Por Severino Moreira (Bagé, RS)
Bueno. Se havia uma coisa que eu, sempre, tive
vontade, era de ser gaiteiro. Mas de que jeito?
Nascido e criado nas grotas de Santaninha da Boa Vista
e numa pobreza que até Deus tinha pena, como iria comprar uma gaita? Até que um
dia, mexendo nuns cacarecos, lá, na tapera da minha avó, eu achei uma gaitinha
de “duas conversas”. Tinha sido do meu tataravô, ficado para meu avô e, por
fim, para meu tio Arancíbio. Achei e me adonei da gaitinha.
Gente de Deus! Me atraquei a treinar na tal gaita e,
numa semana, já fazia uns floreios e, em poucos meses, já tocava um lote de
marca. Até o xote laranjeira, eu já floreava!
Foi aí que me achei tocador. Então, convidei o Chico
Fumaça, primo do João Forquilha, que arranhava mais ou menos um violão de
cravelha, encilhamos os pingos e se “larguemo” no rumo de um bolicho, pra “mó”
de mostrar que era gaiteiro e cantador.
Chegamos no bolicho! Eu, de gaita atada nos tentos; o
Chico, com violão a meia espalda. Apeamos, palanqueamos os pingos e entramos
arrastando esporas no piso de chão batido, já metendo gaita e violão e cantando
uma milonga do “Gildo”.
De chegada, pedi dois lisos de canha, para calibrar a
goela e “se abancamos” num canto. Eu, metendo gaita; e o parceiro, que não se
fazia de rogado, seguiu dedilhando o pinho.
Por aí, as horas escorreram no tic-tac do despertador
velho, que ficava num canto do balcão. A peonada de lotezitos atracada num
carteio; uns, no truco; outros, no solo e, mais uns, na escova. Do lado de
fora, uma cancha de bocha e mais uns “çoco” jogando osso...
E nós meta gaita e violão. Apareceu um borracho para
batucar num couro seco e dê-lhe canha.
Bateu a sede. Pedi mais uma canha. Veio a fome. Pedi
uma tripa de salame, meio quilo de gajeta e uma rapadura empalhada e, por aí,
se foi a tarde; e adentrou a noite.
Foi quando me dei conta que o bolicho já estava quase
vazio e, se não apurasse o tranco, não pegava pouso na pensão da Filoca. Então,
resolvi pedir ao bolicheiro a soma do que havia consumido. “Um gaiteiro
iniciante até paga para tocar!’
--Bueno! –
disse o bolicheiro – são quatro lisos de canha, um quilo de salame, meio quilo
de bolacha, duas rapaduras e cinco pintos.
--Epa, seu! Mas os pintos, eu não comi! – respondi ao
bolicheiro.
O bolicheiro, com toda a paciência do mundo, explicou:
--Não, seu! Os
pintos, o senhor não comeu! Mas é o seguinte, sabe como é... Os bichinhos com
fome, os farelinhos de bolacha caindo no chão; e o senhor batendo com a sola da
bota para marcar o compasso da gaitinha... E apontou para baixo da cadeira.
Quando olhei, devia ter sete ou oito pintinhos
esmagados embaixo da cadeira... Então, resolvi pagar logo, e me fazer de
“sonso”, antes que o “home” inventasse de contar direito.
(Membro do Movimento dos Escritores Bageenses - MEB)
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