Entre os poucos amigos de meu
pai, havia o Mário Macedo. O Mário, era um jovem de vinte e poucos anos, magro,
alto, bem-falante, e de resposta pronta.
Certa ocasião veio a nossa
casa, e como amigo que era, foi recebido na pequena salinha, contigua à
cozinha, onde tomávamos as refeições. As cerimoniosas eram sempre encaminhadas
para ampla sala, que ficava no segundo andar, onde havia pesados reposteiros,
móveis sisudos e bustos de gesso, pousados em altas colunas, que primavam pela
robustez.
Ora, dessa vez, o Mário, que
era de conversa fácil, deslumbrou pela erudição.
Meu pai, estupefacto com tanta
sabedoria, não se conteve e louvou o conhecimento, mormente a extraordinária
memória:
- Não conhecia essa faceta.
Você é jovem, mas demonstra cultura invulgar, e capacidade de citar, a
propósito, pensamentos oportunos. Dou-lhe os parabéns, e gabo-lhe a memória. A
minha é de papel, e vejo-me, muitas vezes, atrapalhado para encontrar fichas e
recortes de jornais, em desalinho.
Sorriu-se o maroto do Mário.
Piscou os olhos gaiatos e a grandes gestos, encarou meu pai, após circunvagar a
vista pelos presentes, que permaneciam de boca escancarada, perante novo
Salomão. Exclamou a risadas:
- O Senhor Pinho também pode
fazer o que eu faço! …
- Como assim?! Explique-se?!
- É muito simples! Dantes, ao
ter uma ideia, uma opinião, diziam: “ Estás a filosofar!”, “ Ainda não conheces
a vida!”, “És muito novo! …”; ou então: “Nem parece teu! É uma criancice! Um disparate!
…” Lembrei-me, então, recorrer a autoridades incontestáveis…”
- E decorou reflexões de homens
célebres para empregá-las no momento exacto. - Acrescentou meu Pai.
- Nada disso! - Retorquiu o
jovem. - Quando surge a ideia, não digo que é minha, mas de conhecido
economista, famoso político ou intelectual de renome, e o parecer é acatado e
até louvado.
Como meu pai ficasse admirado
com o atrevimento, o Mário, acrescentou, soltando larga risada:
- A semana passada estive com o
abade de*** Tinha lido, em publicação religiosa, referências a Encíclicas e a
teólogos famosos. Colhi nomes e atirei opiniões minhas como fossem deles. O bom
sacerdote, entrado em anos, engolia em seco e assarapantado, dizia:” Está bem!
…Está bem! …; mas não se pode acreditar em tudo que os teólogos dizem…”
E rematou, com sonora e alegre
gargalhada:
- Sabe, Senhor Pinho! Poucos
são os que conhecem mais que nomes e lombadas de livros…Depois ninguém gosta de
parecer ignorante! …