos ao sexo dito frágil

 

Que nos abençoa e nos ama

Desde o nascimento até o final

A mulher é o tom rosa sensacional

É a alegria e continuidade...

 

Mãe, esposa, filha ou amante

Nada nos separa...

Só nos une de uma forma visceral

Brindemos a mulher,

Brindemos à vida universal.

 

ADEUS, CARNE!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

O corpo esguio, e o andar rápido, em meio aos corredores e, ela não parecia se importar com o fato de os detentos estarem perfilados e, de cara para a parede, enquanto ela passava. O fato já não o intrigava mais, Maria da Saudade, com seus olhos verdes sedutores e seus quarenta e poucos anos de idade.

Já se foi, pouco mais de um ano que fizera sua primeira visita ao seu filho no cárcere. No primeiro dia ela ficou sabendo, como as coisas ali se procediam e ela ficou feliz e amargurada, ao mesmo tempo. Hoje, ela está especialmente feliz, pois estava enfim chegando o dia da soltura de seu filho e, amargurada de ainda ao vê-lo ali preso naquele inferno. E hoje, ao visitá-lo, foi o encontrá-lo amuado em seu cubículo.

– Filho, o que foi?

– Ora bolas, o que foi? – disse o jovem irritadiço – Quero sair deste inferno mãe! É que quero acertar umas continhas fora daqui...

          – Tu vais sair logo meu filho! – As palavras saíram em tom acalentador dos lábios de Maria.

            Ver o filho em tal estado, não era uma coisa que ela estava preparada. Mas, era sempre assim, todas as sextas-feiras, um recomeçar, uma agonia sem fim, uma vez por semana e todo o mês. A princípio, ela pensava que o filho morreria, em dois tempos naquele lugar infernal. Mas, logo soube que o comando criminoso, que domina o presídio, havia suspendido, todo e qualquer acerto de contas ali dentro. As broncas deveriam ser resolvidas, bem longe dali, do lado de fora. Isto devido à superpopulação de presídio.

– O advogado, disse que tu vai sair no mês que vem filho.

O que Maria da Saudade não sabia, era que o comando criminoso, que de fato manda no presídio, fizera uma acareação, entre seu filho e o Josué de Guimarães Travasso, o ‘’Nego preto’’, que fora preso logo após o filho da Maria cair na rua. O Patrão queira saber da bronca entre os dois elementos. E ele deixou bem claro, que as diferenças entre os dois seriam acertadas fora do presídio.

O Patrão ficou contente, por saber que quem dera o tiro que matou um casqueiro qualquer fora o Nego preto e o filho de Maria da Saudade ficou quieto durante todo o inquérito e o processo que o arrolou como homicida. O filho de Maria da Saudade assumiu uma crime que não cometera. E agora que o Nego Preto estava na rua, uma coisa não sai da cabeça do filho de Maria da Saudade.

***

Ao subir na ‘’ziquinha’’, Josué de Guimarães Travasso, vulgo Nego Preto, só pensava no lucro que teria à noite. Repassar sua cota de drogas e ficar de boa com o Trinta e oito. Mesmo preso Trinta e oito administrava os corres nas ruas e as bocas deveriam prestar contas, pois o chefe não aturava atrasos e desculpas.

Mas de repente, em sua mente criminosa, um pressentimento lhe invade a alma. Um mau presságio, e a figura do prego que estava pagando cadeia no seu lugar, vêm em sua mente. Preto não sabia se o comédia já estava para ser solto ou não. Vender a arma, para ele, foi uma tacada de mestre, justo a arma que usara para apagar aquele laranja, que lhe devia uma boa quantidade de craque.   

– Ligo ‘’pros’’ irmãos mais tarde, pra saber do lance! – Disse Josué para si mesmo. E ao chegar bem em frente, da escola onde estudava, parecia que séculos passaram desde a expulsão de Preto do colégio.

E aquele mau adágio lhe invade com toda a força. E ele não escutou o tiro da arma de fogo, que disparou em sua direção, que o derrubou da bicicleta, mas sentiu o ombro esquerdo arder em chamas. Atônito e atordoado, Nego preto, em sua confusão mental, se vira e, vê uma figura de uma mulher, que lentamente se aproxima. Seu andar era firme e esguio, seus olhos verdes e sem emoção alguma, a lhe fitar bem de perto. Josué de Guimarães Travasso, reconheceu a fisionomia da mulher, só não sabia de onde a conhecia. O Nego preto, que sentia o ombro queimar em brasas, viu a arma apontada a poucos centímetros de sua têmpora e, um brilho laranja esbranquiçado e uma fumaça branca. O odor de pólvora queimada ele não chegou a sentir. Mas, um forte impacto na cabeça o jogou para trás, e ele que sentia o ombro arder em brasas, já não sentia mais nada ao ser lançar ao chão..     


DAS SAUDADES QUE RESTARAM

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Das saudades que restaram ficaram muitas lágrimas para desaguar aqui dentro. As flores mortas após a partida transformaram a realidade. Depois de algum tempo eu vi flores no outono e no inverno, parecia que a primavera fazia abrigo nessas estações de frio.

Todo aquele colorido me remetia à infância e o meu fascínio pelo arco íris. Eu queria atravessar e ficar em algum lugar. Hoje eu só queria um colo, ter a certeza que eu ainda tenho um abrigo, uma morada para repousar meus pensamentos.

Confesso, saudades tenho daquele colo, do aconchego do meu bem querer. De tão pertinho eu via tantas certezas no brilho dos olhos e na sua voz suave eu ouvia as orações de esperança.

Hoje a minha travessia é solitária, cheia dos meus rabiscos de sentimentos. Atravesso algumas estradas, eu quebro alguns muros e tento seguir em frente.

         O velho homem nem supõe aonde posso chegar. Ele não sabe, meus pés têm asas e a saudade é o meu lugar preferido.

 

DOMÊNICA

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro,SP)

 

      Estou farta deste serviço na lavoura, minha mão está calejada, e como se não bastasse, minha pele está manchada e rasgada devido ao sol! — Pensou a menina Domênica, tendo como alvo a próprio pai, que praticamente escravizava a filha, e seus três irmãos, todos pequenos.

Definitivamente, toda aquela situação precisava ter um fim, Estela, a matriarca da família, não fazia outra coisa choramingava o dia todo. Alguém precisava tomar uma providência, enfim, dar um basta naquela situação, pois os filhos corriam perigo.

Ao cair da noite, ao anoitecer, apagava as luzes, alguém gritou alto e em bom som

      — Estou exausto, apaguem as luzes, agora! — era Paolo, o patriarca da família, era um homem machista de descendência Italiana. Trêmula, Domênica obedeceu ao pai e foi apagar as luzes! Assim, Domênica protegia seus irmãos menores como podia, enquanto a mãe olhava cabisbaixo, pois há anos estava doente.

      Certo dia, Domênica criou coragem e olhando fixo nos olhos do pai,

      — Amanhã, vou me matricular na escola. — Disparou a corajosa menina, enquanto mordia os lábios, sempre agia assim quando se sentia nervosa.

      — Nunca! Mulher não estuda, apenas trabalha, vê sua mãe, trabalha na lavoura, além de cumprir com o serviço doméstico.

          A adolescente se retirou, e fingiu não escutar o que o pai disse. Domênica decidiu enfrentar seu próprio pai, já que a mãe passava o dia amedrontada. Estela sofria muito, pois a história conturbada e triste a família afligia muita a matriarca.

     No dia seguinte, bem cedo, Domênica resolveu caminhar a pé até o vilarejo, ela precisava comprar uns cadernos, ela tinha em mente criar uns livros, apenas ilustrados para os irmãos, era uma desculpa, que inventou para o pai, ainda na noite anterior. Também a adolescente tinha em mente se matricular na escola. Ela pisava em ovos, com o explosivo Paolo, ela jamais colocaria a vida dos irmãos e da mãe em perigo, pois o velho pai tinha lá se rompantes de agressividade.

     Assim que Domênica chegou ao vilarejo, evitando os passantes, ela se dirigiu para mercearia da cidade, ela conseguiu uns cadernos e lápis coloridos com facilidade, mesmo com os olhares desconfiados do único vendeiro da cidade. A adolescente voltou para casa, pois estava preocupada com a mãe e os irmãos.

      — Como foi ragazza!? Perguntou ríspido Paolo para a filha, assim que ela pôs os pés em casa.

        —  Papà, pode ficar tranquilo, não me matriculei na escola! — Murmurou Domênica de cabeça baixa.  

       — Se arrume rápido, passou da hora de ir trabalhar! Espere! Leve seus irmãos, estão bem crescidinhos! — Falou o patriarca para a filha.

       — Não me peça isso papai, Luigi é muito novo. — Luigi, o mais novo, tinha apenas cinco anos, reclamava do frio.

       — Cale-se! Faça o que mando ragazza! — Ordenou aos berros Paolo para Domênica.

        Domênica foi até o quarto onde os irmãos dormiam, acordou os pequenos irmãos e os agasalhou, fazia muito frio, pois a família vivia no sul, na serra. Onde a temperatura chega abaixo de zero, e não raro nevava. E naquele inverno não era diferente, era um amanhecer gelado. E na noite anterior tinha caído uma geada, calor somente ao cair da tarde. E lá foi a família com enxadas em punho para mais um dia de trabalho. Chegando na lavoura, Domênica fez o possível para esconder os irmãos do pai, e trabalhou pelos três.

        Domênica ao longe avistou uma senhora, parecia escrever, ou marcar algo num pequeno caderno. Como seu sonho era aprender a ler e escrever, esperou a hora do almoço para se aproximar da jovem senhora. Domênica se aproximou da mulher e descobriu que ela era uma funcionária de pai, deveria ter uns cinquenta anos.

— Tenho um sonho, tenho muita vontade de aprender a ler e escrever, vejo que sempre escreve. — Falou tímida Domênica para Fabrizzia.   

          — É a filha mais velha do senhor Paolo? — Fez a pergunta retórica para Domênica e prosseguiu — Sim minha bambina escrevo, meu filho me ensinou

           — A senhora pode me ensinar? — Perguntou Domênica.

           — Quem sabe il mio ragazzo Carlos possa! — Respondeu Fabrizzia sorrindo!

            — Adoraria signora Fabrizzia! — Falou Domênica sonhadora.   

         — Passe amanhã em casa, eu o meu filho Carlos, estaremos te esperando piccola Domênica ! —  Falou Fabrizzia e fez menção de ir embora.

         Domênica feliz saiu correndo e cantarolando uma antiga a Bella Ciao. Chegando em casa, Estela a mãe de Domênica, estava abatida, e ainda trabalhando, no velho casarão da família. Temendo que a mãe piorasse de saúde, Domênica levantou a mãe, que estava esfregando o chão, com dificuldades as duas mulheres subiram as escadas e foram para o quarto de Estela. Domênica colocou a mãe na cama com terno carinho.

      — Deite na cama, aquiete-se, vou buscar um médico. — Disse Domênica com autoridade para Estela.

       — Não, seu pai me mata, além de matar vocês! — Disse a dona da casa pesarosa.

         — Papai só fala, não teria coragem! — Disse a filha mais velha de Estela, tentando acreditar nas próprias palavras.

         — Vejo minha bambina, que tu não conheces o teu pai! — Contrapôs a dona casa para a filha.

           — Mamãe, mamãe!? — Falou Domênica tentando acordar a mãe, a que desabara pelo cansaço.   

Estela dormia os melhores dos sonos e Domênica ficou horas ao lado da mãe, pensando como se livrar do pai, afinal no século XX, sem direito de livre arbítrio. Sentada na poltrona, ficou horas a poucos centímetros da mãe.

        Ao amanhecer do dia, Domênica acordou bem cedo, decidida a não trabalhar e foi ter aula com Carlos, mas aflita, ela decidiu voltar para casa no meio do caminho. Assim que chegou em casa, notou que sua mãe estava abatida, e ainda trabalhando, naquele casarão velho. De novo temendo que a mãe piorasse de saúde, tirou a vassoura das mãos da mãe, pegou a mãe pelo braço e conduziu a mãe pelas escadas e chegaram no quarto dos pais,  colocou-a na cama.

— Deite um pouco mamãe, aquieta-te, vou buscar um médico! — Falou Domênica para mãe, não escondendo o descontentamento pela repetição da cena da noite anterior.    

— Não, seu pai me mata, além de matar vocês, os meus filhos. — Falou Estela para a filha.

— Papai só fala, mamãe. Ele não teria coragem para nada! — Refutou Domênica mais uma vez.   

        — Não minha bambina minha! Vejo que tu não conheces mesmo o teu pai!

        —  Mamãe, mamãe acorde!? — Gritou Domênica para mãe que adormeceu mais uma vez.

               Incomodada com déjà-vu, da noite anterior, Domênica ficou um bom tempo pensando como se livrar do pai, afinal em pleno século XX, sem direito de livre arbítrio.

Sentada na poltrona, ficou horas com a mãe, decidiu não ter aulas às escondidas. Domênica foi até o próprio quarto as presas, trocou de roupas, e saiu a busca de alguma autoridade, na pudesse ajudá-los. Preocupada com o estado de sua mãe, Domênica sai de casa, mas não sabia por onde procurar. Foi então que encontrou um policial, que fazia uma ronda de bicicleta e lhe contou a história, praticamente tudo. Precisava arrumar um médico para mãe, mas o que ela não sabia era que aquele policial era um grande amigo de seu pai. O homem da lei, não querendo se meter em questões familiares do amigo, ignorou a menina por completo.

Domênica partiu às pressas para o vilarejo, e chegando lá, ela não encontrou um médico para examinar sua mãe, pois no vilarejo, havia apenas um único médico, que estava percorrendo uma região afastada. E muitos ouvidos surdos ignoraram Domênica por completo, ninguém queria se meter na vida do polêmico Paolo.

Dada por vencida, Domênica decidiu voltar para casa, chegando em casa, Carlos, filho da funcionária de seu pai a esperava na porta.

        — Estava à sua espera e tu não apareceu, por lá! — Disse Carlos para a atônita Domênica, ao ver um homem desconhecido em casa.

— Desculpe! Quem é o senhor? — Disse Domênica tentando pôr as coisas em ordem! — A minha mãe está doente na cama, e meus irmãos pequenos ainda estão na lavoura. — Disse Domênica aflita.   

Carlos, percebeu que algo de grave ali estava acontecendo. Resolveu ver como a dona da casa estava. Intempestivo Carlos entrou no casarão e perguntou para Domênica que ficou para trás, ele perguntou onde estava a dona da casa.

— Ela está no andar de cima! — Respondeu Domênica aos berros.

Ladeados os dois subiram as escadarias e foram encontrar a dona da casa desfalecida na cama do quarto principal.   

 — Olha garota, vejo que é orgulhosa, se arruma, vamos levar sua mãe ao médico. — Sussurrou Carlos bem perto de Domênica.

— Carlos, não tem médico no vilarejo. — Ponderou Domênica.

— Mas quem disse que é no vilarejo signora Domênica, tem médico? — Perguntou Carlos e sugeriu! — Caso não tenha vamos procurar médico em outra cidade.

Domênica sabia que Carlos estava certo, então seguiram as sugestões do professor, ao perceber que a mãe estava piorando. Pela primeira vez na vida alguém a entendeu e tratou com dignidade.

Carlos e Domênica carregaram a enferma para o andar térreo, foram até a frente da casa e subiram no carro de Carlos.

 Chegando na cidade, ao lado do vilarejo, Carlos e Domênica descobriram que o médico que estava percorrendo as regiões mais afastadas da cidade, não tinha voltado para o consultório. Então foram para uma cidade próxima, que tinha um pequeno hospital. Chegando na cidade próxima, não foi difícil de encontrar o hospital, entraram no hospital e logo foram atendidos. O jovem doutor, avaliou Estela e logo deu um parecer preliminar.

— Parece que a senhora Estela, está anêmica e estafada! — Disse o médico para Carlos e Domênica, Estala estava dormindo na sala ao lado — Quero deixar claro que é um diagnóstico preliminar. A senhora Estela, vai ter que ir para o hospital da capital e fazer outros exames! Lá tem mais recursos que nós aqui.    

        — O que a minha mãe tem de fato, Doutor? — Perguntou Domênica aflita.

        — Calma, vamos deixá-la aqui hoje e amanhã vamos levá-la para o hospital da capital, onde ela será melhor assistida. — Respondeu o médico!

Domênica olhou para Carlos com os olhos cheios de lágrimas, e o abraçou desesperadamente e ao mesmo tempo, ela se sentiu amparada. Agradeceu a Carlos, e pediu para levá-la para casa, afinal era tarde, e o pai deveria estar desesperado, com o sumiço de parte da família.

       — Espera mulher! Vai largar a sua mãe aqui? Sozinha? — Perguntou Carlos.

       — Não sei o que fazer, estou cansada. — Falou chorosa Domênica!

       — Já sei, acalme-se, deixe a sua mãe aqui no hospital, eu cuido dela hoje de noite. E diga ao seu pai que tu passaste o dia comigo e com a minha mãe, a senhorita sabe dirigir? — Perguntou Carlos erguendo a chaves do carro!

      — Não sei dirigir é claro! — Respondeu Domênica— Sei que tu viveste e estudaste na capital e por lá mulheres dirigem, aqui não é assim Carlos.

            Carlos foi até o médico e perguntou se alguém de confiança iria para os lados que eles viviam. O médico revelou que ia mesmo ter com o médico daquela localidade, ele ia levar remédios e suprimento para localidade. E o médico se adiantou oferecendo uma carona para Domênica.

           Resolvida a volta de Domênica para casa, Carlos dá a notícia para     Domênica, ela aceita a solução da carona com o médico. Sobre mentir para o pai, ela acatou a solução proposta por Carlos. Domênica, sabia que o pai nos últimos tempos Paolo andava ausente, alheio a própria realidade. E por fim ela sabia que aquela era a única solução, sua mãe poderia falecer com aquele ciclo de abusos. Domênica seguiu seu destino, ao subir no carro do médico e voltar para casa, mas algo dizia que sua mãe não iria mais voltar para casa.

        Chegando em casa, Domênica mal olhou para o seu pai, sentia nojo, ele perguntou por onde ela andava, ela disse que foi ter com Fabrizzia e Carlos. E Paolo não perguntou por mais nada e Domênica saiu correndo, ela foi procurar os irmãos. Assim que os encontrou, abraçou-os fortemente, bem mais aliviada. Enfim, deitaram os quatro irmãos, ela estava exausta e com má intuição em relação à mãe, pois Estela estava doente, e mal conseguia comer.

       No dia seguinte, aflita Domênica foi trabalhar, junto aos irmãos.

— Domênica, trago notícias de sua mãe! — Era Carlos.

— Não precisa me dizer, pois já estou sabendo.

— Como, quem lhe disse!?

— Sabia que quando deixasse mamãe, naquele hospital...

— Sabia o quê?

— Mamãe sofreu muito, teve uma vida cheia de feridas, psicológicas e emocionais. E se foi, deixou de sofrer neste plano.

Enfim, Domênica contou em detalhes a vida terrível que Estela teve ao lado de um homem covarde e machista. Foi melhor assim. Mas, o que ninguém sabia é que Domênica tinha provas de tudo que a mãe passou.

Estela tomou posse do diário de Paolo, onde o marido detalhou em mínimos detalhes de próprio punho as agruras que ela passava. Chutes, murros, estupros coletivos, tudo armado pelo próprio marido, e coisas, ainda piores. Estela deu instruções do que fazer com os cadernos de Paolo.

— E sabe onde estavam às provas!? — Perguntou para Carlo e respondeu em seguida — Dentro dos cadernos, nos quais ilustrava para os irmãos! Mandei para um jornal na capital.  

Infelizmente foi preciso Estela falecer, para o caso vir à tona. Destruído, Paolo foi internado em um hospício e por lá logo faleceu   

O casarão e a lavoura ficaram para Domênica e os irmãos, assim poderiam ter uma vida digna, apesar das feridas emocionais. Carlos, apaixonado por Domênica pediu-a em casamento. Mas ela recusou, a prioridade dela eram os irmãos, A irmã de sua mãe veio morar com eles, até que ela completasse dezoito anos.

—  Domênica, case-se comigo!? —  Propôs Carlos mais uma vez.

—  Agradeço por tudo que nos fez, mas não insista. 

Domênica, além de ativa, era uma garota inteligente, jamais colocaria um homem para morar com e seus irmãos pequeninos. Seus irmãos sempre foram sua prioridade. E tinha como exemplo a mãe.

 

 

DONA DE MIM

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Hoje eu estou pura sedução. Estou toda de azul. E quem disse que existe regra para ser sedutora? Eu posso estar vestida ou despida. De batom vermelho ou neon, talvez até de lingerie bege, que a da sedução vai estar em mim.

Eu seduzo no olhar, nas palavras que saem da minha boca carnuda, no meu sorriso que às vezes é tímido e tendencioso. Sou mulher dona de mim, dona dos meus desejos, de cada passo que eu dou. Não nasci para ser submissa muito menos para ser mal amada.

Uso cabelo solto outras vezes preso. Meu decote é discreto, despojado, quando não, tem aquela ousadia, mas é meu. Não me visto para homem algum.

Minha pele clara não diz quem eu sou, não está escrito ali feito rascunho o meu caráter.

Já me vi entre as estrelas e a lua quando não me sentia parte deste lugar. O meu corpo tantas vezes saiu para fora da realidade. Hoje encaro tudo e só penso em lutar. Se quiser leve de mim meus versos, tão livres e sem censura. Na cara dura revelo cada detalhe da vida.

E não pense que a vida é bem simples e fácil para quem escreve, escritor não é um ser estranho de outro planeta e nem um bruxo com sua bola de cristal. Somos humanos e como tantas pessoas, somos aprendizes.

FALSAS PROMESSAS EM PARAÍSOS ARTIFICIAIS

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

À noite, ao me deitar, ouvi mais gritos. De uns tempos para cá, era assim, uma mulher gritava histérica, todos os dias em horários variados. Bom era a  minha vizinha acidental, que morava ao lado, pois vivíamos em casas geminadas. Afinal, o que se passava dentro daquela casa!? Era algo muito misterioso e grave. A possibilidade de ali haver uma vítima de violência doméstica, era mais que evidente, pois havia um senhor de meia idade que residia na casa, junto a uma jovem e bela mulher na flor da idade.

Certo dia, assim que cheguei no ponto de ônibus, para ir ao trabalho, o ponto de ônibus era a poucos metros da minha casa. Olhei para a minha casa, como quem se despede de alguém ou alguma coisa e notei que havia mais mulheres, eram garotas jovens, bem jovens, estava na frente da casa dos meus vizinhos. Todas pareciam assustadas e com olhares graves.

A minha mente, geralmente ocupada com as minhas individualidades cotidianas, vislumbrou as cenas daquele senhor, que tinha um semblante estranho, e sempre saia e chegava num portentoso carro blindado, negro como a noite, de vidros fumê e sempre acompanhado de garotas bem jovens. Tudo parecia ser bem estranho, parecia um carcereiro a vigiar detentos, no caso ali detentas.  

Então, o melhor que tinha a fazer, era esquecer toda aquela confusão aleatória, que em nada tinha a ver comigo. Em suma segui minha rotina normal, pois o ônibus dobrava a esquina e eu tinha que tocar a minha vida. Enquanto os gritos histéricos? Eles já não me incomodavam mais, virou rotina, uma nota menor de rodapé, bem triste, a bem da verdade.

  Um tempo depois, certos fatos da vida sempre se impõem, como as casas eram geminadas, impossível não ouvir os gritos e barulhos, nos quais foram aumentando e aumentando, conforme o tempo ia passando. As jovens garotas, que desembarcavam e embarcavam, do portentoso carro blindado do carcereiro, começaram brigavam entre si, de forma barulhenta, fugindo um pouco da normalidade, mais um capítulo triste! Eu angustiado, fugindo também da minha dita normalidade, tarde da noite fui até a rua, fingindo tomar um ar. Notei que a porta da casa dos meus vizinhos barulhentos, estava semiaberta, e não me contive, resolvi espiar mais e perto! E o pouco que vi, me aterrorizou o meu âmago mais profundo.  

De forma intempestiva adentrei na casa, cheguei na porta da casa e ali fiquei, não me importando com nada, me deparei com dez garotas, muito jovens, estavam agrupadas na sala de estar. Notei que reconfiguraram o interior da casa por completo, transformando os cômodos amplos em cápsulas minúsculas. Olhei para elas, cheguei a ter pena das moças, e elas devolveram com olhares de súplicas chorosas. Estavam magras, com certeza passavam fome, ou poderiam estar com algum tipo de doença. Bom, não sei dizer!

De repente, uma delas, veio até a mim e em silêncio, fomos caminhando devagar até o portão.

— Faz tempo que moram aqui. — Puxei assunto.

— Faz uns três meses, somos todos modelos. — Respondeu a jovem mulher sem vigor algum.

Olhei detalhadamente para jovem garota magérrima, para mim aquilo não era normal.

            — Você é uma linda mulher! — Comecei a elogiar, quem sabe ela pudesse me contar algo. — Todos vocês são lindas mulheres, mas me parece que comem pouco?

          — Estamos em uma dieta à base de sementes nutritivas, farináceos e sucos naturais. — Respondeu a jovem modelo.

— Quem é o senhor, que vive com você, ele é seu pai? — Perguntei sem rodeios.

—  É o nosso empresário, e namorada a modelo mais nova, Íngride.

— Parece que ela gosta muito dele! — Perguntei, pois já tinha visto o casal juntos. Visto e ouvido os dois a bem da verdade.  

— Às vezes ele bate nela, geralmente quando ela come algo escondido! — Disse entredentes a jovem.

— Bom, preciso ir, logo vou descansar amanhã eu trabalho! Desculpem a minha intromissão. — Me despedi e apressadamente voltei para casa, eu estava desolado.

— Até mais, meu bom senhor! — Fala para mim e depois sorriu sorrindo.

Ao amanhecer de um novo dia e eu embarcar no ônibus e eu voltar para a segurança da minha rotina cotidiana, constatei que era uma impossibilidade eu voltar para o que era antes. A minha vida, já não era a mesma depois que presenciei uma realidade tão dura.  O meu vizinho, aquele homem estranho, era um traficante de mulheres, deduzi amargurado. Via e revi, a cena na minha cabeça, ele prometia fazer das jovens mulheres modelos de sucesso, em promessas falsas para gente simples e humildes.

 Ao final do meu turno, na volta para minha casa, de volta a rotina doméstica, e novamente eles voltavam, escuto gritos de dores e terríveis vozes angustiantes vindos da casa ao lado da minha.

— Me solte, está doendo! — Era uma voz debilitada, de uma mulher jovem

— Cale-se, mulher maldita! — Era a voz irada de um homem maduro.

O casal sai da casa e ganhou a frente da casa, notei que a garota, era praticamente pele e ossos, era Íngride. Notei também, que além de fazer falsas promessas, ele estava matando-as, pouco a pouco. O circo foi desarmado com um forte tapa na cara de Íngride, que foi ao chão, desmaiou e outras três garotas vieram ao socorro da jovem mulher estatelada no chão.   

Entrei na minha casa com pesar no coração, não pela cena que se desenrolou a poucos metros de mim, pelo fato que uma viatura da polícia que passou lentamente pela rua enquanto a cena desenrolava. Os policiais olharam e não pararam e o jovem advogado bem alinhado que também voltava para casa no mesmo horário que eu, e vivia na frente, também presenciou a cena sem nada fazer ou dizer. A bem da verdade, uma pequena multidão do bairro afastado, às margens da rodovia, presenciara tudo que vi e escutei. E nada fizeram!   

 Adormeci sentado na minha poltrona, estava lendo o jornal do dia, mas logo despertei ao escutar os gritos que vinham da rua. Reconheci, era Íngride novamente. Fui fatigado até a janela e vi o companheiro de Íngride, que a pegou pelos cabelos, a trouxe para si e depois a segurou e sacudiu com força pelos braços. Ele a conduziu de volta para casa.

— Me solta, me solta! — Gritava em desespero a garota!

          — Garota, você é minha, então, entre, e entre agora! — Os gritos do homem de meia idade explodiram dentro da minha cabeça.  

Não pude terminar de ver a cena, e voltei e me sentei no sofá e pensei comigo: — E hora de agir, quero filmar tudo que está acontecendo, e tirá-las de lá!

Então com o passar dos dias e semanas, discretamente eu passei a registrar as cenas, que via e escutava na casa ao lado. Mesmo temendo pela minha vida, fui devidamente municiado com imagens e áudios, eu fui ter uma boa conversa com um amigo que trabalhava a anos com a imprensa.

Com o escândalo vindo à tona, eu não demorei muito, autoridades vieram ter uma conversa com o meu bom vizinho, e prenderam o bom senhor na frente de todos e todas. E descobrir acompanhando pela imprensa que o dito era um bandido, com um longa ficha na polícia. Não demorou para as meninas serem entregues para os pais, eram famílias pobres do interior.

Li nos jornais, ouvi nos programas rádios e nos programas de TVs os detalhes terríveis do caso. As garotas apresentavam transtornos alimentares, como bulimia, anorexia, e um quadro perigoso de depressão, pois estavam sendo vítimas de um psicopata. Minha maior preocupação, era em relação a Íngride por ter sofrido tanto abuso, mas como eram menores de idade os nomes das meninas não foram publicados.

Mas, eu precisava continuar minha vida, trabalhar para sobreviver e voltar para a minha vida cotidiana. Eu esperava e espero mesmo, que as pessoas ao saberem, toda essa história, que serviu de exemplo a muitas garotas, e pais, ainda desinformados sobre o assunto.

O tráfico humano, na verdade é uma superexploração, bandidos oferecem chances para uma carreira de modelo. Mas nada legalizado. E assim, exploram-nas sexualmente, podendo haver fatos piores, como remoção de órgãos.