segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A VOZ DO AUTOR: ERWELLEY ANDRADE

PAI

Por Erwelley C. de Andrade (ALB, Brasília, DF)

Não sei o que te assusta,
Ou o que te impede de me ver.
Às vezes quando estou sozinha no meu quarto,
Lembro-me do teu rosto e choro,
Porque nunca te vi sorrir.
Pai, seus olhos são tão bonitos,
Seus cabelos lisos e macios.
Como eu gostaria de acariciá-los,
Mas não posso porque sequer olhas pra mim.
Não tenho lembranças de contigo brincar,
Tu nunca me viste chorar.
Pai, o que fiz para que tenhas medo de se aproximar?
Nas reuniões da escola, gostaria que estivesses lá,
Pra veres o quanto sou estudiosa,
Mas sua assinatura nunca esteve na minha folha de chamada.
Pai, quando me olho no espelho,
Vejo tanto de ti em mim! Como seria bom
Nós dois juntos encontrando a aparência do nosso ser.
Estou crescendo tão depressa e,
Nem sei direito o que é ter um pai.
Nos vemos tão pouco,
E quando estamos lado a lado,
Fico contente por esperar ansiosa por um beijo teu.
Um afago em meus cabelos, uma palavra de carinho.
Pai me ame enquanto há tempo,
Preciso de ti por perto.
No dia do meu aniversário,
Fico horas ao lado do telefone esperando sua chamada,
Mas quando acordo, já é tarde e outra vez,
O senhor esqueceu que estou me tornando gente grande.
Já sonhei tantas vezes contigo, pertinho de mim,
Correndo na rua, me ensinando a cantar.
Pai, não perco a esperança de um dia te ver
Amando-me do jeito que eu sempre sonhei.
A vida é tão curta, passa depressa,
Não deixe passar, o amor que eu tenho
A te oferecer, está dentro do peito,
Querendo saltar.
Prometo orar todas as noites,
Para o nosso Senhor te dar cada dia,
O amor e a paz, que almejo pra ti,
Saúde e alegria, e sempre sorrir...


CORRENTES

Por Erwelley C. de Andrade (ALB, Brasília, DF)

Em quantas vias mais haverá de percorrer para refazer os passos dos miseráveis famintos da guerra? Que culpa tais criaturas têm das revoltas infinitas que transcrevem ano a ano marcando com sangue e sede a falta de condição humana? Porventura deviam ter privado-se do direito de nascer para assim não ter que sofrer por cuidado em não ferir a sociedade que profana quaisquer forma de vida que interfira em seus planos?
Meados de uma época seca, referida nos primeiros dias do mês de Agosto de alguma tarde qualquer, coloca-se a prova as faces do medo e da coragem: humanos versos humanos e a sessão começa com os embaraços de uma corja maquiada com o carvão da vergonha, recobertos pelos trajes da mentira e sobrepostos nos assentos da hipocrisia.
O magnata se remete aos homens que cospem fogo pelas narinas, com ar de santidade, com a face da maldade estampada na cara lisa em conluio com os arrepios que fazem tremer as cortinas do teatro nacional.
Em cena, puseram-se a protestar os maliciosos em favor de uma vida justa, comida no prato, um salário regrado e um copo e meio de água tratada.
Quantas moedas de prata serão lançadas ao fundo do poço para que comecem a saltar os malfeitores em busca de mendigar favores em troca de vida fácil?
Palavras de pensamentos não ouvem, soluços no escuro não escutam, passos arrastados não alcançam os ouvidos e mais uma vida é deixada para trás sem um minuto de silêncio.
A quantas mais serão renovados os votos de fidelidade fascista enquanto o povo grita?
Calar é sossegar palavras no abismo mais profundo do consciente. Inibir direitos é algemar mãos, as impedindo de escrever uma nova história. Bater continência ao medo é matar a si próprio em razão da obediência ao ego e se desfazer de um bem maior que jamais pode ser arrancado de um ser humano, o respeito.




O QUE NOS RESTARÁ?

Por Erwelley C. de Andrade (ALB, Brasília, DF)

Como chuva de horrores diante dos nossos olhos, a vida passa e a morte atraca. Como se estivéssemos cegos, apenas movemos os olhos de um lado para o outro e nada mais. O arguir nos petrifica e continuamente ata os nossos pulsos diante de tamanha destruição humana.
Os corações desacelerando cada dia mais, as máquinas agindo em total liberdade, e os vagões inundados de zumbis e mestres na arte da ignorância. O que outrora traduzia amor, simplesmente cessou!
As lágrimas secaram das faces marcadas pela guerra.
O medo é o vizinho mais próximo. Ladrões já não tem "tarjas"!
A matança é justificada pela falta de equilíbrio religioso!
De sorte que alguns ainda sintam algum sentimento, devolvam carteiras perdidas, deem a mão a uma criança faminta.
Como traças mutantes, homens assumem o lugar de verdadeiros monstros, maquinando o dia e a hora exata em que a bomba nuclear será lançada diante de uma "raça" que prediz seu destino e traça suas próprias linhas fúnebres, almejando o tão esperado repouso.
Crianças são arremessadas ao mar, mulheres e homens sendo carregados por suas almas miseráveis,  vidas envolvidas em lençóis de seda cheirando a enxofre.
O mal carrega doses de insanidade que "HUMANO" algum conseguirá reverter os efeitos. E como lama, serão varridos rumo as corredeiras da morte sem que possam gritar por socorro.
O que restará diante do eclipse que envolve as visões e transfere terror por onde passa?
Quanta migalha sobrará para alimentar bocas de milhares de mortos de fome culminados pela antítese secular que se alastra pela face da terra?
O poder estará enterrado juntamente com suas facções; o dinheiro já não comprará ideias, tão pouco pagará pelo silêncio dos que gritam por justiça.
Como chuva de sangue, todos serão lançados diante de um juízo que jamais foi visto ou ouvido, e como grãos de areia serão arrastados, cada um será colocado em seu devido lugar! Do ser humano o que restará?


MESÓSTICO SOBRE CORÍNTIOS 13

Por Paccelli José Maracci Zahler (ALB, Brasília, DF)



NAVE

Por Gustavo Dourado (ATL, Taguatinga, DF)

Olhos que brilham loiros-verdes:
Lábios fluem pássaros de neon
Verdejo-te só ridente
Pri ma vera atômica
Navego-te oceânica:
Cabala incógnita...
Quem é você?!
Onde habita teu ser?!


(11/11/1980; poema recomendado pelo crítico Oswaldino Marques)

HORIZONS

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, versão)

The formula keeps the context.
No number is unidvised to the Word.
No verb is fired to action.
No word is armed in numbers.

The common place lets the cientist
progress the search: the unachievable
is made far away in horizons.


(The horizons reapet itselves).

HORIZONTES

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Na fórmula encerra o contexto.
Nenhum número impensado à palavra.
Nenhum verbo disparado à ação.
Nenhuma palavra armada em números.

O lugar comum permite ao cientista
avançar a busca: o inalcançável
se faz longe em horizontes.

(Os horizontes se repetem).


DESDIZER

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Absorto. Rezo indistintos espíritos: sofro
a materialidade do ato no desconsolo
por estar sozinho. Entrego ao nada o destino
e o predador avança suas presas. Sou
presa fácil. Destruo a casa no evitar
dizer sobre o pai. O pântano interior
congela a imagem no submerso
transfigurado em herói. Acordo
em orações ligeiras: em perigo
acudo ao dito pelo não dito.


GLORIOSOS FORAM OS NOSSOS DIAS


Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

(Para a Negra Valquíria)

Como foram gloriosos
E cheiros de virtudes
O tempo de paz
Quando eu
  Rendia-te tributos
Minha divinal musa
***
Mas o tempo de guerra
Chegou até nós dois
Então tudo mudou 
Meu sacrossanto
E imortal amor
***
Como são saudosos
Os tempos
Que te venerava
Amada minha
***
Mas os nossos gloriosos dias
Se foram
E a guerra bate a nossa porta
E destino cruel me levou
Para longe de ti
***
Foi um tempo bom
Que passei junto a ti
Onde abrigávamos
No nosso mítico vergel encantado
Em meio às hialinas brumas
***
Como era puro e verdadeiro
A minha sagrada devoção por ti
Divina musa imortal
***
Óh! Como foram gloriosos
Os tempos em que eu de joelho
Contemplava-te
De divinizava-te
Divina Negra 
Que serpenteava e incendeia
 O estro meu


EM VIOLETAS PAIXÕES (AMOR PURO)


Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)

Não! Não quero mais ser sua
Não quero mais
Os teus ternos carinhos
Nem tão pouco os beijos teus 
***
Não! Eu não vou ficar
Mais ao teu lado
E quando eu sair pela porta afora
 Não me peça para voltar
***
Não me procures mais
Nunca mais
Nem fiques de joelhos
Implorando o meu amor
Para que volte
Para a nossa solidão a dois
***
Não! Não me traga inexatas flores
Não! Não me peça perdão
Em violetas paixões
***
Não! Não acredito mais
No teu amor puro

PEDIDO DE PASSAGEM

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

A gente não prefere o liso, a gente se vê obrigada a usar o liso. E quando assumimos o que somos e o cabelo que temos, ficamos livres de todas às amarras nos impostas. E para esse ano o nosso lema é: Porque crespo é legal! Porque ser negro é legal! Porque ser negro é fazer parte da história! Chega de ser o coadjuvante, temos um papel importante na sociedade.
Não pense que por sermos negros não merecemos o nosso lugar no mundo.
Somos muito mais que você pensa. O que é o macaco? Apenas um, ser vivo da natureza criado por Deus, você crendo nele ou não.
E nós? Seres humanos como qualquer outro na face da terra. Chega de disse me disse. Somos o que somos Negros construindo caminhos!
Talvez uma ponte entre a realidade e o idealismo. Mas a certeza de que sempre seremos lutadores. E algo além, disso, viveremos escrevendo a nossa história.
Por isso peço a voz, meus senhores e senhoras, deixem o negro passar com sua cor, pois é ela que vai colorir o mundo.


MEU PRIMEIRO BEIJO

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Quando surge a oportunidade não há quem não fale do seu primeiro beijo e ainda há quem diz que esse momento ninguém esquece. Eu esqueci. Eu devo ser a única. Ou há mais alguém por aí?
Mas bem... Eu fico a me perguntar: e os outros beijos, ninguém fala? Nem sempre o primeiro beijo é inesquecível como também nem sempre a primeira transa é inesquecível, principalmente para uma mulher.
Digamos que o primeiro beijo é o portal para outros beijos por isso é de tal importância. Mas não o suficiente para ser inesquecível. Claro que, não posso afirmar que me esqueci 100% do meu primeiro beijo, mas não é algo que eu possa me orgulhar ou então delirar de desejo querendo mais e mais do que poderia ter sido o meu melhor momento.
Porém posso falar tranquilamente sobre ele. Não é algo que me reprime, ou me faça chorar. Não sei bem quando, só lembro-me exatamente que foi aos meus dezoito anos de idade.
Nossa tão tarde assim!- você deve está pensando. Mas sabe o que eu acho? Não foi tarde não. Foi no momento certo. No ponto exato em que as bonecas não faziam mais parte da minha vida.
E também não é bom ficar lembrando o tempo todo do que se passou. Está bem... Você quer saber o que eu achei né? Pois então... Foi para mim algo nojento. Quando vi aquela língua sobre a minha e a saliva escorrendo em minha boca eu só pensava em querer ir embora, e fora isso a vontade de vomitar era tão grande que eu não sabia se ia segurar por muito tempo.
Só sei de uma coisa, não devia ter olhado. Esse foi o meu erro. Mas não, né, eu quis ter a certeza de que isso estava acontecendo comigo de verdade.
Às vezes acontecem coisas com a gente que precisamos ter a certeza de que não é apenas um sonho, ou uma confusão do nosso cérebro. É que um lado da gente é descrente pra certas coisas. E algumas de nós mulheres tendem há ter menos confiança em si.
Eu não achava que poderia ficar com alguém naquele dia, ou até mesmo ser beijada. O máximo que eu esperava daquela noite não passava de ouvir uma boa música e dançar.

Mas às vezes a vida te leva por vários caminhos e você sem saber ou até mesmo sem prestar a atenção cai em armadilhas. O meu primeiro beijo foi uma armadilha, no entanto o portal para outros beijos. Como por exemplo, na era da tecnologia, o beijo virtual, mas isso é assunto para outro dia.

CAIO GAKRAN

Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)


                                   Hoje eu chorei de emoção. Um povo antigo aqui da minha terra continua fazendo seu resgate na História de forma linda e acelerada, e hoje houve outro grande fato que iluminou os horizontes deste vale aonde vivo e me deixou cheia de orgulho e de alegria.

                                   Foi com o Caio, mas eu só vou falar dele mais para a frente. Quero contar, primeiro, um pouquinho sobre o seu povo, o antigo dono desta terra onde hoje eu piso e tantos pisam, terra que já era do povo de Caio pelo menos há 5.000 anos, conforme cerâmicas descobertas já neste milênio pelo arqueólogo Marco Antônio Nadal de Masi .

                                   Valente povo! Conservou seu território no passado mais distante e se aferrou a ele nos últimos 500 anos, desde quando por aqui começaram a aparecer os europeus e seus descendentes: primeiro os invasores portugueses, depois os imigrantes alemães, italianos e outros, sequiosos por terra, cada um a roubar o que era possível do vasto território da gente que vivia segundo costumes antigos, integrada na natureza. Estou falando do povo Xokleng-Lãklanô, primeiro habitante da maior parte de Santa Catarina e de um pouco dos dois estados vizinhos, caçadores-coletores que tinham como alimento-base o pinhão, que o invasor quase iria extinguir na sua sede por madeira.

                                   Com seu território paulatinamente cada vez menor e suas fontes de alimento, consequentemente, também cada vez mais ínfimas, o Xokleng-Lãklanô resistiu bravamente ao contato com o branco invasor que, além de lhe roubar as terras e a comida, empreendeu tal caçada humana institucionalizada, com os horrores cometidos devidamente contados nos jornais da época, que o município de Blumenau, por exemplo, no alvorecer do século XX, foi parar no Tribunal de Haia, acusado de genocídio.

                                   Houve um momento, já no século XX, que aconteceu o que o branco chama de “apaziguamento”, expressão vil para se denominar o “submetimento” do povo antigo pelo invasor – esse contato com o “branco” vai resultar em mais diversas formas de dizimação dos submetidos, como a contaminação por doenças trazidas da Europa, a ponto de haver um momento em que o Xokleng-Lãklanô teve apenas, ainda, somente cerca de 400 indivíduos.

                                   Povo aguerrido, no entanto, guardou sua língua, seus costumes, sua cultura – creio que faz uns 30 anos que a população subira, de novo, para mais de 4.000 indivíduos. Na verdade, não sei quantas pessoas Xokleng-Lãklanô existem hoje, mas não devem ser poucas. É aí que entra a minha emoção de hoje e o Caio. Faz tempo que os irmãos de etnia de Caio estão frequentando as universidades e fazendo muitas coisas maravilhosas na vida, como o pai de Caio, Nanblá Gakran, o primeiro doutor do povo, formado pela Universidade de Brasília, linguista que participa de grandes congressos internacionais em lugares como a Suécia, por exemplo, e a irmã de Caio, já no terceiro ano de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina – penso por ter notícias da família de Caio faz tempo é que me levou a toda esta emoção. Sabem o que aconteceu hoje? Saiu a lista de aprovados da UFSC, e o Caio passou... em Medicina! Vai ser o primeiro médico Xokleng-Lãklanô dos tempos modernos (claro que lá no passado houve outros médicos na sua etnia, que tinham saberes antigos).