quarta-feira, 1 de outubro de 2025

ANÁLISE CRÍTICA DO FILME "ANIMAL" (2017), DOS IRMÃOS BAHRAM E BAHMAN ARD

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

O cinema iraniano contemporâneo tem se destacado por sua capacidade de abordar temas políticos e sociais por meio de narrativas simbólicas e minimalistas. Animal (2017) é exemplar nesse contexto, ao retratar um homem que se transforma em carneiro para atravessar uma fronteira.

O protagonista faz várias tentativas de ultrapassar a fronteira. Primeiro, camuflado com ramos para tentar romper uma cerca que delimita a fronteira. Depois, camuflado com uma pele e cabeça de carneiro, que ele abate no campo. Após esquartejar o carneiro e retirar sua pele, ele a veste. Neste momento, ele assume uma postura que remete à figura mítica de Baphomet, uma criatura andrógina com cabeça e patas de bode, seios, asas de anjo e um pentagrama na testa cuja primeira menção surge durante o julgamento dos Cavaleiros Templários. Segundo historiadores, o nome Baphomet pode ter sido uma corruptela do nome do profeta Maomé (ou Mahomet), em uma tentativa de ligar os templários ao islamismo e, assim, a rituais heréticos. É uma figura cultuada na maçonaria também. Entretanto, apesar de não ser muito considerada nos países islâmicos como o Irã, país do filme Animal (2017), sua presença deixa uma grande pergunta sobre a cena.

Camuflado de carneiro, o protagonista precisa aprender a agir como tal. Passa então a ver vídeos sobre o comportamento de rebanhos de carneiros, tentando imitá-los em seu comportamento e, assim, tentar passar despercebido em sua tentativa de cruzar a fronteira.

Quando se considera preparado para tal façanha, apesar da vigilância da guarda da fronteira, consegue atravessá-la e parece sentir um estranhamento ao deparar-se com um campo de gamos, supostamente mantidos sob controle em um campo confinado. Isso é explícito pela presença de brincos de plástico nas orelhas. Nesse momento, ao perceber que saiu de um ambiente confinado enquanto homem e chegou a outro campo de confinamento, é abatido por um caçador de lebres.

A paleta de cores terrosas e o uso de planos fechados criam uma atmosfera de escassez e confinamento. Gilles Deleuze (1985) afirma que o espaço cinematográfico pode ser um “espaço qualquer”, onde o corpo se dissolve na imagem. Em Animal (2017), esse espaço é a terra árida, que aprisiona o protagonista. O vermelho do sangue rompe o silêncio visual, revelando a violência latente da transformação.

A aspect ratio do filme Animal (2017) é de 2.35:1. Tal razão de aspecto (ou aspect ratio) tem o propósito de ampliar o espaço visual, destacando a vastidão e a hostilidade do ambiente; criar tensão e isolamento, com o personagem muitas vezes pequeno dentro do quadro largo; reforçar o contraste entre o humano e o animal, explorando a linha tênue entre civilização e instinto; e dar um tom cinematográfico e universal, mesmo sendo um curta-metragem iraniano de 16 minutos. Assim, a história silenciosa é transformada em uma experiência visceral.

A atuação física do protagonista remete ao conceito de “corpo sem órgãos” de Antonin Artaud (1947), em que o corpo se desfaz de suas funções para se tornar pura presença. Sem diálogos, o ator comunica dor e resistência por meio da carne. Giorgio Agamben (2004) argumenta que o Homo sacer é aquele cuja vida pode ser sacrificada sem punição e o protagonista de Animal (2017) encarna essa figura, ao se tornar invisível para sobreviver.

A cerca é símbolo recorrente, delimitando não apenas espaço físico, mas também a condição existencial. A animalização do protagonista é uma estratégia de sobrevivência, mas também um apagamento de sua subjetividade. A escolha do carneiro — símbolo de submissão — reforça essa leitura. A fronteira, nesse contexto, separa o humano do não-humano, o livre do cativo.

A criação do gamo persa (Dama mesopotamica) no Irã, espécie ameaçada e mantida em cativeiro, oferece um paralelo simbólico. Assim como o protagonista, o cervo sobrevive à custa da domesticação. Daí o estranhamento do personagem ao ver-se de frente com um rebanho de gamos com brincos de identificação de plástico nas orelhas. Ambos são mantidos vivos por sistemas que os negam como sujeitos. A animalização, nesse sentido, é tanto estratégia de resistência quanto uma forma de apagamento.

Animal (2017) é uma obra que fala através do silêncio, que denuncia através da carne, que resiste através da imagem. Ao articular estética e política com profundidade simbólica, os irmãos Ark, roteiristas e diretores do filme, entregam um manifesto visual sobre a condição humana em contextos de opressão. A animalização, longe de ser apenas metáfora, torna-se linguagem, e uma forma de dizer o indizível.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

ARK, Bahram; ARK, Bahman. Animal. Irã, 2017. Curta-metragem.

ARTAUD, Antonin. Para acabar com o juízo de Deus. São Paulo: Editora Iluminuras, 1993.

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1985.

 

 

PLACAR: 55 ANOS ENTRE O PAPEL E A TELA

 Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)

Revista que atravessou gerações do futebol brasileiro resiste como símbolo do jornalismo esportivo impresso e se reinventa no mundo digital.


Era um sábado de março de 2020 quando o torcedor brasileiro percebeu que algo mudara para sempre. As ruas estavam mais vazias do que de costume — afinal, a pandemia de COVID-19 já havia começado a transformar o ritmo da vida. Mas, naquela manhã, havia também um silêncio diferente nas bancas de jornal. O Lance! diário esportivo que, por mais de duas décadas, desde 1997, havia acompanhado a rotina de quem vivia de futebol, deixava de circular em papel.

O fim de o Lance! não foi apenas o fim de um jornal: foi o fim de uma era. Antes dele, já tinham ficado pelo caminho gigantes como A Gazeta Esportiva, de São Paulo, e o carioca Jornal dos Sports. O Brasil, que tantas vezes se reconheceu nas páginas cor-de-rosa ou nos cadernos recheados de estatísticas, passava a contar com um único sobrevivente em papel: a Revista Placar.

A Revista Placar nasceu em 1970, em plena euforia da Copa do Mundo no México, quando Pelé, Jairzinho, Tostão e companhia escreveram um dos capítulos mais gloriosos da história do futebol. Era natural que o país quisesse uma revista que acompanhasse o tamanho dessa paixão.

De lá para cá, foram cinco décadas e meia de resistência. Mais que isso: de reinvenção. A Revista Placar atravessou crises econômicas, mudanças de dono, transformações do jornalismo e a revolução digital. Ainda assim, segue viva — mensal, em papel, com 66 páginas que respiram futebol.

Abrir uma Revista Placar é sempre mais do que folhear uma revista. É quase como abrir um álbum de lembranças. Em novembro de 2024, por exemplo, o torcedor corintiano foi recebido com a imagem de Yuri Alberto na capa, sorridente, sob a frase provocativa: “Nunca critiquei”. Lá dentro, havia uma entrevista com Guilherme Arana, um perfil detalhado de Lucero, do Fortaleza, e uma discussão acalorada sobre a Bola de Ouro que, para muitos, deveria ter sido entregue a Vinícius Júnior.

Mas o encanto da Revista Placar não está apenas no conteúdo de cada edição. Está também nas suas seções fixas, que se tornaram parte da rotina do leitor: Prorrogação, com números e curiosidades históricas. Time dos Sonhos, em que craques de diferentes épocas montam sua seleção ideal. E a última página, sempre ocupada por um colunista convidado. Esses espaços funcionam como pequenas janelas de memória e debate, que ajudam a entender por que, mesmo em tempos de smartphones, ainda vale a pena sentar-se e folhear.

Se a tradição da Revista Placar é fundamental, sua sobrevivência passa também pela capacidade de se adaptar. Hoje, Placar já não é apenas revista: é aplicativo, canal de YouTube, lives, podcasts, shorts, vídeos interativos.

No celular, o leitor encontra a Placar Digital, que mistura notícias, vídeos e recompensas. No YouTube, a TV Placar promove debates ao vivo e análises, com nomes conhecidos da TV, como Leandro Quesada, Fábio Sormani, Flávio Gomes e Felippe Facincani. É o mesmo espírito de 1970, mas agora com outras ferramentas: falar de futebol como quem fala de vida, com paixão, com emoção e com profundidade.

A Revista Placar sobreviveu porque nunca se limitou ao simples resultado do jogo. Suas páginas contaram histórias de bastidores, denunciaram problemas estruturais do esporte, registraram a ascensão e a queda de ídolos, e mostraram o quanto o futebol se confunde com a própria identidade do Brasil. Mais do que informar, a Revista Placar preserva a memória do futebol. Cada edição é quase um documento histórico, guardado por colecionadores, revisitado por jornalistas, lembrado por torcedores. Em um tempo em que a notícia se perde na velocidade do scroll infinito das redes sociais, ter em mãos uma revista que exige fôlego e contemplação é quase um ato de resistência cultural.

Hoje, quando completa 55 anos, a Revista Placar está exatamente no ponto de equilíbrio entre o passado e o futuro. De um lado, a tradição das bancas, das capas históricas, do papel, que ainda resistem. Do outro, a multiplicidade de telas e plataformas que garantem a sobrevivência da marca. Talvez essa seja a maior lição da revista: mostrar que é possível se reinventar, sem perder a essência. O futebol continua sendo o centro de tudo, não apenas como esporte, mas como memória, cultura, negócio e emoção.

E enquanto houver torcedores querendo não apenas saber o resultado, mas também entender o jogo, sempre haverá um espaço para a Revista Placar.


Vozes que viveram a Placar

“Lembro de correr até a banca para comprar a edição com o pôster da Seleção Brasileira, em 1994. Aquele poster ficou colada na parede do meu quarto por anos. Para mim, a Revista Placar é parte da minha adolescência.”
Marcelo, 42 anos, torcedor do São Paulo

“Quando entrei no jornalismo esportivo, nos anos 80, meu sonho era assinar uma reportagem na Revista Placar. Era o sinônimo de prestígio, de estar no lugar certo, no momento certo. Até hoje, folhear uma edição me traz respeito pela profissão.”
Ana Luiza, 61 anos, jornalista esportiva

“Meu pai me deu minha primeira Revista Placar quando eu tinha 12 anos. Guardo até hoje. Ele dizia: ‘Aqui você vai entender que futebol é muito mais que bola na rede, é paixão. Tinha razão!”
João Pedro, 27 anos, estudante de jornalismo

“Hoje, eu acompanho a Revista Placar pelo YouTube e pelo aplicativo. Mas faço questão de comprar as edições especiais em papel. É como ter um pedaço da história em mãos.”
Camila, 34 anos, torcedora do Flamengo

ONDE SE FALA DE IMIGRANTES E INCÊNDIOS

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)                                                                               

Estando a ver canal de televisão – não me recordo quando, nem qual, – apenas sei, que foi há muitas anos, – escutei o seguinte:

Jornalista fora passar ferias ao campo, era em Trás-os-Montes, e deparou com rapazinho a pastorear seu rebanho.

Como era menino, indignou-se, por ser tão jovem, e estar a trabalhar.

Investigou de quem era filho, e resolveu ir inquerir o pai. Este ficou surpreso, e repostou – o filho andava na escola, mas gostava de permanecer na serra, guardando o rebanho paterno.

Acrescentou, que não lhe faltava nada, pois sua casa era farta.

O jornalista foi para a Capital, indignado; e, perante as câmaras, insurgiu-se por haver, no seu país, crianças que trabalhavam. Talvez com apoio de telespectador, levou, o garoto, à Capital, para ver um jogo de futebol.

Agora, na época dos incêndios, todos se lamentam de não haver cabras e rebanhos, para " limparem", os terrenos...

Recentemente escutei comentador, declarar: " Paguem cinco mil euros e não faltará quem queira ser pastor ". Até doutores – digo eu, – se ofereceriam para essa humilde tarefa...

Quando vivia nos arredores da minha cidade, tive que reformar a casa. Apareceu homem com aprendiz. O rapaz falava inglês e arranhava alemão, mas não sabia fazer massa.!... Tenho prima, que vive em Cascais, que tem, com empregada doméstica, economista; e tinha amiga, que possuía uma formada em Letras! Pensei que com a entrada maciça de imigrantes, vinham profissionais: canalizadores, eletricistas, carpinteiros... mas não se encontram facilmente...

Conheço vinicultora do Douro, que teve de contratar africanos, para colher as uvas, já que os jovens da terra, emigraram ou foram viver para a cidade.

 Quase ninguém quer trabalhar na terra, é por isso, que há tantos incêndios. O interior está mosqueado de lindas moradias, mas os proprietários, só vão lá para veranear. Nem eles, nem os descendentes, querem trabalhar na agricultura. Há exceções, mas são raríssimas

Com tal pensar, o país não pode progredir, sem os imigrantes...

 

 

CONHECEM OS POLÍTICOS AS DIFICULDADES DO POVO?

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal) 

 

Durante o tempo que fui redator de publicação local, e realizei várias entrevistas a figuras notáveis.

Certa ocasião, entrevistei conhecida deputada. Tentei combinar o local do encontro. Não queria o parlamento. Propôs-me sua casa, num fim-de-semana.

À hora combinada, bati levemente à porta. Decorridos segundos, abriram-na e mandaram-me entrar para pequena salita, que abria para jardim.

Em breve surgiu a ilustre deputada. Trazia a boca cheia de alegres sorrisos.

Conversamos detalhadamente. Na hora da chã, convidou-me, como se fossemos velhos e íntimos amigos, para lanchar com a família.

Durante a merenda, enquanto se servia a chã, contou-me, porque não gostava de ser entrevistada:

" Em norma, os jornalistas, não querem conhecer o meu pensamento, mas apanhar-me num deslize, fazendo-me perguntas traiçoeiras.

Acontece a todas. Certa vez Nicolau Breyner, foi a S. Bento, e perguntou, no corredor, às deputadas, que deparou: " Quanto custa um papo-seco” (pãozinho). Apanhadas de surpresa, habituada a comer em restaurantes, não souberam responder gaguejando.

"No dia mediato, o jornal dizia:" Como podem as deputadas defenderem o povo, se nem sabem quanto custa o pãozinho?"

Ao recordar o já remoto diálogo, lembrei-me que tanto eles, como elas, encontram-se tão distantes dos cidadãos, que é-lhes difícil compreenderem a precisão da população. Por isso, é que ouvi, certo político, afirmar que: " Com pouco mais de mil e trezentos euros, já se era rico em Portugal!"

Já se passaram décadas, que a Doutora Manuela Ferreira Leite, afirmou na TV: " Governar, não é muito diferente do trabalho da boa dona de casa – gastar de harmonia com o que se recebe."

Mas, como já não há donas de casas – ou são raras, – talvez seja a razão, porque os países andam tão malgovernados...

QUEM EU SOU?


Por Amauri Holanda (Fortaleza, CE)


Quem sou o tempo inteiro?

Quem sou quando a alegria se desfaz no meio da madrugada?

Quando o segredo de um olhar me deixa inquieto?

Quando a vigília se prolonga com razões que não dormem no pensamento?

Quando descubro que a eternidade não cabe em instante algum?

Quando a solidão se ramifica em questões existenciais?


Quem sou

Quando não sou lembrado como deveria por você?

Quando a memória insiste mais que a presença?

Quando percebo que a paixão não floresceu como amor?

Quando o brinde ficou suspenso na cadeira vazia?

Quando nunca ousei dizer

que algo de ti ainda habita

dentro do meu coração?


Quem sou eu, afinal,

senão a pergunta que me persegue,

a sensibilidade que me habita com tristeza, a angústia que não sei disfarçar?


Por onde tem andado minha lucidez, neste mundo tão estranho?


Sobre o autor:

AMAURI HOLANDA DE SOUZA, nascido em Quixadá (CE) e residente em Fortaleza, é graduado em Direito, licenciado em Ciências da Religião e em Sociologia. Possui Mestrado e Doutorado em Teologia e atualmente é mestrando em Direito pelo Centro Universitário Christus – UNICHRISTUS, com pós-graduações em Docência do Ensino Superior, Direito Penal, Direito do Consumidor, Direitos Humanos, Antropologia Social e Cultural, Psicopedagogia Clínica e Institucional, Neuropsicopedagogia com Educação Especial Inclusiva e formação complementar em Psicanálise Clínica e Tanatologia.

Na área pública, atuou como Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará e Ouvidor na Secretaria da Saúde do Estado, sendo atualmente gestor público efetivo em escola pública do município de Fortaleza/CE. Possui vasta experiência como professor em cursos técnicos, faculdades e universidades, além de atuar como capelão internacional, articulista, palestrante e psicanalista clínico.

É membro da Academia de Letras e Artes de Fortaleza, da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil, da Federação Brasileira das Ciências, Letras e Artes e da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos. É autor de livros publicados e possui mais de 50 participações em antologias nacionais e internacionais. Recebeu distinções como Embaixador da Paz, Comendador da Cultura Nacional e Doutor Honoris Causa em Ciências Jurídicas, Filosofia e Psicanálise.

Atualmente, preside a Academia Interamericana de Escritores e tem sua trajetória reconhecida como escritor, vencedor de prêmios nacionais em poesia, conto e de um festival de música em Fortaleza (CE).



A VIDA A DOIS

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


A vida a dois tem

problemas demais.

São casais que não

se satisfazem.

 

É brigas que

não tem fim.

O mar de rosas

está longe de existir.

 

Estou correndo

de problemas.

Quero paz.

Viver plena e serena.

 

A vida a dois

é um problema.

Vários problemas

tem um casal.

 

A vida a dois

tem problemas.

Cheia de problemas

é a vida a dois.

 

ANTES DE AMAR

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Antes de amar

eu quero me curar.

Viajar sozinha para

o Paraná.

 

Ser feliz como

o beija-flor.

Voar em mel

e bela flor.

 

Antes de amar

eu preciso me libertar.

Das magoas que essa

vida me causou.

 

Eu preciso viajar

sozinha em frente ao mar.

Sorrir e se alegrar.

O amor próprio está no ar.

 

AINDA EXISTEM

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Ainda existem mulheres que

cuidam do marido feito mel.

Homens que amam suas

esposas e seja fiel.

 

Ainda existem homens cristãos

e cavaleiros servos de Deus.

Que amam a Deus.

Ainda vale apena esperar.

 

Existem mulheres talentosas.

Que os maridos chegam

e o recebem com beijo na porta.

É raro mais existem.

 

Existem homens que dar buquê e rosa.

Que respeitam longe ou perto.

Ainda existe amor fiel, meu amor.

Vale apena esperar, o amor em Deus.

 

Deus une propósitos dos filhos seus.

Vale apena renunciar a vontade de Deus.

É viver a esperar em Deus.

Ainda existem amores bons.

 

UM POVO DIFERENTE

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Pelados e nus sem

vergonha alguma.

Livres no seu local.

Pescavam sem parar.

É assim alimentavam.

 

Extraia o pau-Brasil.

Plantava seu próprio

alimento para viver.

Não tinha luxo

nem ganância.

 

Eram povos simples.

De riquezas simples.

Foram enganados por

homens brancos e safados.

 

Um povo diferente

somos diferentes.

Índios como a

gente.

Somos gentes.

A BELEZA INDÍGENA

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Pele escura, pele linda.

Cabelos lisos e macios.

Não tem luxúria

Mas tem fartura.

 

Somos índios.

Somos gente.

Temos saberes.

Possuímos crenças.

 

Índia bela.

Como uma donzela.

As dozes tribos

Pertence a ela.

 

O Pajé chegou

na tribo.

Às mulheres

preparou o peixe.

 

Com limão do

Limoeiro.

Com pimenta

Do pé inteiro.

EU NÃO AGUENTO ESPERAR, QUERO PARTIR!

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Senhor eu não

aguento mais.

Esperar dói demais.

Quero partir daqui.

 

Meus sonhos me

Feriram.

Seus caminhos

eu não entendo.

 

Dar até uma

Tristeza.

Que a alma

não compreenda.

 

Eu não aguento.

Esperar o seu tempo.

Quero partir desse

lugar e não voltar.

 

Minha alma está em guerra.

Os meus sonhos estão

Frustrados.

Eu não aguento esperar.

 

Instagram: @liecifranborgesmartins


DOS RIDÍCULOS DA VIDA: UM PASSEIO EM FAMÍLIA E O ESTADO E SOCIEDADE ESTRATIFICADA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

            No momento que dedilho este breve texto, posso dizer que eu acumulo um bom tempo, trabalhando nos subsolos dos aparatos do Estado, eu como membro efetivo do baixo escalão. Percebo as coisas de modo um tanto diferente dos que não pertencem a este universo em particular.

          Pois disto isto, lá estava eu no centro da minha cidade interiorana, a beira mar, em um passeio em família de final de semana. Era eu e o meu filho e não estávamos então somente passeando, pois mantemos um projeto familiar de fotografia popular e amadora, resumindo, pai e filho tiram fotografias cidade a fora, em um celular barato meia boca.     

            Avançamos mais um pouco, dizem que para ter ideia de como chegamos até onde estamos é preciso olhar para o passado, para trás e complemento que para saber o que acontece nos andares superiores da sociedade estratificada, só basta olhar para baixo. No meu caso é olhar para os lados, pois sou somente um elemento típico dos subterrâneos da sociedade. Voltando para o início do texto, sou membro efetivo do aparato repressivo do estado e passou boa parte das horas úteis e inúteis uniformizado vigiando e protegendo os bens materiais estatais. E indo direito ao ponto, queres saber como se comportam e a questão pensando os divinais seres mitológicos dos andares de cima, os querubins e as querubinas. Basta olhar com muita atenção, as muitas ridiculices, que ocorrem nos substratos da sociedade estratificada nas camadas sociais mais baixas hierarquicamente organizadas.

            Estávamos em um sábado de sol no início da tarde, eu e o meu guri, batendo fotografias na entrada e de um aparato cultural da cidade, para a nossa sorte as portas tinham sido abertas a poucos minutos! E como eu sei desse detalhe atômico? Adentramos no prédio histórico e lá estava ela, uma agente do aparato repressivo da infraestrutura, uma guarda terceirizada. A agente do aparelho repressivo privado, estava abrindo as salas e orientando as pessoas que tinha acabado de adentrar no aparato cultural.

            Mas o que está de errado na cena retratada acima? Nada! Absolutamente nada! Somente pelo fato, que a incumbência de abrir e fechar o aparato cultural, era e é dos sacrossantos querubins e as sacrossantas querubinas de médio escalão. Os seres supremos mitológicos provavelmente se deram uma mini férias remunerada. Pois bem, fotografias das duas exposições foram tiradas, fotografias dos corredores do aparato cultural foram tiradas. Era hora de bater em retirada antes que alguma coisa acontecesse, pois os sacrossantos querubins e as sacrossantas querubinas, ainda não tinham dado ares das suas graças. Ver dois descendentes de pessoas que um dia foram legalmente escravizados, serelepes a bater fotografias, não é uma visão corriqueira. E o que não é corriqueiro, não é uma coisa boa. Não para alguns sacrossantos querubins e as sacrossantas querubinas.

            Descemos as escadas, passamos na frente de outro aparato cultural, era um aparelho histórico e para surpresa minha, estava fechado e só pude pensar que o agente do aparelho repressivo privado, deveria estar de atestado médico.         

 

Fragmento do livro: Dos ridículos da vida. Texto de Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.




OPERA MUNDI: A REUNIÃO NA RUA L E O DOUTOR HENTOM!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

‘’I scream alone in the astral void

Don't leave me alone in timelessness

My immortal vate! ’’

Clarisse Cristal

 

Rua Alcebíades Vanolli, a tenebrosa rua L, que na verdade é um beco, com uma reta uma subsequente extensão abaulada, de um lugar infame, estava muito longe, de ser verdade. Aurora, de um comando apertando como os finos e delicados dedos na manopla no antebraço esquerdo. De o comando verbal inaudível, procure nos bancos de dados e a inteligência artificial, nada encontrou, os reais motivos para aquele lugarejo pacato, na soleira de enormes prédios.

E Aurora a programadora, usou dá lógica orgânica, dos instintos mais básicos de sobrevivência e olhando profundamente daquele lugar com singelas casas de madeira. Então deu outro comando verbal, para acessar a listagem dos moradores, tanto ascendentes e descendentes, nos bancos de dados públicos. A checagem deu uma pista da má fama, eram parentes de líderes de facções criminosas e agentes dos aparatos de segurança. As muitas ondas de criminalidade, aquele lugar por motivos óbvios, foi um lugar a ser evitado nas ações criminosas e ações policiais. As informações eram projetadas em uma pequena tela projetada pela manopla da programadora, imagens decodificadas pelas lentes de contato nos olhos de Aurora.

Parada na entrada da rua L, Aurora revisou o assunto que teria que tratar com o doutor Hentom, e a programadora pensou no lema que norteava as pesquisas e as invenções do seminal engenheiro mecatrônico. Resolver problemas complexos, com soluções simples, era o que guiava a excepcional vida profissional do doutor Hentom. A alcunha de doutor Hentom, surgiu do fato de extrair soluções dos estudos da entomologia, nas construções de robôs, eram na maioria robôs de manutenção, em diversas áreas das indústrias pesada e construção civil pesada, naval e aeronáutica.

Parada na frente de uma singela casa de madeira, pintada de branco gelo, com as suas ruas laterais estreitas e um muro de alvenaria de um pouco mais de um metro, sombreada por um grande prédio residencial. Um homem alto e negro e trajado com vestes casuais, sai da porta lateral e caminhou sorrindo até a pequeno portão de ferro.

— Senhora Aurora, fiquei curioso com o vosso pedido, para uma reunião! — Disparou de forma cordial e direta, o doutor Hentom levantando a mão em um comprimento formal. — Eu quero muito entender os motivos, da senhora de usar a velha comunicação subterrânea, mas entre, seja bem vinda a minha humilde residência.

Aurora a programadora, adentrou no ambiente do doutor Hentom, com um certo temor, pois a programadora não gostava daquilo, ela que compreendia e processava os fatos da vida, com lógica cartesiana. Presa em uma rotina rígida e segura, que se repetia e se repetia dia após dia. Ter o engenheiro mecatrônico, a sua frente, era outra coisa que Aurora, sempre quis se desvencilhar, ter um desconhecido conduzindo a sua caminhada e em um terreno desconhecido. E o pensamento pungente floresceu na mente de Aurora, algo lhe dizia que ela estava vivenciando algo novo e imprescindível. A programadora, teve uma impressão vaga, que não caminhava, flutuava, era uma habilidade, que os botos, que ela ajudou a projetar não possuíam.

Passado o mal estar, Aurora se deparou com o engenheiro mecatrônico parado ao lado de uma mesa de centro, a programadora olhou os quadros nas paredes, eram famílias em momentos descontraídos. As lentes de contato, nos olhos da programadora, fizeram a leitura facial dos elementos nos retratos, os elementos simplesmente não constavam nos bancos de dados e redes sociais. A posterior expansão da pesquisa, apontava que aquelas pessoas retratadas não existiam e nem eram montagens, eram fotografias produzidas por máquinas fotográficas analógicas e recuperadas e tratadas de forma digital.  

Aurora percebeu um cabideiro poucos centímetros atrás dela e ali colocou o chapéu e o sobretudo. Os braços alvíssimos e delicados, chamaram a atenção do doutor Hentom, assim como os longos, lisos, finos e cabelos brancos. Um brilho vago nos olhos do engenheiro mecatrônico e a programadora devolveu com um olhar de lince.     

— Sente-se senhorita! — Disse o dono da casa de pé e apontando para um sofá.

— Claro doutor! — A voz vacilante da Aurora não passou despercebida pelo engenheiro mecatrônico! E a programadora se sentou e o dono da casa a acompanhou.

— Podes me chamar de Hentom, pois é assim que me chamam a tanto tempo, que eu nem sei mais qual é o meu nome de batismo. E doutor? Estou aposentado, menina! — A voz do Hentom parecei ecoar no tempo e no espaço.

E ambos se calaram, um glacial silêncio constrangedor se abriu por poucos segundos, até que o dono da casa levantou a mão direita fechada e apontou com o dedo indicador, para cima. Abrupto se levantou e partiu para um dos cômodos aos fundos da pequena casa e voltou em pouco tempo com uma bandeja de acrílico, com duas xícaras e um bule de café. Aurora a programadora, se perdeu nos detalhes atômicos impressos, nas peças futuristas, eram estranhos, cheios simbolismos, astrais, mecânicos e eletrônicos. Eram placas configuradas complexas, portentosos braços mecânicos, fórmulas matemáticas de tão avançadas, que Aurora, pensou serem extraterrenas. 

— O que de fato, senhora veio fazer aqui? — Perguntou o engenheiro de mecatrônica, colocando a bandeja na mesa de centro.

— Na verdade eu já encontrei o que vim buscar! — Disse Aurora a programadora. E um feixe de luz amarelo tomou conta do ambiente e a programadora perdeu a consciência.

Fragmento do livro: Sono paradoxal, texto de Samuel da Costa, poeta, novelista e contista em Itajaí, Santa Catarina.

CRÔNICA DO DIA: DEPOIS DA PEÇA TEATRAL "MADAME MACMILLAN"

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)

 

‘’Perco- me na intensidade deste sentir...

Sinto-te, desejo, mas impossível tocá-lo

Como mentir!? És tudo p’ra mim, vida,

Mas existe um abismo, entre nós dois...’’

Fabiane Braga Lima

 

            O melhor de um grande dia é o dia seguinte, assim dizem! Onde as verdades se avolumam e se engrandecem, ou se diminuem e se dissipam no ar! Ao final de um grande dia, um texto meu circulava pelos subterrâneos culturais alternativos, fora paus e pedras, elogios e flores e também muita gente chocada. Norte americanos fuleiros disseram alguns, erros crassos disseram o povo das artes cênicas. E o povo das subculturas vieram os aplausos e os vivas. Eu, em particular, não me sentia pequena e nem agigantada, eu era e ainda sou, somente. Eu e a minha realidade cotidiana, era e é somente a minha realidade de uma completa desconhecida, para além do meio que eu existo.

            E nada fica no lugar, eu a cidadã das nuvens, exilada na hirta realidade, as coisas têm um peso maior. E lá estava ele, em um déja-vu, o meu pai, o consagrado e prestigiado economista financeiro e também teórico, ele estava me esperando, com a revista Astro-domo em mãos. A malfadada revista de arte, cultura e comportamento, que dificilmente, estaria nas mãos do meu jovem pai, o adorável amante de números, cálculos, planilhas e planejamento. Ele devorava livros, jornais, revistas e publicações digitais, de vários campos das ciências econômicas e da administração e do mundo das finanças. Eram publicações em vários idiomas e muitas delas desconhecidas do grande público.

         Contudo a realidade sempre se impõe, como o pior dos piores pesadelos, pois da realidade não se pode fugir, nos força a sair da segurança tranquila dos nossos mundos particulares cotidianos. Para o meu pai, a garotinha dele, estava crescendo e virando uma mocinha, criando negras asas e voando. Ler os meus textos, na versão física na revista Astro-domo, era e ainda é, vista pelo meu progenitor, como algo preocupante e particularmente aterrador.

            E de volta ao início, fiquei na porta da sala de estar, na semiescuridão, lendo a revista, pois a revista Astro-domo vem com isto, ler alguns textos na semiescuridão, eram fontes luminosas, para ler na semiescuridão. Eu esperei o golpe, fechei a porta, andei alguns passos à frente e fiquei entre a mesa de centro e o meu possível algoz.

            — Boa noite, minha filha querida! — Murmurou o meu pai, sem tirar os olhos do meu texto e continuou — Ou Lady Cristal corrijo-me eu!

            — Estás gostando da leitura? — Respondi com força.

            — Interessante, já posso calcular os quanto custa uma edição de livro de pouca tiragem e quanto custa uma digressão de uma banda de Grindcore pela Europa e pelo nosso amado país. É muito bom os contatos das pequenas editoras, selos editoriais e produtoras independentes, agora posso encomendar custos de produção e comparar preços, em diversos serviços. — Era o meu pai, falando que tudo estava bem.

            — Bom saber! — Devolvi, esperando que ele não levantasse os olhos e me encarou, mas levantou os olhos e me encarou com o olhar da penitencio e para depois me confortar com o sorriso da benevolência.

            — Outro final em aberto? — Era o professor falando e o pai indo para outro lugar.

            — Adoro as finais em aberto! E antes que pergunte, sim haverá outros desdobramentos! — Abri caminho para o meu pai voltar. Aí lembrei que estava no breu e fui acender a luz.

            — Sempre me manipulando, este velho aqui como um grande especular, manipula o mercado de comodidades de safras futuras! — O bom professor se recusava em ir embora.

Virei-me e sorri de nervoso, caminhei até a frente do meu pai, eu queria acabar com a coisa toda.

            — Uma conversa delicada! — Disse tentando não me expor.

            — O bom e velho universo compartilhado, já organizei as finanças de escritores e editoras, como é o meu mister é conhecer os meus assessorados! — Disse o meu pai e colocando a revista na mesa de centro.

            — Sim, talvez e talvez digo que vá parar em um universo compartilhado, ou eu aproveite os personagens e ambientação em outros universos meus! — Eu queria terminar aqui, joguei a minha bolsa na mesa de centro, me rendi pois a pergunta seguinte não tardava.

            — E o que houve com os quatro cavalheiros sulistas? — A pergunta veio afinal. O meu pai veio com força e adeus economista.

            — Pois bem! Digo somente para minha audiência cativa e particular! — E arrastei a poltrona que estava ao lado do meu pai, me sentei na frente da minha audiência. — Então os quatro cavalheiros de descendência sulistas, irão vivenciar os horrores e terrores que lhe foi mostrado, acordaram e se depararam com a senhora de idade avançada, varrendo as folhas secas no palco. O teatro estava vazio, a audiência simplesmente foi embora depois que a peça tinha acabado, os quatro cavalheiros de descendência sulistas, tentaram deixar o pequeno teatro. E não conseguiram, presos as poltronas, escutaram a senhora falar que eles não tinham escolhas a não ser vivenciar os mesmos horrores e terrores para sempre.

            O meu olhou para mim, se levantou e me deu boa noite. Eu me recolhi na minha insignificância e caí na cama só acordando no dia seguinte.

 

Fragmento do livro: Do diário de uma louca, texto de Clarisse Cristal, poetisa, contista, novelista e bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina.

OPERA MUNDI: A REUNIÃO NA RUA L, DE VOLTA DA REALIDADE SIMULADA!

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

‘’Lembranças vagueiam, exausta- me......

E tudo que mais quero é tua companhia

Teu jeito afável de ser, tua alma, coração. ’’

Fabiane Braga Lima

 Acorda Alice! Então? Encontrou o que tanto procuravas? — Disse Gaya de forma gélida.

          Aurora, tentou abrir os olhos, que queimavam em chamas, a leve dor de cabeça e a boca seca, lhe davam uma aparente impressão de uma noitada bem curtida e em má companhia e em algum lugar nada recomendado! Aurora a programadora, levou o braço ao lado direito de forma abrupta, que só encontrou o vazio e os sentimentos de alívio e frustração se misturavam.

          Os fleches, vieram e preencheram as vacuidades da consciência, do sonho e do sono, as lembras, tirar o delicado diadema amarelo da cabeça foi a consequência natural do tomar de consciência. Aurora, bem queria ficar deitada para sempre e para sempre vagar na terra dos sonhos da realidade simulado. Mas a realidade sempre se impõe e voz fria e pungente de Gaya, iria lhe impor a hirta realidade.

          — As frequências pulmonares, está um pouco acima do normal, assim como a frequência cardíaca e a frequência sanguínea. E sugiro que faz um hemograma e demais exames senhora Aurora...

          — Eu não sei dos motivos, de eu te dar o tom de voz da minha mãe! Gaya! Eu me odeio pelas manhãs! — Sentenciou Aurora em voz alta! E levou a mão a testa, o desejo de jogar para longe o diadema amarelo que lhe adornava, foi um sentimento passageiro. Aurora, tirou o adorno na cabeça e segurava o fino e pesado diadema de ouro, a programadora sabia que o guardaria no cofre, como a coisa deveria ser.

          — O café está pronto e mesa está posta! — Anunciou Gaya.

          — Gaya! — Sussurou a dona da casa!

          — Madame? — Perguntou a inteligência artificial.

          — Tire este teu sorriso besta da cara! — Disse Aurora, que na verdade queria dizer isto para a própria mãe, que a acordava toda a dia, todas as manhãs, com um sorriso na face, sobre qualquer momento da vida, de intemperares e de dias amenos.

          — Madame eu não entendo! — Gaya estava com voz tremula o que de certa forma divertiu Aurora, não que ela gostasse de ver os outros sofrerem, nem que odiava a mãe, ouvir a voz da mãe apavorada. E que as manhãs de felicidade incondicional da mãe, pesava nas lembras da programadora de computadores, a mãe sempre feliz e tentando faz os que a rondava felizes. 

          E a realidade se impôs, ter que levantar da cama e processar a noite anterior, era premente e Aurora tirou os dois pequenos eletrodos das têmporas. A programadora, levantou a coberta de linho egípcios, somente desse momento que ela lembrou que estava completamente nua. Sentou na borda da cama box king size, caminhou até o cofre digitou a senha, abriu o cofre e guardou o diadema amarelo. Foi até a cômoda com cabideiro e vestiu um roupão, se dirigiu até a sala de estar, em um interlúdio lento e longo de um dia que merecia ser doloroso e revelado. Depois de sentar à mesa, ser servido por dois robôs domésticos, o barulho das esteiras em movimento, não aborreceram Aurora naquela manhã outonal e sonolenta.

            Foi a primeira vez que Aurora realmente degustou o café na manhã na total solitude do silêncio absoluto. E foi a primeira vez que Aurora desfez a mesa, lavou a louça pacientemente, a programadora parecia uma outra pessoa. Gaya a assistente pessoal, processava a cena e só teve pistas quando acessou a tratava as imagens que os eletrodos carregavam o seu banco de dados. Uma atribuição que Aurora a incumbira, uma tarefa que em nada tinha a ver com a sua programação, uma tarefa que deveria ter a supervisão de vários profissionais. Pois as imersões que Aurora fazia, deveria ser supervisionada por vários profissionais, equipamentos médicos e remédios ainda em testes. Demandava um computador quântico a processar uma gama de variada de qubits, dividir realidade e irrealidade em imagens sobrepostas. O que é fruto da uma imaginação fértil, que se mistura com lembranças perdidas resgatadas, tudo isto enquanto preserva a integridade física e psíquica das pessoas imersas no estágio de sono profundo. Por questões técnicas, Gaya não conseguia processor as imagens processadas, somente quando Aurora inseria fórmulas matemáticas simples e complexas que as imagens e sons se alinhavam, se tornaram nítidas e coerentes. 

       E Gaya pesquiso aquele indutor do sono e do sonho, o diadema amarela, que a inteligência artificial, pesquisou a fundo e não teve ideia de onde o objeto vinha e onde Aurora a tinha encontrado.  

          Deixar a estação de trabalho preparada, depois do café matinal, era uma das atribuições de Gaya, depois era passar a agenda do dia, a doméstica e após a laboral. Tudo isso enquanto Aurora, se preparar para o trabalho, mas naquele dia as coisas foram um tanto diferentes. A programadora de computadores, terminou de lavar a louça e sem nada disser se encaminhou para a escritório, ainda usava o roupão. Levou o dedo indicador até o bracelete, a uma tela de se projetou na escrivaninha, uma função que cairia a Gaya, depois de um comando de voz da programadora de computador. Aurora levou o dedo indicador de novo e a cadeira embutida se desdobrou, a programadora se sentou apertou no bracelete de novo e um teclado embutido na escrivaninha surgiu. Aurora quebrou a rotina de trabalho, não que Gaya não estivesse programada para reconhecer quebras de protocolos e rotinas, pois os acidentes e incidentes também fazem parte rotina.  

          Aurora estava agindo como a assistente pessoal Gaya não existisse e estava ligado no modelo orgânico, quando o usuário, desliga a inteligência artificial e passa a usar os periféricos de entradas e saídas, parcialmente ou totalmente.  Aurora, fez se projetar uma janela digital amarela.

          — Ivanka! Bom dia minha! — Falou Aurora e Gaya percebeu que o tom voz da programadora de computadores tinha mudado! A assistente pessoal, notou que a Aurora não ligou o filtro de imagem e aparecei na tela-digital de roupão e a outra do outro lado da tela-digital pareceu não se importar!

          — Tu encontraste o burilador de inexatidões? Disse Ivanka de forma casual.   

Fragmento do livro: Sono paradoxal, texto de Samuel da Costa, poeta, novelista e contista em Itajaí, Santa Catarina.