Por Paccelli José Maracci Zahler
(arte computacional inspirada em Andy Warhol)
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
CORES
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Desfaleço cores: a incúria se esforça
Desfaleço cores: a incúria se esforça
em sinas multiplicadoras. Sou interrompido.
O som desanima. A palavra se faz real
ignomínia. Cores desfazem a trama.
Tambor em descompasso. Arrependido
corpo no velho hábito da negação.
Esmaeço o dia. Não o quero brilhante.
Opaco e rasgado. Universalizo o ânimo
e me faço
bandido encarcerado.
Ao crime imputam penas de favores
destrocados. Mudo as cores e a bandeira
ressurge em novo lema. Desfaço cores.
Apago traços. Descolorido sou em descanso.
ACORDES
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Acordes vibram. A víbora se prevalece
da notícia: pica. Os píncaros gloriosos
dos bancos escolares desestimulam.
Se do passado heróis ressurgem
ao futuro caberá a compreensão
do fato desprovido de particularidades.
Discursos narram histórias fantasiosas
em desconsiderações.
DIA
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Enxugo o dia
das tormentas. Acorrento a luz
em ocidentes. Não permito orientes no renascer.
O
dia áspero entre dedos
em torpedos arremessados.
Descompassados. Pássaros
em voos desnorteados
rebatem espaços.
O dia árido em lembranças lança
oásis desproporcionados das ilusões
avantajadas em quimeras. Quem me dera
no dia anterior a chuva desfrutar
na luz
incolor de nuvens carregadas.
O dia
esperado se esvai
em
contratempos
de
atrasos e esperas.
PALHAÇO
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
O riso
indiferente do palhaço
faz graça no despenhadeiro circular
da arena. A inconsequência da brincadeira
na falsa impressão de dor e medo.
Confunde a platéia em trejeitos e barulhos
esquecidos no sentido da seriedade. Na ilusão
catatônica das crianças se apresenta
o adulto histriônico. A criança
cresce no momento de se fazer palhaço
pela vida inteira. Arruma o nariz sobre a face
e desconsidera a boca rasgada ao verbo.
A luz acesa permite o reconhecimento.
O NATAL DA MINHA INFÂNCIA
Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Com a iluminação natalícia e os
sons festivos da quadra, chegam à minha memória, figuras e vozes familiares,
com quem passei a santa noite de Natal.
Na casa de meu pai, não havia
árvore. Dias antes da consoada, fazia-se o presépio. Cobria-se com pano
cor-de-rosa, a velha cómoda de pau-preto. Com livros, formava-se a alcova ou
gruta, que eram tapados com duas puídas bandeiras azuis e brancas, do tempo da
monarquia.
O menino – de grande dimensões,
– era então colocado, solenemente, no lugar. Era de madeira. Dizia meu pai, que
a avó Júlia, ouvira, quando era cachopinha, que a imagem tinha sido esculpida
por santeiro viseense, e fora pertença de antepassado, cujo nome se perdera. No
alto, suspenso da parede, era colocada a estrela de papelão, coberta de
folhinha de estanho, amarela, da qual saíam vistosas e brilhantes fitas,
prateadas e doiradas, a jeito de dossel ou véu de berço.
As prendas – quase todas jogos
didácticos, – eram compradas no Bazar dos Três Vinténs, na Rua de Cedofeita, no
Porto, e colocadas sobre o guarda-fato, para evitar tentações…
A ceia, propriamente dita, era
tipicamente portuense.
Na mesa, coberta de toalha
escrupulosamente branca, eram colocadas as louças de cerimónia, e as grandes
travessas, do tempo dos avós, repletas de: pencas, bacalhau - que
se desfazia às lascas, - e batatas.
Havia sobremesa variada: arroz
doce, creme torrado, filhós, sonhos, rabanadas
- bem demolhadas em leite, doiradas na frigideira e cobertas de canela e açúcar, -
pudim, bolinhos de abóbora-menina e bolo-rei; e como minha mãe era
transmontana, havia rochedos – doce feito de amêndoa ralada.
Quando me sento à mesa, para
consoar, sentam-se, igualmente, não só os vivos, mas também os mortos.
Parece-me que ecoam, dentro de mim, suas vozes e palavras amigas.
Ouço minha mãe, contar cenas de
menininha, e meu pai falar da avó, que o criou. Ouço, também, todos que comigo
cearam, e agora festejam-No, lá no Céu.
Então revivo, com saudosa
amargura: episódios, ditos, frases soltas, gestos, modos de falar.
Revejo, também, o cenário, que
envolvia a nossa antiga e sólida mesa de jantar, que ficava no segundo andar da
velha casa da família.
Os odores que chegavam da
cozinha enfumarada: o agradável perfume a canela e açúcar queimado, e tantos maravilhosos
cheiros, característicos da Noite de Natal nortenha
Terminado o jantar e
distribuídas as prendas, as crianças, entretinham-se com os brinquedos
recebidos, e os adultos, ficavam a conversar ou jogar, enquanto mastigavam:
pinhões, amêndoas, nozes e fruta seca e cristalizada. Humedecendo os lábios,
com doce vinho do Porto.
Penso que nas outras casas, as
famílias se reuniam e ceavam de igual modo. Não fossemos, então, genuinamente
tripeiros.
Devido à influência, vinda de
fora, e a frequentes viagens, o Natal nortenho, pode ser hoje, um pouco
diferente, mas creio, que na maioria dos lares, a tradição ainda é o que era.
Mais um Natal que passa! Mais
um aniversário de Jesus! E de Natal em Natal, aproxima-se o fim…
Não pensemos, todavia, em
tristezas…já que o Natal é festa cheia de alegria e Amor.
A todos, desejo uma noite
santa. Uma noite em que Jesus não esteja ausente…mas sentado à nossa mesa….
.
AMOR PERDIDO NO TEMPO
Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Meu nome é João de Oliveira
Prado. Tenho oitenta anos feitos em meados deste mês de Agosto, e acabo de
chegar à cidade onde passei grande parte da minha triste adolescência.
Há muito que não visitava o
antigo burgo serrano, onde cada rua, cada casa, cada pedra, foi impregnada de
velhas e poéticas lendas, páginas vivas da nossa História.
Aqui, nesta região montanhosa,
onde vistosas flores silvestres ombreiam com o verde-prata de seculares oliveiras,
e a vista se deslumbra na vastidão dos montes, que correm em sucessivas cadeias
de cerros, para amplos e verdes vales, revestidos de vastas vinhas e viçosas
messes, fui feliz, apesar de tormentosas e aflitivas contrariedades.
Nesta cidade, perdida em
altaneiras serras, longe de grandes centros, o povo, em calmas tardes de Estio,
quando o calor aperta, descansa a sesta; e fica, nas frigidíssimas noites de
Inverno, se o manto de neve agasalha a natureza, ao redor do calor aconchegante
da lareira, recontando histórias de vidas, que foram, mas já não são.
Estonteado pela aventura,
parti. Comigo levei bom punhado de projetos, que há muito sonhara, e risonhas
fantasias, que jamais consegui realizar.
Agora, sentindo séria
enfermidade corroer desapiedadamente o envelhecido corpo, estranha e entranhada
saudade reviveu dentro de meu peito: o desejo de recordar o tempo que passou.
Tempos de outrora, em que
tenros e frágeis bracitos, de graciosa menininha, trigueira e fagueira,
envolvia-me de carinhosos beijos de infinito amor.
Lembro-me – como me lembro!
Deus meu! - dos soberbos olhos castanhos, cor de avelã, luminosos, vivos,
irrequietos, cheios de ingenuidade e ternura, que enfeitiçaram a alma e
refortalecerem a coragem…… ..Eu, que sempre temi desafios…Não aceitava – e
ainda não aceito, – que se passe a vida a pontapear os menos dotados. Jesus, ao
asseverar: Ama o semelhante, queria dizer – Cuidai uns dos outros, porque sois
filhos do mesmo Pai.
A pequerruchinha, na
encantadora doçura dos inocentes dez anos, magnetizou-me a alma e o coração,
que ainda não acordara …
Era jovem, inexperiente,
desconhecedor dos secretos e maldosos segredos da vida.
Procurei, labutando em terra
estranha, o futuro, mas somente deparei presente de lágrimas, onde ilusões e
fantasias, se afundaram num mar de contrariedades.
Como emigrante, que esgravata
riqueza em terra alheia, esperava regressar com fartos bens, que permitissem
desafogo e inveja aos desafortunados….mas rapidamente dei pelo engano.
Mansamente, deslizaram os anos
- como água de riachinho descuidado, que preguiçoso, pula de pedra em pedra, de
seixo em seixo, - com eles morreram doces sonhos e desejos, urdidos com carinho
e amor, desde a mocidade.
Restou-me a saudade. Saudade do
tempo de menino… – Derradeiro sentimento a morrer…
- Um dia – pensava alvoraçado. -
Um dia, cheio de sol, de fresca Primavera, hei-de confessar-lhe, no mesmo
varandim onde repousava e brincava, que jamais esqueci a ternura do olhar e a
doçura dos carinhosos beijos….
De cabeça baixa, vencido pela
vida, voltei. Acicatava-me o desejo de a ver.
Cheguei em ronceiro e embalador
comboio do tempo de nossos avós, que serpenteava revolto rio. Rio que,
furiosamente, corria esmagado por alterosas e agressivas ravinas.
Espremido aqui, espraiando
acolá, rugindo, refervendo enraivecido, entre temíveis e pesados pedregulhos,
as águas prosseguiam sempre o tenebroso caminho, em busca de repouso … na mansa
corrente de grande rio.
Rodopiando, em medonhos
redemoinhos, enrolando-se e envolvendo agrestes penedias - descarnadas pelo Sol,
e despidas de líquenes e ervas rasteiras, - emprestava fantasmagórico especto à
natureza inóspita.
Beleza deslumbrante, que dilatava
a vista e enchia a alma de tristeza e medo.
Hospedei-me em modesta pensão,
na vizinhança da linha férrea.
Desemalei, vagarosamente, a
escassa roupa. Dependurei o fato domingueiro, no roupeiro, e, entusiasmado,
abalei em busca da garotinha da minha infância.
Foi um deslumbramento! …
Transfigurara-se em esbelta e garbosa adolescente. Moça guapa, gaiata, de
alegria contagiante.
Recebeu-me com simpatia e
amizade, como se os anos não tivessem passado.
Continuava formosa, e de
simplicidade encantadora...
Notei, ao despedir-me, que sem
desejar, crescera, no coração, estranho sentimento, que vivificava e abrasava a
alma – o desejo de a ter sempre diante dos olhos…
Não era atracão carnal, nem
paixão arrebatadora, que se torna obsessiva, mas precisão de – escutar sempre
sua voz, sentir sempre seu hálito quente, de a ter sempre perto de mim…
Eufórico, inebriado por
pensamentos fantasiosos, parti.
Sem refletir, logo assentei
escrever-lhe.
Faltou-me, todavia, o afoito, a
coragem de transmitir-lhe o entusiasmo em que andava enlevado.
Era missiva simples, de veladas
e tímidas palavras de ternura, que alma sensível ou sagacidade de mulher
adulta, entenderiam, mas não romanesca colegial, que, como Bela Adormecida,
ainda esperava príncipe encantado…
A resposta brincalhona, escrita
em letra redondinha, elegante, facilmente mostrava nada haver, além de amizade.
Carteamo-nos…até
que – para meu desespero, – cessou a correspondência.
Por essa ocasião, estando em
Paris, em Montmartre, apreciando aguarelas de jovem pintor, descobri mocinha,
que despertou-me sentimentos, que desconhecia… Não resisti….
***
Agora, velho, doente,
pressentindo avizinhar-se a velha Parca, que corta a frágil linha da vida,
regressei ao antigo burgo serrano, na ânsia de reviver os dias felizes que
passaram, mas que persistem serem presentes…
Sem custo, localizei a casa
onde a conheci. Por gentileza e respeito aos raros cabelos brancos, que ainda
me restam, fui convidado a pernoitar no interior.
O dono da casa, velho
conhecido, irmão da menininha, por cortesia, ofereceu-me hospedagem,
declarando, solenemente, com duas fortes palmadas nas costas, não aceitar
recusa.
Esta manhã de sábado, acordei
estremunhado… Era antemanhã. Pelas estreitas frestas das lâminas da persiana,
trespassava doce e vaga luminosidade doirada.
Enfiei, apressadamente, os
chinelos e de pijama de algodão estampado. Subi mansamente a sombria escada de
caracol. Os degraus rangeram levemente, apesar dos meus cuidados.
Encaminhei-me, então, para o
quarto que antigas reminiscências diziam-me ter sido pertença da “minha”
pequerruchinha.
Pé ante pé, penetrei. Como
criança medrosa, temia que descobrissem a minha curiosidade… o meu segredo…o
meu desejo…
Apurei as orelhas.
Certifiquei-me que não era observado. Circunvaguei vagarosamente a vista.
Silencio pesado. Em passinhos de lã, entrei. O quarto estava mergulhado em
sombra profunda…
Diante de mim, três estreitas
camas de ferro, esmaltadas a branco, que rebrilhavam debilmente na pálida
luminosidade da manhã, e três mesinhas de cabeceira. Em cada uma, sóbrio porta
- retrato, de estanho.
Abeirei-me do leito, que ficava
à direita, e sentei-me sobre a branca colcha de pelúcia. Pela agitada mente,
borboletearam, em borbulhão, frases e poéticos quadros dum passado longínquo:
Era uma tarde calma de Verão, (Como é doce recordar!...) Andavam os missionários pela cidade.
Perpassei por uma igreja. A porta estava aberta. Entrei. Perto do altar-mor,
acompanhada, em atitude de oração, permanecia recolhida a adolescente dos meus sonhos,
Fiquei embebecido na sua imagem. Olhei-a de soslaio e sorri. Ela sorriu, também.
A timidez impediu a aproximação….
A Primavera chegara doirada de sol. Uma brisa fresca soprava da serra,
toda toucada de neve…Ela trazia nos lábios rubros, um encantador sorriso…
Descia a avenida. O sol já se recolhera…quando…
Estes e outros doces episódios
insignificantes, há muito esquecidos, saltaram-me da memória, enchendo-me a
alma de infinita saudade, de um mundo que já não é.
Um gesto, uma expressão, um
aperto de mão, um abraço, um sorriso significativo, que se perderam no tempo, ressurgiram,
nesse momento, como por encanto… no meu espírito. E eu que os julgava, para
sempre esquecidos…
A vizinhança da morte faz
reviver o passado: a infância, a adolescência, a ternura, o carinho, o amor… a
vida…
Então, com estes olhos que Deus
me deu, vi: Vi, de pé, sobre a cama, de braços abertos, mãos estendidas,
garotinha de tez morena, cor das areias do mar, atirando-me meigos e doces
sorrisos.
Tinha vaporoso vestidinho
curto, de cor clara; camisolinha azul celeste e nos pezinhos rechonchudos,
curtos soquetes brancos.
Com esforço, alargava as
mãozinhas atrigueiradas, no intento de abraçar-me. Estendi as minhas, para a
receber….mas, a encantadora imagem esfumou-se, diluída em fina névoa perfumada,
deixando delicioso aroma a rosas frescas.
Enquanto desaparecia, ouvi vozinha
enternecedora:
- Vem! …Por que demoraste?! …
Estonteado, confuso, ergui-me.
Então, junto à parede branca, emergindo dela, surdiu silhueta difusa, que lentamente,
ganhou nítidos contornos.
Era adolescente de pouco mais
de dezoito anos. Tinha a boca cheia de risos irónicos e os olhos dilatados de
orgulho e gozo…:e ria-se… ria-se… sem cessar…
Ria-se de
quê?! De Quem?! De mim?! …
A medo perguntei, mas a voz
embargou-se. Então escutei leve eco, que vinha do passado:
-Tolo! Pensavas que gostava de
ti! …Só queria divertir-me! …Viver a vida! …Sentir-me amada! ….
Amargosas e abundantes lágrimas
de profunda tristeza, correram-me pelas pálidas faces.
Como nascessem dentro do peito,
ouvi, em desespero, novamente a voz jocosa do passado:
- Eras um pelintra! Pensavas
que uma Noronha podia viver…Onde encontrarias tu, João-ninguém, dinheiro para:
Casa confortável…Luxo…Férias no estrangeiro… Criadas para me servirem?…Querias
transformar-me em Gata Borralheira! … Bobalhão! …
Não me contive. Alucinado,
soluçando convulsivamente, pronunciei num suave sussurro - receoso que me escutassem,
- envolto num choro abafado:
- Mas amava-te! ….Loucamente….Como
nunca havia amado!...
- Amor… – respondeu a voz sarcástica
– é dar conforto. Amar, é ser respeitada. Invejada pelas outras mulheres….
Amar, é conviver com antigas condiscípulas, de cabeça levantada…. Não se
envergonhar de não ter vestido apropriado…. Amor, é possuir carro topo de gama!
…
Senti pejo de mim mesmo.
Tremenda vontade de fugir. Vergonha dos meus sentimentos. E mornas lágrimas de
dor encharcaram-me os olhos, raiados de sangue.
Precipitei-me, vexado, lívido,
contristado, para a porta, levando no espírito: frases, palavras e episódios, cheios
de ternura, de um passado que passou.
Enquanto fugia, coberto de
vergonha, suave e adocicado murmúrio de criança, ciciou-me muito baixinho, à
puridade:
- Não chores! …Não sabe o que
diz! … Dia virá – talvez já cá não estejas… – que há-de chorar lágrimas de
saudade…
Volvi-me para ver quem assim me
consolava. Apenas vi: três camas de ferro cobertas de brancas colchas….e
profundo silêncio.
Mas, não tenho duvida – a voz, era da menininha, de vestido curto, que
estava de pé, sobre a cama de ferro coberta com manta de pelúcia.
Só ela compreendera a minha
saudade…Os meus sentimentos…As minhas lágrimas….Só ela!…
sábado, 1 de novembro de 2014
ARROJOS
Por Cesário Verde (1855-1886)
Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.
Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.
Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.
Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.
Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.
Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.
Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.
E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
As mesas espelhentas do Martinho.
MANIAS
Por Cesário Verde (1855-1886)
O mundo é velha cena ensanguentada.
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada -,
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância, quixotesca.
Aos domingos a déia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,
Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!
LA CASADA INFIEL
Por Federico Garcia Lorca (1898-1936)
Y que yo me la
llevé al río
creyendo que
era mozuela,
pero tenía
marido.
Fue la noche
de Santiago
y casi por
compromiso.
Se apagaron
los faroles
y se
encendieron los grillos.
En las últimas
esquinas
toqué sus
pechos dormidos,
y se me
abrieron de pronto
como ramos de
jacintos.
El almidón de
su enagua
me sonaba en
el oído,
como una pieza
de seda
rasgada por
diez cuchillos.
Sin luz de
plata en sus copas
los árboles
han crecido,
y un horizonte
de perros
ladra muy
lejos del río.
Pasadas las
zarzamoras,
los juncos y
los espinos,
bajo su mata
de pelo
hice un hoyo
sobre el limo.
Yo me quité la
corbata.
Ella se quitó
el vestido.
Yo el cinturón
con revólver.
Ella sus
cuatro corpiños.
Ni nardos ni
caracolas
tienen el
cutis tan fino,
ni los
cristales con luna
relumbran con
ese brillo.
Sus muslos se
me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad
llenos de lumbre,
la mitad
llenos de frío.
Aquella noche
corrí
el mejor de
los caminos,
montado en
potra de nácar
sin bridas y
sin estribos.
No quiero
decir, por hombre,
las cosas que
ella me dijo.
La luz del
entendimiento
me hace ser
muy comedido.
Sucia de besos
y arena
yo me la llevé
del río.
Con el aire se
batían
las espadas de
los lirios.
Me porté como
quien soy.
Como un gitano
legítimo.
Le regalé un
costurero
grande de raso
pajizo,
y no quise
enamorarme
porque
teniendo marido
me dijo que
era mozuela
cuando la
llevaba al río.
FALSETE
Por Federico Garcia Lorca (1898-1936)
¡Ay, petenera
gitana!
¡Yayay
petenera!
Tu entierro no
tuvo niñas
buenas.
Niñas que le
dan a Cristo muerto
sus guedejas,
y llevan
blancas mantillas
en las ferias.
Tu entierro
fue de gente
siniestra.
Gente con el
corazón
en la cabeza,
que te siguió
llorando
por las
callejas.
¡Ay, petenera
gitana!
¡Yayay
petenera!
LA MONJA GITANA
Por Federico Garcia Lorca (1898-1936)
Silencio de
cal y mirto.
Malvas en las
hierbas finas.
La monja borda
alhelíes
sobre una tela
pajiza.
Vuelan en la
araña gris,
siete pájaros
del prisma.
La iglesia
gruñe a lo lejos
como un oso
panza arriba.
¡Qué bien
borda! ¡Con qué gracia!
Sobre la tela
pajiza,
ella quisiera
bordar
flores de su
fantasía.
¡Qué girasol!
¡Qué magnolia
de lentejuelas
y cintas!
¡Qué azafranes
y qué lunas,
en el mantel
de la misa!
Cinco toronjas
se endulzan
en la cercana
cocina.
Las cinco
llagas de Cristo
cortadas en
Almería.
Por los ojos
de la monja
galopan dos caballistas.
Un rumor
último y sordo
le despega la
camisa,
y al mirar
nubes y montes
en las yertas
lejanías,
se quiebra su
corazón
de azúcar y
yerbaluisa.
¡Oh!, qué
llanura empinada
con veinte
soles arriba.
¡Qué ríos
puestos de pie
vislumbra su
fantasía!
Pero sigue con
sus flores,
mientras que
de pie, en la brisa,
la luz juega
el ajedrez
alto de la
celosía.
PARAR
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Fica parado por uma hora: longa
duradoura instantânea expansiva
espera o retorno: o desgosto
o nervoso o ser o exato estar
configura a mente ao pecado
e se deixa levar pelo ônibus
em pontos indiferentes
anda por horas: pés passos pernas
conforta o retorno com palavras
apropriadas ao rito da partida.
FOGO
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
O texto reaparece ante os olhos
críticos no esforço da leitura.
A mão afaga no papel a tinta
do sentido imitado em rabiscos.
Das cinzas feitas mortes
das mortes feitas vidas
das vidas refeitas cinzas
em incêndios.
O texto refeito em cinzas
prevalece no escurecer
do fogo: a fumaça permanece.
ESPELHAR
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
O ângulo
espelhado
demonstra o corpo
em olhos
dispostos
ao encontro
embaçado: a vida
retira da imagem
o reencontro
despista
o sonho no reflexo
dispensado.
A DIREÇÃO DO VENTO
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Corta os pés pelas mãos retira
a direção do vento altera a altitude
da montanha e se desfaz em gelo
liquefeito bebe o entardecer
Nada ergue em honras descobertas
Cata o pão amassado e ao demônio
deseja boa sorte Esfacela a conversa
em retorno e emudece a parede
a caricatura desce do pedestal
e se enfurna em sossego
Antecipa o feriado esquece
no presente o lamento Caça
as mãos pelos pés e se endireita
ao chamado do sexo em razões
desenfreadas Avança no estupor
do disparo e acomoda o corpo
ao espaço.
OS AFECTOS QUE NÃO DEMOS
Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Pouco a pouco, lentamente, ano
a ano, quase sem sentir, avizinha-se o fim da jornada.
Passamos a vida a cuidar – da
nossa saúde, da nossa carreira profissional, da satisfação dos nossos desejos;
olvidando que para ser feliz é mister cuidar dos outros.
Adiamos sempre para amanhã –
que nunca chega, – para conviver, abraçar o amigo, o familiar, porque não temos
tempo…ou por comodismo…
E para amanhã ficam os
telefonemas, as conversas, as horas de convívio com aqueles que nos querem bem.
De longe a longe, dizemos-lhes:
- Havemos de combinar…mas sabemos que o amanhã nunca chegará…
E deste jeito, quantos abraços
deixamos de dar? Quantos elogios ficam por fazer?
Mas, em hora inesperada, chega
a doença, surgem as limitações e então cogitamos: por que não disse o que ia na
alma?! Por que não abracei meus irmãos e a causa que me era querida?!
Adiamos sempre: Amanhã vou
fazer isto. Hei-de dedicar-me à música. Quando aposentar-me vou pintar…Servir
uma causa humanitária…Sempre para amanhã…Sempre para o futuro.
Vivemos dentro de um sonho. Só
muito tarde acordamos e, estupefacto, verificamos que não vivemos…As
oportunidades e a saúde passaram…e o tempo não volta.
Lamentamos, então, os anos
perdidos. A juventude que passou… e o que passou…não passará mais…
Já não vamos a tempo de dizer:
quanto amamos a nossa mãe, a nossa irmã, aqueles que connosco repartiram a vida
– os amigos, os colegas de trabalho, os companheiros que cruzaram com a nossa
vida.
Então lamentamos, os abraços
que não demos. Os beijos que deixamos de dar. Os afectos que tornariam felizes,
os que aguardavam os nossos carinhos….Mas é tarde…Muito tarde…Porque o tempo é
como as águas do rio, nunca passam pelo mesmo lugar.
COMUNICADO DA ATL/DF
Comunicado da Academia Taguatinguense de Letras:
Patrimônio Cultural, Material e Imaterial do Distrito Federal - Lei
5159/13, Decreto 35549/14
Ato de Vandalismo Contra a Academia Taguatinguense de Letras no Dia do
Livro
Nº Ocorrência: 90149/2014 - DICOE
Nº Recibo: 3035909689
Nº Ocorrência: 90149/2014 - DICOE
Nº Recibo: 3035909689
Informamos às autoridades constituídas, aos acadêmicos e ao público-leitor, que a Academia Taguatinguense de Letras sofreu mais um grave atentado de vandalismo, na calada da noite, de forma covarde, por pessoas ainda não identificadas, bem similar aos atentados da época autoritária. Pularam a cerca do Espaço Cultural de Taguatinga, arrombaram o alambrado, invadiram o espaço da Academia, danificaram os murais, jogaram no chão e arrancaram e rasgaram documentos e informes da entidade, subtraindo nosso material de divulgação, que desapareceu do local. Destaca-se entre o material desaparecido cópia da Lei 51159/13, aprovada pela Câmara Legislativa do DF e sancionada pelo GDF, que tombou a Academia Taguatinguense de Letras como Patrimônio Cultural, Material e Imaterial do Distrito Federal e também cópia do decreto 35549/14, que fixa a sede da Academia no Espaço Cultural de Taguatinga - CEMEIT, além de fotos e textos.
Lamentamos o ocorrido na Capital da
República, em pleno Estado Democrático de Direito e pedimos o apoio das
autoridades constituídas e providências no sentido de protegerem
nossos pensadores e escritores, o importante Patrimônio Cultural,
Material e Imaterial do DF, constituído de mais de sete mil livros, documentos
históricos, jornais, revistas e a maior coleção de livros publicados por
autores do Distrito Federal, do Entorno e da Região Metropolitana do DF e do
Planalto Central do Brasil.
Tem gente incomodada com o bom
trabalho da Academia e que quer cercear a liberdade de expressão e a
democratização do conhecimento.
O fato foi comunicado à Administração de Taguatinga, à Secretaria de
Segurança Pública do DF, aos acadêmicos e aos frequentadores da ATL.
Atenciosamente,
Gustavo Dourado
Presidente da Academia Taguatinguense de Letras
Presidente da Academia Taguatinguense de Letras
Emanuel Lima
Tesoureiro da Academia Taguatinguense de Letras
Rubens M. Cruvinel
Diretor Jurídico da Academia Taguatinguense de Letras
Diretor Jurídico da Academia Taguatinguense de Letras
Emanuel Lima
Tesoureiro da Academia Taguatinguense de Letras
Rubens M. Cruvinel
Diretor Jurídico da Academia Taguatinguense de Letras
José Bezerra de Melo Filho
Secretário Ad Hoc da ATL
Secretário Ad Hoc da ATL
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