terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

PAIS E FILHOS, FILHOS E PAIS

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

“Quando é que os pais vão entender os filhos? Quando é que os filhos vão entender os pais?”

É assim que Moacyr Scliar entra na parte final de uma crônica intitulada Um filho e seu pai, que, ao ler, recordo-me de uma passagem da vida quando eu, com dez anos, fui apresentado não ao meu pai – que já o conhecia de várias ocasiões, mas ao pai que eu queria ser. A bem da verdade minto um pouco – só um pouquinho – porque, embora já havia tido tantas mostras do herói que meu pai sempre foi e ainda é, mesmo eu hoje com os meus 49 anos de idade, foi lá naquela manhã quando, absolutamente atormentado por uma prova de ciências que estava prestes a fazer, tive a alma completamente arrebatada ao olhar para aquele homem de semblante tranquilo e assovio afinado, sua marca registrada ao se fazer presente, enquanto me levava para a escola em passos lentos antes mesmo de ir para o trabalho.

           

Voltando um pouco, acordei com aquela vontade de fazer os ponteiros do relógio regressarem para não encarar a dura realidade de ir para a escola, ainda mais em dia de prova. A disciplina já é sabida: Ciências. Qual a matéria? Corpo humano, ou, para ser mais exato, o esqueleto humano. Havia passado o dia anterior em cima dos cadernos tentando decorar os mais de 200 ossos que o constitui, sem me esquecer das extremidades de cima com seus trapézios, trapezoides, capitatos, hamatos e uma série de nomes para mim mais úteis nas histórias espaciais que eu inventava com os meus bonequinhos Playmobil.

Como sempre, o meu pai precisou chamar várias vezes para eu levantar, enquanto passava o café. Minha mãe, cúmplice daqueles momentos, me vestia ainda na cama e, uma vez de pé, não havia mais jeito: era ir ao banheiro e de lá me dirigir à mesa, onde já estavam os meus irmãos em conversas animadas — às vezes nem sempre — contrapondo comigo ao viver, calado e acabrunhado, meu pesadelo de Lucy, o esqueleto mais antigo já encontrado no mundo, estima-se que da espécie Australopithecus afarensis que viveu há 3,2 milhões de anos.

Eu praticamente nem prestava atenção no que comia. Meu pensamento saia do cérebro e descia pelo tubo anelar da traqueia, passando pelo esôfago e chegando aos intestinos grosso e delgado, quase me fazendo arrevessar, para dizer uma palavra mais apropriada para a ocasião em que eu me encontrava à mesa do café.

Mas não se iludam! Essas palavras difíceis nem em sonho eu as tinha em minha mente e nem seria capaz de pronunciá-las à época. A propósito, esse era o problema: eu não sabia nada. O dia anterior havia sido um desastre em minhas tentativas infrutíferas de decorar o esqueleto humano, a sua função e para que servia cada coisa, inclusive ossinho por ossinho. E ainda tinha que lembrar a professora dizendo que não podíamos decorar, era preciso saber… Francamente!

Terminado o café que eu mal havia começado – sem que minha mãe amorosamente repreendesse e emendava um “não deixe de merendar no recreio, hein!”, lá fui eu mochila às costas na companhia do meu pai que a essa altura já detinha todo o conhecimento do que me afligia. E foi aí que começou toda a sua destreza que fazem dos pais seres especiais, sem esforço e alteração e muito menos broncas e sermões.

— Por que está tão preocupado com a prova? – foi a pergunta que eu mal podia acreditar e cuja resposta era óbvia:

— Ora, pai! Porque eu não sei nada!

— Mas você não estudou?

— Estudei, né pai! Mas é muito osso e muita função. É tanta coisa que tem dentro da gente…

— Bom, meu filho, se você estudou você bem sabe, por exemplo, que o maior osso do corpo humano é o estribo, e…

— Que isso, pai? O senhor está louco?! Se eu escrevo isso na prova aí é que eu tiro zero mesmo! Esse é o menor e não o maior. O maior é o fêmur, que é responsável por formar a coxa. O estribo é esse ossinho aqui que fica na nossa orelha.

— Ah, sim… Eu me enganei. Bem, mas se cair na prova qual é o mineral presente nos ossos aí você sabe que é o cloro, não é?

— Pai do céu!! Que cloro que nada! É o cálcio. E o esqueleto humano junto com os dentes possuem 99% dele. Isso eu sei porque só faltou 1% pra chegar em cem. Aí não dá pra esquecer.

— Hummm…. Você foi bem inteligente… Então também não dá pra esquecer que o osso mais forte que nós temos é o osso da mão, porque a gente usa pra apertar as coisas.

— Ai, ai, ai, pai… O senhor é maluco mesmo! Ainda bem que não vai fazer a prova no meu lugar! A nossa mão não tem um osso só, tem vários, e são divididos em carpo, metacarpo  e falange. Além do mais o osso mais forte é o da mandíbula que serve pra mastigar as coisas. Desse jeito o senhor nem deve saber que ele é o único osso móvel do crânio.

— É mesmo? Puxa, não sabia…

E assim foi durante todo o trajeto de casa até a escola, com meu pai falando tudo ao contrário do que eu tinha lido nos livros e no caderno e eu consertando sem deixar de lado aquele mau humor de quem não sabia nada para fazer uma prova.

Ao chegar ao portão da escola, meu pai me deu um abraço, um beijo e desejou boa sorte na prova. Fui o observando indo embora em seu passo calmo e assovio afinado, já desconfiado de que algo muito importante havia acontecido. Eu que cheguei a pensar que o meu pai não estava a me ajudar em nada, ao receber a prova, vi que estavam ali em forma de perguntas exatamente toda a conversa que eu acabara de ter com ele. Até parece que ele havia lido o meu caderno! Será?… Fui respondendo uma a uma às questões, e quando a professora no mesmo dia entregou o resultado da prova, estava lá um 10 e abaixo dele escrito “Parabéns, você arrasou!”.

Saí da escola todo contente e fui pulando para a casa numa felicidade nada clandestina, como disse Clarice Lispector em uma de suas mais belas crônicas. A minha era evidente. Esperei ansiosamente a chegada do meu pai que reconheci pelo assovio. Entreguei a ele a prova, que apenas disse com o semblante bem de pai:

— Você é inteligente! E eu achando que eu sabia tudo…

Pois é, foi assim que eu aprendi uma das maiores lições da minha vida que nada tem a ver com ciências, mas sim, como eu disse, em ser apresentado ao pai que um dia eu queria me tornar.

Tem apenas duas coisas nessa história que eu preciso destacar: entre acertos e erros eu estava errado, muito errado em achar que o meu pai não havia me ajudado em nada, mas, mais errado do que eu estava a professora…

Não, Dona Marieta! Quem arrasou foi o meu pai.

HOLOCAUSTO

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

Corpos nus perfilados

Tristeza estampada

Da última viagem,

Imputada pelos canibais.

 

A cruz marcada pela suástica

Olhos manchados de pus

Segue adiante no seu passeio.

 

Na viagem sem volta

Aceitamos o destino impassível

Resignado com o alto comando

Numa ordem sepulcral.

 

O tempo marca os corpos

O Holocausto no claustro,

Numa dor e lamento

De um sofrimento

Que nunca mais vai terminar...

QUANDO TUDO TERMINAR (PRIMEIRA PARTE)

 

Quando tudo terminar

Primeira parte

Ah se o tempo pairasse

Então nada seria como antes

Já não te deixaria, jogada entre as feras

Desprotegida & sozinha

Então toda a minha existência

Justificar-se-ia & então eu me perderia

Na imensidão dos teus olhos

De um verde tão intenso

E eu saberia

Com toda a certeza que já não posso viver

Sem você...

Sem tua doce presença na minha vida.

 

Otto Meisel sempre preferiu viver em regiões fronteiriças, vivia como seus antepassados, que sempre viveram assim. O clã, a qual Meisel pertencia, vivia e morria, entre a legalidade e a ilegalidade, entre um oceano e outro, entre uma nação e outra, entre uma guerra e outra, entre um continente e outro. Em uma marcha sem fim, indo e vindo ao sabor das conveniências da ocasião. Viviam e morriam entre: lealdades e traições, migrações e imigrações forçadas e voluntárias. E o teuto tomou para si esse peculiar legado familiar. Por isso escolheu para viver na cidade portuária e seus inúmeros e infindáveis vai e vem de navios, caminhões, contêineres, mercadorias legais e ilegais e gente de todos os naipes, de os matizes, estirpes, raças, índoles e credos. E para morar, escolheu um bairro que não se decidia se queria ser uma zona rural ou urbana, com olarias, que importunavam a todos com seus fornos arcaicos enfumaçados. Bairro cortado por uma movimentada rodovia que ligava o litoral informal, sazonal e quente com o vale europeu frio, sisudo e formal.

Otto foi encontrar trabalho um pouco longe dali, no Bar-café Garibaldi, que se localizava próximo à orla da praia, na via de acesso rápido entre cidades. Otto também dividia a vida em duas partes distintas e bem demarcadas, uma clandestina de noite e uma aparentemente normal e de dia. Viver entre os mais variados riscos e desventuras da fronteira da ilegalidade com a legalidade. O ar puro da orla da beira-mar de dia, o clima carregado da noite da beira do cais e por fim entre traições e lealdades, o clima ameno do bairro semirrural e o clima soturno e viciado da zona portuária. Um equilíbrio que nem sempre repousava nas mãos de Otto. Os choques entre mundos eram inevitáveis, constantes e cada vez mais violentos e cada mundo lhe cobraria, à sua maneira, seu preço e uma definição em definitivo. 

 

***

 

O aroma de alfazemas pairava no ar, e se misturava com a música romântica francesa antiga. A luz vermelha, que vinha do abajur ao lado da cama, deixou o quarto à meia luz. As roupas espalhadas por toda à parte compunham o ambiente. Para os dois amantes não havia nada para se dizer, pois, o silêncio já dizia tudo, e falava bem alto por si. E abraçados na cama, ficaram por mais uns alguns instantes, além do habitual, mas parecia uma eternidade para ambos.  Agnes bem sabia que aquilo não poderia durar por muito tempo. Otto, também, sabia que as coisas não poderiam ficar no pé em que estavam. Ele queria dizer alguma coisa, mas lhe faltavam as palavras certas, elas nasciam e morriam de forma rápida na mente dele. Agnes nem sequer deixou espaços para tais coisas nos últimos dias. Não poderia, pois como uma boa profissional que era, tinha decidido por fim nessa história de uma vez por todas. Conhecia Otto o suficiente para tanto, e daria um golpe abaixo da cintura, à hora tinha que ser naquele momento exato. Agnes aproveitou o momento em que Otto estava fragilizado, cheio de culpas e remorsos.  

Amanhã mesmo, quando raiar o dia, apareço no teu trabalho, e tu vai me preparar um senhor café da manhã, seu canalha, aproveitador miserável, seu desgraçado maldito. Vou querer ser servida por pelo teu amiguinho muito especial. Que tal, torradas e chá com conhaque canadense de sete anos? E pra Cigana, pão-de-mel e café morno sem açúcar, um limão cortado no meio e dois saquinhos de adoçante cristalizado importado, e tu vai me servir, mais ninguém.           

 Não era do perfil de Agnes se portar daquela maneira grosseira com os seus clientes. Nem com os habituais, nem tão pouco com os ocasionais, mas aquilo tinha que ter um fim em absoluto. E não poderia ficar de pé uma centelha sequer, da relação que estava construindo com Otto, aquela relação era bem ruim para ambos. Agnes sabia da realidade em que vivia e não queria aquela ilusão para si, era pragmática demais para isso. 

Se tu, fizer isto sua puta desgraçada, maldita! Te mato... sabes que a minha mulher trabalha comigo? Não sabes? – Esbravejou Otto, sem soltar Agnes dos braços, ainda abraçava com terno carinho, apesar do tom de voz áspero e as duras palavras que lhe proferia. 

Não! Não eu sabia! – A voz dela soou com um lamento sincero e como um pedido de desculpas, apesar da mentira que acabara de dizer.

Pois agora tu sabes, te mato, se pôr os pés por lá, te mato, tu e aquela tua amiga ordinária!Retrucou o teuto, com todo o ódio do mundo, sem olhar nos olhos dela.

Enquanto isso, lá fora, a noite estava se despedindo, e o dia com as suas múltiplas possibilidades, vinha para expulsar Agnes da vida de Otto e Otto da cama de Agnes. Só que dessa vez era para sempre, pelo menos era o que ambos imaginavam.  

 

Samuel da Costa é contista e poeta em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

IDENTIDADE ROUBADA

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Minha avó Clementina, filha de escravos, sabia a bíblia toda, podia perguntar para ela qualquer trecho que ela saberia dizer. Mesmo não sabendo ler ela tinha esse conhecimento. Herança da escravidão.

No período escravocrata as negras e os negros tinham a sua identidade e cultura religiosa roubadas. Os negros e as negras pela igreja católica eram obrigados abandonar tudo aquilo que acreditavam. Boa parte da igreja católica naquele período era a favor da escravidão de africanos como uma necessidade para o crescimento do Brasil e também a evangelização.

Mas a igreja católica, também tinha a prática da assimilação da consciência escrava dos negros e negras, o seu objetivo era fazer com que eles aceitassem a situação forçosa pelo seu senhor. Obedecer era a palavra-chave, ou seja, fazendo dos escravos e escravas cristãos e cristãs para exercerem a liberdade de obediência.

Uma das maiores crueldades da opressão foi o roubo da identidade própria dos escravizados. O povo negro tem a sua identidade roubada por séculos de escravidão. Por consequência muitos negros e negras perderam as ruas raízes, as suas origens e não se identificam como negros.

 

Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

 

CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

 

Por Fabiane Braga Lima e Samuel da Costa

 

No ônibus que pego para ir ao serviço vejo sempre uma catadora de materiais recicláveis, e percebo que ninguém se senta perto dela. Há um certo descaso, um nojo repulsivo com aquela mulher!

Certo dia, resolvi segui-la pelas ruas, então ela pegou a sua carroça, fez as suas orações, entrou em alguns comércios, pediu licença e recebeu alguns recicláveis e foi catar algumas latinhas.  O dono de um restaurante reclamou e agressivo disse: — Basta! Suma daqui! Agora não volte mais.

E assim foi sua rotina da pobre mulher, ao anoitecer vai embora, ela passou em supermercado e comprou leite e pão para a família.

Ao sair do mercado, eu ofereci alguma ajuda, ela desconfiou de mim por alguns segundos. Ela ser consciente de quem é a onde está me ponderou sobre o fato do veto do governo ao auxílio emergencial neste tempo de pandemia da Covid-19. Ato que atingiu os mais pobres e principalmente os catadores de materiais recicláveis!

Perguntei se era casada! Ela entre olhos rasos d’água me disse: — Meu marido teve que amputar as pernas. Ela parecia uma senhora bem velha, mas ainda era jovem.

Historicamente, não existe ajuda do poder público para os mais pobres, e precisamos ser solidários e ajudá-los, juntando materiais recicláveis, sendo mais tolerantes.

Termino este relato com a fala da jovem senhora muito sofrida, que me olhando nos meus olhos me disse: —Eu espero ver dias melhores

Nos despedimos e ela foi embora sorrindo, mas chorando por dentro, pois seus filhos estavam esperando por ela, estavam esperando por comida...!

 

 

Texto, argumento e enredo de Fabiane Braga Lima de Rio claro, São Paulo.

Texto e revisão de Samuel da Costa de Itajaí, Santa Catarina.  

 

ESPORTE É VIDA!

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

 

O esporte é liberdade 

De qualquer sorte

Emana felicidade,

Basta qualquer idade

A gente pula e grita 

De verdade.

 

O mundo agita

Vem a  rivalidade

A superação sadia

Na conquista, mocidade.

 

A vida está no esporte

Não tem azar, nem sorte

Quando a gente se agita

Vem o ganho, estabilidade...

A interação intensa

Na profunda realidade.

PARA ESCREVER É PRECISO TER MUITA DEDICAÇÃO...

 Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro,SP)

 

A primeira coisa que devemos é aprisionar nosso coração, só então, usar a imaginação. Todas as poesias, poemas ou textos que criamos têm um pouco do nosso íntimo, de amores do passado, ou até mesmo do presente. O amor não precisa ser eterno e nem perfeito, o amor se constrói dia a dia. O amor é querer bem, pois quem ama sempre está presente no nosso dia a dia...

Mas a história muda em fração de segundos, e quando nos damos conta, viramos reféns do nosso inconsciente, tudo para fugir de uma realidade às vezes árdua. Naufragamos nos nossos inconsciente e subconsciente e cada vez mais nos torturamos. Simplesmente deixamos de existir e nos tornamos apenas personagens das nossas próprias histórias.

Há algo que nos vicia nos nossos inconsciente e subconsciente chega ser incógnito, somos sugados da realidade. Não! A imaginação não nos torna reféns. Precisamos viver, acreditar que ainda vale a pena amar, sonhar ou até mesmo imaginar.

Devemos pensar nitidamente, ou tornarmo-nos conscientes, ou o inconsciente nos mata lentamente...! Nos mata em vida!

 

Fabiane Braga Lima é poetisa e cronista em Rio Claro, SP.

Contato: bragalimafabiane@gmail.com

 

EM PERPÉTUOS CICLOS

 

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Em memória de João Carlos Pereira

 

‘’Eu prefiro as certezas do sim!

 Do que a incertezas do talvez.’’

Clarisse da Costa

 

            Uma vaga leve fragrância de flor de laranja alternado por um forte olor almiscarado estava suspenso no ar. Uma explosão de fortes e vívidas cores irritou muito o agente de segurança que vagava pelo salão. O vai e vem de gente negra, de vários tons de pele escura, pulseiras reluzentes, enormes brincos, lenços na cabeça, turbantes variados e as roupas berrantes e chamativas.

E o som baixo e discreto de eufônicas de variadas línguas estrangeiras que se lançavam no ar e intercambiavam entre as pessoas que ocupavam os espaços como se fosse uma perfeita sinfonia. O agente de segurança de idade avançada sentiu um frio na espinha como nunca tinha sentido antes.

***

            — Aquieto-me para recomeçar um novo ciclo professor Muteia. O texto quase parece com o de uma falecida autora. Mas a obra é minha com toda a certeza! — O rascunho estava na mesa, Adérito Muteia relutava em pegar o manuscrito para ler. O literato africano já tinha recebido uma cópia em mídia digital. Mas algo gritava dentro dele e de forma desesperada.

            — Minha querida Fabiana de Lima, não creio que posso satisfazer os anseios de vossa senhoria no momento.

            O palavrório afetado, com leve sotaque luso, irritou a jovial loura, vestida sobriamente como uma aluna de pós-graduação a apresentar uma tese, com seu tailleur Chanel azul limão. Os olhos castanhos em chamas dela cravaram profundamente em Muteia, o africano devolveu semicerrando os olhos negros profundos. Seria uma reunião e tanto pensou Muteia àquela hora.

            O agente de segurança passou ao lado de onde Fabiana e Muteia foram se alojar. O homem da lei, muito idoso para um agente de campo, parou e se voltou de forma abrupta para o casal.  Mil vozes mínimas em desesperos urraram dentre dele, o casal impassível sequer deu pela existência do homem idoso impecavelmente vestido que andava com a ajuda de uma bengala e de óculos escuros. Cansado o homem sai da sala onde estava, saí como quem foge para salvar a vida cambaleando e lânguido. 

            — Então irá fazer mudanças no texto? Olha o miúda, eu não tenho muito tempo para aspirantes a escritores, és ambiciosa demais e não creio que...

            — Balela professor Muteia! — Falou em tom de desafio — Não vim de tão longe para ter a sua aprovação pessoal!

            — Não me interrompa de novo miúda! Não vou e não quero te dar aprovação alguma, não é este o meu papel!

Muteia estava falando com a jovem adulta na frente dele como se estivesse de novo em campo de batalha. O adido militar já tinha visto isto antes, bem falantes e corajosos jovens combatentes recém saídos de treinamento apressados, em desespero eles choraram e se esconderam quando os combates começavam de fato. 

             — Não quero ser grosseira professor, me desculpe, eu só vim de muito longe e quero ser publicada, eu quero ser mais útil!

            Muteia sentiu um zumbido que crescia e crescia, um drone pensou, dois drones na verdade calculou o professor africano. E o literato ficou mais relaxado e pensou em um charuto, sentia a necessidade de um charuto a bem da verdade.       

          E não demorou muito um jovem secretário indiano bem alinhado veio com uma bandeja de madeira com as bordas artesanalmente decoradas. Nela uma caixa de charutos pintada a mão e de copo de cristal decorado, nela havia chá de lima-da-pérsia gelado. O jovem de cabelos negros e olhos negros vivazes serviu o casal e desapareceu tão rápido quanto chegou. 

            — Miúda não somente querer, pensar ou mesmo desejar! Na verdade, é tudo isto junto temperado com as a casualidades que a vida nos impõe! E temos que viver e conviver não somente com as nossas escolhas, mas também com as escolhas alheias.

            O zumbido ficou mais alto, e o literato esperou e esperou enquanto pegou o cortador de charutos Don Emmanuel e o isqueiro à querosene com tanque de óleo transparente. O professor, literato e adido militar preparou e acendeu o charuto cubano que tinha levado à boca e deu uma demorada baforada.

            A jovem escritora levantou a mão fechada em punho na frente do Muteia, abriu e fechou! O drone parado a poucos metros dos dois se esmigalhou e caiu no meio da rua, caiu na calçada e não atingiu ninguém. Muteia dá uma segunda baforada seguida de um discreto sorriso de marfim e bate palmas.

            — Jovem e impulsiva! E nada discreta pelo que vejo!

            O segundo drone parado a quilômetros de distância caiu lentamente, foi para em uma mata fechada do que seria um jardim de uma luxuosa casa abandonada. Muteia, muito cansara em dar aulas para estes jovens impulsivos. 

            — Vamos ver com mais cuidado o que temos aqui. — Muteia pegou o manuscrito em cima da mesa e leu: Eu falo entre estátuas!

Samuel da Costa é contista, cronista e funcionário público em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

ALÉM DE MIM

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


Já me desmontei

Em tantos sorrisos,

Nos brilhos dos olhos

Que pareciam dizer algo…

Já fui além de mim

E atravessei o muro do medo,

Me arrisquei, amei, me doei.

Eu tinha um novo mundo

Diante do meu ser

Tão sem expectativa,

Hospedeiro da realidade.

É incrível como as coisas acontecem!

A gente toma decisões

E algumas coisas no meio do caminho

Mudam.

São como flores, novas cores,

Um novo florescer…

E a vida… essa trata de seguir o seu caminho.



Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, SC.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

FRAGMENTOS DE UM DIÁRIO

 Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)


Batom vermelho....

 

As horas passam devagar, não vejo a hora de chegar à madrugada, existe um silêncio excitante na madrugada.  Na madrugada que me sinto graciosa, me olho no espelho, pode até soar estranho, mas passo um batom vermelho, e me sinto bem......

Renovo-me, sou outra pessoa, alegre e grata por estar bem comigo mesma! Leio meu livro, mas de repente, ouço vozes que saem do meu inconsciente. Tenho a mente acelerada, geralmente ando em círculos... Logo depois, aquieto-me!

Cansei de ler e escrever mentira... Às vezes eu penso: — “Se todos nós tivéssemos chance, aliás tempo para ler e escrever, nosso país seria bem diferente, não haveria tanta ganância e mentira.

Se todos nós tivéssemos chance de conhecer a história da vida da mulher negra e periférica a escritora Carolina Maria de Jesus, existiria mais valor nos estudos. Silencio-me, vou retocar meu batom vermelho! Logo depois, quero ler “Quarto de Despejo” de Carolina de Jesus, livro que recomendo.

 

Sinto saudade

         Partiu e me deixou sozinha, com meus demônios. Hoje, procuro os teus rastros, seu cheiro que impregna, mas não te acho. Encontro-me no escuro com minhas mãos suadas de medo, meu riso falso, nesta melancolia indesejada. E, eu sei, gritar de nada me adiantara, é melhor assim.

          Mas o meu corpo, ainda senti o calor do teu corpo, entrelaçou junto ao teu, despiu minh’alma, tatuou-me. Estou no escuro, não te vejo, e os dias parecem noites, pesadelos e constantes. Deixarei a minha porta aberta e se um dia quiseres voltar…. Talvez, o nosso destino será outro, e se não for, se lembre a saudade vai me cegar de tanto: — Amor! Deixarei a porta aberta.

 

Pássaros engaiolados

 

Repugnante todos os homens que prendem pássaros. Repugnante, pois não conhecem o que é liberdade e o que é ser livre, são sozinhos e continuaram presos gravemente servos de uma sociedade racista, xenofóbica e opressora.

Esqueceram das suas crianças interiores, feridos por uma sociedade mesquinha, complexa e por um ensino sem nenhum conteúdo, nos quais são vítimas. Filhos de pais geralmente rígidos, para não se dizer indolentes, tornam- se cada vez mais inertes com baixa estima, com mentes travadas, sem nenhuma possibilidade de se adaptar a uma sociedade digna.

E é aí que mora o perigo, engaiolados, sem nenhuma leitura de conteúdo, aprendem a odiar o próximo, e isso passa de geração a geração. Pássaros sem liberdade, servos da maldade, feridos, sem asas que lentamente padecem. Há quem diga que o perigo é da sociedade, da escola e do professor infelizmente... Pássaros engaiolados, e mentes aniquiladas.

 

 

Fabiane Braga Lima é poetisa em Rio Claro, SP.

Contato: bragalimafabiane@gmail.com

 

SIDERAÇÕES À MEIA-LUZ

 

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

‘’Eu nem imaginava que

Eu fazia parte das tuas fantasias,

Das tuas noites em claro

Onde a excitação

Toma parte do seu corpo.’’

Clarisse da Costa

 

Em algum lugar...

Repousa o meu coração partido

Chego a ter pena dele!

Pois não sabe como separar,

A minha vida da tua vida!

***

Mas como separar...

A realidade liquefeita?

Do quimérico mundo encantado de sonhos...

Que é estar sempre ao lado teu?

De forma tão clara...

Tão simples e tão hialina.

Sem quaisquer atropelos...

Ou mesmo múltiplos excessos?

***

Em algum desértico lugar

Adormece devastado

O meu despedaçado coração partido

 

 

Samuel da Costa é poeta em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

 

O DERRADEIRO FIM...

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Para o poeta João da Cruz e Sousa

 

A caminho do martírio

Ninguém ouviu os teus gritos

De dor

Muito menos

Os teus álgidos prantos...

***

No lago o Cisne Negro

E as límpidas águas

Cristalinas...

***

No céu: as nuvens brancas

Os astros-mortos... A alabastrina lua...

E as distantes estrelas

***

Na terra: os lamentos

Os gritos de infindas dores

O martírio... Do negro

Do pobre

Do nefelibata

Do trabalhador

 

 

Samuel da Costa é poeta em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

  


CABÍSTICA

 

Cabística

Para a poetisa Fabiane Braga Lima

 

‘’Deixa sucumbir seus desejos.

Vestido de matéria,

Despido de espiritualidade,

Morre na sua falta de amor.’’

Clarisse da Costa

 

Oh sereia dos mares, dos rios

E dos lagos...

Docíssima serpente...

A banhar-se

E a mirar-se nas águas.

Vem me seduzir!

Embair-me!

***

Oh, Quianda sagrada!

Quero naufragar

E morrer em teus braços!

***

No pelágio mais profundo

Eu quero evanescer

Sucumbir e morrer ao lado teu...

Ouvir os teus cânticos

Mais profanos...

Viver e morrer nos braços teus...


Samuel da Costa é poeta em Itajaí, SC.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

FABIANE BRAGA LIMA EM VERSOS E PROSAS

 Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

 

Apenas uma mulher

      Cheguei numa fase da vida que me sinto privilegiada.... Sabe, aquela fase, onde desatamos o que prendia nós a tantas futilidades. Faço o que gosto, sem pressa e sem precisar agradar ninguém. Porque no fim, sempre acabamos sozinhos(as).

            Como é bom acordar bem-humorada! Não, com o semblante triste, envergonhada por absorver tantos desprezos, e muitas vezes sermos chamadas de louca, ou mesmo vadia. Sinceramente, eu não me importo mais, não sou uma princesa e nem pretendo ser.

Sou apenas uma mulher, na qual quebra tabus, nada santa! Tenho paixão pela escrita de vários gêneros, posso ser pura e impura, depende do dia. Não sou de dar indiretas, sou direta. E hoje, no presente momento, posso dizer, pelo menos para mim mesma, que cresci psicologicamente.

Gosto de pessoas com os espíritos livres, mas nem sempre fui assim, me prendia muito ao passado. Hoje sou errante, não tenho destino. Hoje o vento me guia. Sofri muito no passado, mas cá entre nós, o que o passado nos reserva!?  Nada, pois passado é apenas passado. Exceto que ficam lembranças boas e ainda dói muito. E como dói! Mas a vida segue, somos instantes.

Quantas vezes eu chorei por amores passageiros. Hoje, me restou o presente, onde me enxergo uma mulher, com rugas em volta dos olhos, alguns cabelos brancos, um corpão excitado, sonhadora, e ao mesmo tempo realista.

São tempos sombrios de amores líquidos, fuja! Lute, lute muito, tenha sempre expectativa na vida, mas se coloque em primeiro lugar... Se priorize, quebre tabus, e amor-próprio sempre. Converse com o espelho e diga: — Mulher, como você é linda, tão pura e impura! Santa!? Só você pode responder...!

 

Educação fantasma

 

Escrevo, porque sinto saudade de uma época,

Onde havia uma educação,

Onde professor era mestre e tinha seu valor.

Escrevo, porque ainda tenho esperança!

Não escrevo para elevar meu ego,

Nem por vaidade, não acredito em contos de fadas,

Nem em falsas expectativas conheço meu país.

Perdemos nosso valor...

Escrevo, porque tenho esperança de um país melhor,

ou usamos a mente, ou a mente acaba conosco...!

 

 

Palavras aos ventos solares: as minhas breves prosas

 

Calma

 

            Calma, as dificuldades fazem parte do processo. E quanto mais prazeroso o resultado almejado, mais obstáculos enfrentaremos na vida. Mas aguentamos e nos seguramos firme na ideia de que tudo vai sair conforme o planejado, mas muitas das vezes não vai.

Que tudo vai fluir perfeitamente, sem deslizes, mas realmente não será sempre assim. Mas não são estes contratempos que farão com que esse objetivo perca sua graça, sabe por quê?

Simplesmente pelo fato de que são as fases mais difíceis que aumentam a glória de uma vitória, que geralmente é reconhecida quando os olhos se enchem de brilho, a boca fechada dá espaço aos dentes de um sorriso aberto, seguido pela frase "eu consegui".

E se você hoje busca aprender um pouco de filosofia e aplicá-la em seu dia a dia, você entenderá que nossos esforços são mais do que necessários, mas é o tempo que finalizará a obra.

Então calma, a dificuldade faz parte do processo, sempre te amei... Sempre te amei, mas nunca consegui te encontrar, mesmo procurando. De longe teu cheiro impregnava-me. Em teus beijos, teu corpo, enlouquecia-me, sem ao menos tocá-lo.

            Cética, sempre fugia, mas fiz de ti minha a poesia. E, a cada dia que se passava, perdia-me, num infinito labirinto, cheio de sonhos indizíveis. Não satisfeita de apenas sentir... Tudo se fez dor. Após anos, cresci e amadureci.

Hoje, em silêncio, consegui traduzir: “O amor é como vento, não posso vê-lo, mas posso sentir”.

 

 

ESPERANÇA

Esperança de dias melhores, foi o que me fez prosseguir. Esperança de continuar, mesmo sozinha, mesmo com o mar em fúria.

Ah! Com tenho esperança de acordar e poder sorrir, mesmo em tempos cólera, onde muitos perderão a motivação. Mas ainda vejo razão de sair da escuridão.

Acreditar, sempre me faz sempre prosseguir, mesmo quando muitos me disseram não, dei voz a minha paixão pela escrita.  Com o coração, muitas das vezes machucado, por tantas e tantas traições eu costurei-o. Mas nunca desisti, apenas moldei a dor, transformando- a em amor...!

 

 

Valorize- se

Quando aprendemos a nos valorizar…. Fazemos de nossa companhia, nossa própria prioridade, e isso ótimo. Tudo se torna mais leve, sem bagagens pesadas… passamos a sentir orgulho de nós mesmos, dia a dia. Experimente olhar no espelho e dizer: — “Eu tenho orgulho do que sou hoje”. Vivemos em época de liquefeita.

Valorize- se!

 

 

Atemporal....

De repente, calada ouvia ecos, ecos e mais nada. E eu, que sou tão barulhenta, pareço um moribundo amedrontado... Posso notar pela retina dos meus olhos, que estão dilatadas.

Cesso a vontade de gritar, rasgar a alma, mas não me entrego, não, não é orgulho, é meu inconsciente dizendo: — Prossiga. A esperança há de surgir, persisto, lúcida ou não, atemporal...!

 

Nosso grito

Mesmo com o coração machucado, escrevo, escrevo porque preciso nutrir minh’alma. Aliás, se eu não mostrar um pouco do que eu sei sobre literatura, o que será dos meus filhos e netos!? É o nosso mundo, nosso alimento pr’a alma, é o nosso grito…!

______Nosso grito

 

Um anjo em meio ao caos....

 

A garota olhou aquele senhor tristonho, sentado numa praça. Estava longe, mas arriscou, notou seus olhos já cansados, sem vida... A garota audaciosa, logo chegou e o perguntou:

— Por que chora senhor?

— Não, eu não estou chorando….

Então ele pegou seu braço, e começou a dançar, logo depois ele sorriu!

Dançam na chuva, sem se importar com o caos. A felicidade nos olhos daquele senhor, brilhou novamente.

E a criança perdida voltou, mas quando abriu os olhos, não a viu a criança havia sumido… Tempos depois, descobriu que o inevitável era um Anjo. No qual fez despertar a criança escondida durante anos dentro de si, e assim lacrimejou de felicidade...!  "Era um anjo"

 

 

A mais bela poesia

 

Páginas minha escrita sem nexo, hoje gritam

Há uma certa repetição de palavras

Poemas incoerentes, sem lucidez...

Palavras aglomeradas, infindas e rimadas.

Leio um livro, talvez tenha inspiração

Mas, a saudade me faz companhia

Sempre presente, me faz melancólica

Onde se esconde...!? Não lhe vejo!

Leal e afável. De repente me deixou...

Palavras belas, tua essência incógnita 

Formoso, não sei!  Vasto de encanto...

Tento te decifra, mas não consigo, não lhe ouço

Preciso recomeçar, viver. Largo tua mão!

Cativou-me, seremos a mais bela de todas as poesias...