segunda-feira, 2 de março de 2015

A VOZ DO AUTOR: VÂNIA MOREIRA DINIZ

Conversando com Deus (Vânia Moreira Diniz, Brasília, DF)



Como Te Pressinto (Vânia Moreira Diniz, Brasília, DF)




Vânia Moreira Diniz, poetisa, escritora, presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal - ALB/DF


DESEJO (POEMA CANTADO)

Poema: Paccelli M. Zahler
Arranjos e interpretação: Anand Rao

TEMPO (POEMA CANTADO)

Poema: Paccelli M. Zahler
Arranjos e interpretação: Anand Rao

UMA CANTIGA SÓ (MEMÓRIAS DE CORA)

Por Marcos Leonardo de Souza (Anápolis, GO)

Uma cantiga só
Faz me deitar ao pó
Torno a ser criança
Renova minha esperança
Uma cantiga só
Cantiga de ninar
Cantiga de amor
Cantiga pra sonhar
Uma cantiga só
Lembranças que me dão um nó 
Aquela casinha da ponte
Retratam meu horizonte

Uma cantiga só
De doceira, lavadeira
Breve vida passageira
Bela vida traiçoeira

Uma cantiga só
De Vila boa de Goiás
Dos canaviais, dos cafezais
Dos becos e dos quintais



PEÃO VERDADEIRO

Por Marcos L. Souza (Anápolis, GO)


Logo cedo quando me preparo pra lida
Coloco no embornal o cafezinho e a marmita
Vida de Peão não é brincadeira
Mais já me acostumei com o sobe e o desce da ladeira

Levo comigo meu laço de três dobras
Um par de esporas nas botas
Um chapéu panamá na cabeça
E a minha fé pra que eu nunca me esqueça

Debaixo de Sol ou debaixo de Chuva
Não tenho preguiça de trabalhar
Lido com a roça e com a reis astuta
Eu me sinto feliz, aqui é meu lugar

Volto da lida com a poeira no rosto
Mais com a alma lavada e sem nenhum desgosto
Se me perguntam como é minha vida de Peão
Respondo orgulhoso e sem medo
É minha verdadeira paixão








OBJEÇÃO

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Objetivo saber
              sobre
              o tanto perguntado. Ergo
              a mão em auxílio: o verbo
                                            dispara.

O objeto se move
no extremo aposto
como prova.

              Não objetivo reconhecer
              o sinal e o signo.

Ergo a mão na demonstração

da desigualdade.

O DINHEIRO TRAZ FELICIDADE?

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Há muitos e muitos anos, tantos que já se perdeu a conta, nas proximidades das margens do mar Egeu, havia rei orgulhoso, senhor de riquezas sem fim, resultante da venda de pepitas de oiro do Pactolo, afluente do Hermo, rio onde se banhava o infeliz Midas.
Residia em maravilhoso palácio, belamente decorado de luxuosas alfaias de incalculável valor; e em rijas arcas de ferro encerrava fabuloso tesouro, mais rico que a caverna de Ali-Babá.
Certa ocasião recebeu a visita de Sólon – narra Plutarco na “ Vida de Sólon”.
Creso, assim se chamava o rei orgulhoso, rejubilou de contentamento e saudou a feliz oportunidade para deslumbra-lo, mostrando-lhe toda a magnífica riqueza que encerrara nos sólidos cofres reais.
Concluída a longa e pormenorizada visita, interroga-o envaidecido:
- “ Sólon: conhece homem mais afortunado que eu?!”
O filósofo entortou pensativamente a cabeça, sacudindo-a num gesto positivo: Que sim; e nomeou rol de nomes completamente desconhecidos para Creso.
Atónito com o que acabara de escutar, o rei encarou Sólon, e sorrindo com ar de dúvida, indagou quem eram as ilustres individualidades.
Sólon aprumou-se, passou a mão pelo rosto, e ergueu os olhos para o céu, como pedindo inspiração aos deuses; e de voz bem timbrada informa-o: Que eram de facto desconhecidos, mas de grande virtude e viveram despreocupados, porque não possuíam bens a guardar.
Como Creso permanecesse de olhos vagos, refletindo, por momentos, no que ouvira, Sólon acrescentou, num leve murmúrio:
- “ Agora ainda são bem mais felizes…porque já faleceram e não receiam as incertezas do futuro…”
Lançou em graça, o rei, o último e espiritoso dito, e soltou jovial e ruidosa gargalhada, que ecoou pelos largos e longos corredores do majestoso palácio.
Correram os anos pacificamente… com eles, o tempo apagou, quase por completo da memória do rei, o diálogo que tanto o divertira.
Ciro II, rei da Pérsia, tomou conhecimento da imensa fortuna de Creso e pensou invadir a Lídia.
Receoso, Creso reuniu as melhores tropas do reino e alcançando largas alianças, com monarcas amigos, esperou-o nas margens do Hális. Facilmente foi derrotado, sendo preso e severamente humilhado em Sardes.
Ciro II saqueou o palácio e levou o tesouro que Creso tanto se orgulhava.
Os generais persas, com assentimento de Ciro, pensaram matar o rei. Despojaram-no dos ricos mantos reais. Entregaram-no ao escárnio da soldadesca e condenaram-no a morrer na fogueira.
Nessa situação aflitíssima, sentindo altas e doiradas línguas de fogo a lamberem-lhe a macia pele, bradava desesperado, cheio de dor: “ Oh Sólon! …Oh Sólon! …Sólon! …Sólon! …
Narram historiadores, que Ciro apiedou-se da sorte do infeliz rei, livrando-o da morte cruel.
Diga, agora, o leitor amigo, se acredita – depois do que leu, – se o dinheiro traz felicidade.
Se ainda pensa que sim, interrogue milionários no declinar da vida ou vítimas de graves enfermidades, e ouvirá de suas bocas, que não.

A felicidade é como disse Campos Monteiro, em “ Ares da Minha Serra”: “ É contentar-se a gente com o que tem e ganhar com honra e sossego o pão de cada dia.”

REPLICAR

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

Replicante: assunto
                   rediscutido
                   até a exaustão
                   da idéia.

          Tolerância afastada
          na pressa de ir embora.

Ressabiado saber da contestação
da hora. Contração do argumento
               em falsas premissas.

         Primeira vez que falamos
         sobre o assunto. O repicar
                                     dos sinos.



SOU MATUTO SIM

Por Marcos L. Souza (Anápolis, GO)

Claro que gosto do mato
Fui criado em espaço
Ainda durmo na palhoça
O meu carro é uma carroça

No meu rancho é só fartura
Pois trabalho sem lamuria
Não me envergonho de nada
Nem da minha mão calejada

Carrego pra onde for
Um canivete e um couro que fiz 
Nunca pra fazer maldade
Só pra lembrar a minha raiz

Tenho orgulho de ser catira
Tenho orgulho de ser da roça
Não me canso dessa lida
Não me vendo por aposta

Quero viver assim
Até que chegue o fim
E até lá eu vou dizer 
Que sou matuto até morrer.

Sobre o autor: Marcos L. Matos é poeta, escritor, membro da Academia de Letras do Brasil, Seccional Anápolis, GO.


INFINITO

Por Pedro Du Bois ( Balneário Camboriú, SC)

Penso o infinito
e bato a face
contra a porta. Distâncias
castigam por me saber perto.

          Portas invadem domínios
          cortados em salas e quartos.

O infinito dispensa o fato

de não acontecer ao acaso.

A SENHORA MARIA

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Quando a conheci teria talvez uns doze anos. Andava modestamente vestida. Era magra e de estatura meã. Tinha o rosto moreno, cor de terra, faces sulcadas de rugas, e olhos castanhos, encovados, tristes, baços.
Arrastava desbotadas chinelas vermelhas, de corda, pelas ruas de Santa Marinha (Gaia), com saco de serapilheira ao ombro, a recolher papel, que vendia ao farrapeiro, que havia na rua de General Torres, perto da fábrica de louça da Torrinha.
Era caseira de minha mãe. Pagava pela casa, que valia várias dezenas, se não centenas, apenas vinte escudos!
Minha mãe gostava muito dela. Certa vez disse-lhe a medo, não fosse melindra-la: que podia residir na casa de graça.
Agradeceu, mas declarou emocionada:
- Posso pagar o aluguer…Enquanto tiver saúde, com a ajuda de Deus, hei-de sempre cumprir as minhas obrigações.
Todos os meses, logo no início, lá vinha a senhora Maria, com a nota verde de vinte escudos, para “ cumprir a sua obrigação”
Um dia minha mãe caiu gravemente doente. Após meses de calvário, que a levou à cegueira e a dores lancinantes, viria a falecer numa manhã fria, mas solarenga, de Novembro.
O quarto encheu-se de coroas e palmas, de vistosas e caras flores. Cada uma trazia cartão com duas palavras escritas à mão: “Sentidos Pesamos”
Quando meu pai, de olhos humedecidos, ainda bastante pesaroso, foi recolher os cartões, que estavam sobre a salva de prata, encontrou, entre eles, um, que apenas dizia: “Da Senhora Maria”.
As lágrimas escorreram-lhe dos olhos. A pobre mulher, que nessa ocasião era velhinha, e ainda mais pobre do que sempre fora, do pouco que tinha - quiçá do que amealhara para adquirir medicamentos, - não se esqueceu de ofertar palma, simples, mas bem demonstrativa da sua gratidão.
Sentimento - tão apreciado, - mas que anda tão esquecido, nesta sociedade consumista e egoísta, em que vivemos.
A senhora Maria, como a pobre viúva do templo, deu mais que muitos empresários e importantes doutores, que estiveram presentes no cortejo fúnebre.

É que estes deram o que lhes sobejava, ela o que lhe fazia falta para a sua sobrevivência.