sábado, 1 de dezembro de 2018

SEM TÍTULO (2018)

Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)




SEGUINDO A ESTRELA


Por Erivelta Diniz (Divinópolis, MG)



“oh!que hora abençoada

que os três Reis aqui chegou

trazendo a santa benção

aos devotos moradores

que ao receber a bandeira

santos reis abençoou”



CANTO POPULAR DE CHEGADA

FOLIA DE REIS





As estrelas nas antigas religiões do Egito e da Assíria revelavam os mistérios divinos. Por ocasião do nascimento de Jesus, o evangelista Mateus conta que magos vieram do Oriente guiados por uma estrela que os conduziu à gruta de Belém, onde acabara de nascer o Salvador (Mt 2,2).

A jornada dos Reis Magos – Gaspar, Belchior e Baltazar – começa a partir do momento em que recebem o aviso do nascimento do Messias, 24 de dezembro, e segue até a hora em que encontram o menino Deus na lapinha. Cantando de casa em casa, os foliões reconstituem a historia dos Reis Magos.

A festa dos magos recorda  a extensão do compromisso de Fé. Somente a fé vê mais longe;   com os magos, é preciso ter olhos de fé para ver muito mais além da realidade visível.  A seqüência de gestos de troca, entre o dono da casa e os foliões durante uma visita ou uma pousada segue mais ou menos nessa ordem:

·         Os foliões cantam diante da casa, e diante do(a) dono(a) pedindo licença para entrar;

·         O dono da casa segura a bandeira, beija-a, ou seja, aceita a folia;

·         Os foliões entram, cantam dentro da casa, em volta do presépio, pedindo as bênçãos do menino Jesus para os moradores;

·         Enquanto o(a) dono(a) da casa pede as graças da Bandeira, passeia com ela pelos cômodos da casa, os foliões cantam até o retorno da bandeira narrando a viagem e a intenção da visita;

·         Assim que o(a) dono(a) da casa retorna, os foliões pedem licença para guardar os instrumentos e parar de cantar;

·         O dono da casa beija a bandeira e a entrega aos foliões

·         O dono da casa serve aos foliões café, biscoito e doces ;

·         Os foliões cantam agradecendo cada um dos bens ofertados a eles;

·         Alguém  pode intervir e dá uma nova esmola;

·         Os foliões pedem bençãos para os parentes;

·         O dono da casa faz várias ofertas, tanto em dinheiro, quanto em material;

·         A pessoa que faz a promessa pega a bandeira, beija e oferta uma esmola;

·         Os foliões cantam anunciando que a promessa já foi cumprida;

·         Os foliões pedem licença pra saírem;

·         O palhaço sacode a “sacolinha” em frente aos donos da casa, pedindo esmola;

·         De costas, num sentido de respeito e agradecimento, saem um a um, cantando e agradecendo.

A folia assim cumpre a sua verdadeira obrigação, de dar, de receber e de retribuir. O ritual da folia extrapola os louvores ao menino Jesus. O que a folia faz é proclamar  o mistério da manifestação (Epifania) de Cristo a todos, através de  um ritual.

A presença dos palhaços encanta e fortalece as folias. São considerados elementos de alegria para crianças e adultos.

Segundo a historia oral dos próprios foliões, os palhaços representam o mal, a concretização dos soldados do Rei Herodes.

Há interpretações de que o rei Herodes teria mandado espiões pra seguirem os reis Magos a fim de localizar exatamente o lugar onde se encontrava o Messias e assim matá-lo. Os soldados disfarçavam usando mascaras, evitando o seu reconhecimento. Os palhaços teriam função de desviar os reis Magos do caminho, distraindo-os com brincadeiras.

Numa outra interpretação, os palhaços representam o próprio demônio, para impedir que haja aproximação de pessoas do caminho dos Reis Magos.

Com a ligação ao mal, estes palhaços são impedidos de tocar a bandeira sagrada da folia, nunca podendo estar à frente nos Cortejos, também impedidos de cantar as musicas dos devotos dos Reis Magos.

Há outras proibições para os palhaços, como a impossibilidade de se aproximarem do presépio e tocar no menino,  ou em alguns casos de só entrarem na casa visitada após  os cantos finais, sem as mascaras.

Enquanto os foliões cantam  as “chulas” – danças e cantos de origem portuguesa – os palhaços fazem acrobacias, dando cambalhotas, rodopiando em um pé, lutando com os bastões.

Na cultura popular de nossa região do Oeste de Minas, diante da pureza e da força do menino Jesus se converte e decide acompanhar os reis para sempre, abandonando o rei Herodes. Quem se encontra verdadeiramente com Jesus não retorna mais pelo mesmo caminho. A vida prossegue com novo sentido.

Antigamente em muitos sermões de domingo, o povo aprendia o cristianismo ouvindo  os sacerdotes, ensinavam que os festejos dos reis representavam atos nocivos à moral, havendo presença do demônio.

Hoje a situação é nova e há uma clara inversão desta rejeição da igreja: alguns sacerdotes procuram valorizar as folias nas liturgias, a tradição religiosa da Folia de Reis no período natalino. Propiciando liberdade, alegria  e fortalecimento em festejar durante a missa.

A folia de Reis encerra o ciclo natalino, visitando as casas até o dia 06 de janeiro que é o dia da comemoração da Epifânia.

Depois as festividades seguem até o dia de São Sebastião, ampliando o caminho da estrela até o dia 20 de janeiro.

“Os três reis

Quando souberam

Viajaram sem parar

Cada um trouxe um presente

Pro menino Deus, ofertar”


(Sobre a autora:Erivelta Diniz é historiadora e pesquisadora da religiosidade popular do centro-oeste de Minas Gerais)

TAMBÉM HÁ SANTOS NAS IGREJAS EVANGÉLICAS!


Diogo Cassels

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)


Se pensam que nas Igrejas Evangélicas – e até nas seitas, – não há santos, estão redondamente enganados.
Claro, que não aparecem nos altares, nem são canonizados; mas que são santos; ah!: isso são!
Havia – já lá vão muitos anos, – na 1ª República, em Vila Nova de Gaia (Portugal), um homem bom. Homem rico, que por muito amar os pobres ficou pobre, por amar muito a Deus.
Era pastor anglicano. Sabia ser justo viver do altar, mas preferiu ser o altar a viver do seu trabalho e da sua grande fortuna.
Seu nome era: Diogo Cassels; mas o povo, os operários, os carenciados, por muito lhe quererem, chamavam-no, carinhosamente: o Sr. Dioguinho.
Dioguinho, junto com as tarefas pastorais, mantinha: escola – para educar os meninos cristãmente; – e, a “ Sopa dos Pobres” – para alimentar os que tinham fome.
Portugal, naquele tempo, estava atulhado em terríveis dívidas. Havia desemprego generalizado, e os que trabalhavam, mal granjeavam para sustento dos filhos.
Como cristão, como sacerdote temente a Deus, sentia obrigação: de cuidar, de zelar, de amenizar, o sofrimento dos operários; e pobreza envergonhada – que sempre atinge a classe média, em anos de crise.
Todos os meses, o bom homem, ia de porta em porta, pelas casas inglesas – o Sr. Dioguinho era britânico, – e pedia…tornava a pedir… rogava, suplicando, contributo para a “ Sopa dos Pobres”; porque, o que possuía, da sua grande fortuna, já não bastava para acudir a tanta necessidade.
Certa ocasião, as casas de pasto, as mercearias, que lhe forneciam os alimentos, disseram-lhe, perentoriamente: “ Ou paga o que nos deve, ou nada mais haverá fiado! …”
Dioguinho levou as mãos à cabeça, desesperado. Aflito, atormentado, recorreu a amigos. Calcorreou as firmas de origem inglesa, da baixa portuense; bateu à porta da colónia inglesa, e arrecadou substancial quantia… Assim supunha.
Regressou radiante. Contou e recontou o dinheiro recebido. Fez contas e mais contas… Fez cálculos e mais cálculos… mas nada: faltavam cinco contos para saldar a divida aos fornecedores…
- “ Os necessitados ficarão sem a “ Sopa dos Pobres.” - Pensou.
Nervoso, mordendo os lábios ressequidos, procurou descortinar amigo, que lhe acudisse a tal aperto. Mas as diligências foram em vão.
Só Deus o poderia ajudar. Mas seria ele merecedor de tal auxílio? …
Dirigiu-se, estonteado, à capela; pelo caminho, encontrou a Bertinha – mocinha que lhe servia de secretária, – agarrou-a com ansiedade, pelo braço, e, numa súplica, disse-lhe:
- “ Peço-te, menina, um grande favor: Vem comigo à capela, orar a Deus, para que me acuda! …”
No dia seguinte, pela manhã. Manhã luminosa, cheia de Sol, chegou o carteiro. Entre a correspondência vinha uma…que incluía cheque no valor de cinco contos!
Junto, trazia bilhete: “ Sei que veio procurar-me, para acudir os seus pobres. Não estava; mas ai vai “isso”, para ajudar.”
Após o almoço o Sr. Dioguinho, agradecendo a Deus, dirigiu-se ao Banco de Londres, para receber o dinheiro.
Mal lhe entregaram os cinco mil escudos, o rosto desfigurou-se de contentamento. Cambaleou. Agarrou-se ao balcão…Escorregou… e caiu. Antes de morrer, ainda teve tempo de pronunciar:
- “ Graças a Deus! Os pobres não passaram fome! …”
Assim morreu o pastor, o santo, que tudo doou aos pobres. O sacerdote, que sendo rico, se tornou pobre, para que os pobres fossem menos pobres.
Também há santos nas Igrejas Evangélicas! …

A FILHA DO SEU JOÃO


LÁBIOS


Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC) 


Nos lábios o som uníssono

da dor teatral e o gesto

de defesa no grito expandido

em palavras sem salvação



nos lábios o prazer da voz

tempestuosa alardeia o sentido

no instante em que acredita

no que diz e se satisfaz 



nos lábios a certeza da ideia feita

palavra e a corrente se apresenta

como verdade: espanto.




REPETIR



Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)



Repito o tempo

lenta hora

esperada




aguardo o ponteiro

em movimento

reparo o tormento

incorporo a máscara

macabra: o ponteiro

ceifa a hora



vou embora

sem olhar à frente



tantos caminhos dementes

passos rápidos sobre a grama

o ponteiro estático e errante

pergunta sobre o instante.




ANTES DO FIM...



Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Meu sinhô..
A colheita foi boa!
Este ano… Este século...
Para o meu sinhô!

Tudo vai bem!

***

Meu sinhô...

Alguns negros forros!

Outros negros ficaram.

Alguns negros partiram,

Já outras negras pariram...

Muitos outros negros!

***

Contudo para o meu sinhô!

Tudo vai bem...

Mas a correntes enferrujaram.


Samuel da Costa é poeta em Itajaí SC

RE-LEITURAS NA PÓS-MODERNIDADE FLUIDA




Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Um monge budista

Pega fogo em praça pública

E o mundo arde em chamas

Mais uma vez

***

Milicianos fortemente armados

Adentram tranquilamente

Na favela

Enquanto uma mãe chora

Mas é um alto e forte alarido

Que ninguém quer ouvir

Que ninguém ouvirá

***

Um decrépito mendigo faminto

Pede uns trocados

Para quem passa

Na esquina de rua

No novo mundo

Enquanto a polícia desce o morro

De uma grande cidade

Sul Americana

***

Uma bela e jovem meretriz

Parada na esquina

De um bairro periférico

Decidiu de última hora

Fazer um bom desconto

Possivelmente se agradou

Do novo cliente

Jovem e de poucos recursos

***

Um pastor abre aos braços

No púlpito em regozijo

Prega de olhos fechados

Mais algumas boas ofertas

Para o bom Deus que tudo vê

Que tudo ouve

***

Enquanto o mundo gira

E nada acontece

Nada muda



A PRIMAVERA SEM O PRESIDENTE



 Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)


             (Para Luiz Inácio Lula da Silva)

                        Aqui a Primavera já vai adiantada; já passamos Finados com suas tantas braçadas de flores e o meu entorno é como um poema romântico, tantas são as cores, os pios, os encantamentos dos morros próximos e do mar ali na frente. Escrevo na varanda, e fora dela há dois arbustos que eu imaginara parentes de uma planta que um dia conhecera com o nome de orelha d’ onça, e que deixei crescer porque queria saber de tudo o que havia neste terreno com a casinha vinda pela metade do ano como um presente de Natal. Aqueles arbustos cresceram e cresceram e passei a apostar na sua sombra para o verão, já esquecida das orelhas d’ onça, quando eles me fizeram essa surpresa que nunca acabo de curtir: seu florescimento em cachos profundamente azuis (ou roxos?), cachos de tantas flores que pesam e encurvam os caules grossos e fortes e que espantam pela sua quantidade e coloração magnífica, dessas coisas que são bem do trópico, e eles me lembram dos meus anseios de criança de muita leitura de um dia ir viver  nos trópicos, sem ter a consciência de que já estava neles, e que todos os abacaxis e canas de açúcar que rodeavam aquele meu começo de vida já eram produtos tropicais. Parentes, sim, das humildes orelhas d’ onça que conheci como habitantes de humildes brejos, esses arbustos aqui dominam a paisagem e a minha imaginação de primavera, e vivo de máquina fotográfica na mão, captando detalhes da goiabeira florescendo e das flores e frutos da pitangueira, quando não saio rua afora, a fotografar os amarelos, os azuis e brancos que estão por tudo, notadamente no pasto de vacas aqui bem perto, onde os cachorros gostam de correr e que, vez ou outra, é parte tomado pela maré cheia. Ah! E a maré, assim na Primavera, fazendo seu ciclo por conta da lua, subindo e descendo duas vezes a cada dia, e a lua a cruzar seu caminho pelo céu, a cada dia um pouco diferente, às vezes mais gorda, às vezes só um risquinho de luz, e tudo é tão intenso, tão vibrante que fica difícil entender como a gente suporta tanta beleza neste lugar único, e então eu penso nele, impedido de ver que lá fora todas essas coisas estão acontecendo.
              Sei que estás naquela cela estreita cuidando do meu futuro e do futuro de todos nós, meu querido Presidente, mas me dói muito estes mais de sete meses que estás lá, e sei, também, da tua fortaleza de inocente que te impede de esmorecer quando parece que todo o mundo está ruindo... E esta Primavera aqui no meu entorno, e tu a olhares para as paredes vazias e para um naco de céu fora do contexto, enquanto eu tenho toda esta abundância de belezas! Meu Presidente querido, o quanto, o quanto penso em ti e desejo que, além da justiça, possas ter a Primavera de volta... De uma certa forma, vivo um pouco por ti a cada dia, assim como tantos de nós também o fazem!
              Boa noite, Presidente Lula. Daqui deste meu cantinho, te sopro, com carinho, um sopro de Primavera.

              Sertão da Enseada de Brito, 10 de novembro de 2018.

(Sobre a autora: Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutora em Geografia) 


SER ESCRITOR


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

              A vida do escritor é uma coisa muito difícil e gratificante. Há aqueles períodos em que nada se consegue escrever, quando a sensibilidade fica embotada, a imaginação falha, o cérebro torna-se pequeno e opaco, e então a vida perde o colorido, o brilho, fica tão difícil viver! Não adianta ter tempo disponível, material de pesquisa à disposição, todas as facilidades do mundo, porque é época de não se escrever, e como é frustrante esse tempo!
              Mas depois vem o período em que a criatividade anda à solta, e então, como é bom! Não há momento em que a gente viva tão plenamente, tão intensamente quanto naquele momento em que, com uma caneta na mão, conquista-se o mundo, o universo todo, todos os sentimentos que as pessoas podem sentir, todas as situações possíveis. Ah! O milagre do desabrochar de uma ideia que vai transformar-se em um livro! É um universo todo novo que se descortina, e passar a ideia para o papel é como mergulhar de cabeça na doce loucura desse universo.
              E então a vida é gratificante, como é! Fica-se desejando que o tempo da criação nunca termine, para que seja mais fácil carregar o fardo de se ser um escritor, já que é um fardo do qual a gente não pode se desfazer. Afinal, as pessoas não escolhem ser escritoras – elas nascem escritoras!

              Escrito em 23.07.1985.